{"id":236,"date":"2011-02-24T23:10:10","date_gmt":"2011-02-25T02:10:10","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=236"},"modified":"2011-02-25T04:15:03","modified_gmt":"2011-02-25T07:15:03","slug":"por-que-instituir-a-previdencia-complementar-do-servidor-publico","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=236","title":{"rendered":"Por que instituir a previd\u00eancia complementar do servidor p\u00fablico?"},"content":{"rendered":"

As duas reformas da previd\u00eancia brasileira, feitas em 1998 e em 2003, embora tenham repercutido basicamente no regime de previd\u00eancia do servidor p\u00fablico, ainda est\u00e3o inacabadas. Isso porque uma das principais altera\u00e7\u00f5es aprovadas ainda n\u00e3o foi regulamentada em nenhum dos entes federativos: o estabelecimento da previd\u00eancia complementar do setor p\u00fablico.<\/p>\n

Os sistemas previdenci\u00e1rios podem operar, basicamente, na forma de dois regimes: capitaliza\u00e7\u00e3o e reparti\u00e7\u00e3o. No regime de capitaliza\u00e7\u00e3o, os benef\u00edcios de cada indiv\u00edduo s\u00e3o custeados pela capitaliza\u00e7\u00e3o pr\u00e9via das contribui\u00e7\u00f5es feitas ao longo da vida ativa. No regime de reparti\u00e7\u00e3o, os trabalhadores ativos financiam as aposentadorias e pens\u00f5es em curso, esperando que, no futuro, seus benef\u00edcios previdenci\u00e1rios sejam custeados por outros<\/p>\n

A previd\u00eancia complementar, onde vige o regime de capitaliza\u00e7\u00e3o, complementa a previd\u00eancia b\u00e1sica regida pela reparti\u00e7\u00e3o (sistema vigente no INSS e no servi\u00e7o p\u00fablico federal), subdividindo-se em previd\u00eancia complementar fechada (acess\u00edvel apenas aos empregados de patrocinadoras ou associados de sindicatos, associa\u00e7\u00f5es, etc) e aberta (acess\u00edvel a qualquer pessoa f\u00edsica). No primeiro caso, ao contr\u00e1rio do segundo, h\u00e1 a participa\u00e7\u00e3o financeira do empregador, quando este existe.<\/p>\n

A previd\u00eancia complementar do setor p\u00fablico ser\u00e1, assim, regida pela capitaliza\u00e7\u00e3o, complementar\u00e1 o regime b\u00e1sico, que continuar\u00e1 a existir, e contar\u00e1 com a participa\u00e7\u00e3o financeira do ente federado, que, de acordo com o art. 202 da Constitui\u00e7\u00e3o, n\u00e3o poder\u00e1 superar a do segurado.<\/p>\n

De acordo com o art. 40, \u00a7\u00a7 14, 15 e 16 da Constitui\u00e7\u00e3o Federal, , o ente federado (Uni\u00e3o, estado ou munic\u00edpio), desde que institua regime de previd\u00eancia complementar, poder\u00e1 fixar, para as aposentadorias e pens\u00f5es de seus servidores, o mesmo teto vigente no INSS, que hoje corresponde a cerca de 6,8 sal\u00e1rios m\u00ednimos. Ou seja, n\u00e3o ser\u00e1 necess\u00e1rio para esses governos pagar aposentadorias em valores equivalentes ao sal\u00e1rio da ativa. Para receber maior renda de aposentadoria, os servidores ter\u00e3o a op\u00e7\u00e3o de ades\u00e3o \u00e0 previd\u00eancia complementar.<\/p>\n

A nova regra, todavia, s\u00f3 se aplicar\u00e1 compulsoriamente aos servidores que entrarem no servi\u00e7o p\u00fablico ap\u00f3s a implanta\u00e7\u00e3o do respectivo plano de previd\u00eancia complementar (para os demais, a ades\u00e3o ser\u00e1 facultativa).<\/p>\n

Ademais, considerando que os planos de benef\u00edcio da previd\u00eancia complementar do servidor p\u00fablico dever\u00e3o se restringir \u00e0 modalidade de contribui\u00e7\u00e3o definida<\/em>, na qual os benef\u00edcios futuros dependem da capitaliza\u00e7\u00e3o de contribui\u00e7\u00f5es, o novo regime de previd\u00eancia do servidor dever\u00e1 ter a seguinte configura\u00e7\u00e3o: a) at\u00e9 o teto do INSS, continuar\u00e1 a viger o sistema de benef\u00edcio definido<\/em>, em que o valor do benef\u00edcio \u00e9 garantido pelo ente federativo; b) para o valor que exceder o teto, caber\u00e1 ao servidor a assun\u00e7\u00e3o dos riscos.<\/p>\n

Contudo, por falta de legisla\u00e7\u00e3o regulamentando a mat\u00e9ria, nada disso ocorreu at\u00e9 o momento.<\/p>\n

O grande problema da posterga\u00e7\u00e3o na efetiva\u00e7\u00e3o do novo modelo \u00e9 que, embora as reformas previdenci\u00e1rias empreendidas tenham conseguido controlar a tend\u00eancia explosiva dos gastos, o d\u00e9ficit do regime ainda \u00e9 e continuar\u00e1 sendo elevado, j\u00e1 que ainda n\u00e3o se conseguiu reduzir efetivamente a press\u00e3o fiscal advinda dos encargos previdenci\u00e1rios.<\/p>\n

As despesas com o regime pr\u00f3prio dos servidores se encontram estabilizadas em rela\u00e7\u00e3o ao PIB. Na Uni\u00e3o, t\u00eam oscilado em torno de 2% do PIB, com tend\u00eancia decrescente no longo prazo, conforme mais e mais servidores passem a receber benef\u00edcios previdenci\u00e1rios de acordo com as regras estabelecidas nas reformas da previd\u00eancia empreendidas.<\/p>\n

Ademais, mesmo considerando que os servidores p\u00fablicos em atividade ficaram sujeitos a regras de transi\u00e7\u00e3o, j\u00e1 se observa que a idade m\u00e9dia de aposentadoria subiu (de 58 para 62 anos, no caso dos homens, e de 54 para 58 anos, no das mulheres), bem como aumentou o tempo de perman\u00eancia no servi\u00e7o p\u00fablico, tend\u00eancias que seguir\u00e3o seu curso ascendente at\u00e9 que as regras de transi\u00e7\u00e3o se esgotem.<\/p>\n

N\u00e3o obstante, as despesas e o d\u00e9ficit do regime previdenci\u00e1rio dos servidores continuam sobremaneira elevados. Em 2009, enquanto as despesas do INSS, que abrange 23,2 milh\u00f5es de benefici\u00e1rios, somaram 7,1% do PIB; as do regime dos servidores, com apenas 3,1 milh\u00f5es de benefici\u00e1rios, totalizaram 4,3%. Em termos de d\u00e9ficit, o do primeiro regime representou 1,7% do PIB e o do segundo, 1,4%.<\/p>\n

Essa situa\u00e7\u00e3o se d\u00e1 por duas raz\u00f5es b\u00e1sicas. Por um lado, porque as reformas estabelecidas e seus efeitos levam tempo para surtir efeitos fiscais plenos, tendo em vista as regras de transi\u00e7\u00e3o. Por outro, porque ainda n\u00e3o existe um valor m\u00e1ximo para os benef\u00edcios previdenci\u00e1rios dos servidores p\u00fablicos, o que s\u00f3 ser\u00e1 poss\u00edvel depois do estabelecimento, mediante legisla\u00e7\u00e3o ordin\u00e1ria, da previd\u00eancia complementar desses trabalhadores.<\/p>\n

Nesse \u00faltimo caso, pode-se afirmar que n\u00e3o h\u00e1 como restringir o montante do d\u00e9ficit do sistema sem a exist\u00eancia de um teto. A raz\u00e3o \u00e9 que, de acordo com a estrutura de custeio do regime de reparti\u00e7\u00e3o<\/em> hoje existente no setor p\u00fablico, as contribui\u00e7\u00f5es sociais arrecadadas dos servidores p\u00fablicos ativos, dos aposentados e dos pensionistas equivalem a menos de 12% dos gastos correntes da Uni\u00e3o com aposentadorias e pens\u00f5es. Ou seja, os 88% restantes precisam ser bancados pelos contribuintes de tributos federais. Al\u00e9m disso, a imposi\u00e7\u00e3o do teto no regime pr\u00f3prio dos servidores significa a aproxima\u00e7\u00e3o entre este regime e o existente para os demais trabalhadores do Pa\u00eds, pr\u00e1tica que hoje representa tend\u00eancia internacional.<\/p>\n

Do ponto de vista da pol\u00edtica fiscal, os efeitos de curto e longo prazo redundantes da mudan\u00e7a do regime de previd\u00eancia dos servidores s\u00e3o distintos. No curto, existem os elevados gastos envolvidos com a transi\u00e7\u00e3o de um regime integralmente de reparti\u00e7\u00e3o, como o vigente, para outro em que parte ser\u00e1 regida pela capitaliza\u00e7\u00e3o. Os custos s\u00e3o elevados por que os futuros servidores, ou seja, os que ingressarem no servi\u00e7o p\u00fablico ap\u00f3s a constitui\u00e7\u00e3o da respectiva previd\u00eancia complementar, passar\u00e3o a contribuir apenas at\u00e9 o teto do regime, que, sendo igual ao do INSS, hoje equivale a R$ 3.689,66. Com isso, menor arrecada\u00e7\u00e3o ser\u00e1 revertida para financiar as aposentadorias integrais em manuten\u00e7\u00e3o, cujos valores m\u00e9dios para a Uni\u00e3o correspondem a: R$ 6.177,00, no Executivo (civis), R$ 19.281, no Legislativo, e R$ 15.563 no Judici\u00e1rio (MPO, 2010). Resultado: caber\u00e1 ao Tesouro Nacional aportar, por v\u00e1rios anos, ainda mais recursos para financiar esses benef\u00edcios.<\/p>\n

Cabe observar que a aplica\u00e7\u00e3o compuls\u00f3ria das novas regras apenas para os novos servidores amenizar\u00e1 o custo de transi\u00e7\u00e3o, na medida em que o sistema previdenci\u00e1rio antigo continuar\u00e1 a contar com as contribui\u00e7\u00f5es integrais dos servidores p\u00fablicos em exerc\u00edcio, o que minimizar\u00e1 a perda de arrecada\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Mesmo assim, a vig\u00eancia de um valor m\u00e1ximo para os benef\u00edcios dos novos servidores p\u00fablicos redundar\u00e1 em um custo de transi\u00e7\u00e3o entre o regime antigo e o novo estimado em torno de 0,1% do PIB nas duas primeiras d\u00e9cadas.<\/p>\n

No longo prazo, todavia, a situa\u00e7\u00e3o tende a se acomodar, j\u00e1 que a quantidade de aposentadorias integrais se reduz paulatinamente enquanto as novas crescem. Ap\u00f3s um razo\u00e1vel per\u00edodo de tempo, a situa\u00e7\u00e3o se reverte completamente, passando, ent\u00e3o, a gerar a fundamental redu\u00e7\u00e3o dos gastos p\u00fablicos no \u00e2mbito do regime pr\u00f3prio de previd\u00eancia do servidor p\u00fablico. Paralelamente, a previd\u00eancia complementar dos servidores estar\u00e1 captando e capitalizando as contribui\u00e7\u00f5es adicionais, bem como aplicando a poupan\u00e7a em investimentos de longo prazo. Ao final do processo, as aposentadorias de maior valor deixar\u00e3o de ser financiadas pelo Estado e, consequentemente, por toda a sociedade.<\/p>\n

O gr\u00e1fico a seguir mostra a trajet\u00f3ria estimada do custo de transi\u00e7\u00e3o como propor\u00e7\u00e3o do PIB, caso a previd\u00eancia complementar tivesse sido institu\u00edda na Uni\u00e3o em 2009. Verifica-se que tal custo apresenta tr\u00eas fases distintas. Nas duas d\u00e9cadas iniciais, \u00e9 elevado. Na d\u00e9cada seguinte, embora o custo de transi\u00e7\u00e3o ainda seja positivo, sua trajet\u00f3ria j\u00e1 \u00e9 descendente. A partir da terceira d\u00e9cada, as vantagens advindas da limita\u00e7\u00e3o das aposentadorias ao teto do RGPS come\u00e7am a superar os custos associados \u00e0s perdas de arrecada\u00e7\u00e3o, fazendo com que os ganhos fiscais atinjam algo pr\u00f3ximo a 0,2% do PIB.<\/p>\n

Custo de transi\u00e7\u00e3o da previd\u00eancia complementar dos servidores p\u00fablicos da Uni\u00e3o <\/em>(em % do PIB)<\/em><\/p>\n

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Fonte: <\/em>CAETANO, Marcelo A. \u201cPrevid\u00eancia complementar para o servi\u00e7o p\u00fablico no Brasil\u201d.\u00a0Sinais Sociais, <\/em>v.3. n\u00ba 8, set\/dez 2008. Rio de Janeiro: SESC, 2008.<\/p>\n

Ressaltem-se ainda duas situa\u00e7\u00f5es espec\u00edficas que recomendam a tempestiva reformula\u00e7\u00e3o do regime previdenci\u00e1rio do servidor p\u00fablico. Em primeiro lugar, o Brasil encontra-se em fase de crescimento, o que torna menos dif\u00edcil custear a transi\u00e7\u00e3o. Em segundo, quase 40% dos servidores p\u00fablicos federais possuem hoje mais de 50 anos de idade, o que configura um perfil envelhecido de trabalhadores (superior ao verificado no conjunto da nossa for\u00e7a de trabalho e mesmo nos pa\u00edses da OECD). Nesta segunda situa\u00e7\u00e3o, embora haja uma press\u00e3o das despesas previdenci\u00e1rias no m\u00e9dio prazo, h\u00e1 tamb\u00e9m a oportunidade de repor esses servidores por novos j\u00e1 inseridos num tamb\u00e9m novo regime de previd\u00eancia sujeito ao teto do INSS e complementado por fundo de pens\u00e3o do setor p\u00fablico. Se o processo de renova\u00e7\u00e3o dos servidores ocorrer antes da mudan\u00e7a de regime, os custos fiscais ser\u00e3o maiores e o tempo de matura\u00e7\u00e3o do novo regime ser\u00e1 mais amplo.<\/p>\n

Por fim, cabe fazer um alerta em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 exig\u00eancia constitucional de que os fundos de pens\u00e3o dos servidores dever\u00e3o ter natureza p\u00fablica. J\u00e1 que tal figura n\u00e3o possui significa\u00e7\u00e3o jur\u00eddica estabelecida, caber\u00e1 \u00e0 lei que vier a instituir a previd\u00eancia complementar a normatiza\u00e7\u00e3o da mat\u00e9ria. Se esta for no sentido do estabelecimento de institutos de previd\u00eancia constitu\u00eddos como funda\u00e7\u00f5es ou autarquias p\u00fablicas, estar-se-\u00e1 quebrando um dos pilares da organiza\u00e7\u00e3o da previd\u00eancia complementar no Brasil, que sempre teve natureza privada. Al\u00e9m disso, correr-se-\u00e1 o risco de o sistema ficar mais vulner\u00e1vel \u00e0s inger\u00eancias pol\u00edticas. Ademais, caso venham a ser fundos p\u00fablicos, o Governo Federal poder\u00e1 encontrar dificuldades para supervisionar e regular as entidades criadas por estados e munic\u00edpios, devido aos princ\u00edpios constitucionais de autonomia federativa.<\/p>\n

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