{"id":2340,"date":"2014-11-24T11:28:04","date_gmt":"2014-11-24T14:28:04","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2340"},"modified":"2014-11-24T11:28:04","modified_gmt":"2014-11-24T14:28:04","slug":"os-consumidores-seriam-beneficiados-pelo-fim-dos-impostos-sobre-remedios","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2340","title":{"rendered":"Os consumidores seriam beneficiados pelo fim dos impostos sobre rem\u00e9dios?"},"content":{"rendered":"
Vem ganhando corpo a reivindica\u00e7\u00e3o de redu\u00e7\u00e3o ou elimina\u00e7\u00e3o dos impostos cobrados na venda de rem\u00e9dios. Muitos parlamentares t\u00eam formulado iniciativas de lei nessa dire\u00e7\u00e3o. O argumento para redu\u00e7\u00e3o dos impostos \u00e9 o de que a sa\u00fade \u00e9 um bem \u201cessencial\u00edssimo\u201d. Para os que defendem tal isen\u00e7\u00e3o tribut\u00e1ria, a cobran\u00e7a de impostos sobre medicamentos elevaria o pre\u00e7o final ao consumidor, reduzindo o bem-estar da popula\u00e7\u00e3o, que, em fun\u00e7\u00e3o dos impostos, acabaria consumindo menos medicamentos do que o necess\u00e1rio.<\/p>\n
Nesse artigo procura-se apontar os dois equ\u00edvocos mais importantes desse racioc\u00ednio. O primeiro \u00e9 acreditar que a redu\u00e7\u00e3o dos impostos redundar\u00e1 necessariamente na redu\u00e7\u00e3o significativa dos pre\u00e7os ao consumidor. O segundo est\u00e1 em desconsiderar que a demanda por medicamentos das fam\u00edlias de menor renda \u00e9 atendida primordialmente pelo SUS e n\u00e3o pelo mercado.<\/p>\n
A ideia de que a redu\u00e7\u00e3o dos impostos resultaria em redu\u00e7\u00e3o significativa dos pre\u00e7os ao consumidor n\u00e3o leva em conta que o mercado de medicamentos tem duas caracter\u00edsticas que afetam a rea\u00e7\u00e3o dos pre\u00e7os a uma eventual altera\u00e7\u00e3o nos tributos: patentes e for\u00e7a das marcas.<\/p>\n
As patentes \u2013 que s\u00e3o instrumentos de garantia da propriedade intelectual da empresa desenvolvedora do princ\u00edpio ativo \u2013 conferem ao fabricante monop\u00f3lio tempor\u00e1rio sobre a produ\u00e7\u00e3o de certo medicamento. A exist\u00eancia de patentes, ao contr\u00e1rio do que possa parecer, \u00e9 um fator primordial para o desenvolvimento de novos medicamentos e do aumento no longo prazo do acesso \u00e0 sa\u00fade da popula\u00e7\u00e3o em geral. No curto prazo, enquanto dura a patente, o monopolista pode auferir lucros extraordin\u00e1rios. Qual \u00e9 esse lucro? Tudo depende da import\u00e2ncia do rem\u00e9dio. Uma patente de um medicamento que eliminasse oralmente e sem dor, em uma semana, todos os tipos de c\u00e2ncer teria valor astron\u00f4mico. Uma patente de um rem\u00e9dio que trouxesse uma abordagem alternativa para o tratamento da azia teria, comparativamente, um valor menor.<\/p>\n
A raz\u00e3o est\u00e1 nas diferentes essencialidades dos dois medicamentos hipot\u00e9ticos. Em outras palavras, ainda que o fabricante do primeiro medicamento praticasse pre\u00e7os ao consumidor muito superiores ao custo de produ\u00e7\u00e3o, n\u00e3o teria dificuldade em vend\u00ea-lo. A procura pelo rem\u00e9dio n\u00e3o seria muito afetada pelo pre\u00e7o. Essa situa\u00e7\u00e3o, no jarg\u00e3o econ\u00f4mico, \u00e9 chamada de baixa elasticidade da demanda. O fabricante detentor da segunda patente, do rem\u00e9dio alternativo para azia, n\u00e3o s\u00f3 sofreria a competi\u00e7\u00e3o dos rem\u00e9dios j\u00e1 existentes como tamb\u00e9m se defrontaria com o fato de que a azia, apesar de incomodar, n\u00e3o \u00e9 algo que ameace t\u00e3o intensamente a sa\u00fade e a vida do doente. A demanda pelo segundo medicamento seria, portanto, mais el\u00e1stica a varia\u00e7\u00f5es de pre\u00e7os.<\/p>\n
Parte significativa dos rem\u00e9dios essenciais para cura ou controle de sintomas de doen\u00e7as relevantes tem demanda inel\u00e1stica. Por isso, d\u00e3o grande poder de mercado aos fabricantes detentores de suas patentes.<\/p>\n
O segundo fator relevante a afetar a forma\u00e7\u00e3o de pre\u00e7os dos medicamentos est\u00e1 no fato de que o consumidor tende a valorizar muito a qualidade \u2013 suposta ou real \u2013 de um dado medicamento. Como os medicamentos s\u00e3o produtos complexos, apenas especialistas podem, de fato, garantir sua qualidade. Por isso, o consumidor tende a se orientar pelo prest\u00edgio da marca do medicamento. O peso da marca confere uma condi\u00e7\u00e3o pr\u00f3xima \u00e0 de monop\u00f3lio a seu fabricante, mesmo depois de vencida a patente e a despeito da concorr\u00eancia exercida por gen\u00e9ricos e similares. O marketing das farmac\u00eauticas \u00e9 bastante agressivo e alcan\u00e7a diversas \u00e1reas, incluindo o suporte a atividades acad\u00eamicas de corpora\u00e7\u00f5es m\u00e9dicas e incentivos financeiros a balconistas e farm\u00e1cias.<\/p>\n
Em condi\u00e7\u00f5es de monop\u00f3lio ou pr\u00f3ximas, uma eleva\u00e7\u00e3o de pre\u00e7os decorrente de aumentos de impostos ad valorem <\/em>(aqueles que s\u00e3o cobrados como um percentual do pre\u00e7o) \u00e9 inferior \u00e0 que se verificaria se estivesse operando em um mercado de concorr\u00eancia efetiva, como mostra o gr\u00e1fico abaixo.<\/p>\n Desse modo, a imposi\u00e7\u00e3o de tributos ad valorem<\/em> \u2013 ou a sua elimina\u00e7\u00e3o \u2013 afetar\u00e1 pouco o pre\u00e7o de venda ao consumidor. A consequ\u00eancia \u00e9 que, no caso de aumento de tributos ad valorem<\/em>, a maior parte do imposto adicional \u00e9 paga pelo fabricante, que n\u00e3o o repassa integralmente ao pre\u00e7o. Inversamente, no caso de retirada de tributos, o pre\u00e7o n\u00e3o cair\u00e1 significativamente, pois essa redu\u00e7\u00e3o de custo n\u00e3o ser\u00e1 totalmente repassada ao consumidor, j\u00e1 que ser\u00e1 em grande medida capturada pelo fabricante. Diversamente, se a estrutura de mercado fosse de concorr\u00eancia perfeita e a demanda, perfeitamente inel\u00e1stica, toda a redu\u00e7\u00e3o de tributo seria repassada ao consumidor (por outro lado, na dire\u00e7\u00e3o oposta, todo aumento de tributos \u00e9 100% repassado para o consumidor).<\/p>\n A Organiza\u00e7\u00e3o Mundial da Sa\u00fade, por exemplo, cita evid\u00eancias de que, no Peru, a elimina\u00e7\u00e3o de impostos sobre medicamentos de alta essencialidade \u2013 anticancer\u00edgenos e antirretrovirais \u2013 n\u00e3o levou \u00e0 queda do pre\u00e7o ao consumidor1<\/sup>.<\/p>\n Pesquisa publicada no jornal The Lancet<\/em>, em 20082<\/sup>, mostrou que nos pa\u00edses de renda semelhante \u00e0 do Brasil (renda m\u00e9dia alta) a mediana da diferen\u00e7a de pre\u00e7os dos rem\u00e9dios de refer\u00eancia para os gen\u00e9ricos mais baratos \u00e9 de not\u00e1veis 151%. Isso indica que a entrada de op\u00e7\u00f5es mais baratas no mercado n\u00e3o foi suficiente para derrubar os pre\u00e7os dos rem\u00e9dios de marca, dado que h\u00e1 pessoas dispostas a pagar mais caro por eles, por suporem \u2013 correta ou equivocadamente \u2013 que s\u00e3o de melhor qualidade.<\/p>\n Outro aspecto importante \u00e9 a incid\u00eancia dos impostos sobre as diversas faixas de renda da popula\u00e7\u00e3o e o perfil de consumo de medicamentos de cada faixa de renda. Estudo do IPEA3<\/sup> aponta que os pre\u00e7os m\u00e9dios de medicamentos no Brasil subiram de US$ 1,85 para US$ 8,56 entre 1990 e 2009, uma varia\u00e7\u00e3o muito superior \u00e0 infla\u00e7\u00e3o do d\u00f3lar. Mais interessante, no entanto, foi o comportamento do gasto m\u00e9dio com medicamentos adquiridos em mercado<\/strong> pela popula\u00e7\u00e3o no mesmo per\u00edodo: variou de US$ 11,34 para US$ 9,24. Para um forte aumento do pre\u00e7o m\u00e9dio dos medicamentos, houve uma queda no gasto total em rem\u00e9dios adquiridos em mercado. Esse dado \u00e9 ind\u00edcio de \u00a0aumento da import\u00e2ncia do fornecimento de medicamentos gratuitos pelo governo no total do consumo desses produtos.<\/p>\n O mesmo estudo aponta que, em 2008, das fam\u00edlias que comp\u00f5em os 40% mais pobres da popula\u00e7\u00e3o, entre 40% e 48% receberam gratuitamente todos os medicamentos que lhes foram prescritos. Nesse mesmo grupo, entre 56% e 64% receberam todos ou alguns dos medicamentos prescritos. Para os 10% mais ricos, esses percentuais ca\u00edram para 10% e 16%.<\/p>\n Parece claro que, do ponto de vista fiscal \u2013 que analisa de forma agregada receitas e gastos \u2013 a cobran\u00e7a de impostos em rem\u00e9dios \u00e9 plenamente justificada e contribui para a redu\u00e7\u00e3o de desigualdades de renda. De um lado, os impostos n\u00e3o afetam substantivamente os pre\u00e7os ao consumidor, fazendo com que o governo se aproprie de uma renda que, sem os impostos, seria capturada majoritariamente pelos fabricantes e pela rede de distribui\u00e7\u00e3o. Essa captura, \u00e9 bom salientar novamente, \u00e9 decorrente das caracter\u00edsticas peculiares desse mercado e da baixa elasticidade da demanda por medicamentos. De outro, a receita p\u00fablica gerada pelos impostos sobre medicamentos vendidos em mercado abre espa\u00e7o fiscal para financiar a distribui\u00e7\u00e3o gratuita aos segmentos mais pobres da popula\u00e7\u00e3o na rede p\u00fablica.<\/p>\n N\u00e3o \u00e9 por acaso que esse arranjo fiscal na sa\u00fade \u2013 e mais especificamente, na \u00e1rea de medicamentos \u2013 que combina atendimento pelo mercado e pelo sistema p\u00fablico, se assemelha ao padr\u00e3o verificado na Europa, onde as sociedades, diferentemente dos Estados Unidos, optaram por sistemas de sa\u00fade predominantemente p\u00fablicos.<\/p>\n Noruega e Dinamarca aplicam aos medicamentos a al\u00edquota gen\u00e9rica do imposto de valor agregado (IVA) de 25%. O mesmo se d\u00e1 na Su\u00e9cia, com a exce\u00e7\u00e3o de que os rem\u00e9dios com receita s\u00e3o isentos. Na Alemanha e no Reino Unido, o IVA dos medicamentos \u00e9 id\u00eantico aos dos demais produtos de consumo, de 19% e de 17,5%, respectivamente. Na It\u00e1lia, o IVA de medicamentos \u2013 10% \u2013 \u00e9 metade do IVA normal. Seguindo esse exemplo, tamb\u00e9m praticam IVA de metade do normal para medicamentos Let\u00f4nia, \u00c1ustria, Rep\u00fablica Checa, Eslov\u00e1quia, Est\u00f4nia, Finl\u00e2ndia, Eslov\u00eania e Turquia.<\/p>\n Em sentido oposto, os Estados Unidos se caracterizam pela isen\u00e7\u00e3o total do imposto sobre vendas para medicamentos prescritos, embora haja alguma diferen\u00e7a entre os diversos estados. Essa pr\u00e1tica \u00e9 compreens\u00edvel num quadro fiscal em que o Estado participa de maneira insignificante na provis\u00e3o de servi\u00e7os de sa\u00fade, em especial, na distribui\u00e7\u00e3o de medicamentos.<\/p>\n Parece n\u00e3o haver d\u00favida, em vista do que apontam a teoria econ\u00f4mica, a observa\u00e7\u00e3o internacional e a compara\u00e7\u00e3o entre os diversos sistemas de sa\u00fade prevalecentes no mundo, que o Brasil deve continuar cobrando impostos sobre medicamentos, pois essa \u00e9 a f\u00f3rmula que melhor se adapta ao nosso modelo de provis\u00e3o de sa\u00fade, ao perfil de distribui\u00e7\u00e3o de renda e ao mercado de medicamentos brasileiro. Essa cobran\u00e7a tem \u00f3bvios efeitos redistributivos, especialmente porque, em geral, a receita que adv\u00e9m dos impostos, caso fosse perdida em uma elimina\u00e7\u00e3o de sua cobran\u00e7a, ficaria majoritariamente retida entre fabricantes e a rede de distribui\u00e7\u00e3o privada. Por melhor que sejam as inten\u00e7\u00f5es dos que prop\u00f5em a elimina\u00e7\u00e3o integral dos impostos sobre rem\u00e9dios, essa medida traria consequ\u00eancias negativas para a popula\u00e7\u00e3o de menor renda.<\/p>\n ________________<\/p>\n 1<\/sup> In Peru, sales tax and VAT were waived for a range of cancer medicines and antiretrovirals in 2001, though little change in retail prices was observed to result. (\u2026). But the experience of at least one country – Peru – has shown that removal of taxes does not necessarily mean lower prices to patients unless supporting regulation, for example, on retail mark-ups, is implemented<\/em> (CREESE, 2011). <\/p>\n Refer\u00eancias:<\/p>\n CAMERON<\/strong>, A.; EWEN<\/strong>, M.; ROSS-DEGNA<\/strong>, D.; BALL<\/strong>, D.; and LAING<\/strong>, R. Medicine prices, availability, and affordability in 36 developing and middle-income countries: a secondary analysis<\/em>. The Lancet. 2008.<\/p>\n http:\/\/www.who.int\/medicines\/areas\/access\/medicine_prices_availability_and_affordability_in_36_developing_ CREESE<\/strong>, A. Review Series on Pharmaceutical Pricing Policies and Interventions. Working paper n\u00ba 5: Sales Taxes on Medicines<\/em>. World Health Organization. 2011.<\/p>\n http:\/\/www.haiweb.org\/medicineprices\/05062011\/Taxes%20final%20May2011.pdf<\/a><\/p>\n IPEA<\/strong>. Comunicado IPEA n\u00ba 74: Programas de assist\u00eancia farmac\u00eautica do governo federal \u2013 evolu\u00e7\u00e3o recente das compras diretas de medicamentos e primeiras evid\u00eancias de sua efici\u00eancia 2005 a 2008<\/em>. IPEA. Bras\u00edlia. 2010. http:\/\/www.ipea.gov.br\/portal\/images\/stories\/PDFs\/comunicado\/101216_comunicadoipea74.pdf<\/a><\/p>\n Download:<\/strong><\/p>\n<\/a><\/p>\n
\n2<\/sup> (CAMERON, EWEN, ROSS-DEGNA, BALL \u00a0AND LAING, 2008)
\n3<\/sup> (IPEA, 2010)<\/p>\n
\nand_middle-income_countries_a_secondary_annalysis.pdf?ua=1<\/a><\/p>\n