{"id":2328,"date":"2014-11-04T11:20:31","date_gmt":"2014-11-04T14:20:31","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2328"},"modified":"2014-11-05T12:27:54","modified_gmt":"2014-11-05T15:27:54","slug":"por-que-o-julgamento-do-stf-sobre-desaposentadoria-e-importante","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2328","title":{"rendered":"Por que o julgamento do STF sobre desaposentadoria \u00e9 importante?"},"content":{"rendered":"

Introdu\u00e7\u00e3o \u00e0 desaposentadoria (desaposenta\u00e7\u00e3o)<\/strong><\/p>\n

\u00a0<\/strong>A \u201cdesaposentadoria\u201d (ou \u201cdesaposenta\u00e7\u00e3o\u201d) \u00e9 tema que vem ganhando cada vez mais destaque, no Judici\u00e1rio e no Legislativo1<\/sup>: o direito \u00e9 pleiteado por centenas de milhares de aposentados e tem custos estimados em dezenas de bilh\u00f5es de reais pelo governo. No Supremo Tribunal Federal, caminha para ser \u201co julgamento do ano\u201d: o Plen\u00e1rio da Corte come\u00e7ou em outubro a analisar o Recurso Extraordin\u00e1rio n\u00ba 661.256, que tem repercuss\u00e3o geral \u2013 o que significa que a decis\u00e3o deve ser estendida aos casos id\u00eanticos em todas as inst\u00e2ncias inferiores.<\/p>\n

O julgamento come\u00e7ou com voto do ministro relator Roberto Barroso favor\u00e1vel \u00e0 desaposentadoria, e tamb\u00e9m o ministro Marco Aur\u00e9lio j\u00e1 votou tamb\u00e9m de maneira favor\u00e1vel em outra a\u00e7\u00e3o. Existem mais de cem mil a\u00e7\u00f5es no Judici\u00e1rio pedindo a desaposentadoria, segundo a Advocacia-Geral da Uni\u00e3o (AGU). O governo ainda estima em meio milh\u00e3o a quantidade de aposentados que continuam trabalhando e contribuindo para a Previd\u00eancia, mas o n\u00famero de afetados pode ser bem maior, considerando que a decis\u00e3o favor\u00e1vel \u00e0 desaposentadoria \u2013 pelo Congresso ou pelo STF \u2013 deve levar muitos trabalhadores que j\u00e1 s\u00e3o eleg\u00edveis a se aposentar; muitos aposentados que n\u00e3o trabalham a voltar ao mercado de trabalho formal; e muitos segurados a buscar judicialmente compensa\u00e7\u00f5es por terem seguido as regras vigentes (tendo eles j\u00e1 se aposentado ou n\u00e3o).<\/p>\n

Mas o que \u00e9 a desaposentadoria? Conforme o texto publicado em junho (O que \u00e9 desaposentadoria e qual o seu impacto?<\/a>), simplificadamente, trata-se do direito ao rec\u00e1lculo do valor da aposentadoria para aqueles que continuaram trabalhando depois de se aposentar, de modo que seja incorporado ao benef\u00edcio o valor das contribui\u00e7\u00f5es feitas \u00e0 Previd\u00eancia depois que se aposentaram (a contribui\u00e7\u00e3o previdenci\u00e1ria \u00e9 devida por todos aqueles que trabalham).<\/p>\n

Assim, a desaposentadoria guarda semelhan\u00e7a com o instituto da \u201crevers\u00e3o\u201d, que permite, sob certas condi\u00e7\u00f5es, que servidores p\u00fablicos inativos voltem \u00e0 atividade. Entretanto, os institutos s\u00e3o marcadamente diferentes: ao contr\u00e1rio do que a express\u00e3o \u201cdesaposentadoria\u201d pode indicar, n\u00e3o se pleiteia meramente a possibilidade de se deixar de ser aposentado e voltar ao mercado de trabalho (como na revers\u00e3o), mas de acumular trabalho e aposentadoria, pedindo, por uma segunda vez – quando de fato se para de trabalhar -, que as contribui\u00e7\u00f5es feitas se revertam em benef\u00edcio. Nesse sentido, a express\u00e3o \u201creaposentadoria\u201d ilustraria melhor o direito do que o termo \u201cdesaposentadoria\u201d, j\u00e1 que n\u00e3o se trata da mera ren\u00fancia \u00e0 aposentadoria acompanhada do retorno ao trabalho.<\/p>\n

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O fator previdenci\u00e1rio<\/strong><\/p>\n

\u00a0<\/strong>A desaposentadoria est\u00e1 intimamente ligada ao descontentamento com o \u201cfator previdenci\u00e1rio\u201d, e tamb\u00e9m com o fato de ele ser mal compreendido. Entendido como um \u201cdesconto\u201d no valor que seria considerado justo para as aposentadorias, o fator, na verdade, busca contornar a aus\u00eancia de idade m\u00ednima para aposentadoria no Regime Geral de Previd\u00eancia Social (RGPS) \u2013 caracter\u00edstica que faz do Brasil uma exce\u00e7\u00e3o entre os sistemas de seguridade existentes no mundo. Em geral, as aposentadorias no Pa\u00eds se d\u00e3o de maneira muito precoce quando comparadas a outros pa\u00edses, sejam eles pa\u00edses desenvolvidos ou mesmo pa\u00edses em desenvolvimento.<\/p>\n

Para tornar o sistema mais equilibrado e sustent\u00e1vel, o fator previdenci\u00e1rio faz com que os benef\u00edcios dos que se aposentam mais cedo sejam menores do que os daqueles que escolhem se aposentar mais tarde. Assim, para dois segurados que come\u00e7aram a trabalhar exatamente no mesmo dia, com a mesma idade e que receberam sempre os mesmos sal\u00e1rios, a aposentadoria daquele que se aposentar, por exemplo, aos 55 anos, ser\u00e1 menor do que a daquele que se aposentar cinco anos depois, aos 60 anos. O fator considera que o que se aposentou com 55 anos contribuir\u00e1 por menos tempo e receber\u00e1 por mais tempo o benef\u00edcio do que aquele que se aposentou com 60, e por isso este \u00faltimo receber\u00e1 um valor maior2<\/sup>.<\/p>\n

Assim, o fator previdenci\u00e1rio deveria induzir os segurados a apenas come\u00e7ar a receber a aposentadoria em idades mais pr\u00f3ximas daquelas praticadas mundo afora, remendando o problema da aus\u00eancia de idade m\u00ednima para aposentadoria no RGPS. Isso, em parte, n\u00e3o aconteceu: as aposentadorias continuam se dando em idades baixas3<\/sup>. Estando aposentado em idade ainda jovem, o trabalhador tem plenas condi\u00e7\u00f5es de voltar ao mercado de trabalho. Muitos destes trabalhadores se sentem injusti\u00e7ados pelo fator, e buscam, administrativa ou judicialmente, o rec\u00e1lculo do benef\u00edcio. Tal rec\u00e1lculo levaria em conta n\u00e3o apenas as contribui\u00e7\u00f5es adicionais feitas pelo indiv\u00edduo no novo emprego, ap\u00f3s \u00e0 aposentadoria, como tamb\u00e9m a sua idade mais avan\u00e7ada (que reduz o desconto aplicado pelo fator previdenci\u00e1rio).<\/p>\n

O desequil\u00edbrio prejudicial \u00e0 previd\u00eancia decorrente desse rec\u00e1lculo vem do fato de que entre o momento da aposentadoria e o momento do rec\u00e1lculo o indiv\u00edduo recebeu pagamentos a t\u00edtulo de aposentadoria. Se ele deseja anular a aposentadoria anterior e recalcul\u00e1-la com sua nova idade e tempo de contribui\u00e7\u00e3o, deveria, ent\u00e3o, devolver todos os recursos que recebeu a t\u00edtulo de aposentadoria. Tudo se passaria como se ele n\u00e3o tivesse se aposentado antes e estivesse pedindo aposentadoria agora. Recalcular o valor a receber, sem devolver o que recebeu at\u00e9 ent\u00e3o, significa \u00f3bvio \u00f4nus ao er\u00e1rio.<\/p>\n

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O que apenas Brasil, Ir\u00e3, Iraque e Equador t\u00eam em comum?<\/strong><\/p>\n

\u00a0<\/strong>Ainda pouco se fala no Brasil que somos um dos poucos pa\u00edses do mundo que permitem a aposentadoria por tempo de contribui\u00e7\u00e3o (anteriormente aposentadoria por tempo de servi\u00e7o) \u2013 sem uma idade m\u00ednima. Juntam-se \u00e0 exce\u00e7\u00e3o brasileira apenas o Ir\u00e3, o Iraque e o Equador, sendo que este \u00faltimo exige um m\u00ednimo de 40 anos de contribui\u00e7\u00f5es. N\u00e3o apenas o Brasil est\u00e1 acompanhado nesse quesito por economias nada modernas, mas, dentre elas, pode ser considerado o mais generoso nas condi\u00e7\u00f5es de elegibilidade para concess\u00e3o do benef\u00edcio: Ir\u00e3, Iraque e Equador s\u00f3 concedem a aposentadoria caso o segurado efetivamente pare de trabalhar.<\/p>\n

Na verdade, a maioria dos pa\u00edses trata a aposentadoria de fato como um \u201cseguro\u201d. A no\u00e7\u00e3o por tr\u00e1s da aposentadoria \u00e9 justamente que o segurado contribui para o sistema e, quando se encontra incapacitado de trabalhar (o equivalente a um sinistro em outros tipos de seguro), recebe um benef\u00edcio para se manter.\u00a0 \u00c9 por isso que quase todos os pa\u00edses possuem uma idade m\u00ednima para a aposentadoria, j\u00e1 que seria a idade avan\u00e7ada que inviabilizaria o trabalho. Outro exemplo de ocorr\u00eancia de \u201csinistro\u201d seria a aposentadoria por invalidez, em que o segurado perde as condi\u00e7\u00f5es de trabalhar normalmente, ainda que jovem, e recebe um benef\u00edcio da seguridade social por isso, ou ainda o aux\u00edlio-doen\u00e7a.<\/p>\n

As aposentadorias est\u00e3o longe de ser entendidas como um \u201cseguro\u201d pela sociedade brasileira, seja no RGPS (Regime Geral de Previd\u00eancia Social, o regime administrado pelo Instituto Nacional do Seguro<\/em> Social \u2013 INSS) ou no servi\u00e7o p\u00fablico (Regime Pr\u00f3prio de Previd\u00eancia Social \u2013 RPPS), e s\u00e3o entendidas como uma renda que o trabalhador tem direito a receber como recompensa por d\u00e9cadas de trabalho, sendo considerado natural que ele ainda esteja em condi\u00e7\u00f5es de trabalhar quando se aposenta. De acordo com o art. 194 da Constitui\u00e7\u00e3o da Rep\u00fablica, integram o nosso sistema de seguridade social n\u00e3o apenas a previd\u00eancia, mas tamb\u00e9m a assist\u00eancia social e a sa\u00fade \u2013 esta \u00faltima \u00e9 financiada pelos segurados via tributos: na ocorr\u00eancia de um \u201csinistro\u201d (um problema de sa\u00fade), o segurado tem direito a ser tratado na rede p\u00fablica de sa\u00fade.<\/p>\n

Ressalta-se mais uma vez que a idade m\u00ednima para aposentadoria \u00e9 a regra mesmo em pa\u00edses em desenvolvimento. Essa idade m\u00ednima, em geral, vai de pelo menos 60 anos para homens at\u00e9 um m\u00ednimo de 66, em Portugal, e 67, na Gr\u00e9cia e em pa\u00edses de renda alta (como os escandinavos). Como apresentado no texto anterior<\/a>, entre os nossos vizinhos, M\u00e9xico, Col\u00f4mbia, Argentina, Chile e Peru t\u00eam, por exemplo, idade m\u00ednima de 65 anos.<\/p>\n

O caso brasileiro \u00e9 ainda mais discrepante quando se considera a expectativa de sobrevida da popula\u00e7\u00e3o idosa. Apesar de a expectativa de vida ao nascer<\/em> no Brasil ainda estar abaixo da de outros pa\u00edses (74,6 anos em 2013, segundo o IBGE), ao contr\u00e1rio do que se pensa, n\u00e3o \u00e9 esse o dado relevante para a seguridade social, e sim a expectativa de vida condicionada a idades mais avan\u00e7adas4<\/sup> (ou expectativa de sobrevida). A expectativa de vida daqueles com 65 anos no Brasil \u00e9 pr\u00f3xima da de pa\u00edses desenvolvidos (83 anos em 2012, de acordo com o IBGE) e a OCDE estima que no futuro ela deve superar ligeiramente at\u00e9 a dos Estados Unidos e a da Dinamarca, chegando a quase 90 anos (24,6 anos de expectativa de sobrevida aos 65)5<\/sup>.<\/p>\n

A falta de compreens\u00e3o dessa realidade e do mecanismo que buscou corrigi-la (o fator previdenci\u00e1rio) est\u00e1 diretamente relacionada aos pleitos de desaposentadoria e \u00e0 sua aceita\u00e7\u00e3o por parte da classe pol\u00edtica e do Judici\u00e1rio. Contudo, o instituto da desaposentadoria n\u00e3o parece consoante com a nossa Constitui\u00e7\u00e3o, como veremos a seguir.<\/p>\n

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Sobre constitucionalidade: (des)equil\u00edbrio atuarial, diferencia\u00e7\u00e3o dos segurados, majora\u00e7\u00e3o de benef\u00edcios sem fonte de custeio e a escolha do constituinte pelo modelo de reparti\u00e7\u00e3o \u00a0<\/strong><\/p>\n

A preocupa\u00e7\u00e3o com o equil\u00edbrio da Previd\u00eancia Social n\u00e3o \u00e9 recente e n\u00e3o \u00e9 apenas do governo ou dos economistas: est\u00e1 expl\u00edcita no texto constitucional. No julgamento do STF, naturalmente \u00e9 sob a luz da Constitui\u00e7\u00e3o que a desaposentadoria \u00e9 analisada.\u00a0 \u00a0No art. 201 consta que a organiza\u00e7\u00e3o da Previd\u00eancia observar\u00e1 crit\u00e9rios de preserva\u00e7\u00e3o do equil\u00edbrio financeiro e do equil\u00edbrio atuarial. Esses n\u00e3o s\u00e3o termos abstratos ou sem significado, apesar de o debate sobre a desaposentadoria por vezes parecer ignorar a presen\u00e7a do \u201cequil\u00edbrio financeiro e atuarial\u201d na Constitui\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

O Minist\u00e9rio da Previd\u00eancia Social (MPS) define de maneira objetiva o equil\u00edbrio financeiro como a equival\u00eancia entre receitas e obriga\u00e7\u00f5es em cada exerc\u00edcio financeiro, o que j\u00e1 n\u00e3o ocorre, apesar de ainda sermos um pa\u00eds com popula\u00e7\u00e3o jovem: o deficit<\/em> estimado para 2014 \u00e9 de R$ 55 bilh\u00f5es. J\u00e1 o equil\u00edbrio atuarial seria a \u201cequival\u00eancia, a valor presente, entre fluxo de receitas estimadas e obriga\u00e7\u00f5es projetadas, apuradas atuarialmente, a longo prazo\u201d6<\/sup>. Ou seja, de maneira simplificada, o equil\u00edbrio atuarial existe quando o valor esperado da diferen\u00e7a entre receitas e despesas futuras \u00e9 zero: a arrecada\u00e7\u00e3o equivaleria \u00e0s despesas e n\u00e3o haveria desequil\u00edbrio.<\/p>\n

A desaposentadoria vai de encontro com o equil\u00edbrio atuarial. Isso porque desconsidera as vari\u00e1veis atuariais usadas no c\u00e1lculo do benef\u00edcio e presentes no fator previdenci\u00e1rio. O fundamental \u00e9 que o c\u00e1lculo do valor da \u201cprimeira\u201d aposentadoria n\u00e3o considera<\/em> que o benef\u00edcio ser\u00e1 aumentado anos depois (como na desaposentadoria), e sim que o benefici\u00e1rio permanecer\u00e1 recebendo como provento aquele valor (em termos reais) que foi concedido, residindo justamente a\u00ed a fonte do desequil\u00edbrio.<\/p>\n

Naturalmente, o valor do benef\u00edcio guarda rela\u00e7\u00e3o com o valor da contribui\u00e7\u00e3o, mas tamb\u00e9m, entre outros fatores, com o tempo esperado de usufruto. Como o tempo esperado de usufruto \u00e9 o mesmo com a desaposentadoria (logicamente a expectativa de sobrevida n\u00e3o diminui), o aumento do benef\u00edcio gera o desequil\u00edbrio: n\u00e3o h\u00e1 equival\u00eancia entre o valor esperado que o segurado receber\u00e1 e o que ele contribuiu. A \u201cpremissa\u201d dos pleitos de desaposentadoria \u00e9 que seria justo que o benefici\u00e1rio receba mais porque contribui mais quando continuou trabalhando, mas com a desaposentadoria o que de fato temos \u00e9 o desequil\u00edbrio do ponto de vista atuarial. Em outras palavras, como o trabalhador se aposenta cedo e tem longa expectativa de vida, mesmo com a aplica\u00e7\u00e3o do fator previdenci\u00e1rio, as contribui\u00e7\u00f5es que ele pagou n\u00e3o s\u00e3o suficientes para cobrir os benef\u00edcios que receber\u00e1. Tampouco \u201ccobrem o buraco\u201d as contribui\u00e7\u00f5es que ele paga quando volta \u00e0 ativa, ap\u00f3s \u00e0 aposentadoria. Assim, o aumento do benef\u00edcio via desaposentadoria apenas agrava o desequil\u00edbrio atuarial.<\/p>\n

Tal desequil\u00edbrio atuarial seria minorado se o benefici\u00e1rio devolvesse os valores recebidos entre o primeiro pedido de aposentadoria e o segundo pedido (desaposentadoria), mas n\u00e3o \u00e9 esse o tratamento que tem sido dado \u00e0 quest\u00e3o, caracterizando poss\u00edvel ofensa ao texto constitucional7<\/sup>.<\/p>\n

O desequil\u00edbrio \u00e9 facilmente percebido quando se compara a situa\u00e7\u00e3o dos \u201cdesaposentados\u201d com a daqueles que, em vez de pedir a aposentadoria quando ficaram eleg\u00edveis, esperaram anos para pedir a aposentadoria definitiva, seguindo as regras vigentes e a l\u00f3gica do fator previdenci\u00e1rio (que faz com que o valor do benef\u00edcio seja maior quanto mais se espera para pleitear a aposentadoria). Com a desaposentadoria, os trabalhadores que esperaram (ou esperam) v\u00e3o fazer jus a benef\u00edcios com o mesmo <\/em>valor dos desaposentados, sem que tenham recebido os milhares de reais que os desaposentados receberam entre o primeiro e o segundo pedido de aposentadoria.<\/p>\n

A situa\u00e7\u00e3o, al\u00e9m de ser sobremaneira injusta e il\u00f3gica, ilustra o desequil\u00edbrio atuarial que acompanha a desaposentadoria: segurados que contribu\u00edram durante um mesmo per\u00edodo de tempo e sobre um mesmo sal\u00e1rio v\u00e3o receber da Previd\u00eancia quantias muito diferentes, sendo que aqueles que seguiram as regras receber\u00e3o muito menos do que os que pleitearam a desaposentadoria. Ou seja, mesmo que os valores de vari\u00e1veis atuariais como idade e expectativa de sobrevida sejam id\u00eanticos, os montantes recebidos ser\u00e3o bastante diferentes.<\/p>\n

Ainda, essa distor\u00e7\u00e3o pode ser interpretada como um afronta ao \u00a7 1\u00ba do art. 201 da Constitui\u00e7\u00e3o, que veda a a\u00e7\u00e3o de requisitos e crit\u00e9rios diferenciados para a concess\u00e3o de aposentadoria no RGPS8<\/sup>.<\/p>\n

Com efeito, a revis\u00e3o dos benef\u00edcios que ocorre com a desaposentadoria majora as aposentadorias, o que confrontaria tamb\u00e9m o \u00a7 5\u00ba do inciso IV do art. 195 da Constitui\u00e7\u00e3o. Tal dispositivo condiciona a cria\u00e7\u00e3o, majora\u00e7\u00e3o ou extens\u00e3o de benef\u00edcios ou servi\u00e7os da seguridade social \u00e0 exist\u00eancia de uma fonte de custeio total espec\u00edfica. A desaposentadoria aumentaria as despesas da seguridade sem especificar de onde viriam os recursos para custe\u00e1-las, especialmente caso seja reconhecida por decis\u00e3o do Judici\u00e1rio.<\/p>\n

No entanto, os poss\u00edveis conflitos com o texto constitucional n\u00e3o se resumem somente \u00e0 aus\u00eancia do equil\u00edbrio atuarial, \u00e0 diferencia\u00e7\u00e3o dos segurados ou \u00e0 majora\u00e7\u00e3o de benef\u00edcios sem a fonte dos recursos. A escolha do constituinte para o regime de custeio da Previd\u00eancia foi o de \u201creparti\u00e7\u00e3o\u201d, como em geral os pa\u00edses escolhem para a previd\u00eancia p\u00fablica, e n\u00e3o o de \u201ccapitaliza\u00e7\u00e3o\u201d, o regime de custeio usado na previd\u00eancia privada.<\/p>\n

No regime de reparti\u00e7\u00e3o, os trabalhadores ativos financiam as aposentadorias dos inativos. J\u00e1 no regime de capitaliza\u00e7\u00e3o, as contribui\u00e7\u00f5es do trabalhador ativo, quando est\u00e1 em atividade, s\u00e3o investidas individualmente e revertidas futuramente no valor da aposentadoria. A escolha pelo regime de reparti\u00e7\u00e3o est\u00e1 expressa no art. 195, em que se estabelece que a seguridade social ser\u00e1 financiada por toda a sociedade. A revis\u00e3o dos benef\u00edcios, pleiteada na desaposentadoria, se apoia na ideia de que as contribui\u00e7\u00f5es do segurado devem ser revertidas em benef\u00edcio, mesmo que feitas depois que ele j\u00e1 se aposentou. Ideia semelhante motiva os pedidos para que as contribui\u00e7\u00f5es deixem de ser cobradas quando o segurado acumula trabalho e aposentadoria.<\/p>\n

Evidentemente esses argumentos fazem sentido apenas no regime de capitaliza\u00e7\u00e3o, como em uma previd\u00eancia privada, mas n\u00e3o no caso dos benef\u00edcios do INSS. Se o nosso regime \u00e9, para todos os outros fins, o de reparti\u00e7\u00e3o, n\u00e3o h\u00e1 que se considerar que os valores das novas contribui\u00e7\u00f5es sejam transformados em benef\u00edcios, porque, conforme a interpreta\u00e7\u00e3o feita do art. 195, o benef\u00edcio do segurado seria financiado por toda a sociedade, e n\u00e3o por sua contribui\u00e7\u00e3o individual.<\/p>\n

Naturalmente existe uma confus\u00e3o, j\u00e1 que a aposentadoria precoce (por conta da aus\u00eancia de idade m\u00ednima), concedida sem estar condicionada \u00e0 efetiva interrup\u00e7\u00e3o do trabalho, faz com que o trabalhador possa estar na peculiar condi\u00e7\u00e3o de ativo e inativo simultaneamente \u2013 e isso ocorre ou ocorreu com milh\u00f5es de trabalhadores.<\/p>\n

Cabe observar que o fato de termos apontado aqui controv\u00e9rsias em rela\u00e7\u00e3o a pontos expl\u00edcitos (como o equil\u00edbrio atuarial) e impl\u00edcitos (como a escolha pelo regime de reparti\u00e7\u00e3o) no texto constitucional n\u00e3o implica que os segurados que pedem a desaposentadoria ajam de m\u00e1-f\u00e9. O que parece ocorrer, como ressaltado anteriormente, \u00e9 uma incompreens\u00e3o sobre a realidade da aus\u00eancia de idade m\u00ednima e da solu\u00e7\u00e3o do fator previdenci\u00e1rio. Ainda, esses segurados certamente consideram o valor dos benef\u00edcios insatisfat\u00f3rios, mas isso decorre da pr\u00f3pria situa\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica do pa\u00eds, que ainda est\u00e1 longe de ser considerado um pa\u00eds com renda m\u00e9dia alta. Em geral, a renda desses benefici\u00e1rios j\u00e1 n\u00e3o podia ser considerada satisfat\u00f3ria quando estavam na ativa, e o valor da aposentadoria reflete esse quadro.<\/p>\n

 <\/p>\n

Aus\u00eancia de omiss\u00e3o legislativa: as Leis n\u00ba 9.876, de 1999; n\u00ba 9.032, de 1995; n\u00ba 9.528, de 1997; e n\u00ba 8.870, de 1994. \u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0\u00a0 <\/strong><\/p>\n

\u00a0<\/strong>Um dos argumentos usados para que o Judici\u00e1rio reconhe\u00e7a a desaposentadoria \u00e9 que existe omiss\u00e3o legislativa em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 mat\u00e9ria \u2013 quest\u00e3o destacada inclusive no STF. No entanto, um conjunto de leis aprovadas pelo Congresso Nacional nos anos 90 gerou arcabou\u00e7o bastante claro em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s regras de concess\u00e3o de benef\u00edcio, sem previs\u00e3o de desaposentadoria (al\u00e9m dos pontos j\u00e1 citados em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 Constitui\u00e7\u00e3o). Essas normas alteraram a Lei Org\u00e2nica da Seguridade Social e o Plano de Benef\u00edcios da Previd\u00eancia Social9<\/sup>.<\/p>\n

Essas leis s\u00e3o claras, respectivamente, em rela\u00e7\u00e3o ao c\u00e1lculo do valor dos benef\u00edcios (Lei n\u00ba 9.876\/199910<\/sup>), \u00e0 obrigatoriedade da contribui\u00e7\u00e3o pelo aposentado que continua trabalhando (Lei n\u00ba 9.032\/1995, art. 12, \u00a7 4\u00ba 11<\/sup>), e \u00e0 inexist\u00eancia de benef\u00edcio decorrente dessa contribui\u00e7\u00e3o (Lei n\u00ba 9.528\/1997, art 2\u00ba 12<\/sup>). Dessa forma, n\u00e3o h\u00e1 que se falar em \u201comiss\u00e3o legislativa\u201d em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 desaposentadoria. O mero fato de a legisla\u00e7\u00e3o ir de encontro com a desaposentadoria n\u00e3o deve ser considerado omiss\u00e3o do legislador.<\/p>\n

A legisla\u00e7\u00e3o anterior previa instituto pr\u00f3ximo da desaposentadoria: o pec\u00falio, que consistia na devolu\u00e7\u00e3o dos valores contribu\u00eddos pelo aposentado que continuava trabalhando. Entretanto, a Lei n\u00ba 8.870, de 15 de abril de 1994, acabou com essa possibilidade13<\/sup>.<\/p>\n

 <\/p>\n

Riscos fiscais e inseguran\u00e7a jur\u00eddica <\/strong><\/p>\n

\u00a0<\/em>A desaposentadoria naturalmente se apresenta como um grande desafio para as finan\u00e7as p\u00fablicas do Pa\u00eds e para a sustentabilidade da Previd\u00eancia. Por\u00e9m, al\u00e9m disso, destaca-se ainda que uma decis\u00e3o favor\u00e1vel do Legislativo ou do Judici\u00e1rio em rela\u00e7\u00e3o a esse instituto pode trazer inseguran\u00e7a jur\u00eddica e riscos fiscais no futuro, ao abrir precedentes para que outros segurados invistam em ter pleitos atendidos baseados na l\u00f3gica da desaposentadoria, notadamente os \u201cn\u00e3o desaposentados\u201d e os servidores inativos do RPPS, como se mostra adiante.<\/p>\n

O MPS estima, de forma conservadora, em R$ 70 bilh\u00f5es os custos da desaposentadoria a longo prazo14<\/sup>. A cifra \u00e9 considerada subestimada (pelo pr\u00f3prio \u00f3rg\u00e3o) porque levou em conta apenas os custos advindos da revis\u00e3o do valor das aposentadorias por tempo de contribui\u00e7\u00e3o que estavam ativas em 2010, se referindo, portanto, a apenas uma primeira dimens\u00e3o dos custos. Mesmo essa \u201csubestimativa\u201d impressiona quando \u00e9 analisada conjuntamente com as realidades das contas p\u00fablicas no Brasil e as previs\u00f5es para o futuro da seguridade.<\/p>\n

Com a carga tribut\u00e1ria situando-se ao redor de 37,5% do PIB (inviabilizando aumentos de tributos) e uma popula\u00e7\u00e3o cobrando maior qualidade dos servi\u00e7os p\u00fablicos (trazendo press\u00e3o constante pelo aumento de gasto), parece dif\u00edcil incluir a vari\u00e1vel desaposentadoria na equa\u00e7\u00e3o de receitas e despesas do pa\u00eds. A situa\u00e7\u00e3o \u00e9 agravada pela perspectiva de rebaixamento da nota de cr\u00e9dito das contas p\u00fablicas brasileiras pelas ag\u00eancias de risco internacionais. Nesse contexto, s\u00f3 se pode prever que uma decis\u00e3o favor\u00e1vel \u00e0 desaposentadoria ter\u00e1 impactos significativos.<\/p>\n

No que tange \u00e0 sustentabilidade do sistema, a desaposentadoria aparece como um delicado movimento de contrarreforma, anulando, pelo menos parcialmente, os ganhos da primeira (1998) e da segunda (2003) reformas da Previd\u00eancia. \u00c9 essencial salientar que mesmo essas reformas n\u00e3o foram suficientes para alterar o preocupante futuro que as contas da Previd\u00eancia desenham para o pa\u00eds. Se hoje o Brasil, jovem, tem para 2014 um d\u00e9ficit previdenci\u00e1rio estimado em R$ 55 bilh\u00f5es, para o futuro \u2013 na aus\u00eancia de novas reformas \u2013 a situa\u00e7\u00e3o da seguridade deve ser grav\u00edssima e essa percep\u00e7\u00e3o j\u00e1 hoje afeta a economia brasileira (por exemplo, atrav\u00e9s de pouco investimento privado de longo prazo no pa\u00eds). Segundo o MPS, em 2010 havia nove pessoas em idade ativa (com capacidade para trabalhar), para cada idoso15<\/sup>. J\u00e1 em 2050 ser\u00e3o apenas tr\u00eas para cada idosos, em uma Previd\u00eancia custeada pelo regime de reparti\u00e7\u00e3o (em que as contribui\u00e7\u00f5es dos ativos financiam os benef\u00edcios dos inativos), como ressaltado anteriormente.<\/p>\n

Se o cen\u00e1rio j\u00e1 era preocupante sem a desaposentadoria, \u00e9 importante explicitar outros riscos fiscais que uma decis\u00e3o favor\u00e1vel apresentar\u00e1. Os riscos fiscais s\u00e3o entendidos como gastos que o governo pode ter que incorrer no futuro, mas que s\u00e3o imprevis\u00edveis no momento. A estimativa direta do custo da desaposentadoria pode ser calculada, como mostrado nos par\u00e1grafos anteriores (R$ 70 bilh\u00f5es), mas nesse caso os riscos fiscais residiriam em \u201ccustos indiretos\u201d, em consequ\u00eancias menos \u00f3bvias da desaposentadoria.<\/p>\n

Se a estimativa de R$ 70 bilh\u00f5es considerava apenas o estoque de aposentadorias em 2010, \u00e9 de se imaginar que os gastos ser\u00e3o muito maiores ao longo do tempo, na aus\u00eancia de novas mudan\u00e7as de regras. Em primeiro lugar, somando-se a este estoque de 2010, h\u00e1 todo ano um fluxo cont\u00ednuo de novas aposentadorias por tempo de contribui\u00e7\u00e3o, que n\u00e3o integram a estimativa de R$ 70 bilh\u00f5es e encarecer\u00e3o a conta. Em segundo lugar, al\u00e9m do fluxo \u201cnormal\u201d de aposentadorias por tempo de contribui\u00e7\u00e3o, deve-se observar um aumento no n\u00famero de segurados que optar\u00e3o por esse benef\u00edcio nos pr\u00f3ximos anos: com a desaposentadoria reconhecida, o esperado \u00e9 que os segurados negligenciem o fator previdenci\u00e1rio, se aposentem o mais cedo poss\u00edvel, continuem trabalhando e pe\u00e7am a revis\u00e3o dos benef\u00edcios. Este custo tamb\u00e9m n\u00e3o faz parte da estimativa de R$ 70 bilh\u00f5es.<\/p>\n

Em terceiro lugar, ser\u00e1 natural que ocorra uma \u201ccorrida \u00e0 aposentadoria\u201d assim que a desaposentadoria for aprovada, por parte daqueles que j\u00e1 s\u00e3o eleg\u00edveis e esperavam para pedir um benef\u00edcio maior no futuro: o racional \u00e9 que se aposentem imediatamente e continuem trabalhando, para pedir futuramente a desaposentadoria visando a um benef\u00edcio maior. Por \u00faltimo, tamb\u00e9m deve haver uma corrida, ainda que bem menor, de volta ao mercado de trabalho por parte dos aposentados que acreditavam que n\u00e3o compensava voltar a trabalhar: com a perspectiva de que o retorno \u00e0 atividade possa elevar seus proventos futuramente, muitos devem se sentir encorajados. Esses \u00faltimos dois movimentos tamb\u00e9m devem aumentar sobremaneira os custos da Previd\u00eancia futuramente, mas tamb\u00e9m n\u00e3o fazem parte da estimativa de R$ 70 bilh\u00f5es.<\/p>\n

A conta, talvez, n\u00e3o se feche a\u00ed. Existem ainda riscos fiscais porque um entendimento favor\u00e1vel \u00e0 desaposentadoria deve incentivar outros segurados a buscarem direitos que incorram em mais gastos para Previd\u00eancia. Um caso \u00e9 o dos \u201cn\u00e3o desaposentados\u201d, aqueles trabalhadores e aposentados que n\u00e3o pediram de imediato a aposentadoria por tempo de contribui\u00e7\u00e3o, esperando anos, em atividade, para conseguir um benef\u00edcio de valor maior, de acordo com a f\u00f3rmula do fator previdenci\u00e1rio.<\/p>\n

A situa\u00e7\u00e3o desses segurados j\u00e1 foi citada anteriormente: eles receberiam daqui em diante benef\u00edcio igual ao dos desaposentados (que fizeram o pedido de revis\u00e3o da aposentadoria), sem terem recebido por anos as aposentadorias que os desaposentados receberam entre o primeiro e o segundo pedido de aposentadoria. Diante dessa enorme frustra\u00e7\u00e3o por terem seguido \u00e0s regras vigentes, parece natural que eles busquem repara\u00e7\u00e3o, j\u00e1 que um desaposentado e um \u201cn\u00e3o desaposentado\u201d receber\u00e3o quantias muito diferentes ainda que tenham, rigorosamente, trabalhado e contribu\u00eddo pelo mesmo per\u00edodo de tempo e com os mesmos valores, com a \u00fanica distin\u00e7\u00e3o sendo a escolha por tentar a revis\u00e3o do beneficio ou se conformar em seguir a legisla\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Outro risco fiscal que surge com a desaposentadoria, menos intuitivo, decorre da contribui\u00e7\u00e3o feita pelos servidores p\u00fablicos inativos. Se a l\u00f3gica da desaposentadoria for aplicada a esse caso, a contribui\u00e7\u00e3o pode acabar, ter seus valores devolvidos ou justificar o aumento da aposentadoria de milhares de servidores p\u00fablicos. Desde a Emenda \u00e0 Constitui\u00e7\u00e3o n\u00ba 41, de 19 de dezembro de 2003, \u2013 segunda reforma da Previd\u00eancia \u2013 os aposentados e pensionistas do servi\u00e7o p\u00fablico (RPPS) devem pagar a contribui\u00e7\u00e3o previdenci\u00e1ria, ao contr\u00e1rio do que ocorre com os aposentados do INSS (RGPS)16<\/sup>.<\/p>\n

A controv\u00e9rsia em rela\u00e7\u00e3o a essa contribui\u00e7\u00e3o n\u00e3o \u00e9 nova, mas, caso o Judici\u00e1rio seja favor\u00e1vel \u00e0 desaposentadoria, estar\u00e1 entendendo que a contribui\u00e7\u00e3o de um inativo deve ser posteriormente revertida em benef\u00edcio, abrindo margem para um novo entendimento em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 contribui\u00e7\u00e3o dos servidores p\u00fablicos inativos que veio com a \u00faltima reforma da previd\u00eancia. O STF decidiu, dez anos atr\u00e1s, no julgamento das ADIs 3105 e 3128, que a contribui\u00e7\u00e3o era constitucional, com o voto contr\u00e1rio de quatro ministros e parecer contr\u00e1rio da Procuradoria-Geral da Rep\u00fablica.<\/p>\n

A controv\u00e9rsia pode ser ressuscitada, j\u00e1 que h\u00e1 uma press\u00e3o forte e cont\u00ednua por parte dos inativos e pensionistas atingidos, vis\u00edvel no grande apoio que recebeu a Proposta de Emenda \u00e0 Constitui\u00e7\u00e3o (PEC) n\u00ba 555, de 2006, que acaba com a cobran\u00e7a e tramita atualmente na C\u00e2mara dos Deputados. \u00c0 \u00e9poca das ADIs, o entendimento do STF foi de que a implanta\u00e7\u00e3o da contribui\u00e7\u00e3o obedecia \u201caos princ\u00edpios da solidariedade e do equil\u00edbrio financeiro e atuarial, (…) aos objetivos constitucionais de universalidade, equidade na forma de participa\u00e7\u00e3o no custeio e diversidade da base de financiamento\u201d.<\/p>\n

Embora o valor m\u00e9dio dos benef\u00edcios do RGPS seja muito inferior ao do RPPS, e embora a Constitui\u00e7\u00e3o trate o RGPS e o RPPS de maneira separada, \u2013 com o princ\u00edpio da solidariedade estando expl\u00edcito para o RPPS e n\u00e3o para o RGPS \u2013 a referida l\u00f3gica da desaposentadoria no RGPS poderia dar embalo ao persistente movimento de contrarreforma no RPPS, que tamb\u00e9m defende que deve haver uma rela\u00e7\u00e3o entre o benef\u00edcio e a contribui\u00e7\u00e3o de um inativo.<\/p>\n

Tanto o poss\u00edvel fim da contribui\u00e7\u00e3o dos inativos do RPPS como a \u201crepara\u00e7\u00e3o\u201d17<\/sup> que os \u201cn\u00e3o desaposentados\u201d podem conseguir constituem riscos fiscais substanciais, ou seja, o custo da desaposentadoria pode ser bem superior a R$ 70 bilh\u00f5es.<\/p>\n

 <\/p>\n

Considera\u00e7\u00f5es finais: o \u201ccusto de oportunidade\u201d da desaposentadoria<\/strong><\/p>\n

\u00a0<\/strong>Economistas s\u00e3o constantemente acusados de se preocupar apenas com \u201ccusto financeiro\u201d e n\u00e3o \u201ccom as pessoas\u201d. O custo da desaposentadoria (e tantos outros custos) n\u00e3o se refere meramente a uma cifra que poderia ser economizada, um valor sem significado. Deve-se conceb\u00ea-la como um \u201ccusto de oportunidade\u201d, conceito b\u00e1sico da economia que pode ser entendido, simplificadamente, como o melhor<\/em> uso que se pode fazer de um recurso \u2013 dentre v\u00e1rias possibilidades a serem escolhidas.<\/p>\n

Pelos custos que trar\u00e1 e pelos riscos fiscais, caso uma decis\u00e3o favor\u00e1vel do Judici\u00e1rio saia em breve, ela constituir\u00e1 verdadeira \u201cheran\u00e7a maldita\u201d para o governo 2015-2018, ainda que seus efeitos sejam modulados. Pela \u00f3tica do \u201ccusto de oportunidade\u201d, a desaposentadoria sugar\u00e1 recursos valiosos que poderiam ser usados em outras pol\u00edticas p\u00fablicas, como as que objetivam a erradica\u00e7\u00e3o da pobreza, a redu\u00e7\u00e3o da desigualdade e o crescimento econ\u00f4mico \u2013 al\u00e9m de tirar espa\u00e7o fiscal de \u00e1reas como a educa\u00e7\u00e3o e a sa\u00fade.<\/p>\n

Frisa-se que, muito embora a maioria dos segurados benefici\u00e1rios do RGPS n\u00e3o considere a sua renda satisfat\u00f3ria, o instituto da desaposentadoria \u00e9 considerado de car\u00e1ter regressivo pelo pr\u00f3prio MPS18<\/sup>. Isso implica que ele acentua, e n\u00e3o reduz a desigualdade de renda. Segundo o MPS, os \u201caposentados contribuintes\u201d (candidatos \u00e0 desaposentadoria, ainda em atividade) est\u00e3o em melhor situa\u00e7\u00e3o que a dos aposentados que n\u00e3o trabalham e em melhor situa\u00e7\u00e3o que a dos trabalhadores n\u00e3o cobertos pela Previd\u00eancia. Dentre esses candidatos \u00e0 desaposentadoria, 96% estaria na metade mais rica da popula\u00e7\u00e3o do Pa\u00eds, e 52% estaria entre o grupo dos 10% de brasileiros mais ricos. Ainda, a m\u00e9dia do valor das aposentadorias por tempo de contribui\u00e7\u00e3o (a relacionada \u00e0 desaposentadoria) corresponde ao dobro da m\u00e9dia do valor das aposentadorias por idade e a mais de 50% da m\u00e9dia do valor das aposentadorias por invalidez19<\/sup>.<\/p>\n

Quando se manifesta a preocupa\u00e7\u00e3o com o custo da desaposentadoria ou com a sustentabilidade do sistema como um todo, devem ser vislumbrados tamb\u00e9m os custos de oportunidade que existir\u00e3o futuramente, com grandes quantias de recursos p\u00fablicos sendo destinadas \u00e0 Previd\u00eancia \u2013 trazendo um impacto n\u00e3o apenas nas contas p\u00fablicas, mas em toda a economia. Nossas escolhas hoje, criando um gigantesco d\u00e9ficit previdenci\u00e1rio nos pr\u00f3ximos anos, afetar\u00e3o n\u00e3o apenas a pr\u00f3xima gera\u00e7\u00e3o de aposentados, mas tamb\u00e9m toda uma gera\u00e7\u00e3o de trabalhadores \u2013 e a sociedade brasileira como um todo.<\/p>\n

Portanto, parece essencial que as regras do sistema previdenci\u00e1rio sejam mais claras e melhor entendidas, a fim de se criar um sistema mais sustent\u00e1vel. Ao n\u00e3o impormos regras que acompanhem as pr\u00e1ticas internacionais, acaba se fazendo necess\u00e1ria a inven\u00e7\u00e3o de remendos no sistema, que terminam incompreendidos e contestados, como acontece com o fator previdenci\u00e1rio ou a contribui\u00e7\u00e3o dos servidores inativos.<\/p>\n

Outra poss\u00edvel consequ\u00eancia da escolha pela desaposentadoria, devido aos seus grandes impactos, \u00e9 a precipita\u00e7\u00e3o de uma reforma que finalmente imponha a idade m\u00ednima, como j\u00e1 existe no RPPS, e que acabou n\u00e3o sendo aprovada junto com a Emenda \u00e0 Constitui\u00e7\u00e3o n\u00ba 20, de 1998. Ou seja, pode ser que, mais de dezesseis anos depois de o problema ter sido diagnosticado e de mudan\u00e7as terem sido propostas, a desaposentadoria d\u00ea \u00edmpeto ao estabelecimento da idade m\u00ednima no RGPS (com uma regra de transi\u00e7\u00e3o justa que respeite os planos dos segurados). Por fim, no caso de uma decis\u00e3o pela desaposentadoria vinda do Judici\u00e1rio, se os ministros acompanharem o relator, o Legislativo ainda teria seis meses para ved\u00e1-la \u2013 prazo dado no voto do relator para que a decis\u00e3o do STF come\u00e7asse a valer.<\/p>\n

 <\/p>\n

(Este texto \u00e9 baseado no trabalho <\/em>\u201cA DECIS\u00c3O DE R$ 70 bilh\u00f5es: sobre constitucionalidade, aus\u00eancia de omiss\u00e3o legislativa e riscos fiscais da desaposentadoria\u201d. O estudo integral consta do Boletim do Legislativo n\u00ba 15 do N\u00facleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, dispon\u00edvel no seguinte link: <\/em>http:\/\/www.senado.gov.br\/estudos<\/a>)<\/em><\/p>\n

__________________<\/p>\n

1<\/sup> \u00c9 objeto dos Projetos de Lei do Senado (PLS) n\u00ba 214, de 2007, e n\u00ba 91, de 2010, ambos de autoria do Senador Paulo Paim. Com objetos diferentes, mas motiva\u00e7\u00e3o semelhante, tamb\u00e9m tramitam na Casa os PLS n\u00bas <\/sup>464, de 2003; 56, de 2009; e 188, de 2011.<\/p>\n

2<\/sup> O fator previdenci\u00e1rio \u00e9 regido pela Lei n\u00ba 9.876, de 26 de novembro de 1999.<\/p>\n

3<\/sup> A idade m\u00e9dia de aposentadoria por tempo de contribui\u00e7\u00e3o dos brasileiros \u00e9 de apenas 55 anos no caso dos homens e de 52 anos nos casos das mulheres. O n\u00famero impressiona: em se tratando de uma m\u00e9dia, o valor sintetiza a ocorr\u00eancia de muitas aposentadorias em idades bastante precoces.<\/p>\n

4<\/sup> Essa expectativa n\u00e3o \u00e9 afetada, por exemplo, pela mortalidade infantil ou por causas de morte comuns em faixas et\u00e1rias menores, como a viol\u00eancia ou doen\u00e7as card\u00edacas.<\/p>\n

5<\/sup> Pensions at Glance \u2013 2013: OECD and G20 indicators. <\/em>Dispon\u00edvel em: http:\/\/www.oecd.org\/els\/public-pensions\/<\/a><\/p>\n

6<\/sup> Portaria do MPS n\u00ba 403, de 10 de dezembro de 2008.<\/p>\n

7<\/sup> Outras op\u00e7\u00f5es para corrigir o desequil\u00edbrio atuarial, pouco fact\u00edveis, seriam a incorpora\u00e7\u00e3o, pelo fator previdenci\u00e1rio – j\u00e1 no primeiro pedido \u2013, da possibilidade de desaposentadoria (o que seria injusto com quem de fato pretende se aposentar cedo), ou a contabiliza\u00e7\u00e3o das contribui\u00e7\u00f5es feitas depois do primeiro pedido para uma nova aposentadoria, mas conforme as regras j\u00e1 existentes para concess\u00e3o do benef\u00edcio (como os 35 anos de contribui\u00e7\u00e3o, para homens).<\/p>\n

8<\/sup> Salvo casos definidos em lei complementar em rela\u00e7\u00e3o a condi\u00e7\u00f5es que prejudiquem a sa\u00fade ou a integridade f\u00edsica e o caso dos portadores de defici\u00eancia.<\/p>\n

9<\/sup> Respectivamente a Lei n\u00ba 8.212, de 24 de julho de 1991, e a\u00a0 Lei n\u00ba 8.213, de 24 de julho de 1991.<\/p>\n

10<\/sup> A Lei, que instituiu o fator previdenci\u00e1rio, prev\u00ea a possibilidade de o segurado optar por ter benef\u00edcio em que n\u00e3o incida o fator. Ela garante, em seu art. 7\u00ba, \u201ca op\u00e7\u00e3o pela n\u00e3o aplica\u00e7\u00e3o do fator previdenci\u00e1rio\u201d, caso a op\u00e7\u00e3o seja pela aposentadoria por idade (que, em geral, se d\u00e1 mais tarde do que \u00e0 por tempo de contribui\u00e7\u00e3o). Cabe observar ainda que essa norma \u00e9 bastante clara em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 f\u00f3rmula de c\u00e1lculo do valor dos benef\u00edcios.<\/p>\n

11<\/sup> Prev\u00ea que o aposentado pelo RGPS que exercer atividade abrangida pelo Regime Geral ser\u00e1 segurado obrigat\u00f3rio em rela\u00e7\u00e3o a tal atividade, estando sujeito \u00e0 contribui\u00e7\u00e3o previdenci\u00e1ria, \u201cpara fins de custeio da Seguridade Social\u201d.<\/p>\n

12<\/sup> Estipula que o aposentado pelo RGPS que continua em atividade abrangida pelo regime \u201cn\u00e3o far\u00e1 jus a presta\u00e7\u00e3o alguma da Previd\u00eancia Social em decorr\u00eancia do exerc\u00edcio dessa atividade\u201d.<\/p>\n

13<\/sup> Determinando que fosse feito pagamento em parcela \u00fanica para aqueles aposentados que estavam contribuindo at\u00e9 \u00e0 vig\u00eancia dessa nova lei (art. 24, Par\u00e1grafo \u00fanico<\/em>).<\/p>\n

14<\/sup> CONSTANZI, R. N. \u201cEvolu\u00e7\u00e3o e Situa\u00e7\u00e3o Atual das Aposentadorias por Tempo de Contribui\u00e7\u00e3o\u201d. Informe da Previd\u00eancia Social<\/em>, vol. 23, n\u00ba 8. Minist\u00e9rio da Previd\u00eancia Social, 2011.<\/p>\n

15<\/sup> BARBIERI, C. V. \u201cCuidados de Longa Dura\u00e7\u00e3o no Brasil: As Possibilidades do Seguro-Depend\u00eancia\u201d. \u00a0Informe da Previd\u00eancia Social<\/em>, vol. 25, n\u00ba 4. Minist\u00e9rio da Previd\u00eancia Social, 2013<\/p>\n

16<\/sup> Essa contribui\u00e7\u00e3o, de 11%, incide apenas sobre os benef\u00edcios de servidores civis com valores acima do teto do INSS (R$ 4.390,24 em 2014).<\/p>\n

17<\/sup> Os escrit\u00f3rios especializados em direito previdenci\u00e1rio ainda n\u00e3o deram um nome para esse poss\u00edvel tipo de a\u00e7\u00e3o. Chama a aten\u00e7\u00e3o que, no julgamento do STF, que tem como partes o INSS e um segurado, participa como amicus curiae<\/em> o Instituto Brasileiro de Direito Previdenci\u00e1rio (IBDP), defendendo a desaposentadoria. Trata-se de entidade sem fins lucrativos, mas que tem a diretoria composta por v\u00e1rios advogados s\u00f3cios de escrit\u00f3rios que atuam de maneira expl\u00edcita em a\u00e7\u00f5es pr\u00f3-desaposentadoria.<\/p>\n

18<\/sup> CONSTANZI, R. N.\u00a0 Obra citada<\/em>, p\u00e1g. 7<\/p>\n

19<\/sup> Segundo o Boletim Estat\u00edstico da Previd\u00eancia Social de Agosto\/2014, o valor m\u00e9dio das aposentadorias concedidas naquele m\u00eas foi de R$ 1.740,01 (tempo de contribui\u00e7\u00e3o), R$ 1.149,31 (invalidez) e R$ 863,60 (idade).<\/p>\n

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