{"id":2302,"date":"2014-09-30T16:19:58","date_gmt":"2014-09-30T19:19:58","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2302"},"modified":"2014-09-30T16:19:58","modified_gmt":"2014-09-30T19:19:58","slug":"devemos-culpar-sao-pedro-pela-escassez-de-energia","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2302","title":{"rendered":"Devemos culpar S\u00e3o Pedro pela escassez de energia?"},"content":{"rendered":"
O objetivo deste artigo \u00e9 apresentar evid\u00eancias da escassez de oferta de energia e identificar suas causas. Como veremos, a hidrologia ruim explica apenas parcialmente a escassez de oferta. Instrumentos inadequados de planejamento e uma pol\u00edtica de modicidade tarif\u00e1ria excessiva, que leva a atrasos e n\u00e3o entrega de obras tamb\u00e9m contribu\u00edram para o atual quadro.<\/p>\n
I \u2013 Evid\u00eancias de crise de oferta energ\u00e9tica<\/strong><\/p>\n Desde o final de 2013 a sociedade brasileira vem discutindo a possibilidade de estarmos encaminhando para um novo racionamento, semelhante ao que houve em 2001.\u00a0 A queda no volume de \u00e1gua armazenado nos reservat\u00f3rios, que se aproxima dos valores perigosamente baixos observados naquele ano, \u00e9 a evid\u00eancia mais aparente de que h\u00e1 algo errado com o sistema el\u00e9trico. Mais especificamente, ao final da esta\u00e7\u00e3o chuvosa, em abril, os reservat\u00f3rios da regi\u00e3o Sudeste\/Centro Oeste, principal regi\u00e3o produtora de energia do Pa\u00eds, estavam com menos de 39% de sua capacidade preenchida, quando o normal, para essa \u00e9poca do ano, seriam valores acima de 70%. Em fevereiro, o diretor-geral do Operador Nacional do Sistema El\u00e9trico (ONS<\/a>), Hermes Chipp, disse esperar que os reservat\u00f3rios das hidrel\u00e9tricas do Sudeste e Centro-Oeste chegassem ao final de abril com armazenamento m\u00e9dio de \u00e1gua de, no m\u00ednimo, 43% da capacidade total, para garantir o fornecimento de energia no pa\u00eds ao longo de 2014 e tamb\u00e9m 2015.<\/p>\n Uma melhora das condi\u00e7\u00f5es hidrol\u00f3gicas na regi\u00e3o Sul e, principalmente, um arrefecimento da demanda por conta da estagna\u00e7\u00e3o do PIB e do aumento de pre\u00e7os da energia para alguns consumidores1<\/sup>, fez com o risco de racionamento em 2014 se reduzisse. O n\u00edvel dos reservat\u00f3rios ficou praticamente constante entre abril em junho (em torno de 42% para o pa\u00eds como um todo, e em torno de 37% para o Sudeste\/Centro-Oeste), e, embora tenha ca\u00eddo cerca de 5 pontos percentuais desde ent\u00e3o, o risco de racionamento caiu significativamente.<\/p>\n Mesmo com menor risco de racionamento, n\u00e3o se pode ignorar que o Brasil enfrenta uma crise de oferta de energia el\u00e9trica. O n\u00edvel dos reservat\u00f3rios est\u00e1 pr\u00f3ximo ao m\u00ednimo observado nos \u00faltimos 13 anos, conforme pode ser visto no gr\u00e1fico abaixo2<\/sup>:<\/p>\n Fonte: CCEE. (Clique no gr\u00e1fico para ampliar)<\/em><\/p>\n Al\u00e9m do baixo n\u00edvel dos reservat\u00f3rios, outros fatores corroboram a tese de escassez de oferta:<\/p>\n i) Despacho integral de usinas termoel\u00e9tricas desde outubro de 2012. O sistema brasileiro \u00e9 planejado para dois tipos de usina. Um funcionando continuamente, predominantemente hidroel\u00e9tricas, e outro constitu\u00eddo pelas chamadas usinas de gera\u00e7\u00e3o por disponibilidade. Trata-se de usinas t\u00e9rmicas que foram constru\u00eddas com o objetivo de gerar energia somente em condi\u00e7\u00f5es excepcionais, cerca de 4% do tempo. Essas usinas t\u00eam por caracter\u00edstica apresentarem custo de constru\u00e7\u00e3o relativamente baixo, mas elevado custo de produ\u00e7\u00e3o de energia.<\/p>\n O sistema funciona da seguinte forma: quando a situa\u00e7\u00e3o hidrol\u00f3gica \u00e9 favor\u00e1vel, n\u00e3o h\u00e1 necessidade de a termoel\u00e9trica produzir energia, pois a produ\u00e7\u00e3o a partir de usinas hidrel\u00e9tricas \u00e9 mais econ\u00f4mica. Nesse caso, a usina termel\u00e9trica fica parada e recebe, mensalmente, uma esp\u00e9cie de aluguel. Quando a usina \u00e9 chamada para gerar energia, al\u00e9m do aluguel, ela cobra o custo do combust\u00edvel (normalmente \u00f3leo combust\u00edvel) e demais custos operacionais. O custo da energia produzida por essas usinas varia, de valores pr\u00f3ximos a R$ 100,00 a valores acima de R$ 1.200,00. As usinas s\u00e3o chamadas a produzir na ordem de seu custo, \u00e0 medida que a escassez aumenta: primeiro as mais baratas e assim sucessivamente, at\u00e9 chegar \u00e0s mais caras.<\/p>\n Como dissemos, desde outubro de 2012, praticamente todas as usinas t\u00e9rmicas v\u00eam operando continuamente. Ora, se tudo estivesse ocorrendo como planejado, as usinas t\u00e9rmicas somente teriam sido ligadas durante 4% do per\u00edodo, ou seja, em torno de um m\u00eas; jamais estariam funcionando ininterruptamente por praticamente 24 meses.<\/p>\n A contrapartida da escassez \u00e9 o aumento de custo. Estima-se que a crise do setor el\u00e9trico tem gerado custos da ordem de mais de R$ 50 bilh\u00f5es. Ainda n\u00e3o \u00e9 claro quem vai pagar essa conta: se geradores, distribuidores, governo (leia-se, os contribuintes) ou os consumidores de energia. Assim, mesmo que todo esse custo ainda n\u00e3o tenha se refletido nas contas de luz, ou mesmo que jamais venha a ser incorporado, para a sociedade como um todo esse custo existe, e \u00e9 elevado.<\/p>\n ii) O problema poderia n\u00e3o estar na escassez de oferta, mas em um aumento desproporcional da demanda. Mas n\u00e3o \u00e9 isso que est\u00e1 ocorrendo. A demanda por energia, sobretudo em fun\u00e7\u00e3o do baixo crescimento do PIB, est\u00e1 evoluindo de acordo ou at\u00e9 mais lentamente do que o planejado. Em 2009, por exemplo, projetava-se uma demanda de 65 GWm para 2013. Esse valor manteve-se aproximadamente constante ao longo do per\u00edodo. No in\u00edcio de 2013, a demanda estimada era de 63,4 GWm e fechou o ano em 62,8 GW m\u00e9dios, abaixo, portanto, daquela prevista quatro anos antes. Para 2014, a demanda efetivamente observada tamb\u00e9m est\u00e1 menor do que aquela prevista nos \u00faltimos cinco anos. Em 2009, por exemplo, projetava-se uma demanda de 69,4 GWm para 2014. A proje\u00e7\u00e3o mais recente para a carga m\u00e9dia deste ano \u00e9 de somente 64,9 GWm, segundo estimativa do ONS.<\/p>\n iii) A expans\u00e3o da oferta tem sido significativamente inferior \u00e0 projetada. Atrasos na conclus\u00e3o de obras ou simplesmente desist\u00eancia dos projetos (explicaremos suas causas mais adiante) t\u00eam feito com que a EPE venha sistematicamente superestimando a capacidade de gera\u00e7\u00e3o de energia. Se olharmos para a garantia f\u00edsica, as proje\u00e7\u00f5es para 2013 partiram de 71,2 GWm em 2010, atingiram um pico de \u00a072,9 GWm em 2011, mas recuaram para 65,2 GWm em 2013. A tabela abaixo sintetiza as proje\u00e7\u00f5es de oferta e carga de energia para 2013 e 2014.<\/p>\n <\/p>\n Tabela 1<\/strong>: Proje\u00e7\u00f5es para 2013 e 2014 de garantia f\u00edsica de energia e carga, em GWh<\/p>\n <\/p>\n II – Causas da escassez de oferta<\/strong><\/p>\n Uma vez evidenciada a escassez de oferta, discutiremos a seguir suas poss\u00edveis causas. Apesar de elas n\u00e3o serem excludentes, gostar\u00edamos de chamar aten\u00e7\u00e3o para a \u00faltima \u2013 pol\u00edtica tarif\u00e1ria \u2013, que usualmente \u00e9 pouco lembrada.<\/p>\n A primeira explica\u00e7\u00e3o, mais utilizada pelos \u00f3rg\u00e3os governamentais para justificar a crise de oferta, \u00e9 a hidrologia ruim. \u00c9 verdade que 2014 (at\u00e9 agosto) vem sendo um ano ruim, com chuvas equivalentes a 81% da m\u00e9dia hist\u00f3rica. Mas 2013 foi um ano de hidrologia normal, onde choveu 97% da m\u00e9dia hist\u00f3rica e, ainda assim, os reservat\u00f3rios terminaram o ano em 43% da capacidade, o 3\u00ba menor valor dos \u00faltimos 15 anos. Se pensarmos na hidrologia acumulada nos \u00faltimos tr\u00eas anos, o tri\u00eanio 2012-2014 estaria entre os 25% mais secos desde o in\u00edcio da s\u00e9rie hist\u00f3rica, em 1930. Ocorre que o sistema \u00e9 planejado para acionar as t\u00e9rmicas somente 4% do tempo. Isso significa que o cen\u00e1rio hidrol\u00f3gico atual, apesar de ruim, n\u00e3o \u00e9 t\u00e3o catastr\u00f3fico para justificar o acionamento permanente das t\u00e9rmicas de disponibilidade h\u00e1 quase dois anos ininterruptamente.<\/p>\n A raiz do problema, portanto, est\u00e1 no planejamento, que tem sido deficiente. Na se\u00e7\u00e3o anterior adiantamos o ponto, mostrando que a EPE superestimou a oferta de energia para 2013 e 2014. Ou seja, a energia efetivamente dispon\u00edvel para esses anos \u00e9 inferior \u00e0quela que a EPE havia projetado nos anos anteriores. Observe-se que ali falamos de energia garantida, ou seja, da quantidade de energia que as usinas devem ser capazes de entregar, em m\u00e9dia, no longo prazo. A frustra\u00e7\u00e3o de oferta pode ser explicada por dois fatores:<\/p>\n Vamos tratar desses dois assuntos a seguir, lembrando que n\u00e3o s\u00e3o explica\u00e7\u00f5es excludentes.<\/p>\n Instrumentos inadequados de planifica\u00e7\u00e3o<\/strong><\/p>\n Essa hip\u00f3tese foi levantada por consultorias do setor, como a PSR. A Empresa de Pesquisa Energ\u00e9tica (EPE) \u00e9 a respons\u00e1vel pelo planejamento de longo prazo da oferta de energia el\u00e9trica. Resumidamente, a EPE recolhe das distribuidoras a estimativa de demanda para os cinco anos seguintes. Com base nessas estimativas, ela faz um cronograma de expans\u00e3o da oferta, de forma tal que a expans\u00e3o do sistema (com usinas das mais diferentes fontes) seja capaz n\u00e3o somente de atender ao aumento esperado para demanda, como tamb\u00e9m de gerar um pequeno excesso de oferta (normalmente acima de 5%1<\/sup>), para dar seguran\u00e7a ao sistema.<\/p>\n O que provavelmente est\u00e1 ocorrendo, na opini\u00e3o de especialistas, s\u00e3o falhas nos modelos de previs\u00e3o. Essencialmente, os modelos orientam o planejador ao dizer qual a capacidade de produ\u00e7\u00e3o das usinas que est\u00e3o em funcionamento (sendo que essa capacidade depende crucialmente do n\u00edvel de reservat\u00f3rios e da hidrologia esperada) e qual capacidade adicional \u00e9 necess\u00e1ria para fazer frente \u00e0 demanda estimada. Os modelos, contudo, podem prever erroneamente a capacidade de gera\u00e7\u00e3o, atual e futura. Por exemplo, com o passar do tempo, as turbinas das usinas podem perder efici\u00eancia, de forma que passem a necessitar maior quantidade de \u00e1gua para gerar determinada quantidade de energia. A ONS, quando opera o sistema, determina que determinada usina produza x unidades de energia. Para produzir essa quantidade, a ONS estima que utilizar\u00e1 uma quantidade y de \u00e1gua. Ocorre que, se os modelos n\u00e3o estiverem capturando a perda de efici\u00eancia das turbinas, a quantidade de \u00e1gua utilizada n\u00e3o ser\u00e1 y<\/em>, mas um valor z<\/em> > y<\/em>, e o reservat\u00f3rio ir\u00e1 secar mais rapidamente. Al\u00e9m da perda de efici\u00eancia, o modelo pode n\u00e3o estar capturando outras fric\u00e7\u00f5es, como o desvio de \u00e1gua para outros fins, como irriga\u00e7\u00e3o (isso parece ser particularmente importante no Rio S\u00e3o Francisco), ou o assoreamento das barragens, que faz com que a quantidade de \u00e1gua efetivamente existente na represa seja menor do que aquela que se acredita existir.<\/p>\n Se o modelo prev\u00ea uma capacidade de gera\u00e7\u00e3o menor do que a verdadeira, ir\u00e1 recomendar ao planejador licitar um menor volume de aproveitamentos do que aquilo que seria efetivamente necess\u00e1rio.<\/p>\n Atraso ou n\u00e3o entrega das obras<\/strong><\/p>\n Uma vez conhecendo a necessidade de expans\u00e3o de energia, a EPE determina quais usinas ser\u00e3o licitadas. Via de regra, a licita\u00e7\u00e3o ocorre com uma anteced\u00eancia de cinco anos para projetos hidroel\u00e9tricos, e de tr\u00eas anos, para projetos de termoel\u00e9tricas. Tendo em vista o tempo necess\u00e1rio para construir as usinas, eventuais erros de planejamento ou de execu\u00e7\u00e3o requerem tempo para serem corrigidos.<\/p>\n O que observamos nos \u00faltimos anos foi um excesso de adiamentos e cancelamentos de obras. Em 2011, dos 2.180 MW m\u00e9dios previstos para entrar em opera\u00e7\u00e3o, nada menos que 980 MW m\u00e9dios foram cancelados. Em 2012, a previs\u00e3o era de 2.327 MW m\u00e9dios, mas somente 45% foi entregue no prazo. A frustra\u00e7\u00e3o de oferta prosseguiu em 2013, com apenas 27% dos 4.672 MW m\u00e9dios previstos tendo sido entregues na data correta. Enfim, o quadro se repete em 2014, com menos de 50% das usinas contratadas ficando pronta no prazo previsto. Mais recentemente, a Usina de Santo Antonio solicitou \u00e0 Aneel autoriza\u00e7\u00e3o para atrasar as obras em 63 dias.<\/p>\n \u00c9 normal haver fatos intervenientes que possam atrasar a entrega das obras, mas, queremos crer, que tais atrasos sejam devidamente incorporados nas previs\u00f5es do \u00f3rg\u00e3o planejador. Contudo, os atrasos que v\u00eam ocorrendo, na frequ\u00eancia e magnitude com que se manifestam, inclusive com cancelamento de projetos, n\u00e3o podem ser creditados a causas fortuitas. A escassez de oferta decorre de uma pol\u00edtica governamental de tentar impor modicidade tarif\u00e1ria a qualquer custo.<\/p>\n Ap\u00f3s o racionamento de 2001, e com o in\u00edcio do primeiro mandato de Lula, em 2003, o governo entendeu ser necess\u00e1rio alterar o marco regulat\u00f3rio vigente para garantir, simultaneamente, modicidade tarif\u00e1ria e seguran\u00e7a energ\u00e9tica. Ocorre que tais objetivos s\u00e3o conflitantes. Maior seguran\u00e7a energ\u00e9tica requer constru\u00e7\u00e3o de mais usinas, de forma a garantir que a oferta seja sempre capaz de atender a demanda. \u00c9 necess\u00e1rio construir usinas termel\u00e9tricas tanto para operar na base (ou seja, continuamente), como para ficar \u00e0 disposi\u00e7\u00e3o, para gerar energia em per\u00edodos que, por fatores fora do controle (como hidrologia excepcionalmente ruim), seja necess\u00e1ria a energia extra. Em ambos os casos, maior seguran\u00e7a energ\u00e9tica implica maior custo e, na aus\u00eancia de subs\u00eddios governamentais (leia-se, do contribuinte), maior tarifa ao consumidor<\/p>\n O processo licitat\u00f3rio consiste, grosso modo, na realiza\u00e7\u00e3o de um leil\u00e3o em que vence o licitante que oferecer o menor pre\u00e7o por unidade de energia produzida. Quanto menor for o n\u00famero de usinas leiloadas, mais acirrada ser\u00e1 a competi\u00e7\u00e3o entre os licitantes, o que estimula a oferta de lances com pre\u00e7os mais baixos.<\/p>\n \u00c9 dif\u00edcil estabelecer se a EPE licitou usinas em quantidades compat\u00edveis com a necessidade energ\u00e9tica do Pa\u00eds. Desde 2010, cerca de 7 mil MW m\u00e9dios deixaram de ser entregues ou sofreram atraso. Entretanto, desde outubro de 2012, o despacho de energia t\u00e9rmica aumentou em mais de 10 mil MW em rela\u00e7\u00e3o ao que vinha ocorrendo. Ou seja, mesmo que n\u00e3o houvesse atrasos e cancelamentos, usinas t\u00e9rmicas que deveriam funcionar apenas ocasionalmente estariam despachando de forma cont\u00ednua, ainda que em volume significativamente inferior ao fazem atualmente.<\/p>\n Al\u00e9m de uma poss\u00edvel restri\u00e7\u00e3o de oferta de usinas a serem leiloadas, processos licitat\u00f3rios pouco rigorosos estimularam a participa\u00e7\u00e3o de empresas com pouca capacidade de lidar com o neg\u00f3cio. No curto prazo, a participa\u00e7\u00e3o dessas empresas parecia ser ben\u00e9fica, pois permitiu que os pre\u00e7os definidos em leil\u00e3o ca\u00edssem. Ocorre que, em v\u00e1rios casos, os pre\u00e7os baixos se mostraram invi\u00e1veis, levando aos atrasos e mesmo cancelamento dos projetos, prejudicando a expans\u00e3o da oferta energ\u00e9tica. O caso mais emblem\u00e1tico \u00e9 do Grupo Bertin. Originariamente controladores de frigor\u00edficos, chegaram a ter em carteira projetos de constru\u00e7\u00e3o de termel\u00e9tricas que totalizavam 6 mil MW, cerca da metade da capacidade de Itaipu, e consumiriam R$ 7 bilh\u00f5es em investimentos. Por falta de experi\u00eancia no setor e dificuldades de financiamento, o resultado foi que as 21 concess\u00f5es ganhas n\u00e3o sa\u00edram do papel. Posteriormente, parte delas foi vendida, mas parte teve de ser revogada pela Aneel.<\/p>\n Outra forma de garantir pre\u00e7os baixos no leil\u00e3o \u00e9 via aumento da participa\u00e7\u00e3o estatal, diretamente ou se associando a cons\u00f3rcios. Afinal, a estatal \u00e9 obrigada a seguir as orienta\u00e7\u00f5es de seu controlador, no caso, a Uni\u00e3o. As subsidi\u00e1rias da Eletrobras, em especial a Chesf, foram particularmente agressivas nos leil\u00f5es de linhas de transmiss\u00e3o. Os baixos pre\u00e7os oferecidos na licita\u00e7\u00e3o, conjugados com dificuldades de caixa da empresa, fizeram com que 96 obras de transmiss\u00e3o da Chesf sofressem atrasos, que, em m\u00e9dia, atingiam 495 dias. Com esses atrasos, a energia de 28 parques e\u00f3licos constru\u00eddos na Bahia e no Rio Grande do Norte que estavam prontos desde julho de 2012 n\u00e3o pode ser distribu\u00edda no sistema por falta de linhas de transmiss\u00e3o.<\/p>\n Nos projetos estruturantes (Santo Antonio, Jirau e Belo Monte), al\u00e9m da forte presen\u00e7a da Eletrobras, os baixos pre\u00e7os oferecidos foram viabilizados pela expectativa de vender at\u00e9 30% da energia no mercado livre, a pre\u00e7o mais alto do que o compactuado no mercado regulado (nos leil\u00f5es, fixa-se somente o pre\u00e7o do mercado regulado, que \u00e9 o que atende a todos os consumidores residenciais, \u00e0 grande maioria de pequenos e m\u00e9dios consumidores n\u00e3o residenciais, e de parte dos grandes consumidores). Al\u00e9m disso, as empresas esperavam antecipar a entrega das obras, o que lhes permitiria vender no mercado livre toda a energia produzida nesse per\u00edodo de produ\u00e7\u00e3o antecipada. O risco assumido est\u00e1 custando caro, pelo menos para o cons\u00f3rcio respons\u00e1vel por Santo Antonio. Como eles contrataram a venda de energia no mercado livre, mas n\u00e3o conseguiram antecipar a produ\u00e7\u00e3o da forma como esperavam, est\u00e3o tendo de comprar no mercado \u00e0 vista a um pre\u00e7o muito superior ao que se comprometeram entregar. No in\u00edcio de setembro, a d\u00edvida no mercado de curto prazo j\u00e1 atingia R$ 1 bilh\u00e3o, obrigando a concession\u00e1ria a iniciar um processo de demiss\u00e3o.<\/p>\n Em resumo, existe uma crise energ\u00e9tica no Pa\u00eds, caracterizada por escassez de oferta, e que deve ser atribu\u00edda a fatores muito mais complexos do que uma simples hidrologia ruim. Instrumentos inadequados de planejamento e, principalmente, uma pol\u00edtica de modicidade tarif\u00e1ria excessiva v\u00eam comprometendo a expans\u00e3o da oferta de forma preocupante. A crise s\u00f3 n\u00e3o est\u00e1 pior porque as med\u00edocres taxas de crescimento econ\u00f4mico t\u00eam reduzido a demanda por energia. Em 2001, o racionamento levou a uma retra\u00e7\u00e3o na expans\u00e3o do PIB, que permitiu reequilibrar oferta e demanda no mercado de energia. Agora, a pol\u00edtica econ\u00f4mica se encarregou de produzir essa retra\u00e7\u00e3o do PIB, adiando, por hora, a necessidade de um racionamento.<\/p>\n Este texto (com pequenas altera\u00e7\u00f5es) foi originalmente publicado com o t\u00edtulo \u201cEscassez de oferta de energia el\u00e9trica: muito al\u00e9m de S\u00e3o Pedro\u201d no F\u00f3rum Nacional (Sess\u00e3o Especial). Vis\u00f5es do Desenvolvimento Brasileiro e Nova Revolu\u00e7\u00e3o Industrial \u2013 a maior desde 1790. Rio de Janeiro, 10 e 11 de setembro de 2014, no site http:\/\/www.inae.org.br\/sec.php?s=120&i=pt<\/a>.<\/em><\/p>\n _________________<\/p>\n 1<\/sup> Esse valor \u00e9 o planejado pela EPE, mas \u00e9 incompat\u00edvel com a realidade. Isso porque as distribuidoras s\u00f3 podem ficar sobrecontratadas em at\u00e9 5% da demanda estimada. Como elas representam 75% do mercado (o restante \u00e9 formado pelo mercado livre), a sobra do sistema como um todo pode ser, no m\u00e1ximo, de 3,75% (igual a 75% de 5%).<\/p>\n 2<\/sup> Algumas distribuidoras j\u00e1 reajustaram seus pre\u00e7os em 2014, com valores frequentemente acima de 15%. Al\u00e9m disso, grandes consumidores que tinham energia descontratada tiveram que comprar no mercado spot<\/em> por valores at\u00e9 cinco vezes maiores do que os que vigoravam em 2013.<\/p>\n 3<\/sup> Gr\u00e1fico dispon\u00edvel em: dispon\u00edvel em:<\/p>\n<\/a><\/p>\n
<\/a><\/p>\n
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