{"id":2289,"date":"2014-09-15T10:37:29","date_gmt":"2014-09-15T13:37:29","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2289"},"modified":"2014-09-15T10:37:29","modified_gmt":"2014-09-15T13:37:29","slug":"o-banco-central-deve-ser-independente","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2289","title":{"rendered":"O Banco Central deve ser independente?"},"content":{"rendered":"
O cen\u00e1rio pol\u00edtico recente despertou novamente o debate sobre independ\u00eancia (ou autonomia) do Banco Central do Brasil (BCB).\u00a0Uma diversidade de argumentos, te\u00f3ricos ou ideol\u00f3gicos, vem sendo utilizada para defender, de um lado, um maior controle do Poder Executivo sobre as decis\u00f5es do\u00a0BCB, ou, de outro, um maior isolamento do \u00f3rg\u00e3o com respeito a oscila\u00e7\u00f5es pol\u00edticas.\u00a0Neste texto, entregamos uma an\u00e1lise sobre o papel do Banco Central na sociedade e esclarecemos argumentos em defesa da sua independ\u00eancia.<\/p>\n
Primeiramente, \u00e9 preciso clarificar o que \u00e9 (e o que n\u00e3o \u00e9) independ\u00eancia do Banco Central.<\/p>\n
Independ\u00eancia pode ser entendida como um arranjo institucional em que est\u00e3o presentes mecanismos de insula\u00e7\u00e3o do \u00f3rg\u00e3o em rela\u00e7\u00e3o a interven\u00e7\u00f5es discricion\u00e1rias do governo. Dito de outra forma, a independ\u00eancia representa um desenho das regras do jogo de modo a deixar o BC livre de influ\u00eancias pol\u00edticas que prejudiquem o cumprimento da sua miss\u00e3o como guardi\u00e3o da estabilidade da moeda \u2013 leia-se, infla\u00e7\u00e3o sob controle.<\/p>\n
Que mecanismos garantem independ\u00eancia na pr\u00e1tica? Como exemplos, podemos citar:<\/p>\n
Antes de discutirmos os benef\u00edcios de um BC independente, \u00e9 preciso quebrar alguns mitos por vezes disseminados ao p\u00fablico geral a respeito deste tema.<\/p>\n
Independ\u00eancia n\u00e3o \u00e9 entregar o galinheiro a comando da raposa, como argumentam alguns ve\u00edculos na m\u00eddia1<\/sup>. De fato, o quadro de funcion\u00e1rios do BC precisa de pessoas com experi\u00eancia com bancos e com o mercado financeiro, inclusive na diretoria, devido ao n\u00edvel t\u00e9cnico exigido pelo trabalho que \u00e9 desempenhado no \u00f3rg\u00e3o. Todavia, o desenho de institui\u00e7\u00f5es como o BC certamente n\u00e3o ignora a possibilidade de conflitos de interesse, informa\u00e7\u00e3o privilegiada, nem a possibilidade de captura da ag\u00eancia p\u00fablica por interesses privados, os quais representam comportamentos abusivos em preju\u00edzo da comunidade. Para esses problemas, h\u00e1 dispositivos especialmente criados no design institucional, como o per\u00edodo de quarentena profissional dos ex-diretores, a subordina\u00e7\u00e3o do presidente a conselhos de administra\u00e7\u00e3o e a auditoria externa.<\/p>\n Independ\u00eancia n\u00e3o significa abrir m\u00e3o da determina\u00e7\u00e3o dos objetivos de pol\u00edtica pela nossa democracia representativa. At\u00e9 mesmo um BC com opera\u00e7\u00e3o independente precisa respeitar a lei existente e seguir as diretrizes de pol\u00edtica estabelecidas por inst\u00e2ncias superiores, como o Congresso. Para prevenir condutas que se desviem dessas diretrizes, h\u00e1 dispositivos como a avalia\u00e7\u00e3o independente e incentivos para a responsabiliza\u00e7\u00e3o (accountability<\/em>). Vide, por exemplo, o sistema de accountability<\/em> do Banco Central Europeu, um BC independente com o desafio de harmonizar objetivos de pol\u00edtica de dezoito na\u00e7\u00f5es2<\/sup>.<\/p>\n Mas por que a independ\u00eancia de uma institui\u00e7\u00e3o pode ser desej\u00e1vel?<\/p>\n S\u00e3o exemplos de entidades cuja independ\u00eancia \u00e9 desej\u00e1vel aquelas que lidam diretamente com a regula\u00e7\u00e3o dos agentes, como, por exemplo, o Poder Judici\u00e1rio, as Ag\u00eancias Reguladoras, o CADE, a CVM. Outro exemplo s\u00e3o os \u00f3rg\u00e3os de fiscaliza\u00e7\u00e3o da pr\u00f3pria a\u00e7\u00e3o do governo, como o TCU, o Minist\u00e9rio P\u00fablico e a Pol\u00edcia Federal.<\/p>\n O Banco Central mistura elementos desses dois tipos de \u00f3rg\u00e3o. Sua miss\u00e3o, conforme declarada em seu estatuto, \u00e9 dupla: (i) manter a estabilidade de pre\u00e7os e (ii) assegurar um sistema financeiro s\u00f3lido e eficiente. A segunda tarefa est\u00e1 ligada \u00e0 formula\u00e7\u00e3o de regras e \u00e0 fiscaliza\u00e7\u00e3o da atividade banc\u00e1ria com o objetivo de controlar o risco sist\u00eamico e evitar fraudes e crimes como lavagem de dinheiro. S\u00f3 esta miss\u00e3o j\u00e1 justificaria a independ\u00eancia do banco para assegurar sua credibilidade e a seguran\u00e7a jur\u00eddica.<\/p>\n No entanto, a primeira miss\u00e3o \u00e9 a mais sens\u00edvel, especialmente no caso do Brasil. A estabilidade do poder de compra da moeda (ou seja, a infla\u00e7\u00e3o sob controle) tem no Banco Central o seu principal guardi\u00e3o, devido, principalmente, \u00e0 efic\u00e1cia da atua\u00e7\u00e3o desse \u00f3rg\u00e3o para influenciar a macroeconomia, por meio da pol\u00edtica monet\u00e1ria.<\/p>\n O Brasil tem um hist\u00f3rico de coexist\u00eancia com altos e persistentes n\u00edveis de infla\u00e7\u00e3o, um problema cr\u00f4nico denominado pelo historiador econ\u00f4mico Gustavo Franco como \u2018inflacionismo\u20193<\/sup>. Este fen\u00f4meno consiste na incapacidade do governo de se financiar via aumento de impostos no presente ou no futuro (via emiss\u00e3o de d\u00edvida), e est\u00e1 intimamente relacionado com a instabilidade pol\u00edtica do Estado aliada a uma estrutura extremamente desigual de distribui\u00e7\u00e3o de riqueza. Sendo assim, somente atrav\u00e9s do aumento da infla\u00e7\u00e3o o governo consegue expandir seus gastos politicamente direcionados e, dessa forma, garantir o apoio pol\u00edtico de grupos diversos para se sustentar no poder. O lado perverso disso \u00e9 que o financiamento inflacion\u00e1rio do Estado funciona como um imposto regressivo, incidindo de forma mais acentuada sobre os mais pobres e piorando a estrutura distributiva.<\/p>\n Entretanto, com a redemocratiza\u00e7\u00e3o dos anos 1980 e a consequente emerg\u00eancia das demandas sociais, o controle da infla\u00e7\u00e3o se tornou claramente uma prioridade de pol\u00edtica p\u00fablica. Ap\u00f3s v\u00e1rias tentativas fracassadas nos primeiros governos democr\u00e1ticos, o Plano Real conseguiu, em 1994, lan\u00e7ar as bases para uma infla\u00e7\u00e3o estabilizada. Al\u00e9m de prescrever uma s\u00e9rie de ajustes macroecon\u00f4micos, como controle do d\u00e9ficit p\u00fablico e \u00e2ncora cambial, o Plano tinha um pilar central: a credibilidade do governo no compromisso com a estabilidade de pre\u00e7os.<\/p>\n Essa credibilidade afeta a raiz das expectativas dos agentes da economia (produtores, consumidores, bancos), os quais, tomando suas decis\u00f5es de forma descentralizada, determinam conjuntamente a evolu\u00e7\u00e3o dos pre\u00e7os. Por\u00e9m, o Plano n\u00e3o poderia depender, para sempre, da credibilidade dos indiv\u00edduos \u00e0 frente da condu\u00e7\u00e3o da pol\u00edtica naquela \u00e9poca. Seus proponentes estavam cientes da inconsist\u00eancia de programas de controle da infla\u00e7\u00e3o que dependessem da discricionariedade do governo, fato consolidado na literatura econ\u00f4mica 4<\/sup> 5<\/sup>.<\/p>\n Por isso, o programa de controle da infla\u00e7\u00e3o inaugurado pelo Plano Real foi transformado, a partir de 1999, em um mecanismo de car\u00e1ter institucional: o Sistema de Metas para a Infla\u00e7\u00e3o. Neste sistema, o BCB se compromete institucionalmente a utilizar os instrumentos \u00e0 sua disposi\u00e7\u00e3o para manter a infla\u00e7\u00e3o anual projetada dentro de uma meta centrada em 4,5%, com 2 pontos de toler\u00e2ncia para mais ou para menos (ou seja, entre 2,5 e 6,5). Al\u00e9m disso, para o sistema funcionar bem, \u00e9 necess\u00e1rio que o BC opere com absoluta transpar\u00eancia e que seus objetivos de pol\u00edtica sejam de amplo conhecimento do p\u00fablico. O resultado deste modelo \u00e9 claro: os n\u00edveis de infla\u00e7\u00e3o foram consistentemente mais baixos desde 1994 [veja o gr\u00e1fico].<\/p>\n Infla\u00e7\u00e3o anual medida pelo IGP-DI (Fonte: BCB)<\/p>\n <\/p>\n O funcionamento do Sistema de Metas, por\u00e9m, depende criticamente da credibilidade do Banco Central. Apesar de operar com relativa autonomia, qual seja, uma relativa liberdade para decidir os meios e instrumentos para implementar as metas e diretrizes estabelecidas pelo governo, o BCB n\u00e3o possui independ\u00eancia de fato. As d\u00favidas quanto \u00e0 credibilidade do Banco podem ser evidenciadas pelo fato de que, nos anos recentes, rumores de que o Governo estaria pressionando o presidente do BC no sentido de ser menos rigoroso com o cumprimento da meta, por si s\u00f3, contribu\u00edram para o aumento da expectativa de infla\u00e7\u00e3o, que hoje beira o teto da meta (6,5%) no acumulado de 12 meses.<\/p>\n A atual gera\u00e7\u00e3o jovem pouco vivenciou o caos e a afli\u00e7\u00e3o causados pela infla\u00e7\u00e3o fora de controle, mas ouviu hist\u00f3rias sobre como era dif\u00edcil o planejamento e a vida econ\u00f4mica naquela \u00e9poca. Os dados e a literatura tamb\u00e9m ensinam sobre os efeitos perversos da infla\u00e7\u00e3o sobre as camadas de menor renda, bem como sobre o potencial de desenvolvimento da nossa economia.<\/p>\n Esses fatos nos levam a crer que a estabilidade de pre\u00e7os figura como sen\u00e3o a mais valiosa conquista econ\u00f4mica da nossa jovem democracia.<\/p>\n <\/p>\n Para saber mais:<\/strong><\/p>\n Para uma abordagem did\u00e1tica sobre como funciona a pol\u00edtica monet\u00e1ria, recomendamos o artigo de Carlos G\u00f3es sobre independ\u00eancia do BC para n\u00e3o-economistas: http:\/\/mercadopopular.org\/2014\/09\/o-que-e-autonomia-do-banco-central-um-manual-para-nao-economistas\/<\/a><\/p>\n Texto originalmente publicado em: http:\/\/economiadependrive.wordpress.com\/2014\/09\/07\/sobre-a-independencia-do-bc\/<\/a><\/p>\n ____________<\/p>\n 1<\/sup> http:\/\/www.cartacapital.com.br\/economia\/o-banco-central-independente-e-os-20-centavos-8002.html<\/p>\n 2<\/sup> Banco Central Europeu. Organiza\u00e7\u00e3o > Responsabiliza\u00e7\u00e3o. Acesso em 07\/09\/2014. Dispon\u00edvel em: https:\/\/www.ecb.europa.eu\/ecb\/orga\/accountability\/html\/index.pt.html<\/a><\/p>\n 3<\/sup> Franco, Gustavo. \u201cAuge e Decl\u00ednio do Inflacionismo no Brasil.\u201d In: F\u00e1bio Giambiagi, Andr\u00e9 Villela, Lavinia Barros de Castro e Jennifer Hermann (orgs.) Economia Brasileira Contempor\u00e2nea 1945\/2004<\/em>, Cap\u00edtulo 10, p.258-283. Rio de Janeiro, Editora Campus, 2004.<\/p>\n 4<\/sup> Kydland, Finn E.; Prescott, Edward C. \u201cRules rather than discretion: the inconsistency of optimal plans.\u201d Journal of Political Economy<\/em> Vol. 85 No. 3., p.473-492, 1977.<\/p>\n 5<\/sup> Bernanke, Ben S. \u201cCentral Bank Independence, Transparency and Accountability.\u201d\u00a0Speech at the institute for monetary and economic studies international conference, Bank of Japan, May 25th 2010. Dispon\u00edvel em:\u00a0http:\/\/www.federalreserve.gov\/newsevents\/speech\/bernanke20100525a.htm<\/a><\/p>\n <\/p>\n Download:<\/strong><\/p>\n\n
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