{"id":2278,"date":"2014-09-01T11:14:44","date_gmt":"2014-09-01T14:14:44","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2278"},"modified":"2014-09-01T11:14:44","modified_gmt":"2014-09-01T14:14:44","slug":"os-conflitos-federativos-na-democracia-brasileira","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2278","title":{"rendered":"Os conflitos federativos na democracia brasileira"},"content":{"rendered":"
Introdu\u00e7\u00e3o<\/strong><\/p>\n As regras de rela\u00e7\u00e3o federativa no Brasil s\u00e3o em parte herdadas do per\u00edodo militar e em parte constru\u00eddas ou adaptadas ap\u00f3s a redemocratiza\u00e7\u00e3o. A parcela herdada do passado n\u00e3o\u2013democr\u00e1tico – como o arranjo do CONFAZ para gerir o ICMS \u2013 simplesmente perdeu funcionalidade, porque pressupunha centraliza\u00e7\u00e3o de poder nas m\u00e3os do Executivo federal (no caso do CONFAZ, poder do Ministro da Fazenda e submiss\u00e3o dos secret\u00e1rios estaduais). A parcela criada ou reformulada no per\u00edodo democr\u00e1tico padece dos problemas vividos por nossa democracia que, como argumentado adiante, estimula forte conflito distributivo entre diferentes grupos de interesse, organizados em bases sociais, profissionais, ideol\u00f3gicas, religiosas, entre outras. Os problemas federativos s\u00e3o mais uma dimens\u00e3o desse conflito, tendo as regi\u00f5es, estados e munic\u00edpios como n\u00facleo de organiza\u00e7\u00e3o dos interesses conflitantes.<\/p>\n A democracia brasileira est\u00e1 sendo constru\u00edda em uma sociedade bastante desigual. A desigualdade n\u00e3o se restringe \u00e0s dimens\u00f5es de renda e patrim\u00f4nio, mas tamb\u00e9m de acesso a servi\u00e7os p\u00fablicos e \u00e0 justi\u00e7a, de n\u00edvel educacional e tamb\u00e9m das condi\u00e7\u00f5es econ\u00f4micas e possibilidades de desenvolvimento regional.<\/p>\n Ao transitar de um regime fechado, sem espa\u00e7o para press\u00f5es pol\u00edticas por redistribui\u00e7\u00e3o, para um regime aberto, com ampla representa\u00e7\u00e3o pol\u00edtica, a sociedade brasileira viu explodir as demandas de diversos grupos de interesse. O Congresso Nacional tem representantes declarados ou ocultos de in\u00fameros grupos profissionais, sociais e ideol\u00f3gicos, oriundos de todos os n\u00edveis de renda: bancada ruralista, bancada da bola, movimento negro, bancada da sa\u00fade, bancada da educa\u00e7\u00e3o, bancada municipalista, etc. O nosso sistema eleitoral permite esse tipo de representa\u00e7\u00e3o, ao adotar o voto proporcional com distritos eleitorais amplos.<\/p>\n Embora n\u00e3o caiba aqui uma detalhada an\u00e1lise do sistema pol\u00edtico eleitoral, o que inclusive exigiria que se explicitassem os benef\u00edcios que esse sistema traz; o que \u00e9 relevante ressaltar \u00e9 que cada um dos in\u00fameros grupos de interesse tem uma agenda que busca n\u00e3o apenas aumentar o gasto p\u00fablico em favor da sua causa ou grupo social, mas tamb\u00e9m criar regras que lhes concedam novos privil\u00e9gios ou protejam os antigos. Por exemplo, subs\u00eddios ou prote\u00e7\u00e3o comercial criados no passado s\u00e3o renovados independentemente de terem sido bem-sucedidos ou n\u00e3o, porque criaram clientes que deles auferem renda e se mobilizam para pereniz\u00e1-los.<\/p>\n A combina\u00e7\u00e3o de grande heterogeneidade social com ampla liberdade de reivindica\u00e7\u00e3o e de representa\u00e7\u00e3o pol\u00edtica acaba levando a forte conflito distributivo. Tal conflito, ao resultar na expans\u00e3o do Estado, tanto pela via do gasto (e da tributa\u00e7\u00e3o) quanto pela via da regula\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica ineficiente (que busca proteger renda de grupos); acaba minando a efici\u00eancia da gest\u00e3o p\u00fablica e a produtividade da economia. O resultado \u00e9 o baixo crescimento econ\u00f4mico. O bolo de renda a ser dividido fica menor do que poderia ser, o que refor\u00e7a o conflito original, colocando o pa\u00eds em uma armadilha de baixo crescimento e limitada capacidade de fazer reformas que quebrem privil\u00e9gios e sejam capazes de aumentar a efici\u00eancia e o crescimento.<\/p>\n O restante deste texto apresenta os principais problemas de rela\u00e7\u00e3o federativa no Brasil, mostrando como eles se situam nesse modelo geral de democracia conflituosa e de heran\u00e7a de institui\u00e7\u00f5es do per\u00edodo autorit\u00e1rio.<\/p>\n ICMS e CONFAZ<\/strong><\/p>\n O ICMS \u00e9 um imposto sobre o valor agregado pertencente aos estados. Como forma de incentivo para atra\u00e7\u00e3o de empresas, v\u00e1rios estados passaram a conceder isen\u00e7\u00e3o de impostos. Para evitar essa guerra fiscal, instituiu-se o Confaz como inst\u00e2ncia deliberativa, em que a isen\u00e7\u00e3o fiscal oferecida por determinado estado somente seria permitida caso os Secret\u00e1rios de Fazenda de todas as unidades da federa\u00e7\u00e3o, por unanimidade, aprovassem tal isen\u00e7\u00e3o. Ocorre que esse modelo s\u00f3 funcionava em um ambiente pol\u00edtico centralizado, no qual o poder central, representado pelo Minist\u00e9rio da Fazenda, impunha as regras, e os representantes estaduais n\u00e3o tinham poder para desafi\u00e1-las. A partir do momento em que houve democratiza\u00e7\u00e3o e descentraliza\u00e7\u00e3o do poder, tornou-se invi\u00e1vel a gest\u00e3o consensual do ICMS.<\/p>\n Tampouco parece haver espa\u00e7o para uma solu\u00e7\u00e3o cooperativa, com a redu\u00e7\u00e3o da al\u00edquota interestadual do ICMS para coibir a guerra fiscal, simplesmente porque o Governo Federal n\u00e3o tem credibilidade para oferecer compensa\u00e7\u00f5es aos perdedores.<\/p>\n Essa falta de credibilidade decorre, em primeiro lugar, do fato de que a real compensa\u00e7\u00e3o seria a implanta\u00e7\u00e3o de infraestrutura de transportes e log\u00edstica que efetivamente integrasse as \u00e1reas mais distantes do pa\u00eds aos centros consumidores e aos pontos de exporta\u00e7\u00e3o. Ocorre que o Governo Federal n\u00e3o consegue oferecer tal infraestrutura a curto e m\u00e9dio prazo, pois os investimentos no setor se tornaram presa do conflito distributivo em torno das verbas or\u00e7ament\u00e1rias. Para gerar benef\u00edcios que representam renda no bolso dos diversos segmentos sociais (remunera\u00e7\u00e3o do funcionalismo, aposentadorias e pens\u00f5es, assist\u00eancia social, cr\u00e9dito subsidiado em bancos p\u00fablicos, perd\u00e3o de d\u00edvidas agr\u00edcolas, etc.) foi necess\u00e1rio n\u00e3o apenas elevar a tributa\u00e7\u00e3o, mas tamb\u00e9m cortar os investimentos em infraestrutura.<\/p>\n Sem as necess\u00e1rias art\u00e9rias de transportes, os estados de economia mais atrasada n\u00e3o conseguem se integrar ao polo din\u00e2mico da economia e perdem a oportunidade de utilizar suas vantagens comparativas (m\u00e3o de obra e custo de terrenos mais baratos, por exemplo) para atrair investimentos e empregos. Resta o caminho conflituoso da guerra fiscal, que n\u00e3o s\u00f3 distribui custos de maneira aleat\u00f3ria (quem paga o custo do incentivo \u00e9 o estado de destino das mercadorias), como incentiva a aloca\u00e7\u00e3o ineficiente dos investimentos (que se baseia nos custos tribut\u00e1rios e n\u00e3o nos custos de produ\u00e7\u00e3o). Ademais, o excesso de regula\u00e7\u00e3o federal na \u00e1rea de portos, voltada a proteger a renda dos empregados do setor e o mercado dos operadores, impede que os estados litor\u00e2neos disponham de plataformas eficientes de com\u00e9rcio internacional.<\/p>\n Tamb\u00e9m contribui para a baixa credibilidade das ofertas federais de compensa\u00e7\u00e3o a posteriori<\/em> a experi\u00eancia da Lei Kandir, em que alguns estados argumentam que n\u00e3o foram plenamente compensados pela desonera\u00e7\u00e3o de exporta\u00e7\u00f5es, conforme estabelecido naquela lei. O fato \u00e9 que, com o gasto p\u00fablico sempre crescente, decorrente do conflito distributivo acima referido, h\u00e1 sempre o risco de promessas de futuras compensa\u00e7\u00f5es financeiras serem frustradas pelo pr\u00f3ximo contingenciamento or\u00e7ament\u00e1rio.<\/p>\n Somente a amea\u00e7a de uma medida dr\u00e1stica, como a declara\u00e7\u00e3o de ilegalidade dos benef\u00edcios com efeito retroativo, pode for\u00e7ar as partes a negociar e chegar a um acordo. Isso, contudo, n\u00e3o se far\u00e1 sem impor perdas a alguns estados e deixar cicatrizes nas rela\u00e7\u00f5es pol\u00edticas.<\/p>\n Royalties de Petr\u00f3leo e CFEM<\/strong><\/p>\n A disputa aberta travada entre os estados acerca das regras de distribui\u00e7\u00e3o dos royalties do petr\u00f3leo \u00e9 um exemplo t\u00edpico do conflito distributivo que impera no pa\u00eds. N\u00e3o h\u00e1 argumentos tecnicamente convincentes para que os royalties se concentrem nos estados e munic\u00edpios pr\u00f3ximos aos locais de produ\u00e7\u00e3o. Tampouco existem argumentos para sustentar a transfer\u00eancia desses recursos aos estados e munic\u00edpios, em vez de concentr\u00e1-los nas m\u00e3os da Uni\u00e3o. H\u00e1 robustas evid\u00eancias emp\u00edricas de que os estados e munic\u00edpios que \u201cenriqueceram\u201d com as receitas de royalties desperdi\u00e7aram parte significativa dos recursos, que somem sob a forma de captura pela burocracia, desperd\u00edcio ou corrup\u00e7\u00e3o1<\/sup>. Apesar de tudo, continua o debate pela descentraliza\u00e7\u00e3o e redistribui\u00e7\u00e3o dos recursos. Quem fala mais alto leva!<\/p>\n Note-se que se est\u00e1 discutindo a distribui\u00e7\u00e3o das rendas de um petr\u00f3leo que sequer saiu do fundo do mar e que enfrentar\u00e1 grandes desafios tecnol\u00f3gicos para chegar \u00e0 superf\u00edcie e ser transportado at\u00e9 o continente. Somos incapazes de nos concentrar na discuss\u00e3o sobre a forma mais eficiente de produzir e vender o petr\u00f3leo, ou seja, de como aumentar a arrecada\u00e7\u00e3o total decorrente da extra\u00e7\u00e3o do \u00f3leo. A discuss\u00e3o \u00e9 essencialmente distributiva. E \u00e9 assim porque o conflito \u00e9 alto e acirrado. Quem cochilar perde tudo para o vizinho.<\/p>\n Por que n\u00e3o se discute a possibilidade de os recursos dos royalties de petr\u00f3leo financiarem a t\u00e3o necess\u00e1ria infraestrutura que integraria o pa\u00eds e daria competitividade aos estados e munic\u00edpios mais distantes? Mais uma vez surge a falta de confian\u00e7a entre as partes. Cada prefeito e governador prefere ter o dinheiro na m\u00e3o, ainda que seja para fazer um investimento com menor impacto para o desenvolvimento local, quando comparado a grandes investimentos de \u00e2mbito nacional, com medo de que o governo federal simplesmente n\u00e3o fa\u00e7a investimento algum. H\u00e1 tamb\u00e9m o risco de as obras federais, por mais importantes que sejam para o Pa\u00eds como um todo, trazerem pouco benef\u00edcio para determinado estado ou munic\u00edpio. Por exemplo, a constru\u00e7\u00e3o de uma rodovia interligando as \u00e1reas produtoras de soja do Mato Grosso ao Porto de Paranagu\u00e1 pouco contribui diretamente para o bem estar de um morador da Bahia. Al\u00e9m disso, tamb\u00e9m existe, no \u00e2mbito estadual e municipal, o mesmo conflito distributivo, em que grupos demandam emprego p\u00fablico, subven\u00e7\u00f5es e outros benef\u00edcios localizados. Portanto, a demanda de primeira ordem para governantes estaduais e municipais \u00e9 ter dinheiro na m\u00e3o para atender as press\u00f5es pol\u00edticas locais.<\/p>\n Zona Franca de Manaus e Fundos de Desenvolvimento Regional<\/strong><\/p>\n A Zona Franca de Manaus (ZFM), recentemente renovada por mais 50 anos, \u00e9 um exemplo t\u00edpico de incentivo que sobrevive gra\u00e7as ao seu fracasso. Seus benefici\u00e1rios n\u00e3o querem perder o privil\u00e9gio, e lutam para perpetu\u00e1-lo. A ideia original era dar incentivos fiscais tempor\u00e1rios para que a ind\u00fastria se instalasse naquela regi\u00e3o e, com o tempo, adquirisse escala de produ\u00e7\u00e3o suficiente para se tornar vi\u00e1vel e capaz de competir com ind\u00fastrias do restante do pa\u00eds e do mundo.<\/p>\n Passados 47 anos desde a implanta\u00e7\u00e3o da ZFM, ela continua dependente de isen\u00e7\u00e3o tribut\u00e1ria para sobreviver. O total de gastos tribut\u00e1rios federais com a ZFM \u00e9 da ordem de R$ 22 bilh\u00f5es por ano. Cada um dos 500 mil empregos diretos e indiretos gerados na regi\u00e3o custa ao pa\u00eds, em termos de benef\u00edcios fiscais, algo como R$ 44 mil por ano. No limite, seria mais eficiente pagar esse valor a cada pessoa hoje empregada na ZFM, o que corresponde a R$ 3,7 mil por m\u00eas, para que ela ficasse em casa, transferindo a produ\u00e7\u00e3o para outra regi\u00e3o do pa\u00eds que tenha competitividade para produzir sem precisar de incentivos fiscais2<\/sup>. Mantido o mesmo n\u00edvel de gasto tribut\u00e1rio, o Pa\u00eds teria ganhos em termos de produtividade e redu\u00e7\u00e3o de custos de log\u00edstica e transportes, ficando em situa\u00e7\u00e3o melhor que a atual, na qual, al\u00e9m dos custos fiscais, incorre nos custos de efici\u00eancia!<\/p>\n Por\u00e9m, \u00e9 politicamente invi\u00e1vel acabar com o incentivo e deixar um vazio demogr\u00e1fico e econ\u00f4mico em Manaus. O custo pol\u00edtico \u00e9 alto, e a press\u00e3o dos grupos beneficiados sobre o Congresso muito alta.<\/p>\n Racioc\u00ednio similar aplica-se aos fundos constitucionais de financiamento do setor produtivo. Apenas os fundos constitucionais absorvem 3% da receita de Imposto de Renda e IPI. A inadimpl\u00eancia dos tomadores desses recursos \u00e9 alta, os custos operacionais dos bancos p\u00fablicos que gerem os recursos s\u00e3o elevados (e consomem boa parte da verba or\u00e7ament\u00e1ria destinada aos financiamentos). N\u00e3o h\u00e1 evid\u00eancias de que, ap\u00f3s d\u00e9cadas de financiamentos dessa natureza, tais instrumentos tenham sido capazes de fechar significativamente o hiato de desenvolvimento entre o Sul-Sudeste e o Norte-Nordeste. No entanto, os mecanismos seguem intocados, e sempre que poss\u00edvel as partes interessadas batalham por mais recursos e novos fundos.<\/p>\n N\u00e3o h\u00e1, no \u00e2mbito dos debates federativos, qualquer estudo mais detalhado de impacto, que mensure os custos e benef\u00edcios desses mecanismos e que abra um debate sobre como melhor usar esses recursos em prol do desenvolvimento regional. Faz-se hoje o que se fazia no passado, ainda que os resultados sejam med\u00edocres. Qualquer possibilidade de reforma \u00e9 bloqueada pelo medo de se perder recursos. H\u00e1 um vi\u00e9s a favor do status quo<\/em>.<\/p>\n O mesmo ocorria com os royalties, que durante anos foram canalizados para alguns poucos estados e munic\u00edpios sem que os demais reclamassem. A perspectiva de aumento no valor total distribu\u00eddo a partir da descoberta do pr\u00e9-sal, contudo, aumentou o custo da ina\u00e7\u00e3o pol\u00edtica. E o debate sobre a redistribui\u00e7\u00e3o foi aberto.<\/p>\n No caso da ZFM, talvez os demais estados n\u00e3o se tenham dado conta do elevad\u00edssimo custo. No caso dos fundos constitucionais, por beneficiarem estados de tr\u00eas regi\u00f5es, \u00e9 poss\u00edvel que haja, no parlamento, maioria favor\u00e1vel \u00e0 sua continuidade. Afinal, rediscutir maior efic\u00e1cia na aplica\u00e7\u00e3o desses recursos sempre gera o risco de se perder as verbas para outros grupos de press\u00e3o, localizados fora das \u00e1reas hoje beneficiadas pelos fundos. N\u00e3o se pode esquecer, ademais, do grande incentivo que t\u00eam os atuais benefici\u00e1rios de ambos os mecanismos para criar mobiliza\u00e7\u00e3o pol\u00edtica em favor da manuten\u00e7\u00e3o de seus privil\u00e9gios.<\/p>\n Cria\u00e7\u00e3o de Obriga\u00e7\u00f5es aos Estados e Munic\u00edpios sem o Respectivo Suporte Financeiro<\/strong><\/p>\n Outra manifesta\u00e7\u00e3o clara das consequ\u00eancias do conflito distributivo sobre as rela\u00e7\u00f5es federativas s\u00e3o o que em ingl\u00eas se chama de \u201cunfunded mandates<\/em>\u201d: o legislador federal cria uma obriga\u00e7\u00e3o de a\u00e7\u00e3o ou gasto para os estados ou munic\u00edpios sem, contudo, lhes fornecer os recursos necess\u00e1rios para cumprir a nova lei. H\u00e1 abundantes exemplos de legisla\u00e7\u00e3o recentemente aprovada no Congresso com essas caracter\u00edsticas. Por exemplo, o piso nacional para a remunera\u00e7\u00e3o do magist\u00e9rio, a absor\u00e7\u00e3o dos agentes comunit\u00e1rios de sa\u00fade como servidores p\u00fablicos com plenos direitos, as obriga\u00e7\u00f5es decorrentes da nova legisla\u00e7\u00e3o de coleta e tratamento de lixo. H\u00e1 mais demanda na fila, como a famosa PEC 300, que cria piso nacional para os policiais militares e bombeiros.<\/p>\n De uma hora para outra o prefeito ou governador descobre que tem mais metas a cumprir, mais gastos a fazer, e tem que encontrar dinheiro no or\u00e7amento para custear isso. Por que tais leis s\u00e3o aprovadas? Exatamente porque os grupos de press\u00e3o interessados nos benef\u00edcios que elas proporcionam (professores, agentes comunit\u00e1rios de sa\u00fade, organiza\u00e7\u00f5es de defesa do meio-ambiente,etc.) conseguem se fazer ouvir e, sobretudo, conseguem fazer aprovar legisla\u00e7\u00e3o sem um adequado estudo de seus custos e benef\u00edcios. Trata-se de clara express\u00e3o do conflito distributivo, em uma sociedade com interesses diversos e fragmentados, onde h\u00e1 ampla representa\u00e7\u00e3o classista e setorial.<\/p>\n \u00c9 preciso evoluir no sentido de se colocar restri\u00e7\u00f5es institucionais que impe\u00e7am o legislador federal de criar obriga\u00e7\u00f5es para os estados e munic\u00edpios sem, concomitantemente, fornecer os meios financeiros para viabilizar a implanta\u00e7\u00e3o de novas pol\u00edticas. Isso certamente ir\u00e1 gerar legisla\u00e7\u00e3o mais consequente, e abrir\u00e1 caminho para solu\u00e7\u00f5es negociadas. Por exemplo, ainda que seja \u00f3timo termos uma legisla\u00e7\u00e3o muito avan\u00e7ada de coleta e processamento de lixo, \u00e9 preciso analisar os seus custos fiscais. A eventual ado\u00e7\u00e3o de m\u00e9todos mais avan\u00e7ados que os atuais n\u00e3o significa que precisamos ir para a fronteira tecnol\u00f3gica. \u00c9 preciso balancear benef\u00edcios e custos, poupando-se recursos e adequando-se a a\u00e7\u00e3o p\u00fablica \u00e0s restri\u00e7\u00f5es fiscais dos estados e munic\u00edpios. Ou seja, \u00e9 bom sonhar em ter um Jaguar ou uma Mercedes, mas a realidade da conta banc\u00e1ria nos leva a comprar um carro mais modesto. No nosso sistema pol\u00edtico atual, o legislador federal ordena aos prefeitos e governadores que comprem uma Mercedes, porque \u00e9 isso que um grupo de press\u00e3o pediu ao Congresso. Mas n\u00e3o d\u00e1 um tost\u00e3o para ajudar a comprar o carr\u00e3o.<\/p>\n O FPE e o FPM\u00a0 e a l\u00f3gica da A\u00e7\u00e3o Coletiva<\/strong><\/p>\n O Fundo de Participa\u00e7\u00e3o dos Estados (FPE) e o Fundo de Participa\u00e7\u00e3o dos Munic\u00edpios (FPM) fornecem dois bons exemplos de como o conflito distributivo generalizado impede que se melhore a aloca\u00e7\u00e3o dos recursos p\u00fablicos.<\/p>\n Comecemos pelo FPE. Como \u00e9 sabido, no passado recente alguns estados se sentiram prejudicados pelo fato de as cotas do FPE a que tinham direito estarem congeladas desde a d\u00e9cada de 1990, e n\u00e3o mais obedecerem \u00e0 regra de partilha anterior, em que se levava em conta a popula\u00e7\u00e3o e o inverso da renda per capita. Pois bem, seguindo a regra de cada um lutar pelo seu peda\u00e7o de or\u00e7amento, os estados prejudicados pela regra vigente ingressaram no Supremo Tribunal Federal com a\u00e7\u00e3o questionando a legisla\u00e7\u00e3o. Pretendiam, com isso, aumentar o seu quinh\u00e3o no FPE em preju\u00edzo de outros estados, que perderiam participa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n O Supremo, como \u00e9 sabido, decidiu pela inconstitucionalidade da lei e determinou ao Congresso a substitui\u00e7\u00e3o da norma por outra cujos crit\u00e9rios contemplassem a varia\u00e7\u00e3o das condi\u00e7\u00f5es socioecon\u00f4micas dos estados ao longo do tempo. Tal norma deveria ser aprovada at\u00e9 31 de dezembro de 2012. A obrigatoriedade de se discutir novos crit\u00e9rios, em que n\u00e3o havia como gerar ganhos para todos, e alguns estados certamente perderiam, abriu forte conflito. Jamais se chegou pr\u00f3ximo a um acordo para uma solu\u00e7\u00e3o que distribu\u00edsse os recursos de forma eficiente, que transferiria mais verbas para os estados com maior hiato entre a capacidade de arrecada\u00e7\u00e3o e os gastos obrigat\u00f3rios.<\/p>\n Uma caracter\u00edstica importante da decis\u00e3o do Supremo era a de impor o risco de elevada perda a todos os estados, caso n\u00e3o se aprovasse uma nova legisla\u00e7\u00e3o. Findo o prazo, o FPE deixaria de ser distribu\u00eddo a todos. O correr do tempo sem se chegar a um consenso redistributivo levou os estados a se unirem em torno de uma solu\u00e7\u00e3o para evitar a perda para todos, mantendo tudo como estava antes. Simplesmente aprovou-se uma lei que reproduzia a regra j\u00e1 existente, com uma transi\u00e7\u00e3o para o novo crit\u00e9rio que \u00e9 t\u00e3o lenta que vai durar mais de um s\u00e9culo para que os novos crit\u00e9rios passem a valer.<\/p>\n A li\u00e7\u00e3o e o incentivo transmitidos aos estados nesse epis\u00f3dio \u00e9 a seguinte: \u00e9 muito perigoso para um ou alguns poucos entes federativos agirem sozinhos, contra o interesse dos demais, por mais justas que sejam as suas reivindica\u00e7\u00f5es. Abrir uma disputa entre entes federados torna todos mais vulner\u00e1veis. O risco de perder o FPE enquadrou os estados \u201crebeldes\u201d e os fez aceitar a manuten\u00e7\u00e3o do status quo<\/em>.<\/p>\n Com esse tipo de incentivo, fica muito dif\u00edcil propor qualquer mudan\u00e7a de crit\u00e9rio na partilha dos recursos que vise aumentar a equidade ou a efici\u00eancia na aloca\u00e7\u00e3o das verbas. Esse tipo de debate coloca estado contra estado e enfraquece o grupo frente a suas disputas com o Governo Federal e com os demais grupos de press\u00e3o. At\u00e9 porque, em outras disputas, em que a recompensa \u00e9 t\u00e3o alta que vale a pena partir para o conflito (como nos royalties e na guerra fiscal) j\u00e1 h\u00e1 grande tens\u00e3o entre estados. Por isso, \u00e9 preciso evitar conflito quando a recompensa n\u00e3o \u00e9 alta, como no caso do FPE.<\/p>\n Situa\u00e7\u00e3o similar ocorre com o FPM. H\u00e1 muito o que melhorar na partilha desse Fundo. Atualmente, os pequenos e micromunic\u00edpios s\u00e3o excessivamente beneficiados, em preju\u00edzo das cidades m\u00e9dias nordestinas e dos munic\u00edpios situados nas periferias das regi\u00f5es metropolitanas. Esse vi\u00e9s na distribui\u00e7\u00e3o dos recursos cria muita inefici\u00eancia e m\u00e1 aloca\u00e7\u00e3o de recursos.<\/p>\n H\u00e1, por exemplo, um evidente incentivo \u00e0 cria\u00e7\u00e3o de pequenos munic\u00edpios: tr\u00eas munic\u00edpios de cinco mil habitantes recebem mais dinheiro que um munic\u00edpio de quinze mil habitantes. Isso acaba gerando multiplica\u00e7\u00e3o das estruturas administrativas e perda de escala na oferta de servi\u00e7os p\u00fablicos.<\/p>\n Quando se olha a atua\u00e7\u00e3o das institui\u00e7\u00f5es representativas dos munic\u00edpios no plano federal, o que se percebe \u00e9 uma forte resist\u00eancia a se discutir a inefici\u00eancia dos crit\u00e9rios de partilha do FPM. E isso \u00e9 compreens\u00edvel. Esse tipo de discuss\u00e3o vai colocar munic\u00edpio contra munic\u00edpio, e enfraquecer a capacidade de todos os munic\u00edpios, de forma unida, participarem da luta por mais recursos junto ao governo federal. H\u00e1 o justificado temor de o grupo perder for\u00e7a e perder espa\u00e7o em uma encarni\u00e7ada luta em que in\u00fameros grupos de press\u00e3o disputam recursos federais.<\/p>\n E h\u00e1 motivos para isso. Nos anos recentes, parte substancial do FPM (e do FPE) foi corro\u00edda pela concess\u00e3o de incentivos fiscais no \u00e2mbito do IPI. O lobby dos contribuintes do IPI ganhou do lobby dos prefeitos e governadores. Gastar energia discutindo a redistribui\u00e7\u00e3o interna do FPM e do FPE significa ter menos tempo, energia e uni\u00e3o para enfrentar, de forma unida, as amea\u00e7as que outros grupos de press\u00e3o colocam sobre as verbas estaduais e municipais.<\/p>\n Assim, o que se v\u00ea como demanda em rela\u00e7\u00e3o ao FPM, no \u00e2mbito do Congresso Nacional, \u00e9 a eleva\u00e7\u00e3o do tamanho do bolo, aumentando-se a parcela do Imposto de Renda e do IPI destinados ao Fundo, em detrimento da parcela desses tributos destinada \u00e0 Uni\u00e3o. Evita-se discutir as grandes distor\u00e7\u00f5es nos crit\u00e9rios de partilha, e o pa\u00eds como um todo segue perdendo com a aloca\u00e7\u00e3o ineficiente dos recursos, sobretudo com a grande car\u00eancia de verbas das cidades m\u00e9dias nordestinas e das periferias metropolitanas, onde se acumulam problemas sociais e faltam servi\u00e7os p\u00fablicos. Ao mesmo tempo, micromunic\u00edpios interioranos transformam a sua folha de pagamento na principal fonte de renda das cidades, criando legi\u00f5es de pensionistas, com baixa produtividade e pouca presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7o p\u00fablico.<\/p>\n Quem Ganha com a Renegocia\u00e7\u00e3o das D\u00edvidas junto \u00e0 Uni\u00e3o?<\/strong><\/p>\n \u00c9 bem sabido que os grandes ganhadores com a renegocia\u00e7\u00e3o proposta para a d\u00edvida refinanciada junto \u00e0 Uni\u00e3o s\u00e3o cinco estados e um munic\u00edpio: S\u00e3o Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Rio Grande do Sul, Alagoas e Munic\u00edpio de S\u00e3o Paulo. No entanto, h\u00e1 quase unanimidade entre os estados na press\u00e3o pela aprova\u00e7\u00e3o da renegocia\u00e7\u00e3o. Por que estados que n\u00e3o est\u00e3o entre os maiores ganhadores tamb\u00e9m se interessam e pressionam pela renegocia\u00e7\u00e3o? N\u00e3o seria mais razo\u00e1vel colocar as fichas pol\u00edticas em outros temas que lhes dessem maior retorno?<\/p>\n A resposta pode estar em um dos argumentos j\u00e1 apresentados acima. Em primeiro lugar, como os custos da renegocia\u00e7\u00e3o v\u00e3o ser pagos por toda a sociedade, cada administra\u00e7\u00e3o estadual daquelas n\u00e3o t\u00e3o beneficiadas pela renegocia\u00e7\u00e3o ir\u00e1 pagar uma parcela pequena do custo. Portanto, n\u00e3o h\u00e1 preocupa\u00e7\u00e3o com o custo fiscal ou macroecon\u00f4mico da renegocia\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Em segundo lugar, h\u00e1 a l\u00f3gica da a\u00e7\u00e3o coletiva e da reciprocidade. O estado A apoia o estado B na quest\u00e3o da d\u00edvida, e recebe o apoio de B quando tiver uma pend\u00eancia de seu interesse junto \u00e0 Uni\u00e3o. Por exemplo, a autoriza\u00e7\u00e3o para a contrata\u00e7\u00e3o de uma opera\u00e7\u00e3o de cr\u00e9dito.<\/p>\n Em terceiro lugar, ainda que n\u00e3o levem a maior parte dos benef\u00edcios, os outros estados levam \u201calgum\u201d benef\u00edcio. E pouco \u00e9 melhor do que nada. Esse argumento se torna mais relevante porque o benef\u00edcio de uma n\u00e3o renegocia\u00e7\u00e3o seria muito indireto. O impacto imediato da renegocia\u00e7\u00e3o \u00e9 transferir recursos da Uni\u00e3o para os estados. Sem renegocia\u00e7\u00e3o, portanto, a Uni\u00e3o passa a dispor de mais recursos. Tais recursos podem ser utilizados em obras, mas nada garante que essas obras iriam beneficiar diretamente aquele estado que est\u00e1 pouco endividado. Alternativamente, esses recursos podem ser poupados, melhorando o ambiente macroecon\u00f4mico. Para o governador de um estado, contudo, os benef\u00edcios de uma melhora do ambiente macroecon\u00f4mico s\u00e3o mais dif\u00edceis de serem quantificados e, pelo menos do ponto de vista de propaganda eleitoral, devem trazer menos votos (para o governador) do que a realiza\u00e7\u00e3o de determinada obra, como\u00a0 uma estrada ou escola.<\/p>\n Esta \u00e9, mais uma (com perd\u00e3o pela insist\u00eancia no argumento) manifesta\u00e7\u00e3o de uma sociedade em estado de forte conflito distributivo. Cada um tira para si o que pode, prevalece o interesse individual (de cada estado ou munic\u00edpio) e fenece o interesse coletivo.<\/p>\n A falta de disciplina fiscal gera al\u00edvio de curto prazo, mas piora o cen\u00e1rio de longo prazo<\/strong><\/p>\n Nos \u00faltimos anos houve evidente redu\u00e7\u00e3o da disciplina fiscal dos estados e munic\u00edpios. O Governo Federal afrouxou os controles sobre a contrata\u00e7\u00e3o de novos empr\u00e9stimos, inclusive liberando aval da Uni\u00e3o para estados e munic\u00edpios com classifica\u00e7\u00e3o de cr\u00e9dito muito baixa, segundo os crit\u00e9rios de avalia\u00e7\u00e3o da pr\u00f3pria Secretaria do Tesouro Nacional. Entre 2011 e 2014, foram nada menos que R$ 23 bilh\u00f5es em d\u00edvidas autorizadas para estados e munic\u00edpios com classifica\u00e7\u00e3o de cr\u00e9dito \u201cC\u201de \u201cD\u201d. Autoriza\u00e7\u00f5es que foram ratificadas pelo Senado.<\/p>\n Com mais acesso a cr\u00e9dito, os governos subnacionais precisaram fazer menor esfor\u00e7o fiscal para gerar os excedentes necess\u00e1rios ao pagamento de juros e amortiza\u00e7\u00e3o de suas d\u00edvidas vincendas. Ou seja, passaram a ter caixa n\u00e3o s\u00f3 para pagar as d\u00edvidas anteriores, como para expandir despesas. O resultado foi a queda do super\u00e1vit prim\u00e1rio de estados e munic\u00edpios, de 1,15% do PIB em 2007, para 0,34% em 2013.<\/p>\n Isso certamente melhora a situa\u00e7\u00e3o de curto prazo para o gestor que est\u00e1 no poder. Mas em nada contribui para melhorar a qualidade da gest\u00e3o p\u00fablica ou gerar incentivos \u00e0 boa gest\u00e3o fiscal.<\/p>\n O enfraquecimento da restri\u00e7\u00e3o or\u00e7ament\u00e1ria e a expans\u00e3o do endividamento subnacional, muitas vezes estimulado pelo Governo Federal, n\u00e3o \u00e9 bom para a gest\u00e3o p\u00fablica. O hist\u00f3rico dos anos 70 e 80 mostra que isso acaba em sobre-endividamento, governos despreocupados com qualidade de gest\u00e3o e crise fiscal. Governos locais que t\u00eam uma porta aberta para conseguir mais um espa\u00e7o fiscal por concess\u00e3o administrativa do Governo Federal acabam relaxando na busca de efici\u00eancia e qualidade de gest\u00e3o. \u00c9 sempre mais f\u00e1cil manter um programa ineficiente e financiar isso via d\u00edvida, do que fazer cortes em fun\u00e7\u00f5es comissionadas, extinguir secretarias, contrariar interesses estabelecidos, cancelar programas que apresentam baixos resultados e altos custos.<\/p>\n A qualidade de gest\u00e3o s\u00f3 se tornou assunto importante em governo estadual e municipal no Brasil a partir da forte restri\u00e7\u00e3o or\u00e7ament\u00e1ria imposta pelas condicionalidades da renegocia\u00e7\u00e3o da d\u00edvida de 1997-98 e pela aprova\u00e7\u00e3o da lei de responsabilidade fiscal em 2000. Quando deixou de existir a facilidade de acumular d\u00edvidas impag\u00e1veis e se exigiu efetivo desembolso para pagar os d\u00e9bitos existentes, \u00e9 que os gestores tiveram incentivos para buscar efici\u00eancia, contrariar interesses e ajustar a m\u00e1quina p\u00fablica.<\/p>\n Nesse sentido, o afrouxamento das regras de endividamento, no passado recente, prejudica a qualidade da gest\u00e3o fiscal e sinalizam para mais problemas futuros e mais conflitos para alocar, no futuro, os custos do endividamento excessivo.<\/p>\n O que fazer?<\/strong><\/p>\n A agenda de negocia\u00e7\u00f5es federativas teve, ao longo de 2012 e 2013, grande oportunidade de buscar uma negocia\u00e7\u00e3o envolvendo os principais pontos de conflito: redistribui\u00e7\u00e3o do FPE, renegocia\u00e7\u00e3o da d\u00edvida com a Uni\u00e3o, redu\u00e7\u00e3o das al\u00edquotas interestaduais do ICMS com regulamenta\u00e7\u00e3o dos incentivos concedidos \u00e0 revelia do CONFAZ e redistribui\u00e7\u00e3o dos royalties. N\u00e3o foi vi\u00e1vel, por\u00e9m, costurar esse acordo. No parlamento, deu-se prioridade a negociar os assuntos em separado. No esp\u00edrito do agu\u00e7ado conflito distributivo, cada grupo vetava ou colocava em banho-maria a reforma que lhe prejudicava, ao mesmo tempo em que tentava fazer andar a que lhe beneficiava. Ao final chegou-se a uma n\u00e3o-reforma do FPE, a uma proposta de renegocia\u00e7\u00e3o da d\u00edvida com alto custo fiscal para a Uni\u00e3o e com preju\u00edzos \u00e0 seguran\u00e7a jur\u00eddica, que o Executivo teme em bancar. Nada se avan\u00e7ou na quest\u00e3o do ICMS e os royalties viraram quest\u00e3o judicial.<\/p>\n N\u00e3o parece haver, portanto, condi\u00e7\u00f5es pol\u00edticas para um amplo pacto federativo. At\u00e9 porque, como j\u00e1 afirmado acima, h\u00e1 grande inseguran\u00e7a acerca da credibilidade de qualquer proposta da Uni\u00e3o no sentido de compensar os perdedores. H\u00e1, tamb\u00e9m, muita inseguran\u00e7a em torno dos n\u00fameros: quem ser\u00e3o os perdedores? Quanto efetivamente eles perder\u00e3o?<\/p>\n \u00c9 preciso, pois, buscar uma agenda que seja respons\u00e1vel em termos fiscais e que una interesses dos tr\u00eas n\u00edveis de governo, para que se comece a gerar resultados concretos. Um bom come\u00e7o seria uma emenda \u00e0 constitui\u00e7\u00e3o que pro\u00edba a cria\u00e7\u00e3o, no plano federal, de obriga\u00e7\u00f5es financeiras a estados e munic\u00edpios (unfunded mandates<\/em>). Isso n\u00e3o s\u00f3 daria previsibilidade e seguran\u00e7a financeira para os gestores estaduais e municipais, como tamb\u00e9m seria um escudo contra o poder de fortes lobbies<\/em>\u00a0 em busca de subs\u00eddios, rendas ou privil\u00e9gios salariais e previdenci\u00e1rios.<\/p>\n Outro tema que poderia unir o interesse dos tr\u00eas n\u00edveis de governo seria a regulamenta\u00e7\u00e3o do direito de greve dos servidores p\u00fablicos. Afinal, os estados e munic\u00edpios, por serem respons\u00e1veis pelas \u00e1reas de educa\u00e7\u00e3o, seguran\u00e7a e sa\u00fade, empregam largos contingentes de servidores altamente sindicalizados. As longas greves de professores, m\u00e9dicos, policiais e outras categorias relevantes imp\u00f5em perdas administrativas e de credibilidade aos prefeitos e governadores, ao mesmo tempo em que exigem esfor\u00e7o financeiro dos tr\u00eas n\u00edveis de governo.<\/p>\n Como \u00e9 sabido,\u00a0 h\u00e1 um v\u00e1cuo legal na regulamenta\u00e7\u00e3o do direito de greve no setor p\u00fablico, em que os servidores t\u00eam o direito constitucional de paralisarem atividades, mas n\u00e3o est\u00e3o submetidos a regras expl\u00edcitas de desconto dos dias parados, restri\u00e7\u00f5es a greves em \u00e1reas estrat\u00e9gicas ou demiss\u00e3o. O resultado \u00e9 que greves no setor p\u00fablico ocorrem com mais frequ\u00eancia e duram mais que as do setor privado. De acordo com dados do DIEESE, em 2012 74% das horas paradas por greve corresponde a movimentos paredistas de servidores p\u00fablicos (embora eles representem apenas 25% da for\u00e7a de trabalho total). Em m\u00e9dia, uma greve do setor p\u00fablico dura o equivalente a 172 horas de trabalho, contra apenas 46 horas no setor privado.3<\/sup><\/p>\n Os gestores p\u00fablicos ficam ref\u00e9m desse poder desproporcional, o que tem dado aos servidores grande vantagem no conflito distributivo, garantindo remunera\u00e7\u00e3o elevada, al\u00e9m de barrar outras experi\u00eancias de gest\u00e3o como a terceiriza\u00e7\u00e3o da gest\u00e3o de unidades de sa\u00fade, ou diferencia\u00e7\u00e3o de pagamento de professores em fun\u00e7\u00e3o do m\u00e9rito e desempenho, por exemplo.<\/p>\n Da parte do Governo Federal \u00e9 preciso rever a pol\u00edtica do enfraquecimento das normas da Lei de Responsabilidade Fiscal no que diz respeito \u00e0 autoriza\u00e7\u00e3o de novas opera\u00e7\u00f5es de cr\u00e9dito. \u00c9 preciso que haja forte restri\u00e7\u00e3o or\u00e7ament\u00e1ria para induzir estados e munic\u00edpios a buscar a economia de gastos e melhora nos processos de gest\u00e3o.<\/p>\n Em contrapartida, pode ser feito um ajuste nos contratos de d\u00edvida com a Uni\u00e3o, por\u00e9m em termos menos benevolentes que os propostos no PLC 99\/2013, que estipula a revis\u00e3o dos contratos das d\u00edvidas de forma retroativa. Al\u00e9m de ser um grande preju\u00edzo para a seguran\u00e7a jur\u00eddica do pa\u00eds, essa revis\u00e3o retroativa de indexadores soa a casu\u00edsmo, visto que concentra benef\u00edcios em um \u00fanico ente federado.<\/p>\n A substitui\u00e7\u00e3o de indexadores, de IGP-DI por IPCA \u00e9 bastante defens\u00e1vel, visto que as receitas estaduais e municipais t\u00eam maior correla\u00e7\u00e3o com o segundo que com o primeiro. A redu\u00e7\u00e3o dos juros fixos tamb\u00e9m \u00e9 admiss\u00edvel, visto que a faixa de 6% a 9% ao ano supera a taxa de juros de equil\u00edbrio do passado recente. Por\u00e9m nada inferior a 5% ou 4,5% deve ser buscado, visto que o pa\u00eds ainda tem perspectiva de um longo per\u00edodo de elevados juros reais pela frente. O uso da Selic como balizador dos juros, substituindo-os quando for menor que a taxa fixa contratual tamb\u00e9m \u00e9 um bom seguro para os estados e munic\u00edpios, por\u00e9m prejudicial para a Uni\u00e3o.<\/p>\n Outro ponto relevante a se renegociar \u00e9 a forma de pagamento do res\u00edduo da d\u00edvida. Quando a d\u00edvida dos estados foi renegociada nos anos 1990, fixou-se um limite de at\u00e9 15% da Receita Corrente L\u00edquida dos estados para o pagamento de juros e amortiza\u00e7\u00f5es. O que excedesse esse limite seria pago posteriormente. Por esse motivo, havia a possibilidade de, findo o prazo de 30 anos para o pagamento da d\u00edvida, parte dela ainda n\u00e3o teria sido quitada. Os contratos previam ent\u00e3o que, nesse caso, haveria 10 anos adicionais para se pagar o res\u00edduo. Em vez de um prazo fixo de 10 anos para quita\u00e7\u00e3o do passivo, poder-se-ia migrar para uma regra em que o ente subnacional comprometeria um percentual fixo de sua receita com o pagamento do res\u00edduo e o pagamento se estenderia pelo prazo necess\u00e1rio \u00e0 quita\u00e7\u00e3o do passivo. Com isso evitar-se-ia a situa\u00e7\u00e3o que parece estar se configurando para alguns estados e para o Munic\u00edpio de S\u00e3o Paulo de, ao final dos trinta anos da renegocia\u00e7\u00e3o, ter um res\u00edduo muito elevado, que consumiria mais de 20% de sua receita corrente para pagamento em dez anos. A mudan\u00e7a dessa regra tornaria todas as d\u00edvidas sustent\u00e1veis e reduziria o alto grau de incerteza que hoje paira sobre a sa\u00fade fiscal de longo prazo dos entes mais endividados.<\/p>\n A press\u00e3o gerada pela aprova\u00e7\u00e3o da nova regulamenta\u00e7\u00e3o para cria\u00e7\u00e3o de munic\u00edpios, cujos projetos aprovados no Congresso foram duas vezes vetados pelo Executivo, for\u00e7ar\u00e1 a discuss\u00e3o sobre os crit\u00e9rios de partilha do FPM. Se n\u00e3o houver um requisito de popula\u00e7\u00e3o m\u00ednima acima de, pelo menos, 15 mil habitantes para cria\u00e7\u00e3o de nova jurisdi\u00e7\u00e3o, haver\u00e1 nova onda de cria\u00e7\u00e3o de micromunic\u00edpios financeiramente invi\u00e1veis. O projeto recentemente vetado propunha limites populacionais baixos: 6 mil habitantes para o Norte e o Centro-Oeste e 12 mil habitantes para o Nordeste. Somente no Sul e Sudeste, onde s\u00e3o requeridos pelo menos 20 mil habitantes, \u00e9 que os est\u00edmulos \u00e0 fragmenta\u00e7\u00e3o administrativa ser\u00e3o menos intensos.<\/p>\n Ainda que ao custo de divis\u00e3o interna entre seus representados, as associa\u00e7\u00f5es representativas de munic\u00edpios ter\u00e3o que discutir os problemas das regras atuais de partilha do FPM. H\u00e1 no Congresso, em estado avan\u00e7ado de tramita\u00e7\u00e3o, um projeto que corrige o problema mais b\u00e1sico, que \u00e9 a divis\u00e3o dos munic\u00edpios em faixas populacionais, e que faz com que as receitas de FPM subam ou caiam muito quando um munic\u00edpio muda de faixa. Uma mudan\u00e7a simples como essa, que gera evidente ganho de efici\u00eancia e equidade, tem sofrido resist\u00eancia daqueles munic\u00edpios que se veem como potenciais perdedores. Parece ser hora de aceitar a racionaliza\u00e7\u00e3o do FPM, sobretudo de reduzir o vi\u00e9s a favor dos micromunic\u00edpios, para que o municipalismo n\u00e3o seja enfraquecido junto \u00e0 opini\u00e3o p\u00fablica, que n\u00e3o mais aceita a cria\u00e7\u00e3o de cidades dedicadas a receber transfer\u00eancias.<\/p>\n Se as grandes reformas (do ICMS, dos royalties, etc.) est\u00e3o travadas, ent\u00e3o deve-se buscar avan\u00e7o nas microrreformas, como a dos crit\u00e9rios do FPM e de ajustes pontuais da d\u00edvida. Com rela\u00e7\u00e3o \u00e0s grandes reformas, parece que um crit\u00e9rio importante \u00e9 garantir aos estados alguma prerrogativa de ter pol\u00edtica fiscal pr\u00f3pria. A viabilidade do modelo centralizado, consensual e un\u00e2nime morreu com o fim do regime militar. O novo ICMS ter\u00e1 que dar espa\u00e7o \u00e0 concorr\u00eancia entre estados, ainda que isso gere algum grau de inefici\u00eancia alocativa. O importante \u00e9 evitar que, como ocorre hoje, um estado jogue o custo da sua pol\u00edtica de incentivos sobre outro estado.<\/p>\n Ademais, o Governo Federal precisa avan\u00e7ar na agenda da infraestrutura, para garantir que cada estado e munic\u00edpio possa explorar plenamente as suas vantagens comparativas. \u00c9 preciso aproximar os estados mais distantes dos centros consumidores e de exporta\u00e7\u00e3o. Para ter recursos para investimento, o Governo Federal precisa conter os gastos correntes, feitos em favor de in\u00fameros grupos de press\u00e3o. Um agenda comum com os estados e munic\u00edpios, como a acima proposta, de limita\u00e7\u00e3o do poder das corpora\u00e7\u00f5es e de grupos de press\u00e3o que pleiteiam a cria\u00e7\u00e3o de unfunded mandates<\/em> seria um bom come\u00e7o.<\/p>\n ___________________<\/p>\n 1<\/sup> Vide: Mendes, M.J. (2002) Descentraliza\u00e7\u00e3o fiscal baseada em transfer\u00eancias e captura de recursos p\u00fablicos nos munic\u00edpios brasileiros. Universidade de S\u00e3o Paulo. Faculdade de Administra\u00e7\u00e3o, Contabilidade e Economia. Departamento de Economia. Tese de Doutorado; e Caselli, F., Michaels, G. (2009) Do oil windfalls improve living standards? Evidence from Brazil. NBER Working Paper Series w15550.<\/p>\n 2<\/sup> Vide Miranda, R.N. (2013) Zona Franca de Manaus: desafios e vulnerabilidades. N\u00facleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal \u2013 Texto para Discuss\u00e3o n\u00ba 126.<\/p>\n 3<\/sup> DIEESE (2013) Balan\u00e7o das greves em 2012. \u2013 Estudos e Pesquisas n\u00ba 66, maio.<\/p>\n <\/p>\n Download:<\/strong><\/p>\n