{"id":2259,"date":"2014-07-15T10:01:34","date_gmt":"2014-07-15T13:01:34","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2259"},"modified":"2014-07-21T09:13:10","modified_gmt":"2014-07-21T12:13:10","slug":"sera-a-reforma-politica-a-mae-de-todas-as-reformas","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2259","title":{"rendered":"Ser\u00e1 a \u201creforma pol\u00edtica\u201d a m\u00e3e de todas as reformas?"},"content":{"rendered":"
Sempre que uma crise pol\u00edtica ou econ\u00f4mica se instala no pa\u00eds\u00a0 – como, por exemplo, as manifesta\u00e7\u00f5es populares de julho de 2013 – \u00a0volta ao debate o argumento de que \u00e9 preciso fazer uma \u201creforma pol\u00edtica\u201d. Tal reforma, chega a ser colocada por alguns analistas como sendo mais importante que as demais (previdenci\u00e1ria, tribut\u00e1ria, or\u00e7ament\u00e1ria, trabalhista, etc.). J\u00e1 foi qualificada at\u00e9 como a \u201cm\u00e3e de todas as reformas\u201d1<\/sup>.<\/p>\n Em geral o argumento \u00e9 de que o sistema pol\u00edtico prejudica a governabilidade, estimula a corrup\u00e7\u00e3o e o agigantamento do Estado. Ao mesmo tempo, n\u00e3o colabora para que se instale uma administra\u00e7\u00e3o moderna, focada no m\u00e9rito e nos resultados obtidos, nem tampouco viabiliza a forma\u00e7\u00e3o de maiorias necess\u00e1rias para aprovar as demais reformas.<\/p>\n Este texto pretende argumentar que um governo decidido a dar prioridade \u00e0 reforma pol\u00edtica acabaria por conduzir sua administra\u00e7\u00e3o para um impasse, sendo incapaz de fazer tanto esta reforma quanto as demais.<\/p>\n 1 – A \u201creforma pol\u00edtica\u201d \u00e9, na verdade, um conjunto de v\u00e1rias reformas: n\u00e3o seria vi\u00e1vel tratar todas de uma vez.<\/strong><\/p>\n Em primeiro lugar, \u00e9 preciso dizer que n\u00e3o existe \u201ca\u201d reforma pol\u00edtica. O que h\u00e1 \u00e9 uma diversidade de diagn\u00f3sticos acerca de quais seriam os mais importantes problemas do sistema pol\u00edtico e, portanto, um grande rol de propostas de reforma. Por exemplo, aqueles que acreditam que o problema central est\u00e1 na baixa disciplina partid\u00e1ria e na dificuldade de o governo eleito formar maioria no Congresso, propugnam a mudan\u00e7a do atual sistema de elei\u00e7\u00f5es proporcionais com lista aberta, usada para a C\u00e2mara dos Deputados e legislativos estaduais e municipais, por outros sistemas como o voto distrital ou o voto proporcional em lista fechada. Outros, preocupados com comportamento oportunista de pequenos partidos pouco representativos, desejam que haja uma cl\u00e1usula de barreira que impe\u00e7a partidos pouco votados de ter representa\u00e7\u00e3o na C\u00e2mara. Tamb\u00e9m se preocupam com as distor\u00e7\u00f5es geradas pelas coliga\u00e7\u00f5es em elei\u00e7\u00f5es proporcionais ou a regra de escolha de suplentes de senador.<\/p>\n H\u00e1, ainda, uma longa lista de temas, como o voto facultativo, a dura\u00e7\u00e3o das campanhas, as fontes de financiamento (p\u00fablico ou privado), a possibilidade de reelei\u00e7\u00e3o, a dura\u00e7\u00e3o dos mandatos, a veda\u00e7\u00e3o a candidatos condenados (ficha limpa), etc.<\/p>\n Percebe-se, portanto, que n\u00e3o existe um \u00fanico problema a ser resolvido. H\u00e1 uma diversidade de problemas. Trat\u00e1-los todos de uma vez, como uma \u201campla reforma pol\u00edtica\u201d \u00e9 invi\u00e1vel.<\/p>\n Tal inviabilidade decorre, em primeiro lugar, das pr\u00f3prias limita\u00e7\u00f5es do sistema pol\u00edtico. Est\u00e1 claro, ap\u00f3s quase trinta anos de democracia, que medidas que contrariam interesses organizados t\u00eam viabilidade de aprova\u00e7\u00e3o apenas no primeiro ano de mandato presidencial, quando o chefe do Executivo tem o suporte da grande quantidade de votos recentemente obtida e pode apelar para o desejo de mudan\u00e7a e progresso do eleitorado. Com o passar do tempo os grupos de interesse se organizam e a mobiliza\u00e7\u00e3o c\u00edvica do per\u00edodo eleitoral se esvai. Por isso \u00e9 necess\u00e1rio aprovar reformas que estejam baseadas em claro diagn\u00f3stico do problema a ser resolvido e da efic\u00e1cia das medidas a serem tomadas.<\/p>\n 2 – Para cada um dos v\u00e1rios problemas h\u00e1 m\u00faltiplas solu\u00e7\u00f5es propostas e nenhum consenso sobre qual seria a melhor delas<\/strong><\/p>\n Al\u00e9m de serem muitos os problemas do sistema pol\u00edtico, h\u00e1 uma diversidade de solu\u00e7\u00f5es propostas para cada um deles. Cada poss\u00edvel solu\u00e7\u00e3o tem seus benef\u00edcios, mas tamb\u00e9m efeitos colaterais indesejados. O voto distrital, por exemplo, aproximaria o eleitor de seu representante, aumentando a transpar\u00eancia e fiscaliza\u00e7\u00e3o sobre o comportamento do parlamentar. Por outro lado, ampliaria o vi\u00e9s localista da a\u00e7\u00e3o dos deputados federais: eleitos por pequenos distritos, eles teriam como principal preocupa\u00e7\u00e3o levar benef\u00edcios para seus eleitores, em vez de se concentrarem nas quest\u00f5es pol\u00edticas de \u00e2mbito nacional. Adicionalmente, sistemas com voto distrital tendem a subrepresentar as minorias. O voto em lista fechada, por sua vez, reduziria custos das elei\u00e7\u00f5es e aumentaria a fidelidade partid\u00e1ria, mas traria o risco de uma elite de dirigentes partid\u00e1rios passar a acumular poder excessivo e impedir a ascens\u00e3o de novos l\u00edderes.<\/p>\n Ou seja, h\u00e1 muitos dilemas envolvidos nas escolhas a serem feitas em reformas do sistema pol\u00edtico. A sociedade e os partidos pol\u00edticos est\u00e3o fortemente divididos sobre qual a melhor op\u00e7\u00e3o, muitas vezes em fun\u00e7\u00e3o de interesses ocasionais e de projeto de poder.<\/p>\n Compare-se essa situa\u00e7\u00e3o com, por exemplo, uma reforma do sistema previdenci\u00e1rio. Aqui o problema tem dimens\u00e3o bem mais restrita. H\u00e1 quem afirme que vai tudo bem com a previd\u00eancia e que nenhuma reforma \u00e9 necess\u00e1ria. E h\u00e1 os que apontam que o d\u00e9ficit previdenci\u00e1rio \u00e9 insustent\u00e1vel no longo prazo. A reforma resume-se a aceitar o diagn\u00f3stico da necessidade de ajuste (e aprovar a reforma), ou discordar do diagn\u00f3stico (e rejeitar a reforma). Obviamente h\u00e1 disputa de grupos de interesses, e discord\u00e2ncia sobre como atingir os objetivos da reforma. Mas h\u00e1 muito menos dilemas e incertezas a serem considerados no debate e decis\u00e3o pol\u00edtica do que no caso da \u201creforma pol\u00edtica\u201d. Tanto os diagn\u00f3sticos quanto as poss\u00edveis solu\u00e7\u00f5es est\u00e3o mais maduras e o espectro de poss\u00edveis reformas \u00e9 mais reduzido.<\/p>\n Usar o precioso primeiro ano de mandato de um governo para abrir um debate sobre reforma pol\u00edtica seria abrir uma caixa de pandora. Perder-se-ia a oportunidade de ouro de viabilizar outras reformas, tamb\u00e9m dif\u00edceis de fazer, por\u00e9m \u201cmenos invi\u00e1veis\u201d que temas afetos \u00e0 reforma pol\u00edtica.<\/p>\n 3 – Embora tenha muitos problemas, as regras de funcionamento do sistema pol\u00edtico n\u00e3o paralisam o processo decis\u00f3rio: o Presidente da Rep\u00fablica tem poder suficiente para melhorar pol\u00edticas p\u00fablicas e fazer outras reformas.<\/strong><\/p>\n As regras do sistema pol\u00edtico brasileiro, ao longo dos quase trinta anos de democracia, foram sendo adaptadas no sentido de garantir governabilidade, dando ao Presidente da Rep\u00fablica instrumentos pol\u00edticos suficientes para colocar em pr\u00e1tica seu programa2<\/sup>. Ainda que isso tenha sido obtido por meio de alto custo fiscal, com baixa transpar\u00eancia, limita\u00e7\u00f5es \u00e0 efici\u00eancia do governo, espa\u00e7o para corrup\u00e7\u00e3o, entre outros problemas.<\/p>\n A Constitui\u00e7\u00e3o de 1988 n\u00e3o promoveu mudan\u00e7a radical no sistema de representa\u00e7\u00e3o pol\u00edtica e nas regras eleitorais vigentes no regime militar. Fez apenas adapta\u00e7\u00f5es ao que ent\u00e3o existia. Manteve-se o regime presidencialista com um Congresso bicameral, no qual a C\u00e2mara dos Deputados e o Senado constituem duas inst\u00e2ncias decis\u00f3rias distintas. Todas as mat\u00e9rias submetidas ao Congresso devem ser votadas em uma casa e revista pela outra. Manteve-se tamb\u00e9m o sistema federativo, com tr\u00eas n\u00edveis de governo: Uni\u00e3o, estados e munic\u00edpios.<\/p>\n Isso significa que h\u00e1 diversas inst\u00e2ncias com poder para interferir em decis\u00f5es pol\u00edticas. O Poder Executivo federal, para ter uma pol\u00edtica p\u00fablica posta em pr\u00e1tica, precisa n\u00e3o apenas obter maioria nas duas casas do Congresso, como tamb\u00e9m evitar contrariar os interesses de estados e munic\u00edpios, que disp\u00f5em de razo\u00e1vel poder de influ\u00eancia sobre os deputados e senadores representantes de seus respectivos estados.<\/p>\n O Poder Executivo federal, todavia, disp\u00f5e de instrumentos que s\u00e3o fortes o suficiente para garantir ao Presidente da Rep\u00fablica a lideran\u00e7a na a\u00e7\u00e3o pol\u00edtica e o controle fiscal. O primeiro desses instrumentos s\u00e3o as Medidas Provis\u00f3rias (MP). Trata-se de leis, de validade provis\u00f3ria, por\u00e9m imediata, que o Presidente pode decretar sem a pr\u00e9via aprova\u00e7\u00e3o do Congresso. Uma vez institu\u00edda uma medida provis\u00f3ria, o Congresso tem prazo para aprovar, emendar ou alterar essa medida, transformando-a em lei de car\u00e1ter definitivo. Esse instrumento constitui uma adapta\u00e7\u00e3o dos \u201cdecretos-lei\u201d criados no regime militar. Na forma adotada na nova constitui\u00e7\u00e3o, as MP t\u00eam tramita\u00e7\u00e3o priorit\u00e1ria no Congresso e, enquanto houver MP pendentes de vota\u00e7\u00e3o, o Congresso n\u00e3o pode deliberar sobre grande parte de outras esp\u00e9cies de projeto de lei.\u00a0 Isso d\u00e1 ao Presidente da Rep\u00fablica o poder de definir a agenda do Congresso, colocando os assuntos que considera priorit\u00e1rios no topo da agenda de vota\u00e7\u00f5es do legislativo.<\/p>\n O Presidente da Rep\u00fablica disp\u00f5e, ainda, de outros instrumentos importantes na sua rela\u00e7\u00e3o com o Congresso. Ele pode solicitar que determinado projeto de lei tramite em regime de urg\u00eancia, fazendo-o saltar \u00e0 frente de outros projetos na prioridade de vota\u00e7\u00e3o. Tamb\u00e9m tem o poder privativo de apresentar projetos de lei sobre assuntos espec\u00edficos (por exemplo, projetos que criam cargos no governo ou alterem a organiza\u00e7\u00e3o administrativa dos \u00f3rg\u00e3os p\u00fablicos), ficando vedado aos congressistas apresentar projetos dessa natureza.<\/p>\n O modelo de elabora\u00e7\u00e3o, vota\u00e7\u00e3o e execu\u00e7\u00e3o do or\u00e7amento federal tamb\u00e9m d\u00e1 grande poder ao Presidente da Rep\u00fablica. Cabe ao Poder Executivo elaborar a proposta de or\u00e7amento e apresent\u00e1-la ao Congresso. O Congresso pode alterar as estimativas de receita, bem como acrescentar despesas. Contudo, a lei or\u00e7ament\u00e1ria aprovada pelo legislativo \u00e9 apenas uma autoriza\u00e7\u00e3o de gasto, n\u00e3o obrigando o Executivo a fazer a despesa. Assim, se desejar executar menos despesas que aquelas aprovadas pelo Congresso, o Executivo tem direito de faz\u00ea-lo.<\/p>\n Com o advento da redemocratiza\u00e7\u00e3o, aumentou fortemente a press\u00e3o por gastos p\u00fablicos. Houve a cria\u00e7\u00e3o de programas sociais para atender os pobres (que passaram a ter poder de voto), a amplia\u00e7\u00e3o de benef\u00edcios \u00e0 classe m\u00e9dia (que passou a ter a liberdade de associa\u00e7\u00e3o e forma\u00e7\u00e3o de sindicatos, introdu\u00e7\u00e3o do Regime Jur\u00eddico \u00danico para os funcion\u00e1rios p\u00fablicos). Isso se somou aos privil\u00e9gios que os mais ricos sempre obtiveram do estado (subs\u00eddios credit\u00edcios e fiscais, por exemplo). Frente ao inevit\u00e1vel aumento de despesas, a pol\u00edtica fiscal do governo federal \u00e9 conduzida de forma a tentar equilibrar as contas por meio do aumento da carga tribut\u00e1ria. E o Presidente da Rep\u00fablica efetivamente tem poder para tal. Apesar de todos os defeitos do nosso sistema pol\u00edtico, foi poss\u00edvel, em 1999-2000, instituir uma s\u00e9rie de medidas fiscais, entre elas a Lei de Responsabilidade Fiscal, que reduziram significativamente o d\u00e9ficit p\u00fablico e viabilizaram o fim definitivo da hiperinfla\u00e7\u00e3o, obtido em 1994.<\/p>\n Ademais, o Presidente da Rep\u00fablica lan\u00e7a m\u00e3o do direito de n\u00e3o executar parte das despesas contidas no or\u00e7amento. O alvo principal desses cortes t\u00eam sido os acr\u00e9scimos feitos pelos congressistas \u00e0 despesa or\u00e7ament\u00e1ria. Trata-se das chamadas \u201cemendas parlamentares ao or\u00e7amento\u201d. Ao liberar a conta-gotas os recursos para pagar tais despesas, o Executivo ganha poder de barganha para controlar o voto dos deputados e senadores. \u00c9 comum que tais recursos sejam liberados apenas ap\u00f3s vota\u00e7\u00f5es importantes no Congresso, beneficiando aqueles que votaram a favor do Poder Executivo.<\/p>\n Esse instrumento d\u00e1 ao Presidente o poder de formar maiorias circunstanciais para aprovar projetos de lei e emendas constitucionais, ainda que ao custo de liberar recursos para obras e programas que podem n\u00e3o ser de prioridade nacional. J\u00e1 foram apontados, tamb\u00e9m, diversos casos de corrup\u00e7\u00e3o ligados \u00e0s emendas parlamentares. Mas para solucionar esse tipo de problema n\u00e3o \u00e9 necess\u00e1ria \u201cuma ampla reforma pol\u00edtica\u201d, e sim mais transpar\u00eancia, fiscaliza\u00e7\u00e3o e puni\u00e7\u00e3o de il\u00edcitos.<\/p>\n O Poder Executivo federal pode, ainda, controlar do ritmo de endividamento dos estados e munic\u00edpios. A maioria dos empr\u00e9stimos feitos por esses governos tem que ser explicitamente autorizada pelo Poder Executivo federal. Embora esse controle tenha sido frouxo nos primeiros anos ap\u00f3s \u00e0 redemocratiza\u00e7\u00e3o, o que levou a uma crise de sobreendividamento dos entes subnacionais, a partir do ano 2000 tais controles foram refor\u00e7ados (e afrouxados a partir de 2008). Com isso, o Governo Federal tem poder para induzir estados e munic\u00edpios a equilibrar suas contas e cooperar no esfor\u00e7o fiscal agregado.<\/p>\n Em suma, n\u00e3o obstante todos os defeitos das institui\u00e7\u00f5es pol\u00edtico-eleitorais, h\u00e1 espa\u00e7o para governabilidade. Um Poder Executivo dotado de um programa de governo e uma agenda de reformas tem espa\u00e7o para realiz\u00e1-los. Ainda que isso tenha custos de curto prazo, como a libera\u00e7\u00e3o de gastos or\u00e7ament\u00e1rios n\u00e3o-priorit\u00e1rios, o aumento da carga tribut\u00e1ria para financiar esses gastos e a oportunidade de corrup\u00e7\u00e3o na execu\u00e7\u00e3o do or\u00e7amento. Parte desses efeitos colaterais pode ser combatida por fortalecimento de institui\u00e7\u00f5es como o TCU, a Pol\u00edcia Federal e a Secretaria do Tesouro Nacional, sem que seja necess\u00e1rio recorrer a \u201creforma pol\u00edtica\u201d para minimiz\u00e1-los. Talvez a reforma necess\u00e1ria n\u00e3o esteja no sistema pol\u00edtico, mas sim na justi\u00e7a penal que, com sua morosidade, abre espa\u00e7o para corrup\u00e7\u00e3o e mau-feitos sem que haja amea\u00e7a de puni\u00e7\u00e3o aos infratores.<\/p>\n 4 \u2013 As regras eleitorais geram, de fato, efeitos colaterais negativos para as finan\u00e7as p\u00fablicas e o crescimento do pa\u00eds…<\/strong><\/p>\n N\u00e3o obstante dispor de amplos poderes, o Poder Executivo n\u00e3o tem for\u00e7a para governar sozinho. Isso \u00e9 n\u00e3o \u00e9 um defeito, e sim uma virtude de um regime democr\u00e1tico, que necessita de checks and balances<\/em> entre os poderes. Esses checks and balances<\/em>, contudo, podem ser exercidos de forma distorcida, ou estar baseados em incentivos inadequados.<\/p>\n O Congresso, se n\u00e3o tem muito espa\u00e7o para definir a lista de projetos priorit\u00e1rios para vota\u00e7\u00e3o e pode ter a sua interven\u00e7\u00e3o no or\u00e7amento desfeita pelo Executivo, tem poder para rejeitar ou alterar os projetos de lei e as MP propostas pelo Executivo. O fato de essas propostas\u00a0 terem que ser aprovadas tanto na C\u00e2mara quanto no Senado aumenta o poder de barganha dos congressistas. H\u00e1, ainda, mat\u00e9rias que demandam qu\u00f3rum elevado, como as emendas \u00e0 Constitui\u00e7\u00e3o, que tornam ainda maior tal poder de veto do Congresso.<\/p>\n O Congresso pode, tamb\u00e9m, instituir comiss\u00f5es de inqu\u00e9rito para investigar a\u00e7\u00f5es do Poder Executivo;\u00a0 vetar o acesso de pessoas indicadas pelo Presidente de Rep\u00fablica para exercer cargos em ag\u00eancias reguladoras e outros \u00f3rg\u00e3os p\u00fablicos; convocar membros do Executivo para inquirir sobre a condu\u00e7\u00e3o de pol\u00edticas.<\/p>\n Todas essas a\u00e7\u00f5es, importantes instrumentos de equil\u00edbrio de poder em uma democracia, criam tamb\u00e9m a possibilidade de se \u201ccriar dificuldades para vender facilidades\u201d, criando embara\u00e7os \u00e0 gest\u00e3o p\u00fablica, ou aumentando o gasto p\u00fablico, \u00a0ou criando regula\u00e7\u00e3o que favore\u00e7a grupos de press\u00e3o.<\/p>\n Para conseguir aprovar suas propostas pol\u00edticas e evitar a\u00e7\u00f5es do Congresso que contrariem seus interesses ou desequilibrem as contas p\u00fablicas, o Presidente da Rep\u00fablica necessita formar maioria tanto na C\u00e2mara quanto no Senado. A forma\u00e7\u00e3o dessas maiorias depende dos incentivos que deputados e senadores t\u00eam para votar a favor do governo. E tais incentivos s\u00e3o formatados pelas regras eleitorais.<\/p>\n Na elei\u00e7\u00e3o para a C\u00e2mara dos Deputados, cada estado da federa\u00e7\u00e3o tem direito a um n\u00famero fixo de cadeiras. O eleitor vota em um candidato espec\u00edfico. O voto ao candidato \u00e9 computado a favor do seu partido. As cadeiras da C\u00e2mara dos Deputados que cabem a um determinado estado s\u00e3o divididas entre os partidos proporcionalmente \u00e0 fatia de votos que cada agremia\u00e7\u00e3o recebeu. As vagas conquistadas por cada partido s\u00e3o preenchidas pelos candidatos mais votados.<\/p>\n Esse sistema de vota\u00e7\u00e3o tem v\u00e1rias implica\u00e7\u00f5es. Em primeiro lugar, ele reduz a disciplina partid\u00e1ria, porque o candidato a deputado disputa contra os seus pr\u00f3prios companheiros de partido. Para ser eleito, n\u00e3o basta que o partido tenha muitos votos. \u00c9 preciso estar entre os mais votados do partido. A tend\u00eancia \u00e9 que cada candidato tenda a fazer campanha individualmente. N\u00e3o faz sentido fazer campanha em conjunto com outro candidato do mesmo partido, que pode tomar a sua vaga. Menor disciplina partid\u00e1ria significa que os l\u00edderes dos partidos n\u00e3o ter\u00e3o forte comando sobre sua bancada e, por isso, n\u00e3o poder\u00e3o conduzir negocia\u00e7\u00f5es com o Executivo em nome de toda a bancada. Sempre haver\u00e1 espa\u00e7o para cada deputado, individualmente, votar contra a orienta\u00e7\u00e3o de seu partido. Isso for\u00e7a o Poder Executivo a negociar o apoio a suas iniciativas no varejo, oferecendo a cada deputado ou senador, individualmente, vantagens para mant\u00ea-los na base de apoio ao governo.<\/p>\n Em segundo lugar, os candidatos disputam voto em todo o territ\u00f3rio estadual, pois n\u00e3o h\u00e1 divis\u00e3o dos estados em distritos eleitorais menores. Como o Brasil \u00e9 um pa\u00eds de dimens\u00f5es continentais, os seus estados t\u00eam amplos territ\u00f3rios. A combina\u00e7\u00e3o de campanha individualizada com um distrito eleitoral grande, que precisa ser percorrido pelo candidato (com instala\u00e7\u00e3o de comit\u00eas eleitorais e outras despesas)\u00a0 torna bastante alto o custo de campanha para cada candidato3<\/sup>. Estes precisam encontrar formas de financiar suas campanhas. Uma forma de faz\u00ea-lo \u00e9 buscar a contribui\u00e7\u00e3o de lobbies<\/em>, o que facilita a captura do mandato parlamentar por interesses espec\u00edficos. Isso refor\u00e7a o incentivo de cada parlamentar a negociar individualmente com o Executivo a sua perman\u00eancia na base de apoio, com vistas a atender os interesses espec\u00edficos de seus financiadores.<\/p>\n Outra estrat\u00e9gia muito comum \u00e9 o candidato focalizar a busca de votos em uma regi\u00e3o espec\u00edfica do estado. Nesse caso, ele se compromete a, durante o mandato, obter recursos federais para um determinado grupo de munic\u00edpios. S\u00e3o esses incentivos que fazem com que os parlamentares queiram alterar o or\u00e7amento federal, com vistas a introduzir despesas de interesse local. Como afirmado acima, o Presidente da Rep\u00fablica tende a represar essas despesas, liberando-as apenas \u00e0 medida que os parlamentares nelas interessados votem de acordo com a orienta\u00e7\u00e3o do governo. Nada impede, tamb\u00e9m, que as emendas parlamentares ao or\u00e7amento sejam apresentadas com vistas a se fazer despesas que beneficiar\u00e3o grupos econ\u00f4micos que deram suporte \u00e0 campanha do parlamentar.<\/p>\n Outra caracter\u00edstica importante do sistema eleitoral \u00e9 que ele permite a elei\u00e7\u00e3o de representantes de grupos os mais diversos, inclusive a representa\u00e7\u00e3o de minorias. Em um sistema de vota\u00e7\u00e3o em que o estado da federa\u00e7\u00e3o \u00e9 repartido em v\u00e1rios distritos e, em cada um deles, h\u00e1 elei\u00e7\u00e3o de somente um representante, um grupo minorit\u00e1rio, disperso no territ\u00f3rio estadual, n\u00e3o conseguir\u00e1 maioria em nenhum distrito, e n\u00e3o conseguir\u00e1 ser representado no Congresso. No sistema brasileiro, um grupo minorit\u00e1rio pode somar os seus votos espalhados por todo o territ\u00f3rio estadual e eleger o seu representante.<\/p>\n Em consequ\u00eancia, h\u00e1 est\u00edmulo para que os pol\u00edticos se especializem em representar os interesses de categorias profissionais espec\u00edficas, ou patrocinem os direitos de grupos \u00e9tnicos, de grupos religiosos, de setores econ\u00f4micos (ruralistas, ind\u00fastrias, etc.). Com muita frequ\u00eancia formam-se bancadas informais, compostas por parlamentares de diferentes partidos, para representar um interesse espec\u00edfico (bancada da sa\u00fade p\u00fablica, bancada da seguran\u00e7a p\u00fablica, bancada ruralista, etc.).<\/p>\n Essa dispers\u00e3o de interesses permite que os diversos agrupamentos se organizem, no Congresso, para pressionar por despesa p\u00fablica e regula\u00e7\u00e3o a favor dos grupos que representam. Como a responsabilidade pol\u00edtica pelo equil\u00edbrio fiscal e pelo desempenho macroecon\u00f4mico cabe ao Poder Executivo, os deputados t\u00eam pouco interesse em manter o equil\u00edbrio or\u00e7ament\u00e1rio. Para eles, quanto mais despesas conseguirem enxertar no or\u00e7amento, melhor. Da\u00ed a import\u00e2ncia do mecanismo que d\u00e1 ao Executivo o poder de represar despesas or\u00e7ament\u00e1rias.<\/p>\n O sistema eleitoral tamb\u00e9m gera incentivos para a cria\u00e7\u00e3o de um grande n\u00famero de partidos. Em primeiro lugar, porque cada partido tem direito a verbas p\u00fablicas e a espa\u00e7o gratuito na TV para fazer propaganda. Em segundo lugar, porque \u00e9 poss\u00edvel formar coliga\u00e7\u00f5es partid\u00e1rias para disputar as elei\u00e7\u00f5es para a C\u00e2mara: v\u00e1rios partidos se unem e seus votos e cadeiras na C\u00e2mara s\u00e3o contados como se fossem um \u00fanico partido. Ser l\u00edder de um partido, ainda que pequeno, garante ao pol\u00edtico poder, verbas e flexibilidade para fazer coaliz\u00f5es de ocasi\u00e3o.<\/p>\n A forte dispers\u00e3o de interesses \u00a0e o grande n\u00famero de partidos for\u00e7a o Poder Executivo a formar maiorias no Congresso por meio da distribui\u00e7\u00e3o de benesses ou amplia\u00e7\u00e3o de pol\u00edticas p\u00fablicas que atendam os mais diversos grupos sociais. Dificilmente o partido que vence as elei\u00e7\u00f5es presidenciais consegue maioria na C\u00e2mara dos Deputados. Por isso, \u00e9 preciso formar alian\u00e7as, no que ficou apelidado de \u201cpresidencialismo de coaliz\u00e3o\u201d.<\/p>\n Alguns partidos pol\u00edticos se especializaram na fun\u00e7\u00e3o de \u201cpartidos de apoio ao Executivo no Congresso\u201d. Em vez de buscar o poder apresentando um candidato \u00e0 Presid\u00eancia da Rep\u00fablica, esses partidos se concentram na forma\u00e7\u00e3o de ampla bancada na C\u00e2mara e no Senado, comandada por h\u00e1beis l\u00edderes, e se apresentam aos partidos que t\u00eam candidatos competitivos \u00e0 presid\u00eancia oferecendo\u00a0 a t\u00e3o necess\u00e1ria maioria parlamentar.<\/p>\n O pre\u00e7o cobrado vem sob a forma de cargos no governo, postos na dire\u00e7\u00e3o de empresas estatais, libera\u00e7\u00e3o de recursos or\u00e7ament\u00e1rios, regula\u00e7\u00e3o que protegem grupos profissionais ou econ\u00f4micos em detrimento do resto da sociedade. Uma simples estat\u00edstica ilustra bem como a necessidade de acomodar pol\u00edticos no Poder Executivo, para garantir coaliz\u00e3o majorit\u00e1ria no Congresso, resulta na expans\u00e3o da m\u00e1quina p\u00fablica. No primeiro governo ap\u00f3s \u00e0 redemocratiza\u00e7\u00e3o, o Poder Executivo Federal tinha 25 minist\u00e9rios. Vinte e seis anos (ou seis mandatos presidenciais) depois, esse n\u00famero havia chegado a 39! Aumentam-se n\u00e3o apenas as vagas de ministro, como tamb\u00e9m criam-se ampla burocracia p\u00fablica e cargos, muitos deles de preenchimento por indica\u00e7\u00f5es de pol\u00edticos.<\/p>\n H\u00e1, ainda, a dimens\u00e3o regional da distribui\u00e7\u00e3o de poder. Os militares haviam ampliado o n\u00famero de cadeiras da C\u00e2mara dos Deputados que cabiam aos estados menos desenvolvidos, coincidentemente, os menos populosos. O objetivo \u00e0 \u00e9poca foi garantir apoio pol\u00edtico ao regime militar das lideran\u00e7as regionais mais dependentes de ajuda financeira federal, al\u00e9m do fato de imperar, nas regi\u00f5es mais atrasadas, um modelo de controle do eleitorado por l\u00edderes pol\u00edticos locais.<\/p>\n Nos estados mais desenvolvidos, com eleitores de maior renda, mais informados e vivendo predominantemente em grandes cidades, o poder de comando de chefes pol\u00edticos era menor. A nova constitui\u00e7\u00e3o acentuou a desproporcionalidade da representa\u00e7\u00e3o em favor dos estados menos desenvolvidos, situados nas regi\u00f5es Norte e Nordeste do pa\u00eds. Em primeiro lugar, v\u00e1rios territ\u00f3rios federais localizados na regi\u00e3o Norte, que n\u00e3o tinham representa\u00e7\u00e3o no legislativo, foram transformados em estados, passando a ter direito a deputados e senadores para represent\u00e1-los. Em segundo lugar, fixou-se um n\u00famero m\u00ednimo de oito deputados por estado, independente do tamanho da popula\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Com isso, os estados das regi\u00f5es mais atrasadas (Norte e Nordeste) ou de desenvolvimento mais recente (Centro-Oeste) conseguem maioria em rela\u00e7\u00e3o \u00e0s bancadas do Sul-Sudeste, mais desenvolvido. Norte, Nordeste e Centro-Oeste, juntos, comandam 74% dos votos no Senado e 50% dos votos na C\u00e2mara, embora abriguem apenas 46% da popula\u00e7\u00e3o. Isso abre espa\u00e7o para a barganha por transfer\u00eancias federais para os estados daquelas tr\u00eas regi\u00f5es. O vi\u00e9s regionalista do parlamento brasileiro \u00e9 bastante acentuado.<\/p>\n Essa press\u00e3o de origem estadual ou regional restringe, tamb\u00e9m, o uso dos poderes legais do Executivo federal para conter o endividamento dos estados e munic\u00edpios. \u00c9 comum que haja press\u00e3o pol\u00edtica no parlamento, em especial no Senado, para que o Governo Federal alivie o controle do endividamento dos governos subnacionais.<\/p>\n Em suma, o sistema pol\u00edtico-eleitoral d\u00e1 margem a uma s\u00e9rie de distor\u00e7\u00f5es que incham o estado, reduzem a efici\u00eancia da economia, criam privil\u00e9gios a grupos organizados e, em \u00faltima inst\u00e2ncia, prejudicam o crescimento e desenvolvimento do pa\u00eds. Isso n\u00e3o quer dizer, contudo, que uma reforma das regras eleitorais livraria o pa\u00eds de todos esses problemas, conforme argumentado a seguir.<\/p>\n 5 \u2013 O sistema pol\u00edtico eleitoral apenas reflete caracter\u00edsticas hist\u00f3ricas da sociedade brasileira: a \u201creforma pol\u00edtica\u201d n\u00e3o mudar\u00e1 aquelas caracter\u00edsticas e pode agravar os problemas que deseja resolver<\/strong><\/p>\n O Brasil \u00e9 um pa\u00eds extremamente desigual desde os primeiros anos da coloniza\u00e7\u00e3o, com alta preval\u00eancia de clientelismo, apropria\u00e7\u00e3o privada de recursos p\u00fablicos, rent-seeking<\/em> e corrup\u00e7\u00e3o. A redemocratiza\u00e7\u00e3o do pa\u00eds que, por um lado abriu acesso dos mais pobres a pol\u00edticas p\u00fablicas, por outro lado permitiu que aquelas caracter\u00edsticas indesej\u00e1veis encontrassem terreno f\u00e9rtil para prosperar. Usa-se a negocia\u00e7\u00e3o pol\u00edtica, que idealmente deveria se dar no campo das ideias e projetos para o pa\u00eds, como meio para apropria\u00e7\u00e3o de renda e cria\u00e7\u00e3o de privil\u00e9gios. Quanto mais grupos sociais tiverem acesso a esse processo de negocia\u00e7\u00e3o mais intenso o conflito distributivo.<\/p>\n As institui\u00e7\u00f5es pol\u00edticas descritas no item anterior n\u00e3o foram criadas no v\u00e1cuo. Elas decorrem de escolhas feitas ao longo da hist\u00f3ria do pa\u00eds.\u00a0 S\u00e3o mecanismos criados para mediar de forma eficiente os interesses dos diversos grupos sociais. Mudar as regras de forma a tentar barrar comportamentos pol\u00edticos considerados inadequados pode gerar efeitos colaterais adversos, que resultem em piora da qualidade do processo decis\u00f3rio e da governabilidade, sem que se corrijam os problemas originais.<\/p>\n Tome-se, como exemplo, a imposi\u00e7\u00e3o de limites ao financiamento privado de campanhas pol\u00edticas. Ao longo do ano de 2014 o Supremo Tribunal Federal est\u00e1 julgando causa que pleiteia a proibi\u00e7\u00e3o desse tipo de financiamento. O objetivo \u00e9 impedir que grandes grupos econ\u00f4micos tenham poder de influ\u00eancia sobre os pol\u00edticos eleitos, de modo a reduzir a apropria\u00e7\u00e3o de recursos p\u00fablicos e a cria\u00e7\u00e3o de regula\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica que proteja grupos espec\u00edficos em detrimento do resto da popula\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Deve-se questionar, todavia, se a proibi\u00e7\u00e3o de tais financiamentos vai, efetivamente, bani-los. \u00c9 poss\u00edvel que apenas aumente o movimento de dinheiro n\u00e3o declarado (caixa dois), reduzindo a transpar\u00eancia das elei\u00e7\u00f5es. No sistema vigente pode-se identificar claramente qual empresa doou a qual candidato. Sem registros, fica dif\u00edcil cobrar explica\u00e7\u00f5es dos governantes sobre porque beneficiou determinada empresa.<\/p>\n Ademais, os pol\u00edticos podem ficar mais dependentes de verbas p\u00fablicas para financiar suas campanhas, o que estimularia a corrup\u00e7\u00e3o, a explora\u00e7\u00e3o pol\u00edtica das empresas estatais e, sobretudo, daria vantagem competitiva aos candidatos do partido governista, que t\u00eam mais acesso aos fundos p\u00fablicos. Ou seja, os rios correm para o mar. Tentar barrar esse caminho com diques ineficientes pode gerar inunda\u00e7\u00f5es e outros efeitos adversos, sem impedir que o rio chegue a seu destino.<\/p>\n Outro exemplo interessante est\u00e1 em uma decis\u00e3o do Supremo Tribunal Federal\u00a0 proibindo congressistas de mudar de partido durante o cumprimento do mandato. O objetivo era aumentar o poder de comando dos partidos sobre seus membros. Imaginava-se que com mais disciplina partid\u00e1ria seria mais f\u00e1cil formar coaliz\u00f5es que dessem governabilidade ao pa\u00eds, sem a necessidade de o Poder Executivo ter que barganhar o apoio individual de cada parlamentar em cada vota\u00e7\u00e3o importante no Congresso.<\/p>\n No entanto, a corte suprema n\u00e3o podia proibir a cria\u00e7\u00e3o de novos partidos, o que significa deixar aberta a possibilidade de se sair de um partido para formar nova agremia\u00e7\u00e3o. Indiv\u00edduos que se dispuseram a incorrer no custo de cumprir as exig\u00eancias formais para criar partidos (muitas delas de dif\u00edcil cumprimento, como a coleta de milhares de assinatura em todo o pa\u00eds) passaram a ofertar vagas a parlamentares desejosos de sair de seus partidos. Obviamente essa oportunidade adquire valor monet\u00e1rio. N\u00e3o se resolveu o problema original e se agregou mais uma distor\u00e7\u00e3o ao sistema.<\/p>\n Al\u00e9m dos efeitos colaterais indesejados, as tentativas de reforma pol\u00edtica esbarram na resist\u00eancia dos interesses estabelecidos. Os pol\u00edticos e partidos que votar\u00e3o essas reformas s\u00e3o aqueles que foram eleitos pelas regras vigentes. Portanto, s\u00e3o os benefici\u00e1rios de tais regras. V\u00ea-se, ent\u00e3o, a dificuldade em se mudar tais regras. Em 2007, por exemplo, aprovou-se uma \u201ccl\u00e1usula de barreira\u201d, que exigia vota\u00e7\u00e3o m\u00ednima para que um partido tivesse representa\u00e7\u00e3o no Congresso. Tal regra foi contestada junto ao STF pelos partidos prejudicados e acabou sendo considerada inconstitucional pela corte suprema.<\/p>\n Exemplo similar est\u00e1 no caso da \u201cverticaliza\u00e7\u00e3o das coliga\u00e7\u00f5es eleitorais\u201d. A t\u00edtulo de impor coer\u00eancia program\u00e1tica aos partidos pol\u00edticos, o Tribunal Superior Eleitoral expediu, em 2006, uma resolu\u00e7\u00e3o proibindo que os partidos pol\u00edticos fizessem, nas elei\u00e7\u00f5es estaduais, coliga\u00e7\u00f5es partid\u00e1rias diferentes daquelas formadas para o pleito nacional. A regra retirava flexibilidade para a negocia\u00e7\u00e3o pol\u00edtica nos diferentes estados. Dado que os partidos pol\u00edticos t\u00eam pouca homogeneidade program\u00e1tica e, em cada estado, abrigam diferentes grupos pol\u00edticos (em algumas unidades da federa\u00e7\u00e3o dois partidos podem abrigar grupos aliados, em outras grupos advers\u00e1rios), a regra simplesmente contrariou a realidade pol\u00edtica do pa\u00eds. N\u00e3o obstante a sua merit\u00f3ria inten\u00e7\u00e3o, foi revogada pela Emenda Constitucional n. 52, de 2006, que, aprovada rapidamente, retirou essa nova regra de circula\u00e7\u00e3o.<\/p>\n 6 \u2013 O que fazer?<\/strong><\/p>\n Deve ser poss\u00edvel fazer reformas no sistema pol\u00edtico-eleitoral que reduzam os efeitos desse sistema sobre a pol\u00edtica fiscal, a governabilidade e a qualidade da gest\u00e3o p\u00fablica. Todavia, cada alternativa de regra eleitoral e de representa\u00e7\u00e3o tem suas vantagens e desvantagens, n\u00e3o sendo f\u00e1cil se chegar a acordo acerca de que regras geram resultado superior para a m\u00e9dia da sociedade. Reformar diversas regras ao mesmo tempo multiplica a complexidade do problema,\u00a0 desde a dificuldade de aprova\u00e7\u00e3o at\u00e9 \u00e0 imprevisibilidade das consequ\u00eancias e efeitos colaterais.<\/p>\n Assim, ao contr\u00e1rio do que muitas lideran\u00e7as pol\u00edticas e analistas argumentam, uma reforma pol\u00edtica ampla, seja ela qual for, est\u00e1 longe de ser o santo graal que restabelecer\u00e1 a virtude e a racionalidade na gest\u00e3o p\u00fablica brasileira. Seja porque sua aprova\u00e7\u00e3o ser\u00e1 muito dif\u00edcil, seja porque haver\u00e1 efeitos colaterais indesejados ou, ainda, porque permanecer\u00e1 intacto o conflito distributivo e o incentivo a se usar o Estado como fonte de rendas e privil\u00e9gios.<\/p>\n O sistema pol\u00edtico-partid\u00e1rio vigente mostra-se compat\u00edvel e funcional em um contexto em que diversos grupos sociais heterog\u00eaneos disputam benesses e regula\u00e7\u00e3o estatal a seu favor. Por isso, talvez seja mais interessante dar prioridades a reformas que ajudem a aliviar o conflito distributivo existente no pa\u00eds.<\/p>\n Para isso, \u00e9 preciso crescer mais r\u00e1pido e distribuir renda de forma mais eficaz. Deve ser dada prioridade a reformas institucionais que, ao mesmo tempo, estimulem o crescimento econ\u00f4mico e reduzam a desigualdade. No topo dessa lista de prioridades deve estar a reforma da previd\u00eancia social, pois ela n\u00e3o s\u00f3 bloqueia o crescimento (ao gerar grande d\u00e9ficit p\u00fablico no presente e incerteza quanto \u00e0 sua sustentabilidade futura) como concentra renda (por pagar benef\u00edcios mais elevados a trabalhadores da classe m\u00e9dia e garantir pens\u00f5es e aposentadorias sem equil\u00edbrio atuarial).<\/p>\n Tamb\u00e9m priorit\u00e1ria deve ser a busca por melhoria na educa\u00e7\u00e3o p\u00fablica. A educa\u00e7\u00e3o aumenta a produtividade (e, portanto, o crescimento) ao mesmo tempo em que aumenta a igualdade de oportunidade, abrindo espa\u00e7o para redu\u00e7\u00e3o da desigualdade e da pobreza. Investimento em infraestrutura urbana de aten\u00e7\u00e3o aos mais pobres, como saneamento e transportes urbanos de massa tamb\u00e9m atuam no sentido de aumentar a produtividade dos trabalhadores e melhorar as oportunidades de emprego e de ascens\u00e3o social.<\/p>\n Em paralelo a isso, \u00e9 preciso investir em reformas fiscais (muito mais simples que as complexas propostas de reforma pol\u00edtica) que imponham maior disciplina ao gasto e ao endividamento p\u00fablicos, seja por meio de transpar\u00eancia, seja por meio de regras fiscais cr\u00edveis. Havendo maior restri\u00e7\u00e3o or\u00e7ament\u00e1ria diminuir\u00e1 o espa\u00e7o para que diferentes grupos de interesse consigam extrair renda do Estado.<\/p>\n A gest\u00e3o cotidiana do or\u00e7amento tamb\u00e9m pode ajudar muito: procedimentos de auditoria dos gastos, an\u00e1lise de custo-benef\u00edcio dos programas p\u00fablicos, elabora\u00e7\u00e3o de programas federais estruturados que transformem as emendas parlamentares em gastos eficientes, melhorias no planejamento e execu\u00e7\u00e3o de obras p\u00fablicas, aperfei\u00e7oamento na legisla\u00e7\u00e3o de compras p\u00fablicas e na participa\u00e7\u00e3o do setor privado em investimentos de infraestrutura. Todas essas s\u00e3o medidas mais f\u00e1ceis de colocar em pr\u00e1tica que uma reforma pol\u00edtica de amplo espectro.<\/p>\n Melhorias do sistema judicial que levem \u00e0 efetiva e r\u00e1pida puni\u00e7\u00e3o da corrup\u00e7\u00e3o tamb\u00e9m ajudariam a disciplinar o mercado das negocia\u00e7\u00f5es pol\u00edticas. Em especial \u00e9 preciso tornar a justi\u00e7a mais r\u00e1pida e menos sujeita a recursos e chicanas.<\/p>\n Para que os criminosos de colarinho branco sejam efetivamente levados \u00e0 justi\u00e7a, \u00e9 essencial que a Pol\u00edcia Federal e o Minist\u00e9rio P\u00fablico tenham autonomia de atua\u00e7\u00e3o, sempre dentro dos marcos da legalidade e transpar\u00eancia. Ademais, a imprensa n\u00e3o pode ter sua liberdade de informar cerceada.<\/p>\n Uma vez que essas reformas desencadeiem um ciclo virtuoso de menos corrup\u00e7\u00e3o, maior efici\u00eancia do estado, maior crescimento econ\u00f4mico e menor desigualdade, surgir\u00e1 uma classe m\u00e9dia, com boas perspectivas de ascens\u00e3o social. Essa nova classe m\u00e9dia ter\u00e1 for\u00e7a pol\u00edtica e eleitoral para resistir \u00e0 captura do Estado por grupos de interesse. Somente quando chegarmos a essa sociedade mais homog\u00eanea, com setor p\u00fablico mais eficiente e com maior potencial de crescimento econ\u00f4mico \u00e9 que haver\u00e1 espa\u00e7o para a implanta\u00e7\u00e3o de um sistema pol\u00edtico menos baseado no uso do Estado como fonte de renda e privil\u00e9gios. A\u00ed as reformas pol\u00edticas ocorrer\u00e3o como consequ\u00eancia natural da prefer\u00eancia da maioria do eleitorado.<\/p>\n No nosso atual est\u00e1gio de desenvolvimento institucional, falar em reforma pol\u00edtica ampla \u00e9 fazer fuma\u00e7a para esconder os verdadeiros problemas. Nessa \u00e1rea as reformas devem ser pontuais, alterando-se paulatinamente as regras, testando-se o seu efeito nas elei\u00e7\u00f5es seguintes. Um bom exemplo disso \u00e9 a \u201clei da ficha limpa\u201d, que foi aprovada isolada de qualquer iniciativa de altera\u00e7\u00e3o mais ampla das regras eleitorais; tem sido posta em pr\u00e1tica nas elei\u00e7\u00f5es recentes, e seus efeitos t\u00eam sido observados e divulgados pela imprensa, medidos e analisados pelos acad\u00eamicos e modulados pela justi\u00e7a eleitoral.<\/p>\n __________________<\/p>\n 1<\/sup> Ver, por exemplo: Dantas, H. (2010) Reforma pol\u00edtica: aspectos centrais da m\u00e3e de todas as reformas.<\/em>In: Dantas et al. Reforma do estado brasileiro: perspectivas e desafios.<\/em>Cadernos Adenauer. Konrad Adenauer Stiftung.<\/p>\n 2<\/sup> Uma descri\u00e7\u00e3o sint\u00e9tica das institui\u00e7\u00f5es pol\u00edticas brasileiras e abundantes refer\u00eancias bibliogr\u00e1ficas podem ser obtidas em Cintra (2004).<\/p>\n 3<\/sup> Samuels (2001a) e (2001b) mostra como as elei\u00e7\u00f5es brasileiras s\u00e3o caras quando comparadas a outras democracias.<\/p>\n <\/p>\n Download:<\/strong><\/em><\/p>\n