{"id":2230,"date":"2014-05-19T10:43:21","date_gmt":"2014-05-19T13:43:21","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2230"},"modified":"2014-05-19T10:43:21","modified_gmt":"2014-05-19T13:43:21","slug":"quanto-custaria-o-passe-livre-estudantil-em-transporte-publico","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2230","title":{"rendered":"Quanto custaria o passe livre estudantil em transporte p\u00fablico?"},"content":{"rendered":"
Um tema central das marcantes manifesta\u00e7\u00f5es populares de julho de 2013 foi o passe livre em transporte p\u00fablico, em especial o passe livre estudantil. Existem movimentos que reivindicam tal gratuidade espalhados por todo o pa\u00eds, bem como projetos de lei nos legislativos estaduais e federal. Poucos, contudo, se deram ao trabalho de fazer as contas para saber quanto custaria ao pa\u00eds tal gratuidade.<\/p>\n
N\u00e3o \u00e9 f\u00e1cil fazer essa conta, pois n\u00e3o h\u00e1 transpar\u00eancia nos dados de custos e tarifas nos transportes p\u00fablicos. Os dados dispon\u00edveis, al\u00e9m de incompletos est\u00e3o desatualizados. O presente texto tenta fazer uma estimativa aproximada, para que se tenha, pelo menos, ideia da ordem de grandeza dos custos envolvidos. A conclus\u00e3o que se chega \u00e9 de que o custo seria elevado, atingindo pelo menos R$ 10 bilh\u00f5es por ano, mas podendo se aproximar dos R$ 30 bilh\u00f5es, dependendo de como a demanda por transportes reagiria \u00e0 gratuidade.<\/p>\n
Sup\u00f5e-se a hip\u00f3tese de gratuidade no transporte p\u00fablico para todos os estudantes do ensino fundamental, m\u00e9dio e superior, tanto de escolas p\u00fablicas quanto privadas. De acordo com o que tem sido reivindicado pelos grupos de defesa do passe livre estudantil, os estudantes poderiam usar o transporte p\u00fablico livremente, quantas vezes quiserem, em qualquer dia da semana, inclusive no per\u00edodo de f\u00e9rias escolares.<\/p>\n
S\u00e3o usados dois m\u00e9todos para fazer a estimativa. O primeiro m\u00e9todo usa os dados de tarifas e passageiros transportados nas capitais do pa\u00eds em outubro de 2012. O segundo m\u00e9todo usa dados de matr\u00edculas escolares e da composi\u00e7\u00e3o et\u00e1ria da popula\u00e7\u00e3o brasileira, respectivamente levantados pelo MEC e pelo IBGE.<\/p>\n
M\u00e9todo I<\/strong><\/p>\n A Tabela 1, constru\u00edda com dados da Associa\u00e7\u00e3o Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) de 2012, estima uma despesa de R$ 9,7 bilh\u00f5es anuais com o custeio do Programa Passe Livre Estudantil.<\/p>\n Tabela 1 \u2013 Estimativa da Perda de Receita do Sistema P\u00fablico de Transportes das Capitais com a Concess\u00e3o de Gratuidade aos Estudantes<\/b><\/p>\n Fontes: NTU e IBGE. Elaborado pelo autor. <\/p>\n Essa estimativa \u00e9 constru\u00edda da seguinte forma. Em primeiro lugar, toma-se o valor da passagem em cada capital (coluna A). A coluna B informa a participa\u00e7\u00e3o percentual dos estudantes no n\u00famero total de passageiros. Multiplicando-se tal percentual pelo total de passageiros que utilizaram o sistema no m\u00eas de outubro de 2012 (coluna C), obt\u00e9m-se o total de estudantes que utilizaram o sistema p\u00fablico de transporte naquele m\u00eas (coluna D).<\/p>\n A coluna E mostra qual seria a receita mensal obtida com o transporte de estudantes caso estes pagassem tarifa cheia. Esse seria o custo mensal do passe livre estudantil. Ela corresponde ao produto do valor da tarifa (coluna A) pelo total de estudantes transportados (coluna D).<\/p>\n Esse c\u00e1lculo, a princ\u00edpio, superestima o custo do programa, pois a introdu\u00e7\u00e3o do passe livre, se financiado com recursos or\u00e7ament\u00e1rios, acabar\u00e1 com o subs\u00eddio cruzado, em que os passageiros pagantes de tarifa cheia arcam com o atual desconto concedido aos estudantes. Assim, as tarifas consideradas na coluna A deveriam ser menores que as atualmente praticadas. Por\u00e9m, n\u00e3o temos informa\u00e7\u00f5es suficientes que nos permitam calcular qual seria essa nova tarifa. Ademais, tal superestima\u00e7\u00e3o pode ser atenuada pelo fato de que, em muitos casos, as tarifas usadas na coluna A est\u00e3o defasadas, tendo em vista que, em algumas cidades, reajustes que deveriam ter ocorrido foram postergados.<\/p>\n Supondo-se que o m\u00eas de outubro de 2012 (o \u00fanico para o qual dispomos de dados) seja representativo e que os estudantes utilizam o transporte apenas nos meses de aula (9 meses por ano), chega-se ao total que o sistema de transportes arrecadaria com o transporte de estudantes caso praticasse tarifa cheia para esses passageiros (coluna F), equivalente a aproximadamente R$ 1,4 bilh\u00e3o. Note-se que a indisponibilidade de dados para a participa\u00e7\u00e3o dos estudantes no total de passageiros transportados em algumas capitais (coluna D) nos obrigou a usar, nesses casos, a m\u00e9dia observada nas outras capitais.<\/p>\n A estimativa acima apresentada tende a ser subestimada porque:<\/p>\n 1) restringe-se \u00e0s capitais de estados, enquanto a gratuidade valer\u00e1 para todos os munic\u00edpios do Pa\u00eds;<\/p>\n 2) n\u00e3o considera que, com a gratuidade, haver\u00e1 um natural aumento da demanda dos estudantes, que passar\u00e3o a fazer mais viagens no sistema de transportes. Os passes estudantis atuais restringem o desconto aos trajetos de ida e volta da escola e ao per\u00edodo de aulas. Com o passe livre, estudantes poder\u00e3o circular sem limite de viagens e durante todo o ano, o que amplia a perda potencial de receita e exige do sistema de transportes maior oferta de servi\u00e7os.<\/p>\n Para superar o primeiro tipo de subestima\u00e7\u00e3o, supusemos que o passe livre ser\u00e1 utilizado em todos os munic\u00edpios com mais de 45 mil habitantes. Em munic\u00edpios menores n\u00e3o costuma haver dificuldades para o estudante caminhar at\u00e9 a escola e muito desses munic\u00edpios sequer t\u00eam sistema organizado regular de transporte p\u00fablico.<\/p>\n Na coluna G da Tabela 1 apresentamos um fator de expans\u00e3o populacional, para que seja poss\u00edvel levar em conta o uso de transporte p\u00fablico pelos estudantes dos munic\u00edpios que n\u00e3o s\u00e3o capital de estado e t\u00eam mais de 45 mil habitantes. Por exemplo, em Palmas, capital do Tocantins, a popula\u00e7\u00e3o \u00e9 de 228 mil habitantes. Em todo o Estado do Tocantins, os munic\u00edpios com mais de 45 mil habitantes (inclusive a capital) t\u00eam um total de 505 mil habitantes. O fator de expans\u00e3o \u00e9 dado por (505\/228 = 2,21)1<\/sup>.<\/p>\n A coluna H multiplica o fator de expans\u00e3o pelo custo estimado para as capitais (coluna F). Chega-se, ent\u00e3o, a um custo de R$ 5,1 bilh\u00f5es por ano.<\/p>\n Esse valor, por\u00e9m, n\u00e3o leva em conta o fato de que os alunos passar\u00e3o a circular mais vezes do que simplesmente a ida e volta para a escola. Se houver um aumento de, por exemplo, 30% na demanda total de viagens, o custo do programa aumentar\u00e1 proporcionalmente, chegando a R$ 9,7 bilh\u00f5es (3,4 x 1,3), conforme mostrado na coluna I.<\/p>\n M\u00e9todo II<\/strong><\/p>\n Uma forma alternativa de se buscar uma no\u00e7\u00e3o dos valores envolvidos na concess\u00e3o do passe livre \u00e9 atrav\u00e9s da utiliza\u00e7\u00e3o dos dados de matr\u00edculas escolares, levantados pelo INEP, e da composi\u00e7\u00e3o populacional das cidades brasileiras, levantada pelo IBGE.<\/p>\n Tomamos como n\u00famero total de estudantes com direito ao passe livre o total de matr\u00edculas em escolas p\u00fablicas e privadas do ensino b\u00e1sico situadas em \u00e1reas urbanas, mais o total de matr\u00edculas no ensino superior no ano de 2011. Foram exclu\u00eddos os alunos da educa\u00e7\u00e3o infantil que, pela faixa de idade, j\u00e1 gozam de gratuidade. O total assim obtido \u00e9 de 45,3 milh\u00f5es de alunos (fonte: INEP \u2013 MEC).<\/p>\n Como estimativa do n\u00famero de estudantes que efetivamente utilizariam o passe livre, mais uma vez supusemos que apenas aqueles residentes em cidades com mais de 45 mil habitantes utilizariam \u00f4nibus para se deslocar \u00e0 escola. Tomando por base a popula\u00e7\u00e3o de cada munic\u00edpio brasileiro, calculamos o percentual da popula\u00e7\u00e3o de cada estado que vive em cidades com mais de 45 mil habitantes. Isso gerou um n\u00famero de potenciais usu\u00e1rios do passe livre equivalente a 31 milh\u00f5es de pessoas (fonte: IBGE).<\/p>\n O custo m\u00e9dio da passagem em cada estado do Pa\u00eds foi tomado a partir de dados da NTU, j\u00e1 mostrados na Tabela 1. Supusemos que a tarifa nos demais munic\u00edpios fosse igual \u00e0 da capital. Com rela\u00e7\u00e3o ao n\u00famero m\u00e9dio de dias que cada estudante utilizar\u00e1 o transporte, faremos duas hip\u00f3teses. Uma hip\u00f3tese conservadora de que o transporte seja usado apenas em dias letivos (200 por ano) e uma hip\u00f3tese alternativa de que os estudantes tamb\u00e9m usariam o transporte eventualmente no final de semana (250 dias por ano).<\/p>\n Quanto ao n\u00famero de vezes em que um estudante usaria o transporte por dia, trabalharemos com uma hip\u00f3tese conservadora de que ele faria apenas as viagens de ida e volta para a escola (2 viagens) e uma hip\u00f3tese alternativa de que haveria um aumento de 30% nas viagens (2,6 viagens).<\/p>\n Quanto ao percentual de estudantes que efetivamente usaria o passe livre, trabalhamos com 4 hip\u00f3teses, que v\u00e3o de 30% do total dos estudantes em cidades de mais de 45 mil habitantes at\u00e9 60% desses estudantes.<\/p>\n A Tabela 2 apresenta estimativas para o caso em que os estudantes utilizem o passe livre apenas nos dias letivos.<\/p>\n Tabela 2 \u2013 Estimativas de custos para o caso em que os estudantes utilizem o passe livre apenas nos dias letivos (200 dias por ano) (em R$ bilh\u00f5es)<\/strong><\/p>\n Se, por exemplo, os estudantes fizerem apenas duas viagens por dia e somente 30% dos estudantes eleg\u00edveis para o uso do passe efetivamente viajarem, o custo anual do passe livre ser\u00e1 de R$ 10 bilh\u00f5es. Por outro lado, se 60% dos estudantes eleg\u00edveis viajarem, em m\u00e9dia, 2,6 vezes por dia, o custo atingir\u00e1 R$ 26 bilh\u00f5es.<\/p>\n As estimativas da Tabela 2 tendem a ser conservadoras, pois tendo a possibilidade de usar gratuitamente o transporte p\u00fablico quando quiserem, os estudantes tender\u00e3o a utilizar o benef\u00edcio tamb\u00e9m nos finais de semana. Assim, a Tabela 3 apresenta estimativas para o caso de que eles viagem, em m\u00e9dia, 250 dias no ano. Nesse caso, os custos variariam entre R$ 12,5 e R$ 32,5 bilh\u00f5es.<\/p>\n Tabela 3 \u2013 Estimativas de custos para o caso em que os estudantes utilizem o passe livre 250 dias por ano (R$ bilh\u00f5es)<\/b> As estimativas aqui apresentadas devem ser tomadas com cautela. A baixa transpar\u00eancia e indisponibilidade dos dados relativos aos custos e \u00e0 intensidade de uso do transporte p\u00fablico n\u00e3o permitem que se fa\u00e7am c\u00e1lculos mais precisos. De qualquer forma, mesmo na estimativa mais otimista (R$ 9,7 bilh\u00f5es por ano) j\u00e1 representa custo elevado.<\/p>\n Para se ter uma ideia de grandeza desse valor, considere que o setor p\u00fablico brasileiro (Uni\u00e3o, estados e munic\u00edpios) gasta aproximadamente 3% do PIB, todo ano, com educa\u00e7\u00e3o p\u00fablica de 1\u00ba a 9\u00ba ano de ensino (ensino fundamental)2<\/sup>. Em 2013 isso representou algo como R$ 145 bilh\u00f5es. Com o dinheiro do passe livre seria poss\u00edvel aumentar a despesa com aqueles n\u00edveis de ensino entre 6,8% (hip\u00f3tese otimista de custo total de R$ 10 bilh\u00f5es) e 22% (hip\u00f3tese pessimista de custo total de R$ 32 bilh\u00f5es). A sociedade brasileira precisa, ent\u00e3o, decidir se quer subsidiar o transporte dos estudantes at\u00e9 a escola ou se quer melhorar a escola em si. Ambas as op\u00e7\u00f5es s\u00e3o leg\u00edtimas, e precisam ser avaliadas com cuidado. S\u00f3 \u00e9 preciso ter em mente que o passe livre estudantil n\u00e3o \u00e9 \u201cde gra\u00e7a\u201d, tem seu custo econ\u00f4mico e social.<\/p>\n Analisando a possibilidade de aplica\u00e7\u00e3o alternativa dos recursos para fins de melhoria da qualidade e aumento da oferta de\u00a0 transporte, deve-se dizer que R$ 10 bilh\u00f5es por ano fariam grande diferen\u00e7a. Com esse valor pode-se, por exemplo, construir, todos os anos, 20 km de linhas de metr\u00f43<\/sup> ou mais de 500 km de corredores de BRT (Bus Rapid Transit)4<\/sup>, o que elevaria a rapidez e conforto do transporte coletivo.<\/p>\n O investimento desses recursos na melhoria e maior efici\u00eancia do sistema de transporte (em vez do subs\u00eddio ao transporte de estudantes) aumentaria a velocidade m\u00e9dia e reduziria os custos operacionais do sistema, gerando melhor servi\u00e7o e maior produtividade econ\u00f4mica para todos. Al\u00e9m disso, a melhoria da qualidade tenderia a atrair novos passageiros pagantes, criando, assim, um ciclo virtuoso de maiores receitas e menores custos por viagem. Tal caminho parece ser bem mais promissor que o subs\u00eddio ao uso de um sistema ineficiente e sobrecarregado. Passagens gratuitas para estudantes sobrecarregar\u00e3o um sistema que j\u00e1 n\u00e3o funciona adequadamente, reduzindo a velocidade m\u00e9dia e elevando seus custos.<\/p>\n Por fim, cabe o alerta de que, frente \u00e0 permanente escassez de recursos p\u00fablicos, se opte pelo financiamento do passe livre por meio de subs\u00eddios cruzados. Ou seja, pela eleva\u00e7\u00e3o da passagem cobrada dos demais usu\u00e1rios para financiar a gratuidade para os estudantes. Nesse caso, como na maioria dos casos de subs\u00eddios cruzados, haver\u00e1 injusti\u00e7a distributiva. Afinal, n\u00e3o \u00e9 razo\u00e1vel que o trabalhador subsidie a passagem do estudante de classe m\u00e9dia.<\/p>\n ________________<\/p>\n 1<\/sup> Esse procedimento tende a superestimar o n\u00famero de estudantes usu\u00e1rios, visto que na estat\u00edstica das capitais j\u00e1 est\u00e3o inclu\u00eddos estudantes residentes em outros munic\u00edpios que transitam pela capital. Mas n\u00e3o h\u00e1 como evitar tal superestimativa.<\/p>\n 2<\/sup> Fonte: INEP-MEC<\/p>\n 3<\/sup>Tomando-se o custo de constru\u00e7\u00e3o da linha 4 do metr\u00f4 de S\u00e3o Paulo, conforme http:\/\/www.metro.sp.gov.br\/noticias\/acontecendo\/governador-geraldo-alckmin-inicia-2a-fase-da-linha-4amarela.fss<\/a><\/p>\n 4<\/sup>Tomando-se por refer\u00eancia os custos anunciados para os projetos de BRT no Distrito Federal. Vide http:\/\/www.brtbrasil.org.br\/index.php\/brt-brasil\/cidades-com-sistema-brt\/menubrasilia\/expresso-df#.U3X_L1VdXjN<\/a><\/p>\n <\/p>\n Download:<\/strong><\/em><\/p>\n<\/a><\/p>\n
\nNotas: (1)<\/sup> considerando per\u00edodo letivo de nove meses em \u201cH\u201d; (2)<\/sup> considerando utiliza\u00e7\u00e3o ao longo de doze meses em \u201cJ\u201d.<\/p>\n<\/a><\/p>\n
\n<\/a><\/p>\n