{"id":2221,"date":"2014-05-05T10:58:43","date_gmt":"2014-05-05T13:58:43","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2221"},"modified":"2014-05-05T10:58:43","modified_gmt":"2014-05-05T13:58:43","slug":"o-que-sao-instituicoes-fiscais-independentes","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2221","title":{"rendered":"O que s\u00e3o “institui\u00e7\u00f5es fiscais independentes”?"},"content":{"rendered":"
O Estado brasileiro passa por um processo de deteriora\u00e7\u00e3o fiscal que tem componentes de curto e longo prazo. No curto prazo observa-se a queda dos resultados prim\u00e1rios do setor p\u00fablico, que passaram de 3,8% do PIB em 2008 para 1,9% em 2013. H\u00e1, tamb\u00e9m, uma deteriora\u00e7\u00e3o na qualidade deste super\u00e1vit e das contas p\u00fablicas, em que procedimentos cont\u00e1beis pouco usuais t\u00eam sido utilizados com o intuito de mascarar parte da deteriora\u00e7\u00e3o fiscal (sobre tal ponto ver, neste site, \u201cO que \u00e9 contabilidade criativa?<\/a>\u201d).<\/p>\n \u00c9 for\u00e7oso, contudo, reconhecer que, mesmo quando o setor p\u00fablico apresentava super\u00e1vits prim\u00e1rios robustos e contabilidade mais clara, a qualidade da nossa pol\u00edtica fiscal j\u00e1 n\u00e3o era das melhores. Ano ap\u00f3s ano a despesa total cresce e, com ela, a carga tribut\u00e1ria. A despesa prim\u00e1ria do governo central pulou de 14% do PIB para 19% do PIB entre 1997 e 20131<\/sup>, e a carga tribut\u00e1ria nos tr\u00eas n\u00edveis de governo saltou de 28% para 34% do PIB no mesmo per\u00edodo2<\/sup>. Os super\u00e1vits prim\u00e1rios t\u00eam sido feitos n\u00e3o apenas por meio de aumento de tributos, que sufocam os contribuintes e desestimulam o crescimento econ\u00f4mico, mas tamb\u00e9m com base em repress\u00e3o dos investimentos p\u00fablicos, tornando a infraestrutura do pa\u00eds prec\u00e1ria. Este \u00e9 o componente de deteriora\u00e7\u00e3o de longo prazo da pol\u00edtica fiscal.<\/p>\n O processo or\u00e7ament\u00e1rio se d\u00e1 de uma forma em que os poderes Executivo e Legislativo t\u00eam interesse em fixar receitas superestimadas e despesas elevadas. O Executivo o faz porque, dispondo do poder de contingenciar gastos, pode escolher quais despesas executar\u00e1 ou n\u00e3o. Assim, quanto mais amplo o espectro de despesas dispon\u00edveis, mais espa\u00e7o tem para distorcer o or\u00e7amento a favor de suas prioridades. J\u00e1 o legislativo tem interesse em ampliar as despesas para encaixar os gastos de interesse dos parlamentares e de suas bases. O controle fiscal se faz na boca do caixa, sem transpar\u00eancia ou ordenamento de prioridades sociais.<\/p>\n No campo da qualidade do gasto p\u00fablico, inexiste no pa\u00eds a pr\u00e1tica de se avaliar benef\u00edcios e custos gerados pelos programas patrocinados pelo governo. Os programas s\u00e3o postos em pr\u00e1tica, o gasto se eleva ano ap\u00f3s ano, mas pouco se avalia se eles constituem benef\u00edcio para a sociedade como um todo ou apenas mais uma fonte de renda para grupos espec\u00edficos com poder de press\u00e3o pol\u00edtica. Os investimentos p\u00fablicos n\u00e3o passam por planejamento cuidadoso, sua execu\u00e7\u00e3o usualmente estoura os or\u00e7amentos pr\u00e9vios e, depois de prontos, t\u00eam manuten\u00e7\u00e3o deficiente, o que reduz a vida \u00fatil de estradas, portos e equipamentos urbanos (mais sobre isso, em outro texto neste site: \u201cPor que \u00e9 importante investir em infraestrutura?<\/a>\u201d).<\/p>\n N\u00e3o ser\u00e1 simples corrigir todas essas distor\u00e7\u00f5es. Um caminho promissor, contudo, pode ser a cria\u00e7\u00e3o de uma \u201cinstitui\u00e7\u00e3o fiscal independente\u201d ou \u201cconselho fiscal\u201d \u2013 doravante chamados de IFI – nos moldes de institui\u00e7\u00f5es que j\u00e1 funcionam em v\u00e1rios pa\u00edses da Organiza\u00e7\u00e3o para Coopera\u00e7\u00e3o e Desenvolvimento Econ\u00f4mico (OCDE). A mais famosa dessas institui\u00e7\u00f5es \u00e9 o Congressional Budget Office (CBO) dos Estados Unidos. Mas h\u00e1 tamb\u00e9m o Office for Budget Responsibility (OBR) no Reino Unido, o Conselho de Finan\u00e7as P\u00fablica (CFP) em Portugal e mais outras vinte e seis institui\u00e7\u00f5es similares em pa\u00edses t\u00e3o distintos entre si quanto Qu\u00eania e Cor\u00e9ia do Sul. A expans\u00e3o desses \u00f3rg\u00e3os ganhou impulso especialmente na Zona do Euro, com a necessidade de promover ajustes fiscais estruturais ap\u00f3s a crise de 2008, que afetou fortemente a Europa.<\/p>\n Tais institui\u00e7\u00f5es s\u00e3o \u00f3rg\u00e3os de Estado, com estrutura similar a de ag\u00eancias reguladoras (dirigentes com forma\u00e7\u00e3o t\u00e9cnica, com mandatos predefinidos e protegidos de press\u00f5es pol\u00edticas). Sua fun\u00e7\u00e3o \u00e9 a de ser uma esp\u00e9cie de c\u00e3o de guarda da estabilidade fiscal e da qualidade do gasto p\u00fablico. Devem fazer an\u00e1lises t\u00e9cnicas isentas, tornando-as p\u00fablicas, buscando dar o m\u00e1ximo de transpar\u00eancia poss\u00edvel a suas avalia\u00e7\u00f5es.<\/p>\n Certamente uma ag\u00eancia com essa natureza ajudaria a melhorar a qualidade da pol\u00edtica fiscal no Brasil, pois atuaria sobre pontos cr\u00edticos que precisam ser aperfei\u00e7oados. Em primeiro lugar, poderia fazer estimativas independentes da receita or\u00e7ament\u00e1ria, que colocaria em xeque as estimativas usualmente superestimadas feitas pelo Executivo e o Legislativo. Estes teriam que, no m\u00ednimo, explicar porque suas receitas esperadas estariam acima daquela estimada pela IFI. N\u00e3o conseguindo faz\u00ea-lo, seriam for\u00e7ados a moderar a fixa\u00e7\u00e3o da despesa or\u00e7ament\u00e1ria.<\/p>\n A IFI tamb\u00e9m poderia atuar avaliando a qualidade de pol\u00edticas p\u00fablicas. Estudos de custo-benef\u00edcio, que requerem grande quantidade de informa\u00e7\u00f5es e alta especializa\u00e7\u00e3o t\u00e9cnica para que sejam bem feitos, poderiam indicar \u00e0 sociedade quais s\u00e3o os programas p\u00fablicos que merecem ter continuidade e quais deveriam ser extintos por trazerem mais custos que benef\u00edcios.<\/p>\n Isso permitiria n\u00e3o apenas melhorar a qualidade do gasto p\u00fablico, introduzindo no pa\u00eds uma cultura de avalia\u00e7\u00e3o dos gastos, como tamb\u00e9m permitiria conter a expans\u00e3o do gasto agregado. Menor carga tribut\u00e1ria seria necess\u00e1ria para dar conta de despesas em menor n\u00edvel. As avalia\u00e7\u00f5es de custos e benef\u00edcios poderiam ser feitas, inclusive, antes de os projetos serem postos em pr\u00e1tica, por meio de avalia\u00e7\u00e3o de impacto de proposi\u00e7\u00f5es em tramita\u00e7\u00e3o no Congresso que visem instituir novos gastos, conceder isen\u00e7\u00f5es tribut\u00e1rias ou outros tratamentos preferenciais a grupos espec\u00edficos.<\/p>\n Outra \u00e1rea de relevante atua\u00e7\u00e3o desta institui\u00e7\u00e3o independente seria na fixa\u00e7\u00e3o de crit\u00e9rios cont\u00e1beis de alta qualidade, o que deixaria expl\u00edcito os casos em que os governos estariam tentando iludir a popula\u00e7\u00e3o com o uso de contabilidade criativa.<\/p>\n \u00c9 importante notar que a cria\u00e7\u00e3o de uma IFI n\u00e3o significa retirar do Executivo e do Legislativo o poder para programar e executar a pol\u00edtica fiscal. N\u00e3o se trata de aplicar, na \u00e1rea fiscal, princ\u00edpio similar ao de independ\u00eancia do Banco Central, pelo qual o governo amarra suas m\u00e3os e d\u00e1 \u00e0 autoridade monet\u00e1ria o poder para gerir a oferta de moeda \u00e0 sociedade. A pol\u00edtica fiscal n\u00e3o pode ser executada dessa forma, pois ela \u00e9 a ess\u00eancia da atividade de governar. O que a institui\u00e7\u00e3o fiscal independente deve fazer \u00e9, como dito acima, funcionar como um \u201cc\u00e3o de guarda\u201d das finan\u00e7as p\u00fablicas, apontando excessos, inefici\u00eancias e distor\u00e7\u00f5es; oferecendo par\u00e2metros para avaliar a trajet\u00f3ria de longo prazo da pol\u00edtica fiscal; estabelecendo crit\u00e9rios cont\u00e1beis lastreados na transpar\u00eancia das contas p\u00fablicas.<\/p>\n Ela deve usar a sua comunica\u00e7\u00e3o com o p\u00fablico, em especial com a imprensa, para divulgar o que se espera do governo em termos de ado\u00e7\u00e3o de boas pr\u00e1ticas fiscais. Deve explicitar custos e benef\u00edcios dos programas p\u00fablicos. Mas jamais deve determinar o corte ou expans\u00e3o desta ou daquela despesa, a interrup\u00e7\u00e3o deste ou daquele programa.<\/p>\n N\u00e3o se deve confundir, tamb\u00e9m, a a\u00e7\u00e3o de uma institui\u00e7\u00e3o fiscal independente com a de institui\u00e7\u00f5es voltadas \u00e0 auditoria e controle, como os tribunais de contas. Estes atuam avaliando o passado<\/span>, estudando o resultado de programas em andamento ou j\u00e1 encerrados, aprovando ou rejeitando as contas p\u00fablicas. As institui\u00e7\u00f5es fiscais independentes atuam olhando para o futuro: avaliam os prov\u00e1veis cen\u00e1rios para a receita e a despesa, estudam benef\u00edcios e custos de programas visando seu aperfei\u00e7oamento, definem crit\u00e9rios de qualidade para a contabilidade p\u00fablica.<\/p>\n O Brasil j\u00e1 tem, na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), um embri\u00e3o de institui\u00e7\u00e3o fiscal independente. Trata-se do Conselho de Gest\u00e3o Fiscal (CGF), institu\u00eddo pelo art. 67 daquela Lei. Todavia, o CGF n\u00e3o foi institu\u00eddo at\u00e9 hoje.<\/p>\n Tal demora deve-se a dificuldades envolvidas na regulamenta\u00e7\u00e3o. Isso porque a LRF exige que o CGF tenha representantes de todos os poderes, em todos os n\u00edveis de governo, al\u00e9m de representantes de entidades t\u00e9cnicas da sociedade civil. Surgem a\u00ed alguns problemas pr\u00e1ticos e algumas incongru\u00eancias com a ideia de entidade independente. Em primeiro lugar, o CGF teria n\u00famero excessivo de representantes, dificultando a obten\u00e7\u00e3o de quorum e o processo decis\u00f3rio. Em segundo lugar, a participa\u00e7\u00e3o de membros do poder p\u00fablico, eles pr\u00f3prios executores de pol\u00edticas que seriam avaliadas pelo conselho, reduziria o grau de independ\u00eancia e imparcialidade nas avalia\u00e7\u00f5es feitas pela entidade. Em terceiro lugar, \u00e9 muito dif\u00edcil estabelecer crit\u00e9rios pr\u00e1ticos para se escolher, por exemplo, quem seria o representante de todos os legislativos municipais do pa\u00eds, Como faz\u00ea-lo? Uma elei\u00e7\u00e3o na qual votariam todos os vereadores do Brasil? Dificuldade similar surgiria para escolher o representante dos judici\u00e1rios estaduais ou para definir quais seriam as entidades da sociedade civil contempladas com o direito de participar do CGF.<\/p>\n Para que o CGF pudesse ser convertido em uma verdadeira institui\u00e7\u00e3o fiscal independente, seria necess\u00e1rio alterar a LRF com vistas a dar ao Conselho um perfil similar ao das ag\u00eancias reguladoras: nomea\u00e7\u00e3o de um pequeno n\u00famero de diretores, com perfil t\u00e9cnico, evitando-se dar representa\u00e7\u00e3o a entidades, \u00f3rg\u00e3os governamentais ou poderes p\u00fablicos. Deve-se, ademais, prover a entidade com equipe t\u00e9cnica qualificada e abrir a possibilidade de atuar em conjunto com universidades e outras institui\u00e7\u00f5es capacitadas para fazer as an\u00e1lises que se espera de uma IFI.<\/p>\n Este seria um grande passo no sentido de se mudar o perfil expansionista de nossa pol\u00edtica fiscal, de melhorar a qualidade da interven\u00e7\u00e3o do governo na economia e, com isso, elevar o potencial de crescimento do pa\u00eds.<\/p>\n J\u00e1 h\u00e1 evid\u00eancias emp\u00edricas de que as IFI t\u00eam efeito concreto. Um estudo do FMI3<\/sup> mostra que pa\u00edses com IFI que atendem a alguns requisitos b\u00e1sicos apresentam desempenho fiscal mais s\u00f3lido e or\u00e7amentos mais realistas. Esses requisitos s\u00e3o: ter independ\u00eancia operacional, realizaran\u00e1lise de proje\u00e7\u00f5es fiscais, estar presente na m\u00eddia e monitorar metas fiscais.<\/p>\n O Brasil, sem d\u00favida, carece de um aperfei\u00e7oamento institucional dessa natureza. O que n\u00e3o falta \u00e9 literatura sobre o tema, conforme lista apresentada abaixo, e possibilidade de assist\u00eancia t\u00e9cnica por parte do FMI, da OCDE e das pr\u00f3prias IFI j\u00e1 em funcionamento.<\/p>\n <\/p>\n Para ler mais sobre o tema:<\/p>\n Bos, F., Teulings, C. CPB and Dutch fiscal policy in view of the financial crisis and ageing<\/i>. http:\/\/www.cpb.nl\/en\/publication\/cpb-and-dutch-fiscal-policy-view-financial-crisis-and-ageing<\/a><\/p>\n Calmfors, L. (2010) The swedish fiscal policy council \u2013 experience and lessons<\/i>. http:\/\/people.su.se\/~calmf\/Wipol_2011_Calmfors.pdf<\/a><\/p>\n Calmfors, L., Kopits, G., Teulings, C. (2010) A new breed of fiscal watchdogs<\/i>. EVRO Inteligence. http:\/\/www.finanspolitiskaradet.se\/download\/18.55431e1f13f86263d6a1c5a\/1377195290368\/Calmfors,+Kopits+%26+Teulings+(2010).pdf<\/a><\/p>\n Debrun, X. (2011) Democratic accountability, deficit bias, and independent fiscal agencies. <\/i>FMI \u2013 Working Paper WP\/11\/173.<\/p>\n Debrun, X., Kinda, T. (2014) Strengthening post-crisis fiscal credibility: fiscal councils on the rise \u2013 a new dataset<\/i>. FMI \u2013 Working Paper WP\/14\/58.<\/p>\n Eichengreen, B., Hausmann, R., von Hagen, J. (1999) Reforming budgetary institutions in Latin America: the case for a National Fiscal Council. <\/i>Open Economies Review, 10: 415-442.<\/p>\n FMI (2013) The functions and impacts of fiscal councils. <\/i>http:\/\/www.imf.org\/external\/np\/pp\/eng\/2013\/071613.pdf<\/i><\/a> <\/i><\/p>\n Hagemann, R. (2011) How can fiscal councils strengthen fiscal performance? <\/i>OECD Journal: economic studies, vol. 2011\/1, http:\/\/dx.doi.org\/10.1787\/19952856<\/a><\/p>\n Kopits, G. (2011) Independent fiscal institutions: developing good practices.<\/i> 3rd<\/sup> Annual Meeting of OECD Parliamentary Budget Officials \u2013 Estocolmo, Su\u00e9cia.<\/p>\n Marinheiro, C.F. (2011) Fiscal sustainability and the accuracy of macroeconomic forecasts: do supranational forecasts rather than government forecasts make a difference? <\/i>International Journal of Sustainanble Economy, v. 3, n. 2<\/p>\n OCDE (2013) OECD principles for independent fiscal institutions. <\/i>http:\/\/acts.oecd.org\/Instruments\/ShowInstrumentView.aspx?InstrumentID=301&InstrumentPID=316&Lang=en&Book=False<\/i><\/a> <\/i><\/p>\n Szpringer, Z. (2013) A parliamentary view of Poland\u2019s plans to enhance the role of existing institutions in place of establishing an independent fiscal institution.<\/i> Mimeo \u2013 Vars\u00f3via, Pol\u00f4nia. http:\/\/www.pbo-dpb.gc.ca\/files\/files\/D1-AM%20-%20Roundtable%20-%20Zofia%20Szpringer%20-%20POLAND.pdf<\/a><\/p>\n _______________<\/p>\n 1<\/sup> Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional Download:<\/strong><\/em><\/p>\n
\n2<\/sup> Fonte: Receita Federal do Brasil
\n3<\/sup>\u201cStrenghening Post-Crisis Fiscal Credibility: Fiscal Councils on the Rise \u2013 A New Dataset\u201d, de Xavier Debrun e Tidiane Kinda.<\/p>\n