{"id":2138,"date":"2014-02-24T12:16:56","date_gmt":"2014-02-24T15:16:56","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2138"},"modified":"2014-02-24T15:51:01","modified_gmt":"2014-02-24T18:51:01","slug":"os-investimentos-no-brasil-estao-perdendo-valor","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2138","title":{"rendered":"Os investimentos no Brasil est\u00e3o perdendo valor?"},"content":{"rendered":"

1. Introdu\u00e7\u00e3o<\/strong><\/p>\n

Ao final de janeiro, o blog Beyond Brics,<\/i> ligado ao jornal Financial Times<\/i>, ventilou uma not\u00edcia sobre a perda de valor dos investimentos feitos por estrangeiros no Brasil. A not\u00edcia, al\u00e9m de trazer preocupa\u00e7\u00f5es em seu t\u00edtulo (Investing in Brazil: Value creation and value destruction<\/i>), traz outra ainda maior sob o ponto de vista da estrutura do balan\u00e7o de pagamentos e da posi\u00e7\u00e3o de vulnerabilidade externa.<\/p>\n

As duas principais contas do balan\u00e7o de pagamentos1<\/sup> \u2013 o resultado em transa\u00e7\u00f5es correntes e a conta capital e financeira \u2013 servem como refer\u00eancia para avaliar a situa\u00e7\u00e3o do pa\u00eds frente ao sistema financeiro internacional. Pa\u00edses deficit\u00e1rios em transa\u00e7\u00f5es correntes \u2013 ou seja, aqueles que consomem mais do que produzem, precisando importar bens e servi\u00e7os do exterior – precisam recorrer ao financiamento externo, seja por investimento estrangeiro ou por ajuda externa, como faz o Fundo Monet\u00e1rio Internacional (FMI) ao detectar pa\u00edses com desequil\u00edbrios nas contas externas. O Brasil, nos \u00faltimos dez anos, tem conseguido manter o financiamento de seu d\u00e9ficit em transa\u00e7\u00f5es correntes de forma saud\u00e1vel, sendo o investimento direto a principal fonte de financiamento. De 2002 at\u00e9 o final de 2012, n\u00e3o havia necessidade de financiamento externo nas contas externas2<\/sup>. Esse cen\u00e1rio ben\u00e9fico, entretanto, foi revertido em 2013, com o desempenho ruim da balan\u00e7a comercial, passando o pa\u00eds a necessitar de 0,8% do PIB para financiar o resultado negativo das transa\u00e7\u00f5es correntes.<\/p>\n

Apesar do resultado, o pa\u00eds n\u00e3o fechou as contas em 2013 de forma totalmente negativa porque os investimentos estrangeiros em carteira3<\/sup> ajudaram no financiamento do saldo negativo. Preocupa, todavia, o fato de que investidores estrangeiros possam estar perdendo dinheiro ao investir no pa\u00eds, fazendo com que esses atores revejam suas estrat\u00e9gias de investimento para outros pa\u00edses emergentes. O artigo supracitado argumenta que houve destrui\u00e7\u00e3o de valor nos investimentos de estrangeiros no Brasil e exp\u00f5e dados do Banco Central para avaliar o tamanho da perda de valor no estoque de investimento estrangeiro no pa\u00eds, tanto direto, como em renda fixa e em a\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

O objetivo desse texto \u00e9 avaliar os n\u00fameros de estoque e fluxo de investimento estrangeiro no Brasil, verificar se h\u00e1 perda de valor desses investimentos e avaliar se essa perda est\u00e1 relacionada com a volatilidade cambial e\/ou com a perda do valor dos ativos nacionais.<\/p>\n

2.\u00a0Investimento Estrangeiro Direto<\/strong><\/p>\n

Avaliando os dados atualizados recentemente pelo Banco Central4<\/sup>, observa-se que, entre janeiro de 2003 e novembro de 2013, o fluxo de IED no Brasil valia US$405 bilh\u00f5es e que o estoque de IED \u2013 todo o investimento acumulado nesse per\u00edodo – aumentou em quase US$600 bilh\u00f5es. Esse aumento se deve aos fluxos e \u00e0 valoriza\u00e7\u00e3o dos ativos. Os n\u00fameros podem ser observados no Gr\u00e1fico 1.<\/p>\n

Gr\u00e1fico 1<\/p>\n

\"img_1\"<\/a><\/p>\n

Importante ressaltar que o Pa\u00eds tem atra\u00eddo fluxos de investimento direto cada vez maiores, por anos seguidos e acumula, entre 2003 e 2013, um estoque de investimento estimado em US$725 bilh\u00f5es5<\/sup>. Em 2010, apesar de um fluxo menor de IED em rela\u00e7\u00e3o a 2009, o pa\u00eds captou investimentos no valor de US$26 bilh\u00f5es. Al\u00e9m da alta no valor das empresas brasileiras nesse ano (IBOVESPA), a aprecia\u00e7\u00e3o do Real (que altera o valor do estoque em d\u00f3lar) tamb\u00e9m ajuda a explicar parte da alta no valor do estoque entre 2009 e 2010. O mesmo racioc\u00ednio pode ser utilizado para explicar o grande recuo no estoque de IED a partir de 2011, quando o valor das empresas brasileiras caiu e o houve subsequentes desvaloriza\u00e7\u00f5es da moeda nacional. Por exemplo, enquanto o d\u00f3lar valia R$1,69 ao final de 2010, esse valor subiu para R$1,83 ao final de 2011, uma desvaloriza\u00e7\u00e3o de 8,5% em um ano. Um investidor estrangeiro que tenha trazido R$1.690 (ou US$1.000) para o pa\u00eds em 2010, se resolvesse retirar essa quantia do pa\u00eds ao final de 2011, teria o valor equivalente a US$923,5, ou seja, perda de US$76,5. O Gr\u00e1fico 2 mostra que a correla\u00e7\u00e3o6<\/sup> entre a varia\u00e7\u00e3o no estoque de IED e a varia\u00e7\u00e3o cambial \u00e9 de -0,75, ou seja, uma desvaloriza\u00e7\u00e3o cambial est\u00e1 fortemente associada a uma varia\u00e7\u00e3o negativa do estoque de IED.<\/p>\n

Gr\u00e1fico 2<\/p>\n

\"img_2\"<\/a>><\/p>\n

Em 2010, observa-se que a alta dos ativos brasileiros influenciou fortemente o aumento no valor dos estoques de investimento no pa\u00eds. Como mostra o Gr\u00e1fico 3, a correla\u00e7\u00e3o entre o \u00edndice Bovespa e os estoques de investimento direto 7<\/sup>\u00e9 fortemente positiva, de forma que aumentos no \u00edndice Bovespa est\u00e3o associados a varia\u00e7\u00f5es positivas no valor do estoque de IED. Portanto, a queda no valor desses estoques, observadas a partir de 2011, al\u00e9m de refletir a desvaloriza\u00e7\u00e3o cambial, tamb\u00e9m \u00e9 resultado do baixo desempenho das a\u00e7\u00f5es das empresas negociadas na Bovespa.<\/p>\n

Gr\u00e1fico 3<\/p>\n

\"img_3\"<\/a><\/p>\n

3. Investimento Estrangeiro em Renda Fixa<\/strong><\/p>\n

A an\u00e1lise seguinte compara estoques e fluxo dos investimentos estrangeiro em renda fixa a partir de 2002. O dado mais recente do Banco Central mostra que o estoque de renda fixa em posse de estrangeiros soma US$175,5 bilh\u00f5es no per\u00edodo. Entre 2009 e 2010, o fluxo em renda fixa, somado, foi de US$ 47 bilh\u00f5es e o estoque aumentou US$56,5 bilh\u00f5es.<\/p>\n

Gr\u00e1fico 4<\/p>\n

\"img_4\"<\/a><\/p>\n

Como apontam a maioria dos economistas em com\u00e9rcio internacional, investimentos em carteira, ao contr\u00e1rio dos investimentos diretos, s\u00e3o movidos por diferen\u00e7as no retorno ao capital (Markusen et al, 1995). No caso dos investimentos em renda fixa, devido ao grande diferencial de juros oferecido pelos ativos brasileiros, estes t\u00eam sido pouco afetados pela mudan\u00e7a de percep\u00e7\u00e3o no risco e pela queda de valor das empresas brasileiras. Entre 2011 e 2012, por exemplo, enquanto o valor do estoque do IED ca\u00eda, o estoque nessa categoria de investimento apresentou uma alta de US$42 bilh\u00f5es. As varia\u00e7\u00f5es do d\u00f3lar n\u00e3o alteram tanto a decis\u00e3o de investimento no pa\u00eds, quanto nos outros investimentos, como mostra o Gr\u00e1fico 5, embora possa ser observada uma correla\u00e7\u00e3o negativa relativamente alta.<\/p>\n

Gr\u00e1fico 5<\/p>\n

\"img_5\"<\/a><\/p>\n

4. Investimento Estrangeiro em A\u00e7\u00f5es<\/strong><\/p>\n

Quanto aos investimentos estrangeiros em a\u00e7\u00f5es, importante componente do investimento em carteira, h\u00e1 uma forte rela\u00e7\u00e3o entre o valor do estoque e o valor das a\u00e7\u00f5es das empresas brasileiras avaliadas no IBOVESPA. O valor do estoque dos investimentos estrangeiros em a\u00e7\u00f5es caiu fortemente em 2008, ano da crise financeira internacional, quando houve perda no valor das empresas listadas no Ibovespa (em Reais), acompanhada da desvaloriza\u00e7\u00e3o da moeda nacional, como mostra o Gr\u00e1fico 6.<\/p>\n

Gr\u00e1fico 6<\/p>\n

\"img_6\"<\/a><\/p>\n

Apesar da recupera\u00e7\u00e3o do valor do estoque dos investimentos em carteira em 2009 e 2010, a varia\u00e7\u00e3o estimada do valor desses estoques a partir de 2011 \u00e9 negativa. O recuo no estoque de investimentos em a\u00e7\u00f5es, nos \u00faltimos 3 anos, apesar do pa\u00eds ter recebido fluxos positivos no per\u00edodo, resulta da desvaloriza\u00e7\u00e3o cambial recente, dado que houve leve recupera\u00e7\u00e3o nos valores das empresas brasileiras. O Gr\u00e1fico 7, que mostra a rela\u00e7\u00e3o entre a varia\u00e7\u00e3o do valor do estoque dos investimentos em carteira e a varia\u00e7\u00e3o cambial, aponta uma correla\u00e7\u00e3o de -0,87.<\/p>\n

Gr\u00e1fico 7<\/p>\n

\"img_7\"<\/a><\/p>\n

5. Considera\u00e7\u00f5es Finais<\/strong><\/p>\n

A situa\u00e7\u00e3o de vulnerabilidade externa brasileira atual \u00e9 muito diferente do observado pela hist\u00f3ria econ\u00f4mica do pa\u00eds. O pa\u00eds hoje possui reservas internacionais suficientes para cobrir sua d\u00edvida externa total. A d\u00edvida externa l\u00edquida, negativa, mostra que o pa\u00eds est\u00e1 na posi\u00e7\u00e3o de credor internacional, algo in\u00e9dito at\u00e9 1998 (Gr\u00e1fico 8).<\/p>\n

\"img_8\"<\/a><\/p>\n

Esses indicadores, entretanto, s\u00e3o extremos quando se considera as condi\u00e7\u00f5es das contas externas. \u00c9 poss\u00edvel explicar que a perda de valor dos investimentos estrangeiros, tanto direto quanto em carteira, ocorre devido \u00e0 um ajuste cambial. Mas a queda nos pre\u00e7os dos ativos, causando a perda de valor no estoque dos investimentos em a\u00e7\u00f5es, preocupa, visto que este tem sido complementar no financiamento do d\u00e9ficit em transa\u00e7\u00f5es correntes.<\/p>\n

Em adicional, uma percep\u00e7\u00e3o de maior risco do pa\u00eds, acompanhada de baixo retorno dos ativos brasileiros frente a outros pa\u00edses \u2013 que pode piorar diante do rebaixamento da nota brasileira \u2013 tende a deixar o pa\u00eds em uma posi\u00e7\u00e3o vulner\u00e1vel, com sa\u00edda de capitais estrangeiros. A divulga\u00e7\u00e3o de mat\u00e9rias como a do blog Beyond Brics<\/i> altera a percep\u00e7\u00e3o de investidores estrangeiros sobre os ativos brasileiros e preocupa caso haja uma revers\u00e3o no fluxo de investimento estrangeiro para o pa\u00eds.<\/p>\n

_________________<\/p>\n

1<\/sup>Instrumento de contabilidade que resume as transa\u00e7\u00f5es econ\u00f4micas de bens e servi\u00e7os entre residentes e n\u00e3o residentes.
\n2<\/sup>Necessidade de financiamento externo= d\u00e9ficit de transa\u00e7\u00f5es correntes menos os investimentos estrangeiros diretos l\u00edquidos.
\n3<\/sup>O investimento direto \u00e9 constitu\u00eddo quando o investidor det\u00e9m 10% ou mais das a\u00e7\u00f5es ordin\u00e1rias ou do direito a voto numa empresa; considera-se como investimento em carteira quando ele for inferior a 10%.
\n4<\/sup>O Banco Central revisa periodicamente os dados de estoque de investimento estrangeiro no pa\u00eds para fins de demonstra\u00e7\u00e3o da posi\u00e7\u00e3o internacional de investimento, conforme o Padr\u00e3o Especial de Dissemina\u00e7\u00e3o de Dados, requerido pelo FMI.
\n5<\/sup>O estoque de investimento estimado depende do fluxo l\u00edquido captado e do valor de mercado desses investimentos durante cada ano. O valor do estoque de IED, em d\u00f3lares, aumentou muito em 2009, resultado tanto da aprecia\u00e7\u00e3o cambial quanto da alta no valor das a\u00e7\u00f5es brasileiras.
\n6<\/sup>O coeficiente de correla\u00e7\u00e3o mostra a influ\u00eancia que uma vari\u00e1vel tem sobre a outra. Valores pr\u00f3ximos a 1 (ou -1) mostram que elas s\u00e3o fortemente positivamente (ou negativamente) relacionadas.
\n7<\/sup>Por defini\u00e7\u00e3o, investimentos acima de 10% em a\u00e7\u00f5es de uma mesma empresa s\u00e3o classificados como IED.<\/p>\n

Refer\u00eancias:<\/strong><\/p>\n

Banco Central do Brasil, Sistema de S\u00e9ries Temporais.
\nKRUGMAN, P., OBSTFELD, M., MELITZ, M., International Economics: Theory and Policy<\/i>. Cap. 8, 9\u00aa edi\u00e7\u00e3o, 2011.
\nMARKUSEN, J., MELVIN, J., KAEMPFER, W., MASKUS, K., International Trade: theory and evidence<\/i>. Cap. 22, 1995.
\nSARTORI, A., Estat\u00edstica e Introdu\u00e7\u00e3o \u00e0 Econometria<\/i>. Cap. 1, 2003.
\nWheatley, J. Investing in Brazil: value creation and value destruction.\u00a0 Financial Times, Beyond Brics. Publicado em 23 de jan. 2014<\/p>\n

Download:<\/strong><\/em><\/p>\n