{"id":2123,"date":"2014-02-10T08:31:13","date_gmt":"2014-02-10T11:31:13","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2123"},"modified":"2014-02-10T08:31:13","modified_gmt":"2014-02-10T11:31:13","slug":"qual-a-quantidade-otima-de-intervencao-judicial-nas-politicas-publicas","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2123","title":{"rendered":"Qual a quantidade \u00f3tima de interven\u00e7\u00e3o judicial nas pol\u00edticas p\u00fablicas?"},"content":{"rendered":"

Quando uma empresa maximiza seu lucro, o ponto \u00f3timo \u00e9 aquele em que o custo marginal (custo para produzir uma unidade adicional do produto) e a receita marginal (receita obtida com a venda de uma unidade adicional) se igualam. Isso porque, para a empresa, \u00e9 bom produzir mais bens at\u00e9 o momento em que o benef\u00edcio desse bem adicional compense o custo de produzi-lo.<\/p>\n

Pode-se adaptar esse racioc\u00ednio para o Sistema Judicial de forma a se determinar qual ser\u00e1 o ponto \u00f3timo de interven\u00e7\u00e3o do Poder Judici\u00e1rio nas pol\u00edticas p\u00fablicas, considerando o bem-estar da sociedade.<\/p>\n

Parte-se do pressuposto de que a interven\u00e7\u00e3o judicial ir\u00e1 agregar bem-estar por meio do incremento de utilidade dos membros da sociedade. Mede-se a interven\u00e7\u00e3o judicial pelo valor das causas concedidas a favor dos litigantes e em detrimento da Administra\u00e7\u00e3o P\u00fablica, no bojo de alguma presta\u00e7\u00e3o social a cargo do Estado. O benef\u00edcio marginal da interven\u00e7\u00e3o \u00e9 o incremento na utilidade total por consequ\u00eancia do gasto de um Real a mais decorrente de ordem judicial. Por outro lado, o custo marginal da interven\u00e7\u00e3o \u00e9 a diminui\u00e7\u00e3o no bem-estar social por conta do gasto de um Real a mais oriundo de algum mandamento do Judici\u00e1rio. O gr\u00e1fico a seguir ilustra a ideia.<\/p>\n

Gr\u00e1fico I –\u00a0Quantidade socialmente \u00f3tima de interven\u00e7\u00e3o judicial<\/strong><\/p>\n

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A reta denominada BM retrata o benef\u00edcio marginal para a sociedade resultante da interven\u00e7\u00e3o do Judici\u00e1rio em uma determinada pol\u00edtica p\u00fablica. Note que a linha \u00e9 decrescente. Isso denota que o incremento no bem-estar social diminui \u00e0 medida que a interven\u00e7\u00e3o judicial nas pol\u00edticas p\u00fablicas aumenta. Tal tend\u00eancia decorre do princ\u00edpio da utilidade marginal decrescente. Parece razo\u00e1vel supor que quanto mais recursos o Judici\u00e1rio determinar que a Administra\u00e7\u00e3o repasse aos cidad\u00e3os, menor ser\u00e1 o bem-estar adicional promovido pelo repasse.<\/p>\n

Para facilitar o entendimento, pode-se exemplificar o benef\u00edcio marginal da interven\u00e7\u00e3o judicial decrescente da seguinte maneira: imagine um hospital p\u00fablico que possui uma unidade de tratamento intensivo (UTI) com uma quantidade determinada de leitos dispon\u00edveis. Se a capacidade da UTI est\u00e1 ociosa e uma decis\u00e3o judicial determina a interna\u00e7\u00e3o de um cidad\u00e3o, o benef\u00edcio marginal da atua\u00e7\u00e3o judicial \u00e9 elevado, pois o benef\u00edcio para esse cidad\u00e3o \u00e9 grande e n\u00e3o h\u00e1 preju\u00edzo para os pacientes que j\u00e1 estavam l\u00e1. No entanto, se a UTI est\u00e1 lotada e um juiz determina a interna\u00e7\u00e3o de mais um cidad\u00e3o, o bem-estar social ser\u00e1 acrescido pelo benef\u00edcio que esse \u00faltimo internado receber\u00e1 individualmente, mas cair\u00e1 pelo efeito negativo que promover\u00e1 sobre os demais pacientes que j\u00e1 estavam l\u00e1 (falta de equipamentos para todos, falta de m\u00e9dicos e enfermeiros em quantidade suficiente para atender o excesso da lota\u00e7\u00e3o na UTI, etc.). Se as ordens de interna\u00e7\u00e3o continuarem a ocorrer muito al\u00e9m da capacidade de atendimento da UTI, o benef\u00edcio marginal da interven\u00e7\u00e3o judicial pode at\u00e9 ser negativo, pois al\u00e9m da falta de equipamentos e pessoal, h\u00e1 riscos de contamina\u00e7\u00e3o, de infec\u00e7\u00e3o hospitalar e mesmo de morte de pacientes, uma vez que o sistema de sa\u00fade n\u00e3o comportava toda aquela demanda.<\/p>\n

Outro exemplo que ilustra o benef\u00edcio marginal decrescente da interven\u00e7\u00e3o judicial pode ser dado na \u00e1rea de educa\u00e7\u00e3o. \u00c9 comum haver decis\u00f5es judiciais em que uma escola p\u00fablica \u00e9 obrigada a matricular um aluno, mesmo n\u00e3o havendo mais vagas. Nesse caso, o benef\u00edcio marginal dessa decis\u00e3o do juiz ser\u00e1 pequeno, podendo at\u00e9 ser negativo, pois trar\u00e1 um ganho para o aluno extra que foi atendido, mas prejudicar\u00e1 todos os demais que j\u00e1 estavam na escola (a sala ficar\u00e1 mais apertada, o professor n\u00e3o conseguir\u00e1 dar a aten\u00e7\u00e3o devida a todos, etc.).<\/p>\n

Discutido o benef\u00edcio da atua\u00e7\u00e3o do Judici\u00e1rio, h\u00e1 que se tratar dos custos. A reta designada por CM no Gr\u00e1fico I representa o custo marginal da interven\u00e7\u00e3o judicial. No caso dessa reta, ela apresenta um comportamento ascendente. Isso acontece porque, nas primeiras interven\u00e7\u00f5es, \u00e9 f\u00e1cil para o Poder Executivo atend\u00ea-las, necessitando pouca mobiliza\u00e7\u00e3o da Administra\u00e7\u00e3o P\u00fablica. No entanto, \u00e0 medida que cresce a quantidade de interven\u00e7\u00e3o, o custo social aumenta, pois exige mais log\u00edstica da Administra\u00e7\u00e3o P\u00fablica, bem como maior aloca\u00e7\u00e3o or\u00e7ament\u00e1ria para atender \u00e0s demandas judiciais, restando menos recursos para o desenvolvimento de pol\u00edticas p\u00fablicas que atendam \u00e0 sociedade de forma generalizada.<\/p>\n

Tal situa\u00e7\u00e3o \u00e9 assim revelada por conta de o ordenamento jur\u00eddico estabelecer um car\u00e1ter prestacional aos direitos sociais, mas n\u00e3o prever uma harmoniza\u00e7\u00e3o entre esses direitos e os recursos dispon\u00edveis para a concretiza\u00e7\u00e3o das pol\u00edticas p\u00fablicas.<\/p>\n

Um exemplo desse fato encontra-se na discuss\u00e3o dos subs\u00eddios dados para manter baixo o pre\u00e7o das passagens do transporte p\u00fablico nas cidades brasileiras. Quanto mais subs\u00eddios, mais custos para a administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica e para a sociedade, pois o recurso ter\u00e1 que ser tirado de outra parte do or\u00e7amento ou ter\u00e1 que haver aumento da arrecada\u00e7\u00e3o tribut\u00e1ria, causando desvios alocativos e mais custos aos contribuintes.<\/p>\n

No encontro da reta do benef\u00edcio marginal com o\u00a0 custo marginal, h\u00e1 o ponto \u00f3timo que ilustra o valor ideal de interfer\u00eancia do Poder Judici\u00e1rios nas pol\u00edticas p\u00fablicas. No Gr\u00e1fico I, este ponto est\u00e1 reprentado por I*.<\/p>\n

At\u00e9 atingir o valor I*, \u00e9 recomend\u00e1vel que o Poder Judici\u00e1rio intervenha, pois h\u00e1 uma redu\u00e7\u00e3o da inefici\u00eancia social. No entanto, qualquer interven\u00e7\u00e3o al\u00e9m de I* ir\u00e1 trazer menos benef\u00edcios sociais do que o custo associado para execut\u00e1-la e, portanto, o Judici\u00e1rio est\u00e1 piorando a aloca\u00e7\u00e3o de recursos.<\/p>\n

Na pr\u00e1tica n\u00e3o \u00e9 simples mensurar esses custos e benef\u00edcios. Todavia, os magistrados devem ter em mente que suas decis\u00f5es implicam n\u00e3o apenas benef\u00edcios para os reclamantes, mas tamb\u00e9m custos para a sociedade.\u00a0 Nesse sentido, cabe mencionar o dilema entre efici\u00eancia e legalidade, j\u00e1 discutido em outro\u00a0 texto neste site (\u201cAs leis podem atrapalhar a efici\u00eancia?<\/a>\u201d )<\/p>\n

Tanto o Poder Judici\u00e1rio quanto o Tribunal de Contas da Uni\u00e3o j\u00e1 acenam para a possibilidade de afastamento pontual de escolhas normativas que se reputem ineficientes, desde que, harmonizado com o interesse p\u00fablico, sejam asseguradas (i) a inocorr\u00eancia de preju\u00edzo ao er\u00e1rio; (ii) a boa-f\u00e9 e a probidade dos agentes envolvidos; (iii) a aus\u00eancia de viola\u00e7\u00e3o ao n\u00facleo essencial dos demais direitos e garantias fundamentais (a t\u00edtulo de exemplo, o contradit\u00f3rio, a ampla defesa, a dura\u00e7\u00e3o razo\u00e1vel do processo, a isonomia, etc); e (iv) a obten\u00e7\u00e3o de resultado pr\u00e1tico com preponder\u00e2ncia consider\u00e1vel de benef\u00edcios sobre os custos, tanto para a Administra\u00e7\u00e3o, como para os administrados.<\/p>\n

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