{"id":2065,"date":"2013-11-18T09:49:33","date_gmt":"2013-11-18T12:49:33","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2065"},"modified":"2013-11-19T09:02:54","modified_gmt":"2013-11-19T12:02:54","slug":"hidreletricas-no-brasil-e-a-vitoria-do-obscurantismo","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2065","title":{"rendered":"Hidroel\u00e9tricas no Brasil: a vit\u00f3ria do obscurantismo"},"content":{"rendered":"
O anedot\u00e1rio da caserna nos conta que, ao assumir o comando de um quartel, um coronel indagou de seu oficial imediato acerca de um posto de sentinela permanente em frente a um banco de pra\u00e7a. Percorreu-se, sem sucesso, toda a cadeia hier\u00e1rquica atr\u00e1s da resposta, at\u00e9 que o soldado mais antigo do quartel acabou com mist\u00e9rio: h\u00e1 muitos anos, o banco fora pintado e, por isso, providenciou-se uma sentinela para evitar que algu\u00e9m, inadvertidamente, sentasse sobre a tinta fresca. Desde ent\u00e3o, o posto nunca mais ficou sem vigil\u00e2ncia.<\/p>\n
\u00c9 inevit\u00e1vel a lembran\u00e7a da sentinela do banco quando se assiste a algu\u00e9m do Governo Federal, compungida e conformadamente, informar \u00e0 plat\u00e9ia que \u201ca sociedade decidiu que n\u00e3o se pode mais construir hidroel\u00e9tricas com grandes reservat\u00f3rios\u201d. A sociedade quem, cara-p\u00e1lida? Quando, onde e por quem essa decis\u00e3o foi tomada?<\/p>\n
Fala s\u00e9rio, autoridade! Isso nunca foi discutido adequadamente no Brasil e, menos ainda, definido por meio de mecanismos da democracia representativa. Nem quem vota nem quem foi votado escolheu coisa alguma. Essa decis\u00e3o \u00e9 de responsabilidade exclusiva de gente amedrontada por meia d\u00fazia de bumbeiros tonitruantes. Gente que, passivamente, ouve os parlapat\u00f5es midi\u00e1ticos dizerem que a energia e\u00f3lica substitui, com vantagens, a hidroeletricidade. Gente que afirma que Belo Monte vai afetar o Parque Nacional do Xingu, aquela maravilha situada rio acima \u2013 a \u201capenas\u201d 1.300km, aproximadamente.<\/p>\n
A Comiss\u00e3o Internacional de Grandes Barragens, uma entidade de reconhecida qualifica\u00e7\u00e3o t\u00e9cnica que realiza levantamentos sistem\u00e1ticos em diversos pa\u00edses, periodicamente publica uma lista dos pa\u00edses com mais de duzentas grandes barragens em opera\u00e7\u00e3o. Trata-se aqui de estruturas com altura igual ou superior a 15m e, tamb\u00e9m, as que possuem altura vari\u00e1vel entre 10 e 15m, desde que tenham capacidade de armazenar mais de 3 milh\u00f5es m3<\/sup> de \u00e1gua em seus respectivos reservat\u00f3rios.<\/p>\n Como esperado, a China, os Estados Unidos e a \u00cdndia ocupam as primeiras posi\u00e7\u00f5es na lista. O Jap\u00e3o e a Coreia do Sul, surpreendentemente, ocupam a quarta e a quinta posi\u00e7\u00f5es, respectivamente, superando, sucessivamente, o Canad\u00e1, a \u00c1frica do Sul e o Brasil.<\/p>\n Quando nos lembramos das condi\u00e7\u00f5es clim\u00e1ticas adversas do enorme territ\u00f3rio canadense, ficamos nos perguntando sobre certo pa\u00eds privilegiado, em cujos corpos d\u2019\u00e1gua se encontram 12% da \u00e1gua doce superficial do planeta \u2013 muito mal distribu\u00eddos, diga-se de passagem. Chega-se \u00e0 conclus\u00e3o de que a raz\u00e3o entre a quantidade de barragens e a extens\u00e3o do nosso territ\u00f3rio \u00e9 bem modesta, nomeadamente quando comparada com os dois pa\u00edses asi\u00e1ticos que, obviamente, n\u00e3o se destacam no panorama internacional pela extens\u00e3o territorial e, tampouco, pela gera\u00e7\u00e3o hidrel\u00e9trica.<\/p>\n H\u00e1 atualmente cerca de 50 mil grandes barragens em opera\u00e7\u00e3o mundo afora. O Brasil mal ultrapassa o milhar, enquanto a Coreia do Sul, um pa\u00eds menor do que o Estado de S\u00e3o Paulo, tem um ter\u00e7o a mais, e o Jap\u00e3o, o triplo. Isso nos leva a pensar que essas sociedades priorizaram a regulariza\u00e7\u00e3o das vaz\u00f5es de seus rios, como forma de controlar os seus m\u00faltiplos usos, tais como o controle de inunda\u00e7\u00f5es, a mitiga\u00e7\u00e3o dos efeitos das secas, a irriga\u00e7\u00e3o de lavouras, o suprimento de \u00e1gua pot\u00e1vel, a navega\u00e7\u00e3o e o controle de doen\u00e7as de origem h\u00eddrica.<\/p>\n \u00c9 interessante notar que, no Brasil, quanto mais sect\u00e1rios s\u00e3o os opositores aos empreendimentos hidroel\u00e9tricos, mais eles se utilizam da palavra \u201cbarragem\u201d, em vez de \u201cusina\u201d ou de \u201chidroel\u00e9trica\u201d, sugerindo que os barramentos ao curso natural dos rios n\u00e3o podem ser feitos, em nenhuma hip\u00f3tese. Eles falam em impactos \u201cirrevers\u00edveis\u201d. N\u00e3o usariam esse termo se tivessem prestado aten\u00e7\u00e3o \u00e0s aulas de qu\u00edmica nos cursos de ensino m\u00e9dio \u2013 especialmente \u00e0s que tratam de equil\u00edbrios e seus deslocamentos. Lembrariam que h\u00e1 uma quantidade fixa de \u00e1gua no planeta e que os reservat\u00f3rios s\u00e3o uma forma milenar de gest\u00e3o desse recurso. Distinguiriam os argumentos coerentes daqueles contaminados por avalia\u00e7\u00f5es subjetivas, desprovidas de consist\u00eancia t\u00e9cnica ou cient\u00edfica.<\/p>\n Aqui, os conflitos v\u00eam sendo criados, predominantemente, por cren\u00e7as e convic\u00e7\u00f5es preestabelecidas, colidentes com os fundamentos das abordagens cient\u00edficas dos impactos ambientais. Em vez de ci\u00eancia, o licenciamento ambiental \u00e9 uma not\u00e1vel cole\u00e7\u00e3o de opini\u00f5es. Neste pa\u00eds paradoxal, ao tempo em que se d\u00e1 espa\u00e7o na m\u00eddia a palpiteiros que combatem as hidroel\u00e9tricas e seus reservat\u00f3rios, n\u00e3o se toma conhecimento das diversas manifesta\u00e7\u00f5es da Ag\u00eancia Nacional de \u00c1guas (ANA), onde gente que estuda seriamente o assunto defende o armazenamento de \u00e1gua como essencial para o desenvolvimento sustent\u00e1vel.<\/p>\n N\u00e3o se trata de construir barragens apenas para que o setor el\u00e9trico utilize a energia hidr\u00e1ulica dos nossos rios. Trata-se de contar com \u201cregistros no encanamento\u201d, controlando a disponibilidade h\u00eddrica, guardando e usando com modera\u00e7\u00e3o e responsabilidade, de acordo com o at\u00e1vico conhecimento dos usos m\u00faltiplos de reservat\u00f3rios. \u00c9 fazer o maior n\u00famero poss\u00edvel de barragens permitido pelo conhecimento cient\u00edfico atual. Isso n\u00e3o \u00e9 para \u201cachistas\u201d que, deturpando o Princ\u00edpio da Precau\u00e7\u00e3o, pretendem estancar a marcha do conhecimento humano. Houvessem prestado aten\u00e7\u00e3o \u00e0s aulas de matem\u00e1tica e de biologia, saberiam por que \u201crisco zero\u201d pode significar \u201ccusto infinito\u201d e por que a energia mais poluente \u00e9 a que n\u00e3o se tem.<\/p>\n Na vers\u00e3o 2012 do Programme for International Student Assessment<\/em> (PISA), uma medida da Organiza\u00e7\u00e3o para Coopera\u00e7\u00e3o e Desenvolvimento Econ\u00f4mico (OCDE) para avaliar a qualidade da educa\u00e7\u00e3o no mundo em 65 pa\u00edses, o Brasil aparece em 53\u00aa posi\u00e7\u00e3o, entre os 15 com pior desempenho. A China lidera o ranking, seguida de Coreia do Sul, Finl\u00e2ndia, Hong Kong e Cingapura.<\/p>\n Entre os pa\u00edses que pertencem \u00e0 OCDE, h\u00e1 seis que apresentam um elevado n\u00edvel de profici\u00eancia em ci\u00eancias ambientais na escala do PISA. Isso quer dizer que os alunos conseguem aplicar o conhecimento cient\u00edfico na busca do entendimento das quest\u00f5es ambientais. Entre esses pa\u00edses, est\u00e3o o Jap\u00e3o, a Coreia do Sul e o Canad\u00e1 \u2013 na\u00e7\u00f5es que apresentam propor\u00e7\u00f5es particularmente altas nessa avalia\u00e7\u00e3o e que \u2013 ora vejam \u2013 utilizam intensivamente o armazenamento de \u00e1gua em barragens.<\/p>\n O Brasil possui seis engenheiros para cada grupo de 100 mil pessoas. O Jap\u00e3o possui cinco vezes mais. Em 2012, o Brasil formou menos de 40 mil engenheiros, e a Coreia do Sul, com menos de um quarto da nossa popula\u00e7\u00e3o, formou o triplo. Tudo isso deve ser coincid\u00eancia.<\/p>\n (Texto originalmente publicado no jornal Valor Econ\u00f4mico em 11\/11\/2013.)<\/em><\/p>\n Download:<\/strong><\/em><\/p>\n