{"id":2057,"date":"2013-11-11T09:45:49","date_gmt":"2013-11-11T12:45:49","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2057"},"modified":"2013-11-11T09:45:49","modified_gmt":"2013-11-11T12:45:49","slug":"o-poder-publico-deve-punir-os-%e2%80%9ccrimes-de-bagatela%e2%80%9d","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2057","title":{"rendered":"O Poder P\u00fablico deve punir os \u201ccrimes de bagatela\u201d?"},"content":{"rendered":"
H\u00e1 quem sustente que quando os delitos s\u00e3o praticados sem viol\u00eancia nem amea\u00e7a grave \u00e0 v\u00edtima (o exemplo mais comum s\u00e3o os crimes contra o patrim\u00f4nio, como furtos) e o valor da coisa usurpada for baixo, falta \u00e0 conduta do agente a materialidade do crime (tipicidade material), raz\u00e3o pela qual seria necess\u00e1ria a absolvi\u00e7\u00e3o1<\/sup>.<\/p>\n Dados coletados no Supremo Tribunal Federal demonstram que o reconhecimento do princ\u00edpio da insignific\u00e2ncia aumentou substancialmente de 2004 a 2009. Em 64,7% dos Habeas Corpus<\/em> acerca desta mat\u00e9ria no per\u00edodo analisado foi concedida a ordem, reconhecendo-se a insignific\u00e2ncia do bem (em regra, fala-se aqui em crimes relacionados a valores de at\u00e9 R$ 700,00, quando contra o patrim\u00f4nio privado, e at\u00e9 R$ 5.000,00, quando contra a Administra\u00e7\u00e3o P\u00fablica)2<\/sup>.<\/p>\n Ocorre que, sem expressa previs\u00e3o legal, tais casos continuam a ser submetidos a todo o longo rito processual da justi\u00e7a criminal. Em tais casos, apenas as despesas do Tribunal j\u00e1 s\u00e3o, na maioria dos casos, suficientes para tornar o processo deficit\u00e1rio em rela\u00e7\u00e3o ao bem protegido.<\/p>\n A t\u00edtulo de exemplo, o valor anual de um processo judicial, para o Tribunal de Justi\u00e7a do DF e Territ\u00f3rios, fica em torno de R$ 1.613,52, em m\u00e9dia, segundo os relat\u00f3rios estat\u00edsticos do CNJ para o ano de 2011\/20123<\/sup>. Acrescentados os custos com o Minist\u00e9rio P\u00fablico (acusa\u00e7\u00e3o), pol\u00edcia judici\u00e1ria e com advogado ou defensoria p\u00fablica (que, segundo os dados analisados pela pesquisa no STF, chega a atuar em 82,7% desses casos), o valor deve ser substancialmente maior \u2013 especialmente quando se leva em considera\u00e7\u00e3o que um processo criminal leva, em m\u00e9dia, 1.430 dias ou 3 anos e 11 meses, desde os fatos at\u00e9 o tr\u00e2nsito em julgado da senten\u00e7a \u2013 o que facilmente j\u00e1 superaria a marca superior da insignific\u00e2ncia4<\/sup>.<\/p>\n E, finalmente, quando se alcan\u00e7a o tr\u00e2nsito em julgado, o resultado final tem chances muito relevantes de ser a impunidade \u2013 porque, como j\u00e1 visto, o reconhecimento da insignific\u00e2ncia \u00e9 maior que a sua rejei\u00e7\u00e3o. Ainda quando h\u00e1 puni\u00e7\u00e3o, em virtude da quantidade de pena, dificilmente esta se dar\u00e1 no campo pr\u00f3prio do direito penal (a priva\u00e7\u00e3o de liberdade), mas provavelmente atingir\u00e1 a restri\u00e7\u00e3o de direitos ou presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7os5<\/sup>.<\/p>\n Assim, h\u00e1 uma situa\u00e7\u00e3o de dupla inefici\u00eancia \u2013 na aloca\u00e7\u00e3o dos recursos e na aloca\u00e7\u00e3o de responsabilidades.<\/p>\n O custo esperado para o delinquente \u2013 obtido como o produto entre a probabilidade de ser pego e a severidade da puni\u00e7\u00e3o6<\/sup>, nestas situa\u00e7\u00f5es, \u00e9 muito baixo, pr\u00f3ximo de zero. Isso porque a expectativa de uma condena\u00e7\u00e3o efetiva \u00e9 m\u00ednima, justamente devido \u00e0 aplica\u00e7\u00e3o da insignific\u00e2ncia, a despeito da pena prevista em abstrato para o delito ser elevada7<\/sup>. Assim, toda a responsabilidade para evitar o delito acaba repousando sobre aquele que, frequentemente, tem menores condi\u00e7\u00f5es de evit\u00e1-lo: a v\u00edtima.<\/p>\n Por outro lado, o custo estatal para a preven\u00e7\u00e3o do delito est\u00e1 muito distante do ponto \u00f3timo, j\u00e1 que o sistema penal gasta muito e pune pouco, resultando em preven\u00e7\u00e3o ineficiente a custos altos.<\/p>\n Em outro ponto de vista, vislumbra-se que, estando todos os agentes devidamente informados, a estrat\u00e9gia dominante tanto do delinquente como da pol\u00edcia ser\u00e3o convergentes.<\/p>\n O potencial criminoso, de fato, tem incentivos para a pr\u00e1tica do delito, visto que sua expectativa de puni\u00e7\u00e3o se aproxima do zero, ainda que seja descoberto. A pol\u00edcia, por outro lado, sabe que a investiga\u00e7\u00e3o, nesse caso, n\u00e3o \u00e9 recompensadora, porque ao fim a Justi\u00e7a dever\u00e1 absolver o agente pela insignific\u00e2ncia. Dessa forma, sua estrat\u00e9gia dominante \u00e9 n\u00e3o investigar. Tem-se, assim, um cen\u00e1rio criminal absolutamente desfavor\u00e1vel \u00e0 puni\u00e7\u00e3o do delito.<\/p>\n O que fazer, ent\u00e3o, com essa esp\u00e9cie de criminalidade? Tr\u00eas cen\u00e1rios, no m\u00ednimo, se descortinam.<\/p>\n A primeira possibilidade, e a menos racional, \u00e9 manter-se o estado de coisas. H\u00e1 uma pequena conten\u00e7\u00e3o da criminalidade, que se sup\u00f5e dever-se mais \u00e0 ades\u00e3o volunt\u00e1ria \u00e0 legisla\u00e7\u00e3o, bem como ao custo simb\u00f3lico do processo penal e da pecha de desonesto que recai sobre o agente, do que propriamente do receio do aprisionamento.<\/p>\n Nessa hip\u00f3tese, as v\u00edtimas que podem organizam-se para prevenir os delitos (como o com\u00e9rcio, que instala alarmes, contrata vigilantes, instala c\u00e2meras de CFTV, etc.), repassando os custos do crime para terceiros ou assumindo-os, enquanto as demais apenas contam com a sorte. O Poder P\u00fablico investiga pouco e, quando investiga, gasta demasiado para, ao final, atingir uma senten\u00e7a de absolvi\u00e7\u00e3o, ou, quando muito, de presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7os.<\/p>\n A segunda possibilidade \u00e9 tornar efetiva a puni\u00e7\u00e3o dos agentes, abandonando o princ\u00edpio da insignific\u00e2ncia. Tal medida, embora possa ser eficaz para reduzir a ocorr\u00eancia dos delitos, resultando no aumento da preven\u00e7\u00e3o, tende a tornar-se ainda mais dispendiosa que o processo penal \u2013 j\u00e1 que os custos de aprisionamento s\u00e3o elevad\u00edssimos no Brasil8<\/sup>, e a efic\u00e1cia do sistema (em termos de preven\u00e7\u00e3o especial) \u00e9 muito baixa.<\/p>\n Finalmente, pode-se cogitar da descriminaliza\u00e7\u00e3o do delito em determinados patamares de valor, aplicando-se san\u00e7\u00f5es como multas, presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7os ou indeniza\u00e7\u00f5es. As vantagens dessa op\u00e7\u00e3o s\u00e3o a prov\u00e1vel redu\u00e7\u00e3o dos custos para apura\u00e7\u00e3o da infra\u00e7\u00e3o e da menor necessidade de lastro probat\u00f3rio (j\u00e1 que n\u00e3o se exigem nestes ramos de direito o mesmo grau de certeza do direito penal), o que resultaria em preven\u00e7\u00e3o mais eficaz e a menor custo \u2013 logo, mais eficiente.<\/p>\n A san\u00e7\u00e3o resultaria diminu\u00edda, mas essa redu\u00e7\u00e3o seria compensada pelo aumento da expectativa de ser pego, aumentando o custo esperado para o delinquente.<\/p>\n Download:<\/strong><\/em><\/p>\n _____________<\/p>\n 1<\/sup> GRECO, Rog\u00e9rio. Curso de Direito Penal, Parte Geral. <\/strong>Vol. I. Niter\u00f3i: Impetus, 2009. pp. 63-69.<\/p>\n 2<\/sup> BOTTINI, Pierpaolo Cruz (coord.) et al. O Princ\u00edpio da Insignific\u00e2ncia nos crimes contra o patrim\u00f4nio e contra a ordem econ\u00f4mica: an\u00e1lise das decis\u00f5es do Supremo Tribunal Federal. USP, FAPESP, MJ, 2011. Dispon\u00edvel em http:\/\/blogdovladimir.files.wordpress.com\/2011\/08\/pesquisa-sobre-o-princc3adpio-da-insignificc3a2ncia.pdf<\/a>. Acesso em 13\/9\/2013.<\/p>\n 3<\/sup> C\u00e1lculo aproximado, dividindo-se a despesa total anual do TJDFT pelo n\u00famero total de processos no per\u00edodo. In: BRASIL, CONSELHO NACIONAL DE JUSTI\u00c7A. Justi\u00e7a em N\u00fameros, 2011<\/strong>. Dispon\u00edvel em http:\/\/www.cnj.jus.br\/images\/pesquisas-judiciarias\/Publicacoes\/rel_completo_estadual.pdf<\/a>. Acesso em 13\/9\/2013.<\/p>\n 4<\/sup> BOLLMANN, Vilian. Medindo o tempo no processo penal.<\/strong> Monografia. Dispon\u00edvel em http:\/\/www2.trf4.jus.br\/trf4\/upload\/editor\/apg_VilianBollmann.pdf<\/a>. Acesso em 13\/9\/2013.<\/p>\n 5<\/sup> De acordo com o artigo 44 do C\u00f3digo Penal Brasileiro, desde que a pena n\u00e3o seja superior a quarto anos, entre outras condi\u00e7\u00f5es, pode-se substitu\u00ed-la por pena restritiva de direito.<\/p>\n 6<\/sup> BECKER, Gary S. Crime and punishment: an economic approach.<\/em> Essays in the Economics of Crime and Punishment. <\/strong>UMI, 1974. Dispon\u00edvel em http:\/\/papers.nber.org\/books\/beck74-1<\/a>. Acesso em 13\/9\/2013.<\/p>\n\n