{"id":2048,"date":"2013-11-04T08:04:43","date_gmt":"2013-11-04T11:04:43","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2048"},"modified":"2013-11-04T08:56:06","modified_gmt":"2013-11-04T11:56:06","slug":"qual-a-consequencia-do-ativismo-judicial-na-fixacao-dos-precos-das-passagens-aereas","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2048","title":{"rendered":"Qual a consequ\u00eancia do ativismo judicial na fixa\u00e7\u00e3o dos pre\u00e7os das passagens a\u00e9reas?"},"content":{"rendered":"
O transporte a\u00e9reo \u00e9 uma atividade econ\u00f4mica regulada pelo Governo Federal, que mediante concess\u00e3o autoriza sua presta\u00e7\u00e3o a empresas privadas de avia\u00e7\u00e3o. Essa explora\u00e7\u00e3o pela iniciativa privada cria a necessidade de um sistema regulador estatal para dimensionar, formular e fiscalizar a presta\u00e7\u00e3o do servi\u00e7o. No caso do transporte a\u00e9reo, esta compet\u00eancia \u00e9 da Ag\u00eancia Nacional de Avia\u00e7\u00e3o Civil (ANAC). Uma de suas atribui\u00e7\u00f5es \u00e9 realizar a regula\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica do setor, fazendo o respectivo monitoramento e promovendo poss\u00edveis interven\u00e7\u00f5es no mercado de modo a buscar a m\u00e1xima efici\u00eancia.<\/p>\n
Apesar de existir em funcionamento um mercado de transporte a\u00e9reo com pre\u00e7os oscilando conforme as regras de oferta e demanda e de haver uma ag\u00eancia reguladora controlando o setor, aconteceu recentemente uma interven\u00e7\u00e3o do Poder Judici\u00e1rio, decorrente de uma a\u00e7\u00e3o civil p\u00fablica, que pode acarretar perda de bem-estar social. A nosso ver, tal interven\u00e7\u00e3o gera distor\u00e7\u00e3o maior que aquela que o juiz se prop\u00f5e a resolver.<\/p>\n
Conforme o Ministro Lu\u00eds Roberto Barroso, o ativismo judicial \u00e9 uma atitude, a escolha de um modo espec\u00edfico e proativo de interpretar a Constitui\u00e7\u00e3o, expandindo o seu sentido e alcance<\/em>1<\/sup>. \u00c9 nesse sentido que se pretende discutir uma decis\u00e3o recente da Justi\u00e7a Federal2<\/sup>, em que foi adotada uma interpreta\u00e7\u00e3o do ordenamento jur\u00eddico, cujo reflexo trar\u00e1 preju\u00edzo ao consumidor, apesar de a base da decis\u00e3o, segundo a magistrada, serem os princ\u00edpios norteadores da atividade econ\u00f4mica previstos no art. 170 da Constitui\u00e7\u00e3o Federal, entre eles a livre concorr\u00eancia, a fun\u00e7\u00e3o social da propriedade e a defesa do consumidor<\/em>.<\/p>\n Na referida decis\u00e3o, a magistrada condenou a empresa TAM Linhas A\u00e9reas a: a) ofertar aos usu\u00e1rios, nos voos com destino para e\/ou origem em Imperatriz-MA, no<\/em><\/p>\n m\u00ednimo, 50% dos assentos com a tarifa denominada “b\u00e1sica”; b) nos meses de alta demanda, em especial dezembro\/2013 e janeiro\/2014, cobrar do usu\u00e1rio-consumidor o valor m\u00e1ximo de at\u00e9 50% da tarifa m\u00e1xima do plano “b\u00e1sico”<\/em>.<\/p>\n A argumenta\u00e7\u00e3o da magistrada para tabelar as passagens a\u00e9reas para Imperatriz-MA baseia-se no fato de que existe um bem jur\u00eddico imediato afetado na rela\u00e7\u00e3o sub judice<\/em> que \u00e9 o direito do consumidor. Entende que o valor das passagens foi elevado abusivamente, uma vez que o trecho entre Imperatriz\/MA e Bras\u00edlia\/DF custava R$ 289,00 e passou para R$ 1.529,00 em janeiro de 2014, caindo para R$ 429,00 em fevereiro de 2014. A magistrada argumenta que a TAM ao inv\u00e9s de ampliar a oferta para os meses de refer\u00eancia, devido \u00e0 procura mais acentuada pelos usu\u00e1rios, limita-se a elevar de forma desarrazoada os pre\u00e7os das passagens a\u00e9reas, colocando o consumidor em desvantagem exagerada.<\/em><\/p>\n Argumenta ainda a magistrada que, diante da omiss\u00e3o da ANAC em efetivar os comandos insculpidos nos arts. 2\u00b0 c\/c 8\u00b0 da Lei n\u00ba 11.182\/05, acaba por deixar tal tarifa\u00e7\u00e3o \u00e0 \u00e1lea e \u00e0 deriva dos exclusivos interesses das concession\u00e1rias a\u00e9reas, em prol da pol\u00edtica do regime de liberdade tarif\u00e1ria, como se o fornecimento de servi\u00e7o de transporte a\u00e9reo de passageiros fosse, na sua g\u00eanese, atividade privada. Esquecendo-se que se trata de “presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7o p\u00fablico”, e da peculiar circunst\u00e2ncia de que a r\u00e9 est\u00e1 a exercer a atividade empres\u00e1ria como longa manus da Uni\u00e3o, eis que se encontra na condi\u00e7\u00e3o de concession\u00e1ria de servi\u00e7o p\u00fablico, nos termos do art. 21, XII, c, da Constitui\u00e7\u00e3o Federal de 1988<\/em>.<\/p>\n No texto dispon\u00edvel neste site, \u201cEmpresa a\u00e9rea \u00e9 concession\u00e1ria de servi\u00e7o p\u00fablico<\/a>?\u201d, foi explicado que a Lei n\u00ba 11.182, de 2005, instituiu o regime de liberdade tarif\u00e1ria, de forma que a Ag\u00eancia Nacional de Avia\u00e7\u00e3o Civil (ANAC) n\u00e3o pode tabelar os pre\u00e7os das passagens a\u00e9reas, como fez o antigo Departamento de Avia\u00e7\u00e3o Civil (DAC) ao longo de quase toda sua exist\u00eancia.<\/p>\n A mesma lei tamb\u00e9m assegura \u00e0s empresas a explora\u00e7\u00e3o de quaisquer linhas a\u00e9reas, observada exclusivamente a capacidade operacional de cada aeroporto e as normas regulamentares de presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7o adequado. Antes dessa legisla\u00e7\u00e3o, as empresas estabelecidas eram protegidas contra novas entrantes, dificultando a concorr\u00eancia.<\/p>\n Outro ponto a ser destacado \u00e9 que concess\u00e3o de servi\u00e7os a\u00e9reos n\u00e3o confere \u00e0 empresa o direito ou a obriga\u00e7\u00e3o de voar entre quaisquer localidades. O direito de voar somente existe ap\u00f3s a outorga de uma autoriza\u00e7\u00e3o espec\u00edfica para cada linha a ser explorada. Essa autoriza\u00e7\u00e3o, denominada Hor\u00e1rio de Transporte (HOTRAN), estabelece hor\u00e1rios, frequ\u00eancias, tipos de aeronaves e oferta de assentos para cada linha. \u00a0As empresas a\u00e9reas n\u00e3o t\u00eam, nem nunca tiveram, portanto, qualquer obriga\u00e7\u00e3o de operar em condi\u00e7\u00f5es deficit\u00e1rias. Podem, a qualquer tempo, comunicar ao poder p\u00fablico que n\u00e3o mais operar\u00e3o determinada linha e solicitar o cancelamento do respectivo HOTRAN.<\/p>\n Se o trecho Bras\u00edlia-Imperatriz fosse extremamente lucrativo, outras empresas teriam interesse em oferecer voos entre essas cidades. Se n\u00e3o o fazem, \u00e9 porque n\u00e3o h\u00e1 exageros na rentabilidade.<\/p>\n Por outro lado, se os pre\u00e7os praticados estivessem razo\u00e1veis, a partir do momento que houve o tabelamento, a empresa talvez n\u00e3o tenha mais interesse em manter essa linha, uma vez que ela n\u00e3o \u00e9 obrigada a trabalhar de forma deficit\u00e1ria. Isso \u00e9 o mais prov\u00e1vel que aconte\u00e7a caso o entendimento persevere no Judici\u00e1rio: uma descontinuidade da linha, com efeitos negativos para os pr\u00f3prios consumidores de passagens entre Bras\u00edlia e Imperatriz.<\/p>\n Outra poss\u00edvel consequ\u00eancia perversa da decis\u00e3o \u00e9 o aumento das tarifas dessa linha em per\u00edodos n\u00e3o tabelados. Para custear os passageiros de dezembro e janeiro, quem viajar nos restante do ano ter\u00e1 de pagar mais caro.<\/p>\n Al\u00e9m disso, como o tabelamento funciona para a primeira metade dos assentos vendidos, h\u00e1 um n\u00edtido favorecimento dos consumidores que comprarem primeiro, que conseguirem se planejar, em detrimento daqueles que precisarem voar esse trecho por conta de uma emerg\u00eancia, por exemplo, ou que n\u00e3o tiverem a oportunidade de comprar a passagem com muita anteced\u00eancia.<\/p>\n Por fim, pode acontecer tamb\u00e9m que, para manter o voo a pre\u00e7os que n\u00e3o lhe garanta lucro, a TAM tenha de aumentar a tarifa de outros voos, de forma que os passageiros do pa\u00eds inteiro teriam que subsidiar aqueles que viajam entre Bras\u00edlia e Imperatriz (o que na teoria econ\u00f4mica se chama de subs\u00eddio cruzado). Em regra geral, quando o pre\u00e7o pago \u00e9 diferente do custo de produ\u00e7\u00e3o, gera-se uma inefici\u00eancia na economia, com perda de bem-estar. Essa alternativa, no entanto, n\u00e3o \u00e9 t\u00e3o prov\u00e1vel pela dificuldade de exportar custo extra para outros trechos.<\/p>\n Note-se como uma decis\u00e3o judicial tem o poder de alterar completamente o equil\u00edbrio do mercado e prejudicar um n\u00famero muito maior de consumidores do que os supostamente beneficiados.<\/p>\n Conforme o Relat\u00f3rio elaborado pela ANAC, \u201cTarifas A\u00e9reas Dom\u00e9sticas\u201d3<\/sup>, relativo ao quarto trimestre de 2012, para atender a um maior n\u00famero de passageiros, otimizar a ocupa\u00e7\u00e3o das aeronaves e alcan\u00e7ar rentabilidade, as prefer\u00eancias dos usu\u00e1rios devem ser consideradas na presta\u00e7\u00e3o e na precifica\u00e7\u00e3o dos servi\u00e7os. Em qualquer atividade econ\u00f4mica, a rentabilidade \u00e9 fator principal para que se tenha investimento e oferta de servi\u00e7os. Nesse sentido, as tarifas a\u00e9reas s\u00e3o ajustadas a todo instante de acordo com a procura e conforme se aproxima a data do voo.<\/p>\n Isto propicia o atendimento a uma maior diversidade de usu\u00e1rios e uma taxa de ocupa\u00e7\u00e3o da aeronave que sustente a presta\u00e7\u00e3o do servi\u00e7o. Al\u00e9m das prefer\u00eancias dos usu\u00e1rios, os pre\u00e7os do transporte a\u00e9reo s\u00e3o afetados, direta ou indiretamente, por outros in\u00fameros fatores, tais como: evolu\u00e7\u00e3o dos custos (estes fortemente influenciados pelo pre\u00e7o do barril de petr\u00f3leo e pela taxa de c\u00e2mbio do real em rela\u00e7\u00e3o ao d\u00f3lar); efici\u00eancia da empresa; dist\u00e2ncia da linha a\u00e9rea; grau de concorr\u00eancia do mercado; densidade de demanda; baixa e a alta temporada; a\u00e7\u00f5es promocionais de concorrentes; restri\u00e7\u00f5es de infraestrutura aeroportu\u00e1ria e de navega\u00e7\u00e3o a\u00e9rea; organiza\u00e7\u00e3o da malha a\u00e9rea da empresa; porte e efici\u00eancia das aeronaves; e taxa de ocupa\u00e7\u00e3o das aeronaves.<\/p>\n Importante destacar que a dist\u00e2ncia \u00e9 apenas um dos fatores que afetam os pre\u00e7os do transporte a\u00e9reo, mas n\u00e3o \u00e9 o preponderante, pois o consumo de combust\u00edvel \u00e9 proporcionalmente maior na etapa de decolagem. Quando a aeronave atinge sua velocidade de cruzeiro, o consumo de combust\u00edvel \u00e9 menor.<\/p>\n A demanda de voos entre as localidades de origem e destino, por outro lado, \u00e9 decisiva. Voos entre destinos com baixa densidade de tr\u00e1fego podem n\u00e3o ser vi\u00e1veis financeiramente e, quando vi\u00e1veis, t\u00eam passagens mais caras.<\/p>\n Como se percebe, existem diversos fatores que influenciam o pre\u00e7o das passagens, por isso \u00e9 comum haver passageiros de um mesmo voo pagando tarifas diferentes. \u00c9 essa din\u00e2mica que propicia a oferta de alguns assentos a baixo pre\u00e7o no transporte a\u00e9reo.<\/p>\n Sobre a evolu\u00e7\u00e3o dos pre\u00e7os das tarifas, apesar de haver liberdade tarif\u00e1ria, alvo da decis\u00e3o judicial em pauta, o gr\u00e1fico abaixo ilustra como a tarifa a\u00e9rea m\u00e9dia dom\u00e9stica real, em valores deflacionados pelo IPCA at\u00e9 dezembro\/2011, e o valor m\u00e9dio pago por quil\u00f4metro voado (Yield Tarifa A\u00e9rea M\u00e9dio Dom\u00e9stico Real) sofreram redu\u00e7\u00e3o entre 2002 e 2011. Isto \u00e9, os passageiros est\u00e3o pagando bem menos para voar hoje, do que no in\u00edcio da d\u00e9cada.<\/p>\n O cen\u00e1rio de livre concorr\u00eancia atrai investimentos para o setor, estimula o crescimento do mercado e promove a amplia\u00e7\u00e3o da oferta. A decis\u00e3o judicial comentada pode reverter esse quadro. Ao tabelar a rentabilidade da iniciativa privada, mesmo sendo esta uma concession\u00e1ria de servi\u00e7o p\u00fablico, n\u00e3o se leva em conta o risco espec\u00edfico da atividade nem os custos e caracter\u00edsticas de sua presta\u00e7\u00e3o. As consequ\u00eancias negativas ser\u00e3o sentidas pelos consumidores, al\u00e9m de ser mais um agravante para a inseguran\u00e7a jur\u00eddica no pa\u00eds. Espera-se que as inst\u00e2ncias superiores do Judici\u00e1rio tenham uma interpreta\u00e7\u00e3o diferente acerca do tema.<\/p>\n _________<\/p>\n 1<\/sup> BARROSO, Lu\u00eds R. \u201cAno do STF: Judicializa\u00e7\u00e3o, ativismo e legitimidade democr\u00e1tica\u201d. 2008. Dispon\u00edvel no site Conjur: http:\/\/www.conjur.com.br\/2008-dez-22\/judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica<\/a>. Acessado em 28\/10\/2013.<\/p>\n 2<\/sup> Processo 0009029-10.2013.4.01.3701 \u2013 TRF da 1\u00aa Regi\u00e3o<\/p>\n 3<\/sup> http:\/\/www2.anac.gov.br\/estatistica\/tarifasaereas<\/a><\/p>\n Download:<\/em><\/strong><\/p>\n<\/a><\/p>\n