{"id":2041,"date":"2013-10-29T10:44:19","date_gmt":"2013-10-29T13:44:19","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2041"},"modified":"2013-10-29T10:46:50","modified_gmt":"2013-10-29T13:46:50","slug":"a-desigualdade-de-renda-parou-de-cair-parte-iii","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2041","title":{"rendered":"A desigualdade de renda parou de cair? (Parte III)"},"content":{"rendered":"
O texto da semana passada mostrou como o mercado de trabalho atuou no sentido de reduzir a desigualdade de renda desde pelo menos o in\u00edcio da primeira d\u00e9cada do s\u00e9culo XXI. Argumentou-se, naquele texto, que as condi\u00e7\u00f5es que levaram \u00e0 redu\u00e7\u00e3o da desigualdade podem n\u00e3o se reproduzir nos pr\u00f3ximos anos, o que faria com que a trajet\u00f3ria de queda se interrompesse.<\/p>\n
O presente texto analisa o impacto das pol\u00edticas sociais mostrando que, tamb\u00e9m nesse caso, os ganhos mais f\u00e1ceis em termos de redistribui\u00e7\u00e3o j\u00e1 foram obtidos, podendo-se prever redu\u00e7\u00e3o do seu efeito redistributivo nos pr\u00f3ximos anos.<\/p>\n
De acordo com IPEA (2013)1<\/sup>, aproximadamente 40% da queda da desigualdade entre 2002 e 2012 decorreu de pol\u00edticas governamentais, sendo os seguintes os impactos individuais de cada pol\u00edtica: aumento do valor real das aposentadorias de menor valor, indexadas ao sal\u00e1rio-m\u00ednimo (21%); expans\u00e3o do Bolsa Fam\u00edlia (12%) e do Benef\u00edcio de Presta\u00e7\u00e3o Continuada (BPC) (6%). Souza e Medeiros (2013)2<\/sup>, analisando a varia\u00e7\u00e3o da desigualdade entre 2002 e 2009, chegam a n\u00fameros similares.<\/p>\n Trata-se de impacto significativo: as pol\u00edticas sociais est\u00e3o, de fato, ajudando a reduzir a desigualdade. Todavia, o governo poderia ter feito muito mais em termos de redu\u00e7\u00e3o da desigualdade e da pobreza sem, ao mesmo tempo, ter prejudicado tanto as perspectivas de crescimento econ\u00f4mico, no curto e no m\u00e9dio prazo.<\/p>\n Em primeiro lugar, deve-se considerar que o Bolsa Fam\u00edlia, entre os instrumentos de pol\u00edticas p\u00fablicas de redu\u00e7\u00e3o de pobreza e desigualdade, \u00e9 o mais eficiente, pois reduz a desigualdade a baixo custo. J\u00e1 os benef\u00edcios previdenci\u00e1rios indexados ao sal\u00e1rio-m\u00ednimo e o BPC (que tamb\u00e9m \u00e9 reajustado de acordo com o m\u00ednimo) t\u00eam elevado custo fiscal. Outros programas p\u00fablicos, como o Seguro-Desemprego e o Abono Salarial, al\u00e9m de impacto p\u00edfio sobre a desigualdade, tamb\u00e9m t\u00eam custo mais alto que o Bolsa Fam\u00edlia.<\/p>\n N\u00e3o obstante isso, o governo insiste em manter programas sociais menos eficientes e de alto custo, em vez de ampliar as interven\u00e7\u00f5es de menor custo, na linha do Bolsa Fam\u00edlia. Em especial, insiste nos aumentos reais do sal\u00e1rio-m\u00ednimo, que provocam grandes aumentos de despesa p\u00fablica, gerando desequil\u00edbrio fiscal (al\u00e9m do problema citado na parte II, publicada na semana passada: eleva\u00e7\u00e3o de custos e perda de competitividade das empresas).<\/p>\n Os aumentos reais do sal\u00e1rio-m\u00ednimo s\u00e3o uma importante ferramenta eleitoral, o que torna dif\u00edcil altera\u00e7\u00e3o de rota em tal pol\u00edtica, a despeito de seus impactos adversos. O resultado \u00e9 a expans\u00e3o do gasto p\u00fablico, que pressiona a taxa de juros e a carga tribut\u00e1ria. Ambos desestimulam o investimento e o crescimento econ\u00f4mico.<\/p>\n Em segundo lugar, \u00e9 preciso considerar que a Previd\u00eancia Social como um todo (considerando-se n\u00e3o s\u00f3 os benef\u00edcios de um sal\u00e1rio-m\u00ednimo mas todas as aposentadorias, pens\u00f5es e demais benef\u00edcios pagos) \u00e9 fortemente concentradora de renda. De acordo com IPEA (2012)3<\/sup>, em 2011 a Previd\u00eancia era respons\u00e1vel por 18% de toda desigualdade de renda. Ou seja, se n\u00e3o existissem os pagamentos feitos pela Previd\u00eancia Social, o \u00cdndice de Gini seria aproximadamente 18% menor.<\/p>\n Isso ocorre porque s\u00e3o pagos benef\u00edcios de valor mais elevado para segmentos de renda mais alta. Uma reforma da previd\u00eancia que reduzisse os privil\u00e9gios hoje existentes (como, por exemplo, a concess\u00e3o de pens\u00f5es por morte sem qualquer limita\u00e7\u00e3o do prazo de concess\u00e3o ou restri\u00e7\u00f5es de valores), diminuiria esse efeito concentrador de renda. No entanto a reforma da previd\u00eancia saiu da agenda pol\u00edtica, tendo sido aprovada apenas uma vers\u00e3o mitigada da previd\u00eancia complementar dos servidores p\u00fablicos.<\/p>\n Em terceiro lugar, houve no per\u00edodo 2007-2010 (segundo mandato do Presidente Lula) significativos aumentos salariais para os servidores p\u00fablicos, o que tamb\u00e9m tem impacto concentrador de renda, pois o funcionalismo est\u00e1 no topo da distribui\u00e7\u00e3o de renda. Houve aumento real da folha de pessoal da Uni\u00e3o da ordem de 8% ao ano naquele per\u00edodo4<\/sup>, com posterior estabiliza\u00e7\u00e3o ao longo do Governo Dilma.<\/p>\n De acordo com o texto de Souza e Medeiros (2013), acima citado, entre 2003 e 2009 quase toda a redu\u00e7\u00e3o de desigualdade promovida pelo Bolsa Fam\u00edlia (12%) foi desfeita pelo aumento da remunera\u00e7\u00e3o dos servidores p\u00fablicos, que aumentou a desigualdade em\u00a0 10%. Note-se que tamb\u00e9m nesse caso houve deteriora\u00e7\u00e3o das contas fiscais e necessidade de aumento de impostos e juros, com preju\u00edzo para o crescimento da economia.<\/p>\n Em quarto lugar, duas pol\u00edticas p\u00fablicas fundamentais para melhorar as condi\u00e7\u00f5es de vida da popula\u00e7\u00e3o e ao mesmo tempo elevar a produtividade dos trabalhadores, t\u00eam apresentado pouco progresso ou estagna\u00e7\u00e3o. Trata-se do saneamento e da sa\u00fade.<\/p>\n No caso do saneamento, IPEA (2013, p. 7) apresenta a \u00a0informa\u00e7\u00e3o de que \u201co percentual de pessoas que tiveram acesso simultaneamente a energia el\u00e9trica, coleta de lixo, esgotamento sanit\u00e1rio adequado e acesso adequado \u00e0 rede geral de \u00e1gua aumentou 1 ponto percentual em 2012, atingindo o universo de 59,2%\u201d<\/em>. Este \u00e9 um dado muito ruim: 40,8% da popula\u00e7\u00e3o brasileira n\u00e3o t\u00eam acesso a servi\u00e7os p\u00fablicos b\u00e1sicos.<\/p>\n \u00c9 relevante ressaltar que enquanto houve farta distribui\u00e7\u00e3o de desonera\u00e7\u00f5es tribut\u00e1rias nos \u00faltimos anos, as empresas de saneamento b\u00e1sico continuaram a ser taxadas integralmente pelo PIS\/COFINS e CSLL, a despeito de haver no Congresso diversos projetos propondo tal isen\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Na sa\u00fade, conforme registra M\u00e9dici (2011)5<\/sup>, houve descontinuidade de importantes pol\u00edticas de amplia\u00e7\u00e3o de aten\u00e7\u00e3o \u00e0 sa\u00fade dos mais pobres. Entre 1992 e 2002 a cobertura do Programa Sa\u00fade da Fam\u00edlia expandiu-se a uma taxa anual de 25,5%, depois, entre 2002 e 2009, essa taxa reduziu-se para 8% a.a.. A mesma desacelera\u00e7\u00e3o foi verificada no Programa de Agentes Comunit\u00e1rios de Sa\u00fade, que crescia a 72,6% ao ano entre 1994 e 2002 e desacelerou para 2,5% ao ano no per\u00edodo 2002-2009.<\/p>\n Tamb\u00e9m foi interrompido o processo de organiza\u00e7\u00e3o da rede de atendimento ambulatorial de forma regionalizada. Por esse meio, postos de atendimento b\u00e1sico filtravam os pacientes mais graves para unidades capacitadas para atendimento mais complexo, geridas pelos estados e cobrindo v\u00e1rios munic\u00edpios. O sistema regrediu para o modelo anterior de hospitais municipais pequenos, sem economia de escala, baixa capacidade operacional e alta ociosidade.<\/p>\n Pouca \u00eanfase foi dada \u00e0s experi\u00eancias de gest\u00e3o hospitalar por Organiza\u00e7\u00f5es Sociais, em contratos de gest\u00e3o mais flex\u00edveis que, comprovadamente, reduzem o custo e aumentam a resolutividade e qualidade dos atendimentos.<\/p>\n Ainda na sa\u00fade interrompeu-se a implanta\u00e7\u00e3o do Cart\u00e3o SUS, que agregaria qualidade ao atendimento, ao armazenar o hist\u00f3rico clinico dos pacientes. Ao mesmo tempo, o Cart\u00e3o permitiria a cria\u00e7\u00e3o de uma c\u00e2mara de compensa\u00e7\u00e3o financeira, para que os estados e munic\u00edpios que prestassem o atendimento fossem por ele remunerados, al\u00e9m de permitir a cobran\u00e7a, junto a planos de sa\u00fade, pelo atendimento de seus clientes que viessem a ser atendidos pelo SUS.<\/p>\n Tais medidas, se levadas adiante, reduziriam a iniquidade no atendimento \u00e0 sa\u00fade, melhorariam a gest\u00e3o, a produtividade e a qualidade dos servi\u00e7os prestados. Em \u00faltima inst\u00e2ncia, elevariam a capacidade laboral do trabalhador, sua produtividade e as perspectivas de crescimento da economia.<\/p>\n Ou seja, com pol\u00edticas mais focadas na popula\u00e7\u00e3o pobre teria sido poss\u00edvel diminuir a pobreza e a desigualdade de forma mais intensa do que realmente aconteceu. Esse tipo de aperfei\u00e7oamento da pol\u00edtica social se torna cada vez mais importante, pois h\u00e1 motivos para se crer que o atual conjunto de pol\u00edtica tende a ter menor efeito sobre a desigualdade nos pr\u00f3ximos anos, uma vez que os resultados mais f\u00e1ceis j\u00e1 foram obtidos. Isso porque:<\/p>\n a) o Bolsa Fam\u00edlia e os demais programas sociais est\u00e3o pr\u00f3ximos de esgotar o seu processo de expans\u00e3o (praticamente toda clientela eleg\u00edvel j\u00e1 \u00e9 atendida pelos programas) e s\u00f3 continuar\u00e3o a ter efeito redistributivo se houver aumento real no valor dos benef\u00edcios, o que se defronta com a delicada situa\u00e7\u00e3o fiscal do pa\u00eds;<\/p>\n b) o processo de eleva\u00e7\u00e3o do valor real do sal\u00e1rio-m\u00ednimo parece j\u00e1 ter chegado a um ponto de esgotamento, tanto por produzir aumentos artificiais de sal\u00e1rios, reduzindo a competitividade das empresas, quanto pela press\u00e3o que exerce nas contas p\u00fablicas via previd\u00eancia social.<\/p>\n c) Segundo Ferreira et al (2013)6<\/sup>, 32% da popula\u00e7\u00e3o brasileira, em 2009, podia ser classificada como \u201cvulner\u00e1vel\u201d. Essas pessoas deixaram de ser pobres, mas t\u00eam razo\u00e1vel chance de voltar a s\u00ea-lo. Uma desacelera\u00e7\u00e3o da economia pode levar parte desse grande contingente de volta \u00e0 pobreza, com poss\u00edvel amplia\u00e7\u00e3o dos \u00a0\u00edndices de desigualdade.<\/p>\n Para evitar que a desigualdade e a pobreza parem de cair \u00e9 preciso ir al\u00e9m dos ajustes nas pol\u00edticas sociais referidos ao longo desse texto (inclusive nos setores de sa\u00fade e saneamento). Deve-se fazer uma reforma da previd\u00eancia social que, ao mesmo tempo, reduza a iniquidade daquele sistema e promova ajuste estrutural das contas p\u00fablicas, o que elevar\u00e1 a poupan\u00e7a agregada e, consequentemente, o potencial de crescimento da economia. Portanto, a reforma da previd\u00eancia combinaria queda de desigualdade com aumento do crescimento.<\/p>\n Da mesma forma, \u00e9 fundamental dar prioridade \u00e0 melhoria da qualidade da educa\u00e7\u00e3o que \u00e9 o meio mais garantido de gerar, simultaneamente, redu\u00e7\u00e3o de desigualdade e crescimento econ\u00f4mico no longo prazo. A oferta de educa\u00e7\u00e3o de qualidade faz com que o futuro das crian\u00e7as deixe de depender do n\u00edvel s\u00f3cio-econ\u00f4mico dos pais. Um sistema educacional equitativo cria igualdade de oportunidades e promove mobilidade social de uma gera\u00e7\u00e3o para outra. Sem investimentos em educa\u00e7\u00e3o as fam\u00edlias podem at\u00e9 melhorar de vida, mas seus horizontes estar\u00e3o limitados pelo hist\u00f3rico familiar, pois as suas oportunidades de educa\u00e7\u00e3o tendem a ser similares ou pouco melhores do que as que seus pais tiveram.<\/p>\n Pol\u00edticas p\u00fablicas e reformas que combinem redu\u00e7\u00e3o da desigualdade com remo\u00e7\u00e3o de barreiras ao crescimento devem ser as prioridades governamentais.<\/p>\n __________<\/p>\n 1<\/sup> IPEA (2013) \u201cDuas d\u00e9cadas de desigualdade e pobreza no Brasil medidas pela Pnad\/IBGE\u201d – Comunicados do IPEA n\u00ba 159, de 2013<\/p>\n 2<\/sup> Souza, P.H.G.F, Medeiros, M. (2013) The Decline in Inequality in Brazil in 2003-2009: the role of the State. <\/em>Universidade de Brasilia. Economics and Politics Working Paper 14\/2013.<\/p>\n 3<\/sup> IPEA (2012) A D\u00e9cada Inclusiva (2001-2011): desigualdade, pobreza e pol\u00edticas de renda. <\/em>Comunicado IPEA n\u00ba 155, de 2012.<\/p>\n 4<\/sup> Fonte: Boletim Estat\u00edstico de Pessoal, mar. 2013. Minist\u00e9rio do Planejamento, Or\u00e7amento e Gest\u00e3o.<\/p>\n 5<\/sup> M\u00e9dici, A. (2011) Propostas para Melhorar a Cobertura, a Efici\u00eancia e a Qualidade no Setor Sa\u00fade. <\/em>In: Bacha, E.L. e Schwartzman, S. (Orgs.) Brasil: a nova agenda social<\/em>. LTC editora.<\/p>\n 6<\/sup> Ferreira, F.H.G. et al (2013) Economic Mobility and the Rise of Latin American Middle Class. <\/em>Banco Mundial.<\/p>\n Download:<\/strong><\/em><\/p>\n