{"id":2021,"date":"2013-10-21T08:58:52","date_gmt":"2013-10-21T11:58:52","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2021"},"modified":"2013-10-21T09:01:16","modified_gmt":"2013-10-21T12:01:16","slug":"a-desigualdade-de-renda-parou-de-cair-parte-ii","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2021","title":{"rendered":"A desigualdade de renda parou de cair? (Parte II)"},"content":{"rendered":"
No texto publicado na semana passada chamou-se aten\u00e7\u00e3o para o fato de que o \u00cdndice de Gini de distribui\u00e7\u00e3o de renda no Brasil parou de cair em 2012, interrompendo uma trajet\u00f3ria descendente que vem desde meados dos anos 90. Pode ser que isso seja apenas um dado isolado, que n\u00e3o revele uma nova tend\u00eancia de interrup\u00e7\u00e3o da queda da desigualdade. Mas tamb\u00e9m pode ser um sinal de que os fatores que levaram \u00e0 queda da desigualdade est\u00e3o se estagnando. Isso seria preocupante, pois a desigualdade no Brasil ainda \u00e9 alta.<\/p>\n
A literatura especializada j\u00e1 vem apontando h\u00e1 alguns anos que ser\u00e1 cada vez mais dif\u00edcil manter a redu\u00e7\u00e3o da desigualdade1<\/sup>. Para sabermos o motivo, \u00e9 preciso entender quais foram as causas da queda recente da desigualdade.<\/p>\n Esse texto vai se concentrar nos fatores que afetam a desigualdade no mercado de trabalho. Na pr\u00f3xima semana ser\u00e3o analisadas as pol\u00edticas sociais do governo.<\/p>\n I \u2013 A mudan\u00e7a no perfil de demanda de m\u00e3o-de-obra<\/strong><\/p>\n A forte queda da desigualdade n\u00e3o ocorreu apenas no Brasil. Como mostram in\u00fameros estudos, entre eles o artigo Deconstructing the Decline of Inequality in Latin America2<\/sup><\/em>, houve generalizada queda de pobreza e desigualdade na maioria dos pa\u00edses da Am\u00e9rica Latina. O estudo mostra que, dos 17 pa\u00edses estudados, nada menos que 12 tiveram significativa queda de desigualdade.<\/p>\n Essa causa comum parece ser o boom <\/em>no mercado internacional de commodities<\/em>, que favoreceu todos os pa\u00edses da regi\u00e3o, tipicamente exportadores desse tipo de mercadoria. Esse boom<\/em> ocorreu exatamente a partir de 2002\/2003, quando a desigualdade come\u00e7ou a cair de forma mais intensa. Mas qual seria o mecanismo que transformaria os ganhos no com\u00e9rcio internacional em redu\u00e7\u00e3o da desigualdade?<\/p>\n Em primeiro lugar \u00e9 preciso ficar claro que o aumento de pre\u00e7os no mercado internacional dos produtos exportados pela Am\u00e9rica Latina e a queda dos pre\u00e7os dos produtos de alta tecnologia por ela importados aumentou fortemente o poder de compra dos pa\u00edses da regi\u00e3o. Para que se tenha ideia da dimens\u00e3o desse fen\u00f4meno, basta notar quem em 2005 um navio carregado de min\u00e9rio de ferro tinha valor equivalente a 2.200 TVs de tela plana, em 2010 a mesma carga valia o equivalente a 22.000 TVs3<\/sup>.<\/p>\n Mas como esse maior poder de compra passou da m\u00e3o dos exportadores para o restante da popula\u00e7\u00e3o? E como gerou redu\u00e7\u00e3o da desigualdade de renda?<\/p>\n A maior renda obtida com exporta\u00e7\u00f5es ativa a economia como um todo. Passa a haver, por exemplo, maior disponibilidade de divisas, a taxa de c\u00e2mbio valoriza-se, e as empresas podem importar mais m\u00e1quinas e equipamentos, enquanto os consumidores podem consumir bens importados a custo menor. As empresas exportadoras depositam seus super\u00e1vits financeiros nos bancos, que emprestam os recursos para outros setores da economia, aumentando a taxa de investimento e crescimento. O maior investimento aumenta a taxa de crescimento e a demanda\u00a0por trabalhadores.<\/p>\n Os ganhos nas rela\u00e7\u00f5es de troca internacional s\u00e3o, portanto, uma b\u00ean\u00e7\u00e3o, e devem ser aproveitadas ao m\u00e1ximo pelo pa\u00eds. No entanto, embora aumentem a renda e a poupan\u00e7a dispon\u00edvel para financiar investimentos, eles n\u00e3o s\u00e3o suficientes para desencadear o desenvolvimento de todos os setores da economia.<\/p>\n Isso porque o Brasil (assim como boa parte dos pa\u00edses latino-americanos) tem diversos outros problemas que retiram competitividade da economia: a infraestrutura de transportes e comunica\u00e7\u00f5es \u00e9 ruim; a energia \u00e9 cara; a economia \u00e9 fechada \u00e0 concorr\u00eancia internacional e \u00e0 importa\u00e7\u00e3o de insumos e servi\u00e7os de qualidade; o grau de instru\u00e7\u00e3o da m\u00e3o-de-obra \u00e9 baixo; o sistema tribut\u00e1rio \u00e9 pesado e distorce os pre\u00e7os; a regula\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica e a defesa da concorr\u00eancia s\u00e3o fr\u00e1geis. Por todos esses motivos o Brasil n\u00e3o consegue competir com outros pa\u00edses no mercado de bens e servi\u00e7os mais sofisticados.<\/p>\n Quando vem um est\u00edmulo externo como o boom <\/em>de commodities,<\/em> os setores da economia brasileira que conseguem crescer s\u00e3o aqueles ligados aos servi\u00e7os de menor conte\u00fado tecnol\u00f3gico. Esses setores tendem a contratar trabalhadores pouco qualificados. Com maior procura por trabalhadores pouco qualificados, os sal\u00e1rios desse grupo cresceram em rela\u00e7\u00e3o aos demais trabalhadores: da\u00ed a redu\u00e7\u00e3o nas desigualdades salariais.<\/p>\n O racioc\u00ednio \u00e9 o seguinte: o boom<\/em> de commodities<\/em> provocou a valoriza\u00e7\u00e3o das moedas dos pa\u00edses exportadores desses produtos, enquanto o aumento da renda se refletiu em maior consumo. Com um c\u00e2mbio valorizado, o consumo de bens industrializados, dispon\u00edveis no mercado internacional (chamado de \u201cbens comercializ\u00e1veis\u201d), passou a ser atendido por importa\u00e7\u00f5es, como as TVs de tela plana do exemplo acima. Elas mais baratas e de melhor qualidade que os bens industriais produzidos nos pa\u00edses latino-americanos que, devido aos problemas de m\u00e1 infraestrutura e outros acima listados, n\u00e3o t\u00eam produtividade e competitividade para competir com os importados).<\/p>\n J\u00e1 o aumento do consumo de bens n\u00e3o dispon\u00edveis no mercado internacional (servi\u00e7os em geral, constru\u00e7\u00e3o civil, produtos perec\u00edveis) \u2013\u00a0 conhecido como \u201cn\u00e3o-comercializ\u00e1veis\u201d \u2013 teve que ser atendido pelos produtores internos. Isso fez o pre\u00e7o dos servi\u00e7os e demais bens n\u00e3o comercializ\u00e1veis disparar em rela\u00e7\u00e3o ao pre\u00e7o dos bens importados. O pre\u00e7o dos bens importados n\u00e3o subiu, pois o aumento de demanda pode ser atendido por importa\u00e7\u00f5es crescentes. J\u00e1 o pre\u00e7o dos bens e servi\u00e7os n\u00e3o dispon\u00edveis para importa\u00e7\u00e3o subiu, porque a oferta ficou limitada ao que \u00e9 produzido dentro do pa\u00eds, n\u00e3o dando conta de atender a expans\u00e3o da demanda.<\/p>\n Ocorre que o setor de servi\u00e7os utiliza majoritariamente trabalhadores menos qualificados e de menor escolaridade que a ind\u00fastria. Ou seja, subiu a demanda\u00a0por trabalhadores menos qualificados no mercado de trabalho e caiu (ou cresceu mais lentamente) a demanda\u00a0por trabalhadores mais qualificados. Adicionalmente, o pr\u00f3prio setor de commodities<\/em>, em especial, das commodities<\/em> agr\u00edcolas, \u00e9 intensivo em m\u00e3o de obra de menor qualifica\u00e7\u00e3o. Em consequ\u00eancia, elevaram-se os sal\u00e1rios dos menos qualificados em rela\u00e7\u00e3o aos mais qualificados.<\/p>\n Os pa\u00edses latino-americanos, e o Brasil em particular, criaram mais empregos de balconista, cabeleireiro, trabalhador rural e atendente de call center<\/em>, e menos vagas de operadores de equipamentos industriais robotizados, designers<\/em> ou especialistas em telecomunica\u00e7\u00f5es.Isso explicaria a redu\u00e7\u00e3o das desigualdades salariais no mercado de trabalho e a desigualdade de renda.<\/p>\n Note-se que tal distor\u00e7\u00e3o n\u00e3o \u00e9 \u201cculpa\u201d do setor de commodities<\/em> que, na verdade, \u00e9 competitivo e gera grande benef\u00edcio ao pa\u00eds. O problema est\u00e1 na m\u00e1 infraestrutura, no fechamento da economia \u00e0 competi\u00e7\u00e3o internacional, no sistema tribut\u00e1rio ca\u00f3tico, na fr\u00e1gil regula\u00e7\u00e3o de setores oligopolizados, etc. Pa\u00edses como Canad\u00e1, Estados Unidos e Austr\u00e1lia, fortes exportadores de commodities<\/em>, n\u00e3o sofrem o mesmo problema de competitividade do Brasil, pois t\u00eam pol\u00edticas de com\u00e9rcio exterior mais aberta, melhor regula\u00e7\u00e3o, melhor infraestrutura, etc.<\/p>\n A hist\u00f3ria contada acima indica que a queda da desigualdade n\u00e3o \u00e9 portadora apenas de boas not\u00edcias. Ela pode ser sintoma da incapacidade da economia de desenvolver setores de maior tecnologia e maior sofistica\u00e7\u00e3o. Com isso, o pa\u00eds perde empregos no segmento mais competitivo. Gra\u00e7as ao boom <\/em>de renda vindo do exterior, esses empregos s\u00e3o substitu\u00eddos por outros, menos produtivos, concentrados nos servi\u00e7os de menor sofistica\u00e7\u00e3o. No curto prazo, observamos queda de desigualdade. Mas no longo prazo observaremos menor capacidade de crescimento econ\u00f4mico.<\/p>\n E o que \u00e9 pior, como o ganho de renda vindo das commodities<\/em> est\u00e1 fora do controle do governo, por ser determinado no mercado internacional, a revers\u00e3o dessa tend\u00eancia pode fazer murchar tamb\u00e9m o \u00edmpeto do setor de servi\u00e7os, o que far\u00e1 com que o baixo crescimento passe a ser acompanhado, tamb\u00e9m, da interrup\u00e7\u00e3o da queda da desigualdade.<\/p>\n Esse pode ser um fator por tr\u00e1s da interrup\u00e7\u00e3o da queda da desigualdade em 2012 em rela\u00e7\u00e3o a 2011. Ao decompor as fontes de varia\u00e7\u00e3o desse \u00edndice, IPEA (2013) constata que no per\u00edodo 2011-2012 as rendas do trabalho deixaram de ser um fator de queda da desigualdade tendo, pelo contr\u00e1rio, levado a pequeno aumento do indicador.<\/p>\n Ou seja, a redu\u00e7\u00e3o da desigualdade nas remunera\u00e7\u00f5es no mercado de trabalho, que foi o carro chefe da queda da desigualdade no per\u00edodo 2002-2011, n\u00e3o ocorreu em 2011-2012. Esse pode ser um indicador de que a din\u00e2mica da expans\u00e3o dos servi\u00e7os esteja se esgotando. O fato de que os ganhos de renda vindo das commodities<\/em> est\u00e3o se estabilizando pode ser uma das causas dessa revers\u00e3o.<\/p>\n Esse tipo de racioc\u00ednio ajuda a entender tamb\u00e9m porque a desigualdade n\u00e3o teria ca\u00eddo fortemente ao longo da d\u00e9cada de 1990. Em primeiro lugar, porque naquele per\u00edodo, em vez de um choque favor\u00e1vel nos pre\u00e7os das commodities<\/em>, o mercado internacional impunha ao Brasil e \u00e0 Am\u00e9rica Latina um ambiente inst\u00e1vel de crises financeiras internacionais e aumentos de juros, que reduziam a renda dos pa\u00edses da regi\u00e3o.<\/p>\n Em segundo lugar, houve no Brasil uma s\u00e9rie de reformas favor\u00e1veis ao crescimento econ\u00f4mico, tais como as privatiza\u00e7\u00f5es e a abertura comercial com o exterior, que permitiram a entrada de tecnologias de ponta no pa\u00eds. Em um primeiro momento, essas reformas tendem a ter efeito concentrador de renda: elas aumentam a demanda\u00a0por trabalho mais qualificado em \u00e1reas de maior tecnologia (basta imaginar a quantidade de novos engenheiros decorrente da expans\u00e3o das telecomunica\u00e7\u00f5es nos anos 90). Por\u00e9m, no longo prazo elas abrem caminho para a gera\u00e7\u00e3o de empregos e o crescimento econ\u00f4mico, espalhando o benef\u00edcio por toda a economia. Tome-se como exemplo os ganhos de renda que pequenos agricultores e profissionais aut\u00f4nomos tiveram a partir da disponibilidade de telefones celulares.<\/p>\n Em suma, parte significativa da queda da desigualdade a partir de 2002 \u201ccaiu do c\u00e9u\u201d: um presente para a Am\u00e9rica Latina, sob a forma de alta nos pre\u00e7os das commodities<\/em>. Esse presente se converteu em queda da desigualdade devido, em parte, \u00e0 incapacidade dos pa\u00edses da regi\u00e3o, e do Brasil em particular, em oferecer \u00e0s empresas condi\u00e7\u00f5es de competitividade (infraestrutura, sistema tribut\u00e1rio adequado, etc.), o que levou a expans\u00e3o da economia a ser conduzida pelo setor de servi\u00e7os de menor conte\u00fado tecnol\u00f3gico, menos produtivo e demandante de m\u00e3o-de-obra menos qualificada. Nesse sentido, a queda da desigualdade seria um subproduto positivo gerado por uma fragilidade econ\u00f4mica do pa\u00eds.<\/p>\n II- A mudan\u00e7a no perfil de oferta da m\u00e3o-de-obra<\/strong><\/p>\n Outro fator de redu\u00e7\u00e3o da desigualdade, que tamb\u00e9m parece ter atuado no sentido de reduzir as diferen\u00e7as de remunera\u00e7\u00e3o no mercado de trabalho, foi o aumento da escolaridade da popula\u00e7\u00e3o. De fato, a m\u00e9dia de anos de estudo da popula\u00e7\u00e3o brasileira subiu bastante desde meados da d\u00e9cada de 1980. Entre 1950 e 1980 a m\u00e9dia de anos de estudo no pa\u00eds cresceu apenas 1,07 anos, passando de 1,5 anos para 2,57 anos. Entre 1980 e 2010 houve crescimento cont\u00ednuo e um salto de quase 5 anos na m\u00e9dia, que passou a ser de 7,55.4<\/sup><\/p>\n Essa maior quantidade de trabalhadores com mais escolaridade aumentou a oferta<\/span> de trabalho qualificado e diminuiu a oferta<\/span> de trabalho pouco qualificado (na suposi\u00e7\u00e3o de que a escola p\u00fablica agrega alguma qualifica\u00e7\u00e3o efetiva ao trabalhador, apesar da sua baixa qualidade). Em consequ\u00eancia, aumentou o pre\u00e7o do trabalho menos qualificado (agora mais escasso) e caiu o pre\u00e7o do trabalho mais qualificado (agora mais abundante).<\/p>\n Note-se que o n\u00edvel geral de educa\u00e7\u00e3o (tanto em termos de anos de estudo quanto em termos da qualidade dessa educa\u00e7\u00e3o) ainda \u00e9 bastante baixo no pa\u00eds. Mas a evolu\u00e7\u00e3o observada\u00a0 teria sido suficiente para amenizar as fortes desigualdades de remunera\u00e7\u00e3o no mercado de trabalho.<\/p>\n Ocorre que os ganhos mais f\u00e1ceis, obtidos pela simples inclus\u00e3o das crian\u00e7as na escola, j\u00e1 foi obtido. Daqui para frente, para que o aumento de escolaridade continue a pressionar para baixo a desigualdade e a pobreza, ser\u00e3o necess\u00e1rios avan\u00e7os na melhoria da qualidade do ensino e aumento na taxa de escolariza\u00e7\u00e3o de jovens, visto que o ensino fundamental j\u00e1 est\u00e1 universalizado desde meados da d\u00e9cada de 1990.<\/p>\n Em especial, \u00e9 preciso avan\u00e7ar em quantidade e qualidade no ensino m\u00e9dio. Como chama aten\u00e7\u00e3o Fernando Veloso em entrevista \u00e0 Folha de S. Paulo5<\/sup>, ainda \u00e9 baixo o percentual de jovens entre 15 e 17 anos frequentando a escola (84% segundo a PNAD 2012) e o curr\u00edculo do ensino m\u00e9dio \u00e9 ruim e divorciado da necessidade das empresas. Os jovens n\u00e3o chegam ao mercado de trabalho equipados para lidar com procedimentos intensivos em alta tecnologia. Isso significa que uma retomada do crescimento pode levar ao aumento da desigualdade, pois aumentar\u00e1 a demanda por trabalho mais qualificado, e os jovens mais pobres n\u00e3o t\u00eam tal qualifica\u00e7\u00e3o, que n\u00e3o lhes \u00e9 provida pela escola p\u00fablica.<\/p>\n Lustig et al (2013) chegam a levantar a hip\u00f3tese de que parte da queda do diferencial de sal\u00e1rios entre pessoas com maior e menor escolaridade vem da deteriora\u00e7\u00e3o da qualidade do ensino m\u00e9dio. Dado que o conte\u00fado aprendido pelos alunos desse n\u00edvel de ensino n\u00e3o teria serventia para as empresas, elas se tornariam indiferentes entre contratar pessoas com ou sem ensino m\u00e9dio completo.<\/p>\n III \u2013 O papel do sal\u00e1rio-m\u00ednimo<\/strong><\/p>\n Um terceiro mecanismo que pode estar por tr\u00e1s da queda da desigualdade de sal\u00e1rios no mercado de trabalho \u00e9 a ativa pol\u00edtica de eleva\u00e7\u00e3o do valor real do sal\u00e1rio-m\u00ednimo, perseguida pelo governo desde o segundo mandato de FHC, com intensidade acentuada a partir do primeiro governo Lula.<\/p>\n O sal\u00e1rio-m\u00ednimo na d\u00e9cada de 1990 era muito baixo e havia espa\u00e7o para a sua eleva\u00e7\u00e3o, sem prejudicar a rentabilidade das empresas. Por\u00e9m, ap\u00f3s seguidos anos de eleva\u00e7\u00e3o acima da infla\u00e7\u00e3o, o sal\u00e1rio-minimo real de 2013 \u00e9 quase o dobro do seu valor em 1995.<\/p>\n \u00c9 sabido que o sal\u00e1rio-m\u00ednimo funciona como uma refer\u00eancia para a fixa\u00e7\u00e3o de remunera\u00e7\u00f5es na base da pir\u00e2mide salarial. \u00c9 comum tom\u00e1-lo como refer\u00eancia e reajustar remunera\u00e7\u00f5es superiores ao m\u00ednimo pelo mesmo \u00edndice de corre\u00e7\u00e3o deste. O resultado \u00e9 que varia\u00e7\u00f5es no m\u00ednimo impactam fortemente sal\u00e1rios maiores que o m\u00ednimo e, em cadeia, promovem aumentos das remunera\u00e7\u00f5es mais baixas.<\/p>\n Se por um lado isso reduz a desigualdade de remunera\u00e7\u00f5es (e faz a desigualdade no pa\u00eds cair), por outro lado acaba afetando o custo do trabalho para as empresas, que perdem lucratividade e competitividade.<\/p>\n A redu\u00e7\u00e3o da desigualdade no curto prazo, por meio da eleva\u00e7\u00e3o do sal\u00e1rio-m\u00ednimo, se faz \u00e0 custa de perdas de oportunidade de crescimento e gera\u00e7\u00e3o de renda para todo o pa\u00eds no m\u00e9dio e longo prazos. Mais uma vez temos uma situa\u00e7\u00e3o em que a queda da desigualdade n\u00e3o \u00e9 apenas portadora de boas not\u00edcias. H\u00e1 que se considerar, ainda, a possibilidade de os efeitos adversos do sal\u00e1rio m\u00ednimo sobre a gera\u00e7\u00e3o de emprego e est\u00edmulo ao investimento anularem o efeito redistributivo do aumento da remunera\u00e7\u00e3o daqueles que permanecerem empregados.<\/p>\n IV \u2013 A desigualdade parou de cair?<\/strong><\/p>\n Tendo em vista os tr\u00eas fatores acima analisados (mudan\u00e7as na demanda e na oferta de m\u00e3o-de-obra e eleva\u00e7\u00e3o real do sal\u00e1rio-m\u00ednimo), cabe perguntar se eles continuar\u00e3o a pressionar a desigualdade para baixo nos pr\u00f3ximos anos.<\/p>\n Como j\u00e1 antecipado acima, o papel do boom<\/em> de commodities<\/em> sobre a demanda de m\u00e3o-de-obra tende a arrefecer em fun\u00e7\u00e3o do esfriamento de tal mercado. Ademais, h\u00e1 que se levar em conta que esse n\u00e3o \u00e9 o melhor caminho para se reduzir a desigualdade, afinal ele passa pela desindustrializa\u00e7\u00e3o do pa\u00eds e pelo aumento de import\u00e2ncia de setores de baixa produtividade, o que reduz o potencial de crescimento e gera\u00e7\u00e3o de renda futura. Obviamente n\u00e3o se est\u00e1 sugerindo que o governo desestimule a exporta\u00e7\u00e3o de commodities<\/em> ou subsidie o setor industrial. O melhor a fazer \u00e9 aproveitar o bom momento da economia internacional, por\u00e9m consciente de que \u00e9 preciso melhorar as condi\u00e7\u00f5es de produ\u00e7\u00e3o do Brasil, por meio de expans\u00e3o da infraestrutura, melhoria na qualidade da educa\u00e7\u00e3o, controle dos gastos p\u00fablicos, racionaliza\u00e7\u00e3o do sistema tribut\u00e1rio, entre outras medidas que aumentem a produtividade e viabilizem a diversifica\u00e7\u00e3o da produ\u00e7\u00e3o no Brasil, aumentando seu conte\u00fado tecnol\u00f3gico e diminuindo nossa depend\u00eancia em rela\u00e7\u00e3o ao com\u00e9rcio internacional de commodities<\/em>.<\/p>\n J\u00e1 do lado da oferta de trabalho, a maior escolaridade s\u00f3 continuar\u00e1 a reduzir a desigualdade se houver progressos na melhoria da qualidade da educa\u00e7\u00e3o; em especial no ensino m\u00e9dio.<\/p>\n No que se refere ao papel do sal\u00e1rio-m\u00ednimo, \u00e9 preciso considerar que a pol\u00edtica de eleva\u00e7\u00e3o desse sal\u00e1rio acima da infla\u00e7\u00e3o tem forte impacto sobre as despesas do governo. Em especial, sobre as contas da previd\u00eancia social, cujos benef\u00edcios s\u00e3o indexados \u00e0quela remunera\u00e7\u00e3o b\u00e1sica. Assim, parece que em fun\u00e7\u00e3o de esgotamento fiscal n\u00e3o ser\u00e1 poss\u00edvel manter tal pol\u00edtica por muito tempo, a menos que se jogue para o alto qualquer inten\u00e7\u00e3o de manter o equil\u00edbrio fiscal e a infla\u00e7\u00e3o sob controle. Mas se a infla\u00e7\u00e3o voltar, certamente o quadro distributivo se deteriorar\u00e1, pois como todos sabem, a infla\u00e7\u00e3o \u00e9 fortemente concentradora de renda.<\/p>\n Ainda que fosse poss\u00edvel aguentar por mais alguns anos o peso fiscal dos reajustes do sal\u00e1rio-m\u00ednimo, seria preciso julgar se essa seria a melhor op\u00e7\u00e3o, tendo em vista as distor\u00e7\u00f5es introduzidas no mercado de trabalho, em especial o desest\u00edmulo \u00e0 contrata\u00e7\u00e3o de pessoal pouco qualificado, cuja produtividade tende a ser inferior ao sal\u00e1rio-m\u00ednimo.<\/p>\n Em suma, n\u00e3o se pode dizer, ainda, que a parada na queda do \u00cdndice de Gini observada em 2012 \u00e9 uma nova tend\u00eancia de estabilidade da desigualdade, mesmo porque outros indicadores mant\u00eam a tend\u00eancia de queda. Mas n\u00e3o faltam motivos para se acreditar que isso seja poss\u00edvel. Ademais, o texto procurou deixar claro que a queda da desigualdade pode n\u00e3o ser portadora apenas de boas not\u00edcias. Ela pode ser resultado de fragilidades e desajustes econ\u00f4micos que t\u00eam como custo a menor capacidade de crescimento e de gera\u00e7\u00e3o de emprego no futuro.<\/p>\n ____________<\/p>\n 1<\/sup> O presente texto est\u00e1 baseado nas seguintes refer\u00eancias bibliogr\u00e1ficas:<\/p>\n Lustig, N., Lopez-Calva, L. e Ortiz-Juarez, E. (2013) Deconstructing the Decline of Inequality in Latin America. <\/em>Banco Mundial. Policy Research Working Paper n\u00ba 6552, julho de 2013.<\/p>\n Banco Mundial (2012). The Labor Market Story behind Latin America\u2019s Transformation. <\/em><\/p>\n Souza, P.H.G.F, Medeiros, M. (2013) The Decline in Inequality in Brazil in 2003-2009: the role of the State. <\/em>Universidade de Brasilia. Economics and Politics Working Paper 14\/2013.<\/p>\n Azevedo et all (2013) Fifteen Years of Inequality in Latin America<\/em>. Banco Mundial, Policy Research Working Paper 6384.<\/p>\n Barros, R.P. et al (2009) Markets, the State and the Dynamics of Inequality: Brazil\u2019s case study. <\/em>UNDP. Research for Public Policy Inclusive Development 14-2009.<\/p>\n Ferreira, F.H.G. et al (2013) Economic Mobility and the Rise of Latin American Middle Class. <\/em>Banco Mundial.<\/p>\n Lustig, N. et al (2011) The Decline in Inequality in Latin America: How Much, Since When and Why. <\/em>Tulaine Economics Working Paper Series 1118.<\/p>\n Banco Mundial (2011) A Break of History: Fifteen Years of Inequality Reduction in Latin America.<\/em><\/p>\n IPEA (2012) A D\u00e9cada Inclusiva (2001-2011): desigualdade, pobreza e pol\u00edticas de renda. <\/em>Comunicado IPEA n\u00ba 155, de 2012.<\/p>\n IPEA (2013) \u201cDuas d\u00e9cadas de desigualdade e pobreza no Brasil medidas pela Pnad\/IBGE\u201d – Comunicados do IPEA n\u00ba 159, de 2013.<\/p>\n 2<\/sup> Lustig, N., Lopez-Calva, L. e Ortiz-Juarez, E. (2013) Deconstructing the Decline of Inequality in Latin America. <\/em>Banco Mundial. Policy Research Working Paper n\u00ba 6552, julho de 2013.<\/p>\n