{"id":2010,"date":"2013-10-16T12:16:36","date_gmt":"2013-10-16T15:16:36","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2010"},"modified":"2013-10-16T12:16:36","modified_gmt":"2013-10-16T15:16:36","slug":"a-desigualdade-de-renda-parou-de-cair-parte-i","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2010","title":{"rendered":"A desigualdade de renda parou de cair? (Parte I)"},"content":{"rendered":"

O governo tem comemorado, ano ap\u00f3s ano, a redu\u00e7\u00e3o da desigualdade de renda no pa\u00eds. O \u00cdndice de Gini, uma das formas de mensurar tal desigualdade, tem ca\u00eddo sistematicamente desde o in\u00edcio da d\u00e9cada de 2000, como pode ser visto no Gr\u00e1fico 1. Criou-se um forte discurso oficial em torno da melhoria desse indicador: pol\u00edtica social inclusiva, entrada dos pobres na classe m\u00e9dia, expans\u00e3o da classe C, crescimento da renda dos mais pobres em ritmo chin\u00eas, etc. N\u00e3o seria exagero dizer que a queda da desigualdade \u00e9 um dos carros-chefes da popularidade dos presidentes Lula e Dilma.<\/p>\n

Usar o \u00cdndice de Gini tem sido muito \u00fatil para fins de propaganda oficial, pois a queda da desigualdade, medida por esse \u00edndice, aproximadamente coincide com a entrada do Partido dos Trabalhadores no governo. Essa coincid\u00eancia temporal se torna uma importante ferramenta de propaganda do tipo \u201cantes\u201d e \u201cdepois\u201d. Mostra-se o Gr\u00e1fico 1 e fala-se: antes de o PT entrar no governo a desigualdade n\u00e3o se mexia; depois que o PT entrou no governo a desigualdade come\u00e7ou a cair.<\/p>\n

Gr\u00e1fico 1 – Evolu\u00e7\u00e3o da Desigualdade de Renda no Brasil (\u00cdndice de Gini para a renda domiciliar per capita): 1977-2012<\/strong><\/p>\n

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A Pesquisa Nacional de Amostra por Domic\u00edlios (PNAD) de 2012, contudo, traz um dado preocupante. Pela primeira vez em mais de dez anos n\u00e3o h\u00e1 redu\u00e7\u00e3o no \u00cdndice de Gini, que ficou praticamente estagnado. Em 2011 registrou o valor de 0,527 e em 2012 ficou em 0,526, como pode ser visto no Gr\u00e1fico 1.<\/p>\n

Em anos anteriores, quando o \u00cdndice de Gini ca\u00eda fortemente, o governo se apressava a divulgar a boa nova, por meio de comunicados t\u00e9cnicos. Mais recentemente essa tarefa tem ficado a cargo do IPEA que, em 2012, analisando o resultado da PNAD 2011, publicou o Comunicado n\u00ba 155 (A D\u00e9cada Inclusiva: desigualdade, pobreza e pol\u00edticas de renda<\/em>), que centrou toda sua an\u00e1lise da evolu\u00e7\u00e3o da desigualdade no \u00cdndice de Gini, comemorando os resultados virtuosos.<\/p>\n

Curiosamente, agora que tal \u00edndice parou de cair, o IPEA mudou seu enfoque. No novo documento Comunicado IPEA n\u00ba 159 (Duas d\u00e9cadas de desigualdade e pobreza no Brasil medidas pela PNAD\/IBGE<\/em>), aquele \u00f3rg\u00e3o t\u00e9cnico coloca a an\u00e1lise do \u00cdndice de Gini em segundo plano, e passa a avaliar outras medidas de desigualdade que, ao contr\u00e1rio do Gini, continuaram a cair em 2012.<\/p>\n

O IPEA passa a olhar para outros \u00edndices, como o de Theil ou a raz\u00e3o de 20% mais ricos em rela\u00e7\u00e3o aos 20% mais pobres, que apresentaram queda de 2011 para 2012. Com base nisso, passa a adotar um tom otimista, de que a desigualdade continuou a cair e o sol continua a brilhar.<\/p>\n

N\u00e3o h\u00e1 nenhum problema em se avaliar a evolu\u00e7\u00e3o de v\u00e1rios \u00edndices para se aferir com mais certeza a trajet\u00f3ria da desigualdade. Ademais, o fato de o \u00cdndice de Gini ter se estabilizado em um ano n\u00e3o quer dizer que ele n\u00e3o volte a cair mais adiante.<\/p>\n

Contudo, ao adotar \u00edndices alternativos, o governo perde o discurso de que a desigualdade come\u00e7ou a cair quando o PT chegou ao poder, pois os demais \u00edndices de desigualdade j\u00e1 estavam caindo desde pelo menos meados da d\u00e9cada de 1990. O Gr\u00e1fico 2 mostra que entre o in\u00edcio e final dos anos 1990 houve uma queda significativa no \u00cdndice de Theil, e n\u00e3o t\u00e3o acentuada no \u00cdndice de Gini. Al\u00e9m disso, j\u00e1 a partir dos \u00faltimos anos daquela d\u00e9cada observa-se uma n\u00edtida tend\u00eancia de queda para o \u00cdndice de Theil, e uma n\u00e3o t\u00e3o n\u00edtida tend\u00eancia de queda para o Gini.<\/p>\n

Outro problema que distorce os resultados \u00e9 escolher um ano base inadequado para compara\u00e7\u00e3o. Especificamente, o Comunicado Ipea usou o ano de 1992 como base para o c\u00e1lculo da evolu\u00e7\u00e3o da desigualdade no per\u00edodo pr\u00e9-PT (vide Tabela 3, \u00e0 pg. 11 do Comunicado IPEA n\u00ba 159). Com isso, aquele documento argumenta que a desigualdade teria crescido antes de 2003.<\/p>\n

Ocorre que, como pode ser visto nos Gr\u00e1ficos 2 e 3, abaixo, o ano de 1992 representou um ponto de abrupta queda em todos os indicadores de desigualdade (vide pontos indicados por uma seta nos gr\u00e1ficos abaixo), que logo no ano seguinte voltou a subir.<\/p>\n

Assim, se tomarmos 1992 e compararmos com 2002, teremos a impress\u00e3o que houve aumento da desigualdade no per\u00edodo 1992-2002, como quer fazer crer o documento do IPEA, pois em 1992 ela era muito baixa. Mas 1992 n\u00e3o \u00e9 um ponto representativo. Se mudarmos a base de compara\u00e7\u00e3o para o ano seguinte (1993) veremos que a desigualdade, em vez de subir, teve expressiva queda na compara\u00e7\u00e3o de 1993 com 2002 em todos os quatro \u00edndices apresentados nos Gr\u00e1ficos 2 e 3.<\/p>\n

Usar o ano de 1992 como base leva, portanto, \u00e0 err\u00f4nea conclus\u00e3o de que a desigualdade n\u00e3o caiu at\u00e9 2002, antes de o PT chegar ao poder.<\/p>\n

Gr\u00e1fico 2 \u2013 \u00cdndices de Desigualdade no Brasil: Gini vs. Theil (1981-2009)<\/strong><\/p>\n

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Gr\u00e1fico 3\u2013 \u00cdndices de Desigualdade no Brasil: Raz\u00e3o entre 10% mais ricos e 40% mais pobres vs. Raz\u00e3o 20% mais ricos e 20% mais pobres (1981-2009)<\/strong><\/strong><\/p>\n

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Mas, por que n\u00e3o devemos utilizar 1992 como ano base? As melhores pr\u00e1ticas nos ensinam que n\u00e3o se deve usar um ponto at\u00edpico como base de compara\u00e7\u00e3o. Nota-se, nos dois gr\u00e1ficos acima, forte oscila\u00e7\u00e3o das diferentes medidas de desigualdade ao final dos anos 1980 e in\u00edcio dos anos 1990. Isso parece ser resultado de erros de medida na estat\u00edstica. Com a infla\u00e7\u00e3o em n\u00edveis elevad\u00edssimos, ficava dif\u00edcil mensurar com precis\u00e3o a renda das pessoas, em uma pesquisa como a PNAD que simplesmente pede aos entrevistados que lembrem, de cabe\u00e7a, qual a sua renda no m\u00eas de refer\u00eancia. Como para 1992 a desigualdade \u00e9 significativamente inferior \u00e0 dos anos que o antecederam e que o sucederam, sem haver qualquer fator real que nos levasse a justificar sua queda, refor\u00e7a-se a hip\u00f3tese de erro de mensura\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

A Tabela 1, abaixo, coloca a quest\u00e3o em n\u00fameros. Ela mostra que na compara\u00e7\u00e3o de 1992 com 2002, todos os \u00edndices de desigualdade subiram, a exce\u00e7\u00e3o da rela\u00e7\u00e3o entre os 20% mais ricos e os 20% mais pobres, com o que o IPEA conclui que a desigualdade antes de o PT assumir o governo estava em tend\u00eancia de alta.<\/p>\n

Por\u00e9m, se mudarmos a base de compara\u00e7\u00e3o para 1993 veremos que a desigualdade caiu em todos os \u00edndices.<\/p>\n

Tomar como base um ano at\u00edpico, dentro de um per\u00edodo cuja estat\u00edstica tem baixa qualidade, parece ser um procedimento pouco ortodoxo. Por isso, nem 1992, nem 1993, s\u00e3o bases adequadas de compara\u00e7\u00e3o. O mais prudente \u00e9 tomar como base um ano ap\u00f3s o fim da hiperinfla\u00e7\u00e3o. Assim, a Tabela 1 adota como bases tanto o ano de 1995, quanto o de 1996. Nos dois casos temos que, para todos os \u00edndices, a desigualdade era menor em 2002 do que nos respectivos anos de compara\u00e7\u00e3o.\u00a0 Note, ainda, que, coincidentemente, o \u00cdndice de Gini, at\u00e9 recentemente o preferido do governo, foi justamente aquele que menos melhorou antes de 2002.<\/p>\n

Tabela 1 \u2013 Varia\u00e7\u00e3o nos \u00edndices de desigualdade de renda em diferentes per\u00edodos de compara\u00e7\u00e3o<\/strong><\/p>\n

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\u00c9 verdade que a queda da desigualdade foi mais intensa a partir de 2002\/2003 do que no per\u00edodo anterior. Isso n\u00e3o se discute. Por\u00e9m tal queda n\u00e3o foi integralmente decorrente de pol\u00edticas do governo. Segundo c\u00e1lculos do pr\u00f3prio IPEA, a din\u00e2mica da economia privada, em grande parte impulsionada pela alta internacional no pre\u00e7o das commodities<\/em>, foi respons\u00e1vel por mais da metade da queda da desigualdade. Ademais, quando as pol\u00edticas de governo influenciaram na queda da desigualdade, criaram efeitos colaterais negativos, reduzindo o crescimento da economia.<\/p>\n

Esse, por\u00e9m, \u00e9 um assunto que ser\u00e1 tratado em outro texto, a ser publicado na pr\u00f3xima semana.<\/p>\n

Por ora, resta lamentar que, diante da import\u00e2ncia do \u00cdndice de Gini para avaliar a distribui\u00e7\u00e3o de renda, o Comunicado n\u00ba 159, do IPEA, n\u00e3o tenha analisado se a estagna\u00e7\u00e3o daquele \u00edndice \u00e9 um sinal preocupante ou se est\u00e1 ocorrendo somente um simples desvio de percurso Lamenta-se tamb\u00e9m a mudan\u00e7a de enfoque, do \u00cdndice de Gini para outros indicadores de distribui\u00e7\u00e3o de renda, com o uso de uma base de compara\u00e7\u00e3o conveniente \u00e0 conclus\u00e3o que se desejava chegar. Isso s\u00f3 refor\u00e7a a hip\u00f3tese de que tal mudan\u00e7a foi motivada para sustentar o discurso pol\u00edtico do governo.<\/p>\n

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