{"id":2002,"date":"2013-10-14T11:05:51","date_gmt":"2013-10-14T14:05:51","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=2002"},"modified":"2013-10-14T11:05:51","modified_gmt":"2013-10-14T14:05:51","slug":"divida-liquida-do-setor-publico-decrescente-significa-politica-fiscal-sob-controle","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=2002","title":{"rendered":"D\u00edvida l\u00edquida do setor p\u00fablico decrescente significa pol\u00edtica fiscal sob controle?"},"content":{"rendered":"

A d\u00edvida l\u00edquida do setor p\u00fablico (DLSP) como propor\u00e7\u00e3o do PIB prossegue em sua longa trajet\u00f3ria de queda, ainda que com momentos de estabilidade ou aumento. Isso significa que a pol\u00edtica fiscal est\u00e1 sob controle e que n\u00e3o h\u00e1 necessidade de corre\u00e7\u00e3o? A resposta \u00e9 negativa. A DLSP n\u00e3o est\u00e1 caindo por causa da pol\u00edtica fiscal. Na verdade, h\u00e1 pelo menos dois anos que a pol\u00edtica fiscal \u00e9 fator de press\u00e3o de alta sobre a DLSP. O indicador s\u00f3 continua caindo por conta da a\u00e7\u00e3o de outros fatores os quais mais que compensam o efeito da pol\u00edtica fiscal.<\/p>\n

A afirma\u00e7\u00e3o acima pode ser comprovada recorrendo-se \u00e0 trajet\u00f3ria de outro indicador de endividamento p\u00fablico. Trata-se da d\u00edvida fiscal l\u00edquida (DFL), como propor\u00e7\u00e3o do PIB. Esse indicador mostra qual seria a trajet\u00f3ria da d\u00edvida l\u00edquida do setor p\u00fablico caso ela fosse afetada apenas pela pol\u00edtica fiscal. A express\u00e3o quantitativa da pol\u00edtica fiscal \u00e9 o d\u00e9ficit p\u00fablico, entendido como as despesas menos as receitas do setor p\u00fablico. A varia\u00e7\u00e3o da DFL em certo per\u00edodo corresponde ao d\u00e9ficit p\u00fablico desse per\u00edodo, pois exclui qualquer outro fator que n\u00e3o tenha rela\u00e7\u00e3o com a condu\u00e7\u00e3o da pol\u00edtica fiscal, mas afeta o endividamento p\u00fablico. Aferida em rela\u00e7\u00e3o ao PIB, a DFL depende ainda da evolu\u00e7\u00e3o do produto da economia. Caso o crescimento da economia seja positivo, a estabilidade do indicador \u00e9 compat\u00edvel com algum d\u00e9ficit p\u00fablico, mas quanto menor o crescimento, menor esse d\u00e9ficit.<\/p>\n

O Gr\u00e1fico I abaixo mostra a evolu\u00e7\u00e3o da DLSP e da DFL desde dezembro de 2010, ambas como propor\u00e7\u00e3o do PIB. Os n\u00fameros s\u00e3o do Bacen (http:\/\/www.bcb.gov.br\/?COMPDLSP<\/a>). Conforme visto, a DLSP manteve a trajet\u00f3ria de queda em todo o per\u00edodo considerado, ainda que intermediada por momentos de estabilidade ou aumento. J\u00e1 a DFL atingiu o seu menor n\u00famero em julho de 2011, com 31,6% do PIB. Da\u00ed em diante deixou de cair e, a partir de maio de 2012, ingressou em clara tend\u00eancia de aumento, chegando a 33,4% do PIB em agosto de 2013, \u00faltimo dado dispon\u00edvel.<\/p>\n

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Qual a raz\u00e3o da trajet\u00f3ria oposta dos dois indicadores? A resposta no caso da DFL s\u00f3 pode ser uma, tendo em vista a defini\u00e7\u00e3o dada acima: a evolu\u00e7\u00e3o do d\u00e9ficit do setor p\u00fablico.<\/p>\n

Essa vari\u00e1vel costuma ser dividida em duas partes: juros l\u00edquidos devidos e super\u00e1vit prim\u00e1rio (receitas n\u00e3o financeiras menos despesas n\u00e3o financeiras). Dado o tamanho da d\u00edvida l\u00edquida e o n\u00edvel de taxa de juros, o esfor\u00e7o fiscal representado pelo super\u00e1vit prim\u00e1rio costuma ser inferior aos juros l\u00edquidos devidos pelo setor p\u00fablico, resultando em d\u00e9ficit p\u00fablico. Ocorre que nos \u00faltimos dois anos, o esfor\u00e7o fiscal como propor\u00e7\u00e3o do PIB vem caindo, sem que os juros devidos caiam na mesma propor\u00e7\u00e3o. O resultado \u00e9 o aumento da d\u00edvida. O Gr\u00e1fico II mostra as tr\u00eas vari\u00e1veis no acumulado dos \u00faltimos doze meses, como propor\u00e7\u00e3o do PIB. O super\u00e1vit prim\u00e1rio aparece como n\u00famero negativo.<\/p>\n

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Em julho de 2011, o d\u00e9ficit p\u00fablico estava em cerca de 1,9% do PIB, resultado de super\u00e1vit prim\u00e1rio de 3,7% do PIB e de juros l\u00edquidos devidos de 5,6% do PIB, situa\u00e7\u00e3o que pode ser considerada satisfat\u00f3ria. Entretanto, em agosto de 2011, houve uma guinada da pol\u00edtica fiscal e monet\u00e1ria sem raz\u00f5es aparentes. No \u00e2mbito da pol\u00edtica fiscal, o super\u00e1vit prim\u00e1rio passou a cair (no Gr\u00e1fico II, tornou-se menos negativo), ainda que com algumas interrup\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

Como parte relevante da d\u00edvida p\u00fablica \u00e9 corrigida pela taxa Selic, os juros l\u00edquidos devidos acompanham em boa medida os ajustes promovidos na referida taxa no \u00e2mbito da execu\u00e7\u00e3o da pol\u00edtica monet\u00e1ria. Em agosto de 2011, teve in\u00edcio um per\u00edodo de sucessivas redu\u00e7\u00f5es na taxa Selic, que caiu de 12,5% ao ano para o piso hist\u00f3rico de 7,25% ao ano, em outubro de 2012. A evolu\u00e7\u00e3o dos juros l\u00edquidos devidos no Gr\u00e1fico II reflete com clareza essa mudan\u00e7a na pol\u00edtica monet\u00e1ria.<\/p>\n

Assim, o d\u00e9ficit p\u00fablico subiu, acompanhando o super\u00e1vit prim\u00e1rio, mas amortecido pela trajet\u00f3ria dos juros l\u00edquidos devidos. O problema \u00e9 que a taxa Selic voltou a subir em abril de 2013, como resposta ao recrudescimento da infla\u00e7\u00e3o. Em consequ\u00eancia, a evolu\u00e7\u00e3o dos juros l\u00edquidos deixou de compensar parte da redu\u00e7\u00e3o do super\u00e1vit prim\u00e1rio, podendo inclusive se somar a esse como fator de aumento do d\u00e9ficit p\u00fablico.<\/p>\n

A situa\u00e7\u00e3o em agosto de 2013, \u00faltimo m\u00eas com dado dispon\u00edvel, \u00e9 de d\u00e9ficit p\u00fablico de 3,12% do PIB, aumento de 1,26 ponto percentual do PIB em rela\u00e7\u00e3o a julho de 2011, fruto da redu\u00e7\u00e3o de 1,91 ponto do super\u00e1vit prim\u00e1rio e da queda de 0,65 ponto percentual dos juros l\u00edquidos devidos.<\/p>\n

A DFL subiu, acompanhando esse movimento do d\u00e9ficit p\u00fablico. Conforme visto, esse indicador alcan\u00e7ou o seu menor n\u00edvel em julho de 2011 e, com a guinada da pol\u00edtica econ\u00f4mica no m\u00eas seguinte, ingressou em trajet\u00f3ria de eleva\u00e7\u00e3o da\u00ed em diante.<\/p>\n

Mas o que explica que a DLSP tenha continuado a cair, mesmo dois anos ap\u00f3s a mudan\u00e7a da pol\u00edtica econ\u00f4mica? \u00c9 que a DLSP, al\u00e9m de influenciada pela pol\u00edtica fiscal, depende tamb\u00e9m de outros fatores, notadamente eventos patrimoniais e cambiais.<\/p>\n

Os chamados fatores patrimoniais incluem, por exemplo, a venda de um ativo ou o reconhecimento de uma d\u00edvida. Quando o setor p\u00fablico amortiza d\u00edvida com a venda de um ativo ou ent\u00e3o quando a d\u00edvida sobe porque o setor p\u00fablico reconhece certo passivo, a d\u00edvida l\u00edquida muda, mas n\u00e3o por raz\u00f5es estritamente fiscais.<\/p>\n

J\u00e1 os fatores cambiais refletem os efeitos de altera\u00e7\u00f5es na taxa de c\u00e2mbio na parcela do passivo e do ativo do setor p\u00fablico denominada em moeda estrangeira, notadamente o d\u00f3lar. Quando, por exemplo, um ente deve ao exterior, em d\u00f3lar, a sua d\u00edvida em reais aumenta quando h\u00e1 desvaloriza\u00e7\u00e3o cambial (aumento do pre\u00e7o do d\u00f3lar). J\u00e1 quando o ente \u00e9 credor em d\u00f3lar, como ocorre no caso da Uni\u00e3o, em fun\u00e7\u00e3o do excesso de reservas internacionais em rela\u00e7\u00e3o \u00e0 sua d\u00edvida externa, o valor em reais do ativo aumenta quando h\u00e1 desvaloriza\u00e7\u00e3o cambial. Nesse \u00faltimo caso, a d\u00edvida l\u00edquida cai, pois corresponde \u00e0 d\u00edvida bruta deduzida do ativo. No caso de valoriza\u00e7\u00e3o cambial, h\u00e1 o movimento inverso. Assim, as varia\u00e7\u00f5es cambiais afetam a d\u00edvida l\u00edquida n\u00e3o por raz\u00f5es estritamente fiscais, tal como ocorre com os ajustes patrimoniais.<\/p>\n

O Gr\u00e1fico III mostra a varia\u00e7\u00e3o acumulada da DLSP em pontos percentuais do PIB, desde dezembro de 2010 at\u00e9 agosto de 2013, em tr\u00eas situa\u00e7\u00f5es: 1) a situa\u00e7\u00e3o que de fato ocorreu; 2) a situa\u00e7\u00e3o caso n\u00e3o tivesse sofrido a a\u00e7\u00e3o das mudan\u00e7as cambiais; e 3) a situa\u00e7\u00e3o caso n\u00e3o tivesse sofrido a a\u00e7\u00e3o das mudan\u00e7as cambiais, nem dos ajustes patrimoniais. Essa terceira situa\u00e7\u00e3o retrata, na verdade, a evolu\u00e7\u00e3o da DFL, pois esse indicador corresponde justamente \u00e0 DLSP sem a a\u00e7\u00e3o dos dois fatores.<\/p>\n

O Gr\u00e1fico III mostra que, sem o efeito das mudan\u00e7as cambiais, a trajet\u00f3ria da DLSP teria sido muito pr\u00f3xima da trajet\u00f3ria da DFL. No per\u00edodo considerado, a DLSP teria subido 0,6 ponto e n\u00e3o ca\u00eddo 5,3 pontos, como de fato ocorreu. J\u00e1 a DFL subiu 0,9 ponto percentual. Dito de outro modo, as mudan\u00e7as cambiais explicam 5,9 pontos da diferen\u00e7a de 6,2 pontos entre a varia\u00e7\u00e3o da DLSP e a varia\u00e7\u00e3o da DFL.<\/p>\n

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O que explica a import\u00e2ncia da varia\u00e7\u00e3o cambial como fator determinante da trajet\u00f3ria da DLSP nos \u00faltimos dois anos? A presen\u00e7a de uma situa\u00e7\u00e3o in\u00e9dita: grande volume de reservas internacionais e desvaloriza\u00e7\u00e3o do real frente ao d\u00f3lar. As reservas passaram de US$ 37 bilh\u00f5es em dezembro de 2002 para um saldo cerca de dez vezes maior dez anos depois. Na maior parte do per\u00edodo, entretanto, houve valoriza\u00e7\u00e3o cambial. A tend\u00eancia de desvaloriza\u00e7\u00e3o do real come\u00e7ou em setembro de 2011, o que, ao elevar o valor em real das reservas internacionais, diminuiu a d\u00edvida l\u00edquida. No Gr\u00e1fico III, pode-se ver que no referido m\u00eas as trajet\u00f3rias da DFL e da DLSP come\u00e7aram a se distanciar.<\/p>\n

\u00c9 claro que a d\u00edvida externa do setor p\u00fablico, mensurada em reais, aumenta com a desvaloriza\u00e7\u00e3o cambial, mas o aumento das reservas foi de tal monta que o setor p\u00fablico passou a ser credor externo em termos l\u00edquidos j\u00e1 em setembro de 2006.<\/p>\n

Em s\u00edntese, a partir da guinada em agosto de 2011, a pol\u00edtica fiscal tem atuado para elevar a DLSP, e n\u00e3o reduzi-la. Esse indicador, contudo, continua caindo por conta do efeito da desvaloriza\u00e7\u00e3o cambial sobre o valor em real das reservas externas. Ao mesmo tempo, a DFL sobe, por retratar apenas o efeito da pol\u00edtica fiscal sobre o endividamento p\u00fablico.<\/p>\n

O efeito da desvaloriza\u00e7\u00e3o cambial sobre a DLSP n\u00e3o \u00e9 ruim. Trata-se de algo similar a um ganho de capital que eleva o valor do ativo frente ao passivo existente. Mas o tamanho do ganho depende do n\u00edvel em que a taxa de c\u00e2mbio se acomodar\u00e1 no Brasil, o que \u00e9 muito dif\u00edcil de prever. \u00c9 poss\u00edvel que ela fique bem acima dos atuais R$ 2,20 ou que fique nesse patamar por um bom tempo. Nesse \u00faltimo caso, a manuten\u00e7\u00e3o da atual pol\u00edtica fiscal elevar\u00e1 a DLSP, a exemplo do que j\u00e1 faz com a DFL.<\/p>\n

De qualquer modo, n\u00e3o parece razo\u00e1vel que a trajet\u00f3ria do endividamento p\u00fablico fique a merc\u00ea de uma vari\u00e1vel t\u00e3o fora do controle como a taxa de c\u00e2mbio. O super\u00e1vit prim\u00e1rio \u00e9 o instrumento adequado para controlar o endividamento p\u00fablico, em que pese a resist\u00eancia pol\u00edtica em utiliz\u00e1-lo. Ademais, al\u00e9m de contribuir para a sustentabilidade das contas p\u00fablicas, a pol\u00edtica fiscal atua sobre a demanda agregada da economia e, por esse meio, ajuda a controlar a infla\u00e7\u00e3o e o d\u00e9ficit nas transa\u00e7\u00f5es com o exterior.<\/p>\n

Pode-se argumentar que o efeito da pol\u00edtica fiscal sobre o aumento do endividamento nos \u00faltimos dois anos n\u00e3o foi elevado, j\u00e1 que a DFL subiu 1,8 ponto percentual do PIB desde julho de 2011. \u00c9 preciso observar, entretanto, os acontecimentos nos \u00faltimos meses. A taxa Selic voltou a subir e ainda n\u00e3o est\u00e1 claro onde chegar\u00e1 frente aos desequil\u00edbrios macroecon\u00f4micos do pa\u00eds. Um novo per\u00edodo na trajet\u00f3ria do d\u00e9ficit p\u00fablico pode estar se iniciando, de coexist\u00eancia entre super\u00e1vit prim\u00e1rio decrescente e juros l\u00edquidos devidos crescentes, algo pouco comum na s\u00e9rie dispon\u00edvel.<\/p>\n

As expectativas quanto ao futuro da economia brasileira est\u00e3o sendo negativamente afetadas por conta de infla\u00e7\u00e3o elevada, baixo crescimento econ\u00f4mico e d\u00e9ficit crescente nas transa\u00e7\u00f5es correntes. O pessimismo aumentaria ainda mais se a esses indicadores se juntasse a revers\u00e3o da tend\u00eancia de queda da DLSP, o que n\u00e3o acontece desde o final de 2002.<\/p>\n

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