{"id":1950,"date":"2013-08-12T09:24:26","date_gmt":"2013-08-12T12:24:26","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=1950"},"modified":"2013-08-12T09:24:26","modified_gmt":"2013-08-12T12:24:26","slug":"como-promover-a-renovacao-das-cidades","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=1950","title":{"rendered":"Como promover a renova\u00e7\u00e3o das cidades?"},"content":{"rendered":"
As grandes cidades brasileiras apresentam um padr\u00e3o de desenvolvimento urbano bastante conhecido: de um lado, expans\u00e3o horizontal excessiva, de baixa densidade e com pouca infraestrutura; de outro, degrada\u00e7\u00e3o e decad\u00eancia das \u00e1reas centrais, que perdem popula\u00e7\u00e3o apesar de estarem dotadas de infraestrutura.<\/p>\n
Praticamente todos os estudiosos de quest\u00e3o urbana e planejadores urbanos afirmam que esse quadro deve ser revertido, procurando-se fazer com que as cidades cres\u00e7am \u201cpara dentro\u201d, de modo a reduzir os custos de urbaniza\u00e7\u00e3o, tornar os centros hist\u00f3ricos menos perigosos e aumentar a densidade demogr\u00e1fica da cidade, condi\u00e7\u00e3o indispens\u00e1vel para viabilizar economicamente o transporte coletivo e o deslocamento a p\u00e9 ou de bicicleta.<\/p>\n
Pol\u00edticas voltadas para a revitaliza\u00e7\u00e3o de \u00e1reas degradadas t\u00eam sido adotadas em diversos munic\u00edpios pelo menos desde a d\u00e9cada de 1980 e diretrizes nesse sentido constam de todos os planos diretores, cuja ado\u00e7\u00e3o foi tornada obrigat\u00f3ria a partir da Constitui\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
A fim de viabilizar esse tipo de interven\u00e7\u00e3o, o Estatuto da Cidade (Lei 10.257\/2001), principal lei federal disciplinadora da pol\u00edtica urbana, criou a figura da \u201copera\u00e7\u00e3o urbana consorciada\u201d, definida como \u201cconjunto de interven\u00e7\u00f5es e medidas coordenadas pelo Poder P\u00fablico municipal, com a participa\u00e7\u00e3o dos propriet\u00e1rios, moradores, usu\u00e1rios permanentes e investidores privados, com o objetivo de alcan\u00e7ar em uma \u00e1rea transforma\u00e7\u00f5es urban\u00edsticas estruturais, melhorias sociais e a valoriza\u00e7\u00e3o ambiental\u201d (art. 32, \u00a7 1\u00ba).<\/p>\n
Institu\u00edda a opera\u00e7\u00e3o, propriet\u00e1rios podem se beneficiar de altera\u00e7\u00f5es nas normas de uso do solo, em troca de contrapartidas a serem pagas ao Poder P\u00fablico. A lei criou uma forma inovadora de contrapartida, que \u00e9 o certificado de potencial adicional de constru\u00e7\u00e3o (CEPAC), t\u00edtulo emitido pela prefeitura e que tem que ser adquirido pelo propriet\u00e1rio interessado em aumentar o aproveitamento de seu lote. Os recursos arrecadados t\u00eam que ser obrigatoriamente investidos na \u00e1rea da opera\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
Os Munic\u00edpios de S\u00e3o Paulo, Rio de Janeiro e Curitiba j\u00e1 fizeram uso do CEPAC, cuja emiss\u00e3o tem que ser registrada perante a Comiss\u00e3o de Valores Mobili\u00e1rios (CVM), e arrecadaram acima de R$ 5 bilh\u00f5es de reais, o que demonstra a ades\u00e3o do mercado a esse mecanismo.<\/p>\n
Apesar de todos esses esfor\u00e7os, o fato \u00e9 que os resultados ficam sempre muito aqu\u00e9m do necess\u00e1rio. As cidades apresentam extensas \u00e1reas devidamente urbanizadas, mas com densidades muito baixas e esse quadro n\u00e3o se altera mesmo quando se oferecem incentivos urban\u00edsticos, tribut\u00e1rios e financeiros aos propriet\u00e1rios e empreendedores. Ao contr\u00e1rio do que muitos imaginam, essa baixa densidade n\u00e3o se deve majoritariamente aos chamados \u201cvazios urbanos\u201d, ou seja, glebas e lotes ociosos, mas a um padr\u00e3o de ocupa\u00e7\u00e3o de lotes por casas isoladas ou \u201cunifamiliares\u201d ou por pr\u00e9dios sem adequada conserva\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
A explica\u00e7\u00e3o para essa perman\u00eancia do status quo<\/em> reside na dificuldade que tem o mercado de reunir os lotes necess\u00e1rios para fazer uso de \u00edndices construtivos mais elevados. Via de regra, a constru\u00e7\u00e3o de um pr\u00e9dio depende da forma\u00e7\u00e3o de um novo lote a partir do remembramento de diversos lotes unifamiliares, pois quanto maior a altura da edifica\u00e7\u00e3o, maiores devem ser os recuos desta com rela\u00e7\u00e3o \u00e0s divisas do lote. Esse tipo de exig\u00eancia decorre da necessidade de assegurar adequada ventila\u00e7\u00e3o e insola\u00e7\u00e3o aos apartamentos, aos vizinhos e \u00e0 rua.<\/p>\n Nessas situa\u00e7\u00f5es, cada propriet\u00e1rio de im\u00f3vel a ser remembrado tem poder de veto sobre todo o empreendimento, o que aumenta seu poder de barganha perante poss\u00edveis incorporadores, que precisam adquirir um conjunto de im\u00f3veis cont\u00edguos como condi\u00e7\u00e3o para o remembramento. Ante a dificuldade de concluir negocia\u00e7\u00f5es t\u00e3o complexas, eles preferem buscar terrenos maiores, ainda que mais distantes, o que explica, em grande medida, a preval\u00eancia do crescimento urbano horizontal sobre o vertical.<\/p>\n Os economistas estudam esse tipo de situa\u00e7\u00e3o como um \u201cproblema de reten\u00e7\u00e3o\u201d (holdout problem<\/em>), cuja solu\u00e7\u00e3o mais comum \u00e9 a desapropria\u00e7\u00e3o. Para promover opera\u00e7\u00f5es de urbaniza\u00e7\u00e3o ou reurbaniza\u00e7\u00e3o, o Poder P\u00fablico teria que desapropriar amplas \u00e1reas a serem renovadas, para remembrar e relotear seus terrenos e em seguida revender os novos lotes a empreendedores interessados em construir as edifica\u00e7\u00f5es previstas no planejamento urban\u00edstico da regi\u00e3o.<\/p>\n Um caso conhecido de reurbaniza\u00e7\u00e3o, realizado pela Empresa Municipal de Urbaniza\u00e7\u00e3o (EMURB), empresa p\u00fablica do Munic\u00edpio de S\u00e3o Paulo, ocorreu na d\u00e9cada de 1970, no entorno das esta\u00e7\u00f5es Santana e Jabaquara do Metr\u00f4. Na \u00e9poca, houve pol\u00eamica quanto ao emprego da desapropria\u00e7\u00e3o como instrumento para a produ\u00e7\u00e3o de im\u00f3veis que n\u00e3o s\u00e3o incorporados ao patrim\u00f4nio p\u00fablico, mas revendidos a terceiros (denominada de \u201cdesapropria\u00e7\u00e3o urban\u00edstica\u201d). Em apertada vota\u00e7\u00e3o (6 a 5), o Supremo Tribunal Federal acabou por confirmar sua constitucionalidade (RE 82.300).<\/p>\n Mais comuns que as reurbaniza\u00e7\u00f5es s\u00e3o as urbaniza\u00e7\u00f5es. Um tipo comum de urbaniza\u00e7\u00e3o promovida pelo Poder P\u00fablico s\u00e3o os chamados \u201cdistritos industriais\u201d, que nada mais s\u00e3o que loteamentos projetados para o uso industrial. Para realiz\u00e1-los, os munic\u00edpios desapropriam glebas e posteriormente alienam os lotes para empresas interessadas em instalar f\u00e1bricas no local.<\/p>\n Uma dificuldade inicial desse tipo de iniciativa, especialmente quando realizada em \u00e1reas j\u00e1 urbanizadas, reside na maneira como se pratica a desapropria\u00e7\u00e3o no Brasil. Apesar de a Constitui\u00e7\u00e3o condicionar a transfer\u00eancia do im\u00f3vel ao pagamento de uma indeniza\u00e7\u00e3o \u201cpr\u00e9via e justa\u201d, o Decreto-Lei 3.365, de 1941, que disciplina a desapropria\u00e7\u00e3o por utilidade p\u00fablica, admite a \u201cimiss\u00e3o provis\u00f3ria na posse\u201d, mediante o dep\u00f3sito de um valor avaliado unilateralmente pelo Poder P\u00fablico, para que s\u00f3 depois se discuta em contradit\u00f3rio entre as partes a avalia\u00e7\u00e3o do bem, que acaba sendo invariavelmente mais alta. Os propriet\u00e1rios desapropriados n\u00e3o s\u00f3 correm o risco de n\u00e3o receber o valor correto por seus im\u00f3veis, como ainda incorrem no custo de transa\u00e7\u00e3o envolvido na disputa com o Poder P\u00fablico. Some-se a isso o fato de que o recebimento da diferen\u00e7a entre o dep\u00f3sito inicial e a avalia\u00e7\u00e3o final depende n\u00e3o apenas do tr\u00e2nsito em julgado do ac\u00f3rd\u00e3o, mas tamb\u00e9m da disposi\u00e7\u00e3o do Estado em pagar o chamado \u201cprecat\u00f3rio\u201d, que \u00e9 o t\u00edtulo resultante do tr\u00e2nsito em julgado, o que pode levar d\u00e9cadas.<\/p>\n Para compensar o preju\u00edzo em que incorre o desapropriado, a jurisprud\u00eancia criou os conceitos de \u201cjuros compensat\u00f3rios\u201d e de \u201cjuros morat\u00f3rios\u201d, que s\u00e3o calculados sobre a diferen\u00e7a entre o dep\u00f3sito inicial e a avalia\u00e7\u00e3o final e aplicados retroativamente ao momento da imiss\u00e3o provis\u00f3ria na posse. Na pr\u00e1tica, a desapropria\u00e7\u00e3o d\u00e1 origem a um \u201cesqueleto\u201d, ou seja, uma d\u00edvida n\u00e3o contabilizada, de valor impreciso, que ter\u00e1 que ser paga em um futuro distante.<\/p>\n Em raz\u00e3o dessas distor\u00e7\u00f5es, projetos que envolvam desapropria\u00e7\u00f5es costumam ser intensamente combatidos pelos propriet\u00e1rios de im\u00f3veis, tanto pol\u00edtica quanto judicialmente, o que muitas vezes os inviabiliza.<\/p>\n A ironia desse quadro reside no fato de que, na maioria dos casos, empreendimentos desse tipo s\u00e3o lucrativos, pois os novos lotes s\u00e3o muito mais valiosos que os antigos. Haveria condi\u00e7\u00f5es financeiras, portanto, para pagar aos propriet\u00e1rios indeniza\u00e7\u00f5es atrativas, que poderiam ser aceitas amigavelmente, economizando os vultosos recursos necess\u00e1rios ao pagamento de juros compensat\u00f3rios e morat\u00f3rios. Isso desafogaria o Judici\u00e1rio e aumentaria a aceita\u00e7\u00e3o pol\u00edtica e a seguran\u00e7a jur\u00eddica dos empreendimentos.<\/p>\n Note-se, ainda, que, por serem auto-sustent\u00e1veis financeiramente, esses empreendimentos n\u00e3o dependem de recursos p\u00fablicos, mas de um modelo institucional que viabilize seu financiamento pelo mercado financeiro e de capitais. Sua viabilidade econ\u00f4mica \u00e9 ainda maior quando associados a projetos de infraestrutura capazes de gerar valoriza\u00e7\u00e3o imobili\u00e1ria para o seu entorno, como as esta\u00e7\u00f5es de Metr\u00f4. A incorpora\u00e7\u00e3o do reparcelamento do solo a projetos de infraestrutura urbana permitiria ao Poder P\u00fablico recuperar grande parte dos recursos p\u00fablicos despendidos, al\u00e9m de viabilizar um melhor aproveitamento urban\u00edstico dos equipamentos constru\u00eddos. No Jap\u00e3o e em Hong Kong, por exemplo, grande parte dos custos do transporte ferrovi\u00e1rio de passageiros \u00e9 financiada dessa maneira.<\/p>\n Em muitos pa\u00edses, opera\u00e7\u00f5es desse tipo, denominadas \u201cland<\/em> readjustment<\/em>\u201d ou \u201creparcelamento\u201d s\u00e3o realizadas por meio da permuta consensual de im\u00f3veis antigos por outros novos, a serem produzidos no \u00e2mbito do empreendimento. Ainda que estes possam ser menores que aqueles, ser\u00e3o mais valiosos, o que torna o empreendimento atrativo para os propriet\u00e1rios. Em geral, a legisla\u00e7\u00e3o exige a ades\u00e3o de uma maioria qualificada de propriet\u00e1rios, que \u00e9 obtida no decorrer de extensas negocia\u00e7\u00f5es, como condi\u00e7\u00e3o para o prosseguimento da opera\u00e7\u00e3o. Obtida essa maioria, os que se recusarem a aderir ser\u00e3o desapropriados.<\/p>\n O Estatuto da Cidade (Lei n\u00ba 10.257, de 2001) prev\u00ea um instituto jur\u00eddico semelhante, denominado \u201ccons\u00f3rcio imobili\u00e1rio\u201d, que \u00e9 definido como \u201cforma de viabiliza\u00e7\u00e3o de planos de urbaniza\u00e7\u00e3o ou edifica\u00e7\u00e3o por meio da qual o propriet\u00e1rio transfere ao Poder P\u00fablico municipal seu im\u00f3vel e, ap\u00f3s a realiza\u00e7\u00e3o das obras, recebe, como pagamento, unidades imobili\u00e1rias devidamente urbanizadas ou edificadas\u201d (art. 46, \u00a7 1\u00ba). Exige-se, no entanto, que o im\u00f3vel original seja avaliado segundo seu valor venal para efeito de IPTU, que tende a ser subestimado, o que torna o instrumento completamente ineficaz.<\/p>\n Alguns pa\u00edses oferecem aos propriet\u00e1rios, alternativamente \u00e0 permuta de im\u00f3veis, uma sociedade no empreendimento, valendo a entrega do im\u00f3vel como aporte de capital. Observe-se que sociedades de prop\u00f3sito espec\u00edfico (SPE) s\u00e3o muito empregadas no financiamento de projetos de infraestrutura, pois permitem uma clara segrega\u00e7\u00e3o dos riscos e da contabilidade do neg\u00f3cio,\u00a0 sendo sua constitui\u00e7\u00e3o facultada no caso de concess\u00f5es (art. 20 da Lei n\u00ba 8.987, de 1995) e exigida no caso de PPPs (art. 9\u00ba da Lei n\u00ba 11.079, de 2004).<\/p>\n Nada impede que modelo semelhante seja adotado na \u00e1rea do desenvolvimento urbano, sob a forma de sociedade an\u00f4nima ou de fundo de investimento imobili\u00e1rio, facultando-se aos os propriet\u00e1rios a participa\u00e7\u00e3o no seu capital mediante entrega dos im\u00f3veis necess\u00e1rios \u00e0 opera\u00e7\u00e3o.<\/p>\n Al\u00e9m dos propriet\u00e1rios, tamb\u00e9m poderiam participar do capital dessas entidades o Poder P\u00fablico, por meio de logradouros desafetados, dinheiro, CEPACs e t\u00edtulos p\u00fablicos, e investidores externos, inclusive mediante abertura de capital em bolsa de valores. Outros meios de financiamento seriam a venda ou loca\u00e7\u00e3o de im\u00f3veis futuros \u201cna planta\u201d e a securitiza\u00e7\u00e3o de receb\u00edveis, t\u00e9cnicas de financiamento de projetos amplamente praticadas no mercado.<\/p>\n Essas entidades devem ter o poder de desapropriar os im\u00f3veis de que necessitem, condi\u00e7\u00e3o indispens\u00e1vel \u00e0 resolu\u00e7\u00e3o do problema da reten\u00e7\u00e3o. Para isso, dever\u00e3o assumir a condi\u00e7\u00e3o de sociedade de economia mista, criada por lei, ou de concession\u00e1ria, selecionada por licita\u00e7\u00e3o. O importante \u00e9 a desapropria\u00e7\u00e3o, inerentemente conflituosa, seja utilizada apenas em \u00faltimo caso, preferindo-se sempre solu\u00e7\u00f5es consensuais.<\/p>\n A fim de que essas solu\u00e7\u00f5es sejam alcan\u00e7adas, \u00e9 preciso romper com o preconceito que qualifica qualquer forma de favorecimento aos propriet\u00e1rios de im\u00f3veis como \u201cespecula\u00e7\u00e3o imobili\u00e1ria\u201d. Acordos t\u00eam que ser ben\u00e9ficos para todas as partes. A proibi\u00e7\u00e3o de que se pague, permute ou indenize um im\u00f3vel por valor superior ao de mercado resulta na impossibilidade de uma solu\u00e7\u00e3o amig\u00e1vel. Nos pa\u00edses em que se pratica o \u201cland readjustment\u201d, as pessoas ficam felizes quando recebem a not\u00edcia de que haver\u00e1 um projeto de renova\u00e7\u00e3o urbana nos bairros em que moram. No Brasil, essa mesma not\u00edcia seria recebida como trag\u00e9dia.<\/p>\n J\u00e1 avan\u00e7amos muito na concess\u00e3o de infraestruturas \u00e0 iniciativa privada. \u00c9 chegada a hora de fazer o mesmo na \u00e1rea do desenvolvimento urbano.<\/p>\n Download:<\/strong><\/em><\/p>\n