{"id":1872,"date":"2013-06-05T09:11:58","date_gmt":"2013-06-05T12:11:58","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=1872"},"modified":"2013-06-05T09:14:24","modified_gmt":"2013-06-05T12:14:24","slug":"crescimento-e-desigualdade","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=1872","title":{"rendered":"Crescimento e desigualdade"},"content":{"rendered":"
O Valor Econ\u00f4mico publicou recentemente caderno especial que discutiu os motivos do baixo crescimento do pa\u00eds. Os diagn\u00f3sticos apontam, corretamente, para uma combina\u00e7\u00e3o de alto e crescente gasto p\u00fablico, tributa\u00e7\u00e3o elevada e complexa, baixa escolaridade, economia excessivamente fechada, infraestrutura prec\u00e1ria e juros elevados. Se essas causas do baixo crescimento est\u00e3o claramente identificadas h\u00e1 bastante tempo, por que o pa\u00eds n\u00e3o foi capaz de encaminhar a solu\u00e7\u00e3o dos problemas? Reclama-se h\u00e1 anos da infraestrutura e as estradas continuam no buraco; os economistas est\u00e3o roucos de apontar os malef\u00edcios do gasto p\u00fablico excessivo, e ele continua a crescer. Reforma tribut\u00e1ria simplesmente n\u00e3o acontece…<\/p>\n
Essa aparente in\u00e9rcia decorre do fato de que as causas acima apontadas s\u00e3o, em grande medida, consequ\u00eancia de uma caracter\u00edstica hist\u00f3rica da sociedade brasileira: a desigualdade de renda e de patrim\u00f4nio. Uma sociedade desigual \u00e9 tipicamente composta por uma grande maioria de pobres e um pequeno grupo muito rico. Ap\u00f3s \u00e0 transi\u00e7\u00e3o para a democracia, em 1985, a classe pol\u00edtica gradativamente percebeu que a maioria dos votos est\u00e1 entre os pobres: sem atender os interesses imediatos desse grupo n\u00e3o se ganha elei\u00e7\u00e3o. Da\u00ed a expans\u00e3o do gasto p\u00fablico e a dificuldade em conter seu crescimento: aumentos reais para o sal\u00e1rio-m\u00ednimo, expans\u00e3o da aposentadoria rural, universaliza\u00e7\u00e3o da sa\u00fade, etc. Iniciou-se vigorosa \u201credistribui\u00e7\u00e3o para os pobres\u201d.<\/p>\n
Por outro lado, os muito ricos disp\u00f5em de poder financeiro para influenciar as decis\u00f5es governamentais, de onde decorrem: prote\u00e7\u00e3o comercial para a ind\u00fastria, cr\u00e9dito subsidiado para empresas escolhidas a dedo, pol\u00edticas de desenvolvimento regional capturadas pelos ricos das regi\u00f5es pobres, fundos de pens\u00e3o de estatais prontos a financiar projetos \u201cgeniais\u201d de pessoas bem conectadas, ag\u00eancias reguladoras fr\u00e1geis que facilitam a vida dos grupos regulados. Essa \u201credistribui\u00e7\u00e3o para os ricos\u201d tamb\u00e9m custa dinheiro e pressiona o gasto p\u00fablico e a d\u00edvida p\u00fablica, al\u00e9m de impedir a livre concorr\u00eancia e envenenar o ambiente de neg\u00f3cios.<\/p>\n
Nos primeiros anos da nova era democr\u00e1tica, essas press\u00f5es redistributivas (em favor dos pobres e dos ricos) foram financiadas pela infla\u00e7\u00e3o. Quando o custo desta alternativa se tornou insuport\u00e1vel para a sociedade, foi poss\u00edvel fazer avan\u00e7os institucionais que resultaram em maior controle fiscal e monet\u00e1rio. Mas a desigualdade continuou pressionando o gasto p\u00fablico. Para manter o equil\u00edbrio fiscal foi preciso jogar a tributa\u00e7\u00e3o para as alturas e abandonar os investimentos em infraestrutura (que geram ganhos para todos no longo prazo, mas n\u00e3o s\u00e3o prioridade de curto prazo para nenhum dos dois grupos situados nos extremos da distribui\u00e7\u00e3o de renda). Ainda assim persiste significativo d\u00e9ficit p\u00fablico, que drena a poupan\u00e7a da sociedade e pressiona a taxa de juros para cima.<\/p>\n
As causas imediatas do baixo crescimento, listadas no primeiro par\u00e1grafo s\u00e3o, na verdade, as consequ\u00eancias do caminho que a sociedade brasileira encontrou para evitar que a<\/p>\n
desigualdade levasse \u00e0 instabilidade pol\u00edtica: os pobres s\u00e3o atendidos e n\u00e3o se revoltam, os ricos s\u00e3o atendidos e deixam de sonhar com golpes de estado. E gra\u00e7as a isso j\u00e1 temos quase trinta anos de estabilidade democr\u00e1tica. A Constitui\u00e7\u00e3o de 1988 \u00e9 a segunda mais longeva da hist\u00f3ria da Rep\u00fablica, perdendo apenas para a Carta de 1891, que ficou 43 anos em vigor.<\/p>\n
Por\u00e9m, no meio do caminho h\u00e1 uma classe m\u00e9dia que n\u00e3o se beneficia dos gastos direcionados para os ricos e para os pobres, e que est\u00e1 sufocada por impostos, m\u00e1 infraestrutura, juros elevados e por ambiente de neg\u00f3cios in\u00f3spito, sem espa\u00e7o para empreender e prosperar.<\/p>\n
As perspectivas de longo-prazo tornam-se med\u00edocres, pois no longo-prazo s\u00f3 se muda de patamar de desenvolvimento atrav\u00e9s do crescimento da economia.<\/p>\n
A not\u00edcia positiva \u00e9 que a desigualdade aos poucos vem caindo, em boa medida devido \u00e0s pol\u00edticas de \u201credistribui\u00e7\u00e3o para os pobres\u201d. \u00c9 poss\u00edvel que em alguns anos a chamada nova classe m\u00e9dia passe a pressionar menos por redistribui\u00e7\u00e3o pr\u00f3-pobres; aumentando sua demanda por pol\u00edticas que facilitem a prosperidade da iniciativa privada, o que criaria suporte pol\u00edtico para o controle do gasto p\u00fablico, racionaliza\u00e7\u00e3o tribut\u00e1ria, etc. Nesse caso, o baixo crescimento de hoje seria o pre\u00e7o a pagar pelo maior crescimento no futuro.<\/p>\n
H\u00e1, contudo, o risco de que o redistributivismo atual (para ricos e pobres) persista por muito tempo, e que o pa\u00eds viva d\u00e9cadas de baixo crescimento, o que pode at\u00e9 mesmo romper a estabilidade pol\u00edtica, pois muitos anos de estagna\u00e7\u00e3o far\u00e1 o cobertor ficar curto para atender \u00e0s demandas dos extremos da distribui\u00e7\u00e3o de renda, al\u00e9m de saturar a paci\u00eancia da classe m\u00e9dia, que paga a conta do atual modelo.<\/p>\n
Para evitar esse cen\u00e1rio negativo, e facilitar o caminho do pa\u00eds em dire\u00e7\u00e3o a maior crescimento e maior igualdade, \u00e9 necess\u00e1rio dar prioridade a pol\u00edticas redistributivas pr\u00f3-pobres mais eficazes e de menor custo. Investimentos em saneamento b\u00e1sico e educa\u00e7\u00e3o fundamental, por exemplo, s\u00e3o bons para os pobres e para o crescimento econ\u00f4mico ao mesmo tempo. Reajustes elevados para o sal\u00e1rio-m\u00ednimo, por outro lado, reduzem a competitividade das empresas e pressionam os gastos p\u00fablicos. \u00c9 verdade que tais reajustes redistribuem renda para os mais pobres, mas a um custo muito mais alto do que outras pol\u00edticas, como o Bolsa Fam\u00edlia, que al\u00e9m de mais barata tem maior impacto redistributivo. Subsidiar universidades de qualidade duvidosa para os jovens pobres talvez n\u00e3o seja t\u00e3o eficaz quanto gastar mais em ensino fundamental para crian\u00e7as pobres.<\/p>\n
T\u00e3o desafiador quanto reorientar a pol\u00edtica de redistribui\u00e7\u00e3o para os pobres \u00e9 conter a redistribui\u00e7\u00e3o para os ricos. N\u00e3o \u00e9 f\u00e1cil extinguir privil\u00e9gios e reformar institui\u00e7\u00f5es: justi\u00e7a lenta e enviesada, feudos pol\u00edticos dentro da administra\u00e7\u00e3o p\u00fablica, corpora\u00e7\u00f5es viciadas em subs\u00eddios p\u00fablicos. \u00c9 preciso fortalecer a democracia e a transpar\u00eancia, para que tais pol\u00edticas percam legitimidade. E continuar martelando a necessidade das reformas institucionais.<\/p>\n
Os \u00f3bices que a desigualdade imp\u00f5e ao desenvolvimento n\u00e3o s\u00e3o uma armadilha inescap\u00e1vel. O Chile tem uma hist\u00f3ria de desigualdade bastante semelhante \u00e0 nossa, mas encontrou caminhos produtivos para lidar com ela e fortalecer conjuntamente a democracia e a economia. O Brasil precisa encontrar o seu pr\u00f3prio caminho.<\/p>\n
(Texto originalmente publicado no jornal Valor Econ\u00f4mico de 3 de junho de 2013.)<\/em><\/p>\n Download:<\/em><\/strong><\/p>\n