{"id":1864,"date":"2013-05-27T09:23:53","date_gmt":"2013-05-27T12:23:53","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=1864"},"modified":"2013-05-27T09:25:35","modified_gmt":"2013-05-27T12:25:35","slug":"o-que-distingue-o-sistema-educacional-de-alto-desempenho-da-finlandia","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=1864","title":{"rendered":"O que distingue o sistema educacional de alto desempenho da Finl\u00e2ndia?"},"content":{"rendered":"

At\u00e9 recentemente, pouco se ouvia falar da Finl\u00e2ndia nos debates sobre pol\u00edtica educacional comparada. O ponto de inflex\u00e3o, em 2001, foi a divulga\u00e7\u00e3o dos primeiros resultados do Programa Internacional de Avalia\u00e7\u00e3o de Alunos (PISA)1<\/sup>, desenvolvido pela Organiza\u00e7\u00e3o para a Coopera\u00e7\u00e3o e o Desenvolvimento Econ\u00f4mico (OCDE), com o objetivo de monitorar o desempenho dos sistemas educacionais dos pa\u00edses participantes, de maneira rigorosa, sistem\u00e1tica e internacionalmente compar\u00e1vel.<\/p>\n

Entre 2000 e 2009, data dos \u00faltimos dados dispon\u00edveis do Pisa, a Finl\u00e2ndia esteve sempre entre os primeiros colocados, nas tr\u00eas \u00e1reas avaliadas (leitura, matem\u00e1tica e ci\u00eancias), alcan\u00e7ando resultados significativamente acima das m\u00e9dias da OCDE. E com uma caracter\u00edstica distintiva: no caso finland\u00eas, qualidade anda de m\u00e3os dadas com equidade \u2013 o pa\u00eds registra a menor diferencia\u00e7\u00e3o de resultados entre escolas.<\/p>\n

As reformas que levaram ao sucesso educacional finland\u00eas recente foram implementadas ao longo de quatro d\u00e9cadas, a partir dos anos 1960. Paralelamente, durante o mesmo per\u00edodo, a Finl\u00e2ndia experimentou mudan\u00e7as sociais e econ\u00f4micas de monta, transformando-se em uma das<\/p>\n

sociedades mais avan\u00e7adas do mundo em termos de bem-estar social, competitividade econ\u00f4mica e inova\u00e7\u00e3o tecnol\u00f3gica.<\/p>\n

O marco inicial das reformas foi a introdu\u00e7\u00e3o da escolariza\u00e7\u00e3o b\u00e1sica de car\u00e1ter p\u00fablico, universal e compuls\u00f3rio, dos 7 aos 16 anos de idade, sem barreiras de sele\u00e7\u00e3o ou concursos de admiss\u00e3o. Essa etapa foi delegada \u00e0s escolas municipais, \u00e0s quais se integrou a maioria das escolas privadas at\u00e9 ent\u00e3o existentes. Hoje, apenas 3% dos alunos finlandeses de ensino fundamental frequentam escolas privadas, que tamb\u00e9m s\u00e3o financiadas por recursos p\u00fablicos e oferecem ensino gratuito.<\/p>\n

Pe\u00e7a-chave nesse processo de reforma foi a constru\u00e7\u00e3o de um novo curr\u00edculo b\u00e1sico nacional. Outro fator crucial foi o reconhecimento de que, para lograr um sistema educacional que atendesse bem a todos os alunos \u2013 independentemente de aptid\u00f5es espec\u00edficas, status <\/em>socioecon\u00f4mico ou origem familiar \u2013, seria imprescind\u00edvel contar com um corpo docente altamente qualificado.<\/p>\n

De fato, a qualifica\u00e7\u00e3o docente \u00e9 considerada pedra angular do sistema educacional finland\u00eas. A partir dos anos 1970, a forma\u00e7\u00e3o docente passou a ser feita pelas universidades, em n\u00edvel de mestrado, com \u00eanfase na pr\u00e1tica did\u00e1tica. Os aspirantes aos cursos de forma\u00e7\u00e3o de professores s\u00e3o submetidos a rigorosos exames de admiss\u00e3o, em que s\u00e3o aprovados os estudantes mais destacados no ensino m\u00e9dio.<\/p>\n

O sal\u00e1rio docente \u00e9 importante, mas os professores finlandeses n\u00e3o s\u00e3o a categoria profissional mais bem remunerada naquele pa\u00eds. Mesmo em perspectiva comparada, a m\u00e9dia salarial dos docentes na Finl\u00e2ndia situa-se um pouco abaixo da m\u00e9dia da OCDE3<\/sup>. Mais do que a remunera\u00e7\u00e3o, portanto, as estrat\u00e9gias de recrutamento e forma\u00e7\u00e3o, bem como o prest\u00edgio social do magist\u00e9rio naquele pa\u00eds parecem ser os determinantes da qualidade dos profissionais da educa\u00e7\u00e3o finlandeses.<\/p>\n

Outro aspecto distintivo do sistema finland\u00eas \u00e9 o alto grau de autonomia e liberdade de atua\u00e7\u00e3o dos munic\u00edpios, diretores de escola e docentes, em termos de curr\u00edculo, materiais did\u00e1ticos e organiza\u00e7\u00e3o escolar.<\/p>\n

O princ\u00edpio da equidade tamb\u00e9m \u00e9 fundamental e est\u00e1 amparado por uma pol\u00edtica abrangente de aten\u00e7\u00e3o a alunos com necessidades especiais. Al\u00e9m do atendimento escolar especializado permanente, em classe ou institui\u00e7\u00e3o especial, para reduzido n\u00famero de alunos, um modelo inclusivo de atendimento especializado complementar e tempor\u00e1rio, inclusive para dificuldades leves de aprendizagem, \u00e9 amplamente disseminado. As estimativas s\u00e3o de que cerca de metade dos concluintes do ensino fundamental passa por esse tipo de acompanhamento tempor\u00e1rio em algum momento de sua escolariza\u00e7\u00e3o, o que revela a preval\u00eancia de estrat\u00e9gias de preven\u00e7\u00e3o e identifica\u00e7\u00e3o precoce de necessidades especiais de aprendizagem, voltadas para garantir o sucesso de todos os alunos.<\/p>\n

No tocante \u00e0 avalia\u00e7\u00e3o e \u00e0 padroniza\u00e7\u00e3o do ensino, a Finl\u00e2ndia adota uma perspectiva divergente da agenda hegem\u00f4nica de reformas educacionais, delineada a partir dos anos 1990. As avalia\u00e7\u00f5es padronizadas em larga escala, voltadas para mensurar o rendimento dos alunos finlandeses, s\u00e3o amostrais, espa\u00e7adas e destinam-se apenas a fornecer<\/p>\n

informa\u00e7\u00f5es sobre o funcionamento do sistema, sem a produ\u00e7\u00e3o de rankings<\/em> entre estabelecimentos de ensino ou a introdu\u00e7\u00e3o de b\u00f4nus remunerat\u00f3rios para os profissionais da educa\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Um dos resultados dessa perspectiva \u00e9 que os gastos com avalia\u00e7\u00e3o educacional na Finl\u00e2ndia s\u00e3o significativamente menores do que em sistemas educacionais que privilegiam esse tipo de medida em suas pol\u00edticas. Ademais, na vis\u00e3o de muitos educadores finlandeses, a pouca \u00eanfase dada a avalia\u00e7\u00f5es padronizadas permite fugir do incentivo perverso de reduzir o ensino \u00e0 prepara\u00e7\u00e3o para os testes, permitindo uma abordagem mais ampla e aplicada dos conte\u00fados curriculares e a salvaguarda das prerrogativas de autonomia e independ\u00eancia profissional do docente.<\/p>\n

Al\u00e9m dos avan\u00e7os na educa\u00e7\u00e3o b\u00e1sica, a Finl\u00e2ndia hoje \u00e9 reconhecida como um exemplo de sociedade do conhecimento, baseada em uma economia altamente competitiva e inovadora. Parte desses resultados se deve \u00e0 centralidade dada \u00e0s pol\u00edticas de pesquisa, desenvolvimento e inova\u00e7\u00e3o no contexto finland\u00eas, desde o final dos anos 1980. Tal prioridade refletiu-se no direcionamento de vultosos recursos humanos e financeiros para o setor e da institui\u00e7\u00e3o de mecanismos efetivos de coopera\u00e7\u00e3o entre as institui\u00e7\u00f5es de ensino superior e a ind\u00fastria, a partir de um sistema nacional de inova\u00e7\u00e3o pioneiro.<\/p>\n

De modo geral, a experi\u00eancia finlandesa no campo da educa\u00e7\u00e3o tem ra\u00edzes hist\u00f3ricas, pol\u00edticas, culturais e sociais pr\u00f3prias, que n\u00e3o podem ser transpostas para outros contextos. No entanto, ao entender o que est\u00e1 por tr\u00e1s de exemplos bem-sucedidos, podemos refletir sobre a nossa pr\u00f3pria trajet\u00f3ria de pol\u00edticas educacionais e sobre os caminhos de reforma que se vislumbram no horizonte.<\/p>\n

Nesse sentido, dois aspectos se destacam. Em primeiro lugar, os resultados alcan\u00e7ados pela Finl\u00e2ndia na educa\u00e7\u00e3o \u2013 com reflexos na transforma\u00e7\u00e3o experimentada por aquele pa\u00eds em dire\u00e7\u00e3o a uma economia intensiva em conhecimento \u2013 foram fruto de reformas de longo prazo, sustentadas e aprofundadas ao longo de pelo menos tr\u00eas d\u00e9cadas. Sua materializa\u00e7\u00e3o dependeu da constru\u00e7\u00e3o de amplos consensos pluripartid\u00e1rios e sociais, mobilizando atores pol\u00edticos diversos no debate e na implementa\u00e7\u00e3o das decis\u00f5es.<\/p>\n

Em segundo lugar, a Finl\u00e2ndia adotou estrat\u00e9gia divergente do pensamento ortodoxo sobre pol\u00edtica educacional, que preconiza uma s\u00e9rie de medidas inspiradas por modelos ditos \u201cempresariais\u201d da educa\u00e7\u00e3o e geralmente inclui: a fixa\u00e7\u00e3o de prescri\u00e7\u00f5es curriculares r\u00edgidas e padronizadas, enfocando especialmente habilidades b\u00e1sicas em leitura e matem\u00e1tica; a intensifica\u00e7\u00e3o do uso de testes padronizados externos; o est\u00edmulo \u00e0 competi\u00e7\u00e3o entre estabelecimentos de ensino; e a responsabiliza\u00e7\u00e3o direta dos profissionais da educa\u00e7\u00e3o pelos resultados alcan\u00e7ados pelos alunos.<\/p>\n

No caso finland\u00eas, os elementos de accountability <\/em>est\u00e3o inseridos em uma abordagem que privilegia a autonomia profissional dos docentes e diretores de escola e a responsabilidade compartilhada pelo sucesso escolar dos alunos.<\/p>\n

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(Artigo baseado no Texto para Discuss\u00e3o n\u00ba 129 do N\u00facleo de Estudos e Pesquisas do Senado,<\/em> \u201dO que \u00e9 que a Finl\u00e2ndia tem? Notas sobre um sistema educacional de alto desempenho\u201d, dispon\u00edvel no site http:\/\/www12.senado.gov.br\/publicacoes\/estudos-legislativos\/homeestudoslegislativos<\/a>.)<\/span><\/em><\/p>\n

1<\/sup> Programme for International Student Assessment, <\/em>em ingl\u00eas.<\/em><\/p>\n

2<\/sup> Deve-se lembrar, contudo, que, diante da distribui\u00e7\u00e3o de renda bastante igualit\u00e1ria que existe no pa\u00eds, a discrep\u00e2ncia entre a remunera\u00e7\u00e3o dos professores e as categorias mais bem pagas \u00e9 relativamente pequena.<\/p>\n

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