{"id":1853,"date":"2013-05-20T09:54:30","date_gmt":"2013-05-20T12:54:30","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=1853"},"modified":"2013-05-27T09:23:27","modified_gmt":"2013-05-27T12:23:27","slug":"empresa-aerea-e-concessionaria-de-servico-publico","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=1853","title":{"rendered":"Empresa a\u00e9rea \u00e9 concession\u00e1ria de servi\u00e7o p\u00fablico?"},"content":{"rendered":"
O Plen\u00e1rio do Supremo Tribunal Federal iniciou o julgamento do Recurso Extraordin\u00e1rio (RE) 571969, em que se discute\u00a0indeniza\u00e7\u00e3o\u00a0\u00e0 Via\u00e7\u00e3o A\u00e9rea Rio-Grandense (Varig), pela\u00a0Uni\u00e3o,\u00a0por\u00a0danos sofridos pela empresa em consequ\u00eancia da pol\u00edtica de congelamento de tarifas vigente de outubro de 1985 a janeiro de 1992, institu\u00edda pelo Plano Cruzado.<\/p>\n
A Varig alega que, tendo sido uma concession\u00e1ria de servi\u00e7o p\u00fablico, o congelamento violou seu direito ao equil\u00edbrio econ\u00f4mico-financeiro do contrato, pois a obrigou a operar com preju\u00edzos. A Uni\u00e3o, por sua vez, sustenta que o princ\u00edpio do equil\u00edbrio econ\u00f4mico-financeiro do contrato, previsto no art. 37, XXI, n\u00e3o \u00e9 absoluto, devendo ser interpretado em harmonia com a \u201cpol\u00edtica tarif\u00e1ria\u201d prevista no art. 175, par\u00e1grafo \u00fanico, III, da Constitui\u00e7\u00e3o.<\/p>\n
A relatora, Ministra Carmen L\u00facia, deu raz\u00e3o \u00e0 Varig, por considerar que \u201ctoda a sociedade brasileira se viu submetida \u00e0quelas disposi\u00e7\u00f5es decorrentes da ado\u00e7\u00e3o das medidas e normas referentes ao plano econ\u00f4mico, e n\u00e3o somente a autora, ora recorrida, mas na condi\u00e7\u00e3o de concession\u00e1ria de servi\u00e7o p\u00fablico, n\u00e3o poderia ela adotar qualquer provid\u00eancia para se esquivar dos danos, n\u00e3o tem liberdade para atuar segundo a sua conveni\u00eancia, n\u00e3o tem como evit\u00e1-los ou conduzir-se de outra que n\u00e3o a forma pr\u00e9-determinada pelo pr\u00f3prio ente concedente, que, no caso, \u00e9 exatamente o autor daquelas medidas que comp\u00f5em a pol\u00edtica questionada.\u201d Ap\u00f3s o voto da relatora, o julgamento foi suspenso pelo pedido de vista do Ministro Joaquim Barbosa.<\/p>\n
Em julgamento anterior sobre a mesma mat\u00e9ria (RE 183180-4), de 1997, em que foram partes a Transbrasil e a Uni\u00e3o, o STF julgou favoravelmente \u00e0 empresa: \u201cPreju\u00edzo julgado comprovado pelas inst\u00e2ncias ordin\u00e1rias e decorrente de atos omissivos e comissivos do Poder concedente, causadores da ruptura do equil\u00edbrio financeiro da concess\u00e3o, n\u00e3o abstratamente atribu\u00edvel a pol\u00edtica econ\u00f4mica, normativamente editada para toda a popula\u00e7\u00e3o (“Plano Cruzado”)\u201d.<\/p>\n
Independentemente da diverg\u00eancia entre as partes do julgamento em curso, nenhuma delas contesta o \u201cfato\u201d de que a Varig foi uma concession\u00e1ria de servi\u00e7o p\u00fablico. A partir desse consenso, o que se discute \u00e9 a extens\u00e3o do princ\u00edpio do equil\u00edbrio econ\u00f4mico-financeiro do contrato.<\/p>\n
A realidade, no entanto, \u00e9 que, apesar das apar\u00eancias, nem a Varig, nem as demais empresas a\u00e9reas foram ou s\u00e3o concession\u00e1rias de servi\u00e7o p\u00fablico, embora esta seja a terminologia adotada. Os institutos jur\u00eddicos s\u00e3o identificados a partir do regime jur\u00eddico praticado e n\u00e3o da terminologia adotada pelas partes. Para saber se a Varig era uma prestadora de servi\u00e7o p\u00fablico, \u00e9 preciso, portanto, identificar a natureza jur\u00eddica de sua rela\u00e7\u00e3o com o Estado.<\/p>\n
A chamada \u201cconcess\u00e3o de servi\u00e7os a\u00e9reos\u201d n\u00e3o apresenta nenhum dos elementos definidores de uma concess\u00e3o de servi\u00e7o p\u00fablico. Na \u00e9poca do Plano Cruzado (1986), a Varig operava com fundamento no Decreto n\u00ba 72.898, de 1973, que lhe concedera o direito de executar o servi\u00e7o a\u00e9reo de transporte regular de passageiro, carga e mala postal. Nesse sistema, que vigora at\u00e9 hoje, n\u00e3o h\u00e1 contrato propriamente dito, pois n\u00e3o h\u00e1 rela\u00e7\u00e3o de contrapresta\u00e7\u00e3o entre as partes, mas a regula\u00e7\u00e3o de um servi\u00e7o prestado por uma das partes ao p\u00fablico em geral. A outorga do servi\u00e7o independe de licita\u00e7\u00e3o, o que seria inconstitucional caso se tratasse de uma concess\u00e3o de servi\u00e7o p\u00fablico, uma vez que o art. 175 exige licita\u00e7\u00e3o para todas as concess\u00f5es e permiss\u00f5es de servi\u00e7o p\u00fablico. As aeronaves, embora essenciais \u00e0 presta\u00e7\u00e3o do servi\u00e7o, n\u00e3o s\u00e3o bens revers\u00edveis e em geral sequer pertencem \u00e0s pr\u00f3prias empresas a\u00e9reas, que as utilizam em regime de leasing<\/em>.<\/p>\n Mais importante, no que diz respeito ao tema do equil\u00edbrio econ\u00f4mico-financeiro do contrato, \u00e9 que a chamada concess\u00e3o de servi\u00e7os a\u00e9reos n\u00e3o confere \u00e0 empresa o direito ou a obriga\u00e7\u00e3o de voar entre quaisquer localidades. O direito de voar somente existe ap\u00f3s a outorga de uma autoriza\u00e7\u00e3o espec\u00edfica para cada linha a ser explorada. Essa autoriza\u00e7\u00e3o, denominada Hor\u00e1rio de Transporte (HOTRAN), estabelece hor\u00e1rios, frequ\u00eancias, tipos de aeronaves e oferta de assentos para cada linha. \u00a0As empresas a\u00e9reas n\u00e3o t\u00eam, nem nunca tiveram, portanto, qualquer obriga\u00e7\u00e3o de operar em condi\u00e7\u00f5es deficit\u00e1rias. Podem, a qualquer tempo, comunicar ao poder p\u00fablico que n\u00e3o mais operar\u00e3o determinada linha e solicitar o cancelamento do respectivo HOTRAN.<\/p>\n Muita coisa mudou entre 1986 e 2013. A Lei n\u00ba 11.182, de 2005, instituiu o regime de liberdade tarif\u00e1ria. A Ag\u00eancia Nacional de Avia\u00e7\u00e3o Civil (ANAC) n\u00e3o pode, portanto, tabelar os pre\u00e7os das passagens a\u00e9reas, como fez o antigo Departamento de Avia\u00e7\u00e3o Civil (DAC) ao longo de quase toda sua exist\u00eancia. A mesma lei tamb\u00e9m assegura \u00e0s empresas a explora\u00e7\u00e3o de quaisquer linhas a\u00e9reas, observada exclusivamente a capacidade operacional de cada aeroporto e as normas regulamentares de presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7o adequado, o que desautoriza a pol\u00edtica de conten\u00e7\u00e3o do \u201cexcesso de oferta\u201d praticada pelo DAC, que vedava a entrada de uma empresa em mercados j\u00e1 atendidos por outra.<\/p>\n Ao contr\u00e1rio dos dias de hoje, em que prevalece a livre iniciativa na explora\u00e7\u00e3o dos servi\u00e7os a\u00e9reos, em 1986 as empresas estabelecidas eram protegidas contra novas entrantes e os pre\u00e7os das passagens a\u00e9reas eram controlados. Isso n\u00e3o autoriza a conclus\u00e3o, no entanto, de que no regime anterior se tenha praticado uma concess\u00e3o de servi\u00e7o p\u00fablico propriamente dita.<\/p>\n A situa\u00e7\u00e3o das empresas a\u00e9reas aproximava-se do regime pelo qual o servi\u00e7o de t\u00e1xi \u00e9 prestado na maior parte das cidades. O poder p\u00fablico tabela o pre\u00e7o cobrado do passageiro, mas n\u00e3o obriga ningu\u00e9m a ser taxista. Caso o pre\u00e7o tabelado se mostre insuficiente, o taxista pode descontinuar a presta\u00e7\u00e3o do servi\u00e7o, sem qualquer penalidade. Tamb\u00e9m pode contestar a legalidade do valor tabelado e buscar sua altera\u00e7\u00e3o junto ao Poder Judici\u00e1rio. O que n\u00e3o se pode admitir \u00e9 que, tendo continuado a operar, solicite depois uma indeniza\u00e7\u00e3o, a t\u00edtulo de recomposi\u00e7\u00e3o do equil\u00edbrio econ\u00f4mico-financeiro de um contrato que, em realidade, nunca existiu.<\/p>\n Download:<\/strong><\/em><\/p>\n