{"id":1801,"date":"2013-04-25T09:54:01","date_gmt":"2013-04-25T12:54:01","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=1801"},"modified":"2013-04-25T09:56:41","modified_gmt":"2013-04-25T12:56:41","slug":"os-custos-de-cartao-de-credito-poderiam-ser-reduzidos-no-brasil","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=1801","title":{"rendered":"Os custos de cart\u00e3o de cr\u00e9dito poderiam ser reduzidos no Brasil?"},"content":{"rendered":"

Um pequeno comerciante, ao finalizar cada venda, sabe que estar\u00e1 entregando em torno de 4,0% do faturamento \u00e0 credenciadora1<\/sup> de cart\u00e3o de cr\u00e9dito. A depender do tamanho de sua empresa, esse percentual pode chegar perto de toda sua carga tribut\u00e1ria reunida no Supersimples. Esse custo, evidentemente, \u00e9 repassado ao consumidor.<\/p>\n

Esse mesmo comerciante estaria pagando apenas 0,8% do valor das vendas, se estivesse trabalhando na Austr\u00e1lia. L\u00e1, h\u00e1 dez anos, o Banco Central aboliu a obrigatoriedade de os comerciantes cobrarem o mesmo pre\u00e7o nas vendas \u00e0 vista ou com cart\u00e3o, com base na mais moderna teoria microecon\u00f4mica. As taxas cobradas pelas credenciadoras, que eram ent\u00e3o de 1,4% sobre o faturamento, ca\u00edram para 0,8%. Os benef\u00edcios para os consumidores foram evidentes.<\/p>\n

Por aqui, o Minist\u00e9rio da Justi\u00e7a e os Procons entendem que a obrigatoriedade de pre\u00e7os id\u00eanticos para pagamentos com cart\u00e3o de cr\u00e9dito \u00e9 uma prote\u00e7\u00e3o para o consumidor. Esse entendimento est\u00e1 expresso oficialmente em Nota T\u00e9cnica do DPDC. \u00c9 um caso cl\u00e1ssico de boas inten\u00e7\u00f5es que levam a maus resultados. O consumidor, que deveria se beneficiar dessa suposta prote\u00e7\u00e3o, acaba saindo prejudicado; as empresas de cart\u00e3o, que t\u00eam poder de mercado, se beneficiam.<\/p>\n

A estrutura do mercado de credenciamento de cart\u00f5es no Brasil \u00e9, para todos os fins pr\u00e1ticos, um duop\u00f3lio partilhado pelas empresas Cielo e Redecard, que controlam 90% do faturamento. Al\u00e9m disso, os maiores bancos emissores de cart\u00e3o, que formam o outro lado do mercado, s\u00e3o os acionistas controladores dessas mesmas credenciadoras.<\/p>\n

As administradoras de cart\u00f5es de cr\u00e9dito concedem v\u00e1rios incentivos aos usu\u00e1rios, como o prazo de pagamento (que pode chegar a at\u00e9 40 dias, a depender da data<\/p>\n

da compra), a contagem de pontos para obten\u00e7\u00e3o de vantagens, como milhas para viagens, al\u00e9m da facilidade de parcelamento (ainda que, frequentemente, associado a um custo elevad\u00edssimo). Esses atrativos fazem com que os comerciantes sejam compelidos a participar do sistema, sob pena de perderem clientes. Eles n\u00e3o podem se dar ao luxo de rejeitar cart\u00f5es de cr\u00e9dito. Para sua sobreviv\u00eancia, devem aceitar as regras uniformes do credenciamento. Na perspectiva dos usu\u00e1rios, como n\u00e3o pode haver diferen\u00e7a nos pre\u00e7os, torna-se irracional n\u00e3o usar cart\u00e3o de cr\u00e9dito. Os que insistirem em pagar \u00e0 vista subsidiar\u00e3o os prazos e premia\u00e7\u00f5es concedidas exclusivamente aos usu\u00e1rios dos cart\u00f5es. Assim, a regula\u00e7\u00e3o refor\u00e7a o poder de mercado do sistema de cart\u00f5es de cr\u00e9dito, administradoras e credenciadoras.<\/p>\n

O consumidor, por n\u00e3o conhecer essa sistem\u00e1tica de precifica\u00e7\u00e3o, acredita que est\u00e1 \u201cganhando\u201d milhas e outros incentivos, quando, na verdade, est\u00e1 pagando em torno de 3% a mais embutidos nos pre\u00e7os de suas compras.<\/p>\n

Mas os problemas n\u00e3o param por a\u00ed. O poder de mercado amplificado pela regula\u00e7\u00e3o deficiente cria outras vantagens para as credenciadoras, como no caso do adiantamento de faturas. Essa \u00e9 a opera\u00e7\u00e3o de cr\u00e9dito pela qual o comerciante pode adiantar o recebimento das vendas sem ter que esperar pelo prazo contratual de 30 dias.<\/p>\n

A taxa de juros nessa opera\u00e7\u00e3o varia segundo o porte dos comerciantes. O pequeno comerciante, se optar pelo adiantamento, vai se deparar com juros de 4,35% ao m\u00eas, que correspondem \u00e0 estratosf\u00e9rica taxa de 66,7% ao ano. Como a taxa interbanc\u00e1ria est\u00e1 hoje em 7,40% ao ano, o spread<\/em> dessa opera\u00e7\u00e3o \u00e9 de 59%! Segundo dados do Banco Central, o spread<\/em> m\u00e9dio dessa opera\u00e7\u00e3o \u00e9 de menos de 30% ao ano. Isso significa que empresas de maior porte conseguem taxas muito inferiores \u00e0 m\u00e9dia, criando desequil\u00edbrio adicional entre pequenos e grandes comerciantes.<\/p>\n

O elevado spread<\/em> nessa opera\u00e7\u00e3o \u00e9 mais uma evid\u00eancia de um mercado mal regulado. Uma das justificativas sempre alegadas para o elevado spread<\/em> no Brasil \u00e9 o risco de cr\u00e9dito. Ocorre que, no caso do adiantamento de faturas de cart\u00e3o, n\u00e3o existe risco de cr\u00e9dito. A opera\u00e7\u00e3o \u00e9 mero adiantamento de uma obriga\u00e7\u00e3o da pr\u00f3pria credenciadora. N\u00e3o h\u00e1 como o comerciante inadimplir, pois o dinheiro \u00e9 dele mesmo, diferentemente de uma opera\u00e7\u00e3o de desconto de duplicatas, por exemplo, em que h\u00e1 o risco da coobriga\u00e7\u00e3o. Ent\u00e3o, para essa opera\u00e7\u00e3o, o spread<\/em> s\u00f3 se explica pelo poder de mercado das credenciadoras.<\/p>\n

Por essas raz\u00f5es, o desempenho em bolsa dessas empresas tem sido espetacular e divergente do resto do mercado acion\u00e1rio. De janeiro de 2011 a ao in\u00edcio de abril deste ano, aCielo teve valoriza\u00e7\u00e3o de 140%, contra queda de 19,5% do Ibovespa. Os controladores da Redecard preferiram fazer oferta publica e fechar o capital da empresa, retirando-se da bolsa. De fato, n\u00e3o faz muito sentido repartir lucros t\u00e3o garantidos e elevados com acionistas minorit\u00e1rios.<\/p>\n

\u00c9 urgente que as autoridades reguladoras reconhe\u00e7am que o mercado de cart\u00f5es, no Brasil, n\u00e3o \u00e9 competitivo, apesar dos v\u00e1rios esfor\u00e7os j\u00e1 feitos nesse sentido. Para reduzir as inefici\u00eancias econ\u00f4micas, os preju\u00edzos aos consumidores e as perdas dos pequenos lojistas decorrentes da concentra\u00e7\u00e3o, tr\u00eas provid\u00eancias imediatas deveriam ser adotadas: a) permitir que os comerciantes ofere\u00e7am, se desejarem, desconto \u00e0 vista em rela\u00e7\u00e3o ao pre\u00e7o com cart\u00e3o de cr\u00e9dito, a exemplo do que \u00e9 feito na Austr\u00e1lia e, mais recentemente, nos Estados Unidos; b) impor limite m\u00e1ximo de juros na opera\u00e7\u00e3o de adiantamento de faturas de cart\u00e3o de cr\u00e9dito com base em um m\u00faltiplo da Selic; c) tornar obrigat\u00f3ria cl\u00e1usula de concess\u00e3o de percentual de desconto na fatura como op\u00e7\u00e3o do cliente sempre que a administradora conceder vantagens como milhas de viagem ou assemelhadas.<\/p>\n

Todas essas provid\u00eancias tornariam transparentes para os usu\u00e1rios os custos embutidos nas opera\u00e7\u00f5es, inclusive dos benef\u00edcios, como milhagens. Com essa transpar\u00eancia e havendo possibilidade de optarem por pre\u00e7os diferenciados, a escolha de pagar com cart\u00e3o de cr\u00e9dito s\u00f3 se daria se as taxas cobradas por esses agentes \u2013 diretamente dos comerciantes e indiretamente dos usu\u00e1rios \u2013 se reduzissem a valores compat\u00edveis com os custos operacionais das credenciadoras e administradoras.<\/p>\n

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\n1<\/sup> Credenciadora \u00e9 a empresa respons\u00e1vel por credenciar o lojista para determinada bandeira. As principais credenciadoras do Brasil s\u00e3o a Cielo e Redecard.<\/p>\n

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