{"id":1759,"date":"2013-03-18T10:03:49","date_gmt":"2013-03-18T13:03:49","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=1759"},"modified":"2013-03-26T08:50:19","modified_gmt":"2013-03-26T11:50:19","slug":"conservar-a-natureza-e-estrategia-de-desenvolvimento","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=1759","title":{"rendered":"Conservar a natureza \u00e9 estrat\u00e9gia de desenvolvimento?"},"content":{"rendered":"
As economias sustentam-se ou n\u00e3o a depender do adequado manejo dos bens e servi\u00e7os fornecidos pelos ecossistemas. No Brasil, a conserva\u00e7\u00e3o da natureza \u00e9 fundamento para o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida intergeracional, conforme o art. 225 da Constitui\u00e7\u00e3o da Rep\u00fablica.<\/p>\n
Em termos de pesquisas que balizem a racionalidade necess\u00e1ria ao tema, o estudo intitulado A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade<\/em> (na sigla em ingl\u00eas, TEEB1) aponta a import\u00e2ncia de se incorporarem vari\u00e1veis ecol\u00f3gicas \u00e0s pol\u00edticas p\u00fablicas, dada a depend\u00eancia direta de bilh\u00f5es de pessoas aos recursos naturais, base da seguran\u00e7a alimentar e de praticamente todas as atividades econ\u00f4micas.O Pa\u00eds participa do estudo por meio do projeto TEEB Brasil, ainda em fase de desenvolvimento, sem dados publicados.<\/p>\n O TEEB nasceu da Iniciativa de Potsdam2<\/sup> para prote\u00e7\u00e3o da biodiversidade e analisa valores econ\u00f4micos dos bens (por exemplo, \u00e1gua) e dos servi\u00e7os ecossist\u00eamicos (por exemplo, recarga natural de aqu\u00edferos e ciclagem de nutrientes) \u2013 definidos como externalidades ambientais positivas \u2013 com o intuito de incorpor\u00e1-los ao processo decis\u00f3rio de governos e empresas. Esses bens s\u00e3o, em geral, p\u00fablicos, sem mercados nem pre\u00e7os estabelecidos, o que dificulta sua regula\u00e7\u00e3o, mesmo quando pr\u00f3ximos \u00e0 exaust\u00e3o.\u00a0 J\u00e1 os servi\u00e7os ambientais s\u00e3o comumente prestados de forma gratuita e, consequentemente, sua perda ou degrada\u00e7\u00e3o com frequ\u00eancia n\u00e3o \u00e9 assimilada pelo sistema de incentivos econ\u00f4micos. De fato, em especial no Brasil \u2013 dada sua abund\u00e2ncia em recursos naturais \u2013 s\u00e3o insuficientes os mecanismos para incentivar indiv\u00edduos ou grupos a protegerem ecossistemas.<\/p>\n Destacam-se a seguir exemplos de impactos econ\u00f4micos dos servi\u00e7os prestados pela natureza, com dados apresentados no relat\u00f3rio do TEEB direcionado a formuladores de pol\u00edticas p\u00fablicas3<\/sup>:<\/p>\n Os impactos econ\u00f4micos de medidas conservacionistas podem ser ainda maiores, a depender da realidade socioecon\u00f4mica da regi\u00e3o investigada, j\u00e1 que para popula\u00e7\u00f5es rurais de baixa renda, por exemplo, tais bens e servi\u00e7os s\u00e3o essenciais, devido \u00e0 sua depend\u00eancia direta desses recursos locais como alimento, abrigo, medicamento e energia. De fato, segundo a Organiza\u00e7\u00e3o das Na\u00e7\u00f5es Unidas para a Alimenta\u00e7\u00e3o e a Agricultura (FAO), 70% das popula\u00e7\u00f5es que passam fome encontram-se em \u00e1reas rurais.<\/p>\n Popula\u00e7\u00f5es sujeitas \u00e0 fome foram fortemente atingidas pela alta do pre\u00e7o de alimentos ocorrida em 2008, e aqui cabem ressalvas acerca da valora\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica de bens oriundos da natureza, no caso da comoditiza\u00e7\u00e3o e da convers\u00e3o de ativos naturais em derivativos financeiros. Em 1999, o Governo dos EUA desregulamentou o mercado futuro de commodities<\/em>, o que permitiu aos bancos moldar derivativos agr\u00edcolas como um mercado de a\u00e7\u00f5es e atuar com uma liberdade de negocia\u00e7\u00e3o antes restrita aos setores diretamente relacionados \u00e0 produ\u00e7\u00e3o agr\u00edcola.<\/p>\n Com as crises da d\u00e9cada de 2000, esses derivativos eram um porto seguro para grandes investidores. Isso criou uma bolha especulativa e determinou parte consider\u00e1vel do aumento dos insumos agr\u00edcolas e de quase 80% no pre\u00e7o mundial de alimentos, de 2005 a2008. A alta explica o ingresso de 250 milh\u00f5es de pessoas em situa\u00e7\u00e3o de vulnerabilidade alimentar, classifica\u00e7\u00e3o que alcan\u00e7ou 1 bilh\u00e3o de pessoas em 2008, de acordo com a FAO4<\/sup>.<\/p>\n Portanto, deve-se avaliar com olhar cr\u00edtico a valora\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica da natureza \u2013em especial se servir \u00e0 comoditiza\u00e7\u00e3o e \u00e0 cria\u00e7\u00e3o de derivativos financeiros (como no exemplo dos alimentos) \u2013 de maneira a torn\u00e1-la um instrumento de prote\u00e7\u00e3o ambiental e de promo\u00e7\u00e3o da dignidade humana, em vez de mera forma de lucro aos mercados.<\/p>\n De todo modo, estudos como o TEEB refor\u00e7am a racionalidade na utiliza\u00e7\u00e3o dos recursos naturais. O marco regulat\u00f3rio brasileiro tamb\u00e9m, ao vincular o conceito de conserva\u00e7\u00e3o ao uso racional, em vez de uma natureza intocada.<\/p>\n Os princ\u00edpios ambientais definidos na Constitui\u00e7\u00e3o \u2013 em especial o dever imposto ao Poder P\u00fablico de preservar os processos ecol\u00f3gicos essenciais, proteger a diversidade gen\u00e9tica e definir espa\u00e7os protegidos \u2013 j\u00e1 haviam sido previstos pela Lei n\u00ba<\/span> 6.938, de 31 de agosto de 1981, que instituiu a Pol\u00edtica Nacional do Meio Ambiente, e que no art. 1\u00ba<\/span> definiu como uma de suas finalidades assegurar condi\u00e7\u00f5es ao desenvolvimento socioecon\u00f4mico<\/strong>. Esses princ\u00edpios foram refor\u00e7ados por meio da Lei n\u00ba<\/span> 9.985, de 15 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conserva\u00e7\u00e3o (Lei do SNUC) e trouxe a defini\u00e7\u00e3o de conserva\u00e7\u00e3o da natureza no art. 2\u00ba<\/span>, inciso II. Esses dispositivos legais determinam o manejo do uso humano da natureza e sua utiliza\u00e7\u00e3o sustent\u00e1vel com vistas ao desenvolvimento econ\u00f4mico e social<\/strong>.<\/p>\n Um exemplo dessa racionalidade pode ser encontrado no caso das culturas de gr\u00e3os, que em geral envolvem processos agr\u00edcolas modernos, com m\u00e9todos adaptados aos tr\u00f3picos, como o plantio direto5<\/sup>. Nos cultivos de soja em cerrados do Piau\u00ed, os custos de fertiliza\u00e7\u00e3o e controle de processos erosivos nas terras que utilizaram esse tipo de plantio foram cerca de 6% menores que os custos no plantio convencional, na safra de soja 2007\/2008. O manejo racional de um agroecossistema, portanto,resulta em melhoria na estrutura do solo e na produtividade agr\u00edcola, em fun\u00e7\u00e3o da melhor ciclagem de nutrientes6<\/sup>.<\/p>\n Um dos maiores desafios econ\u00f4micos das pr\u00f3ximas d\u00e9cadas ser\u00e1 atender a demanda por alimentos e, ao mesmo tempo, manter os sistemas naturais de suporte \u00e0 atividade. Entretanto, no Brasil, a modernidade agr\u00edcola mencionada no caso do plantio direto da soja convive com um hist\u00f3rico de inefici\u00eancia no campo, incluindo t\u00e9cnicas rudimentares adotadas desde o S\u00e9culo XVI, como as queimadas, que acarretam a literal combust\u00e3o de nossa diversidade biol\u00f3gica.<\/p>\n Nesse sentido, a expans\u00e3o da fronteira agr\u00edcola tem resultado na instala\u00e7\u00e3o de grandes extens\u00f5es de propriedades dedicadas \u00e0 pecu\u00e1ria de baixa produtividade, que ocupam 211 milh\u00f5es de hectares, cerca de 25% das terras brasileiras (e que correspondem a 76% da \u00e1rea ocupada pela agropecu\u00e1ria). A ado\u00e7\u00e3o de t\u00e9cnicas mais eficientes propiciaria um aumento m\u00e9dio de produtividade que liberaria em torno de 69 milh\u00f5es de hectares (hoje dedicados a esse tipo de pecu\u00e1ria) ao estoque de terras agr\u00edcolas7<\/sup>. Um dos principais benef\u00edcios seria a preserva\u00e7\u00e3o do reposit\u00f3rio de patrim\u00f4nio gen\u00e9tico contido em matas nativas, dado seu incalcul\u00e1vel valor potencial diante dos avan\u00e7os em biotecnologia.<\/p>\n Na Amaz\u00f4nia, a pecu\u00e1ria ocupa cerca de 60% da \u00e1rea desmatada e tem sido considerada um dos principais vetores do desmatamento. Por outro lado, desde pelo menos 2008, a\u00e7\u00f5es coordenadas de comando e controle t\u00eam conseguido conter e at\u00e9 diminuir os \u00edndices de desmate, mesmo com as altas nos pre\u00e7os das commodities agr\u00edcolas8<\/sup>.<\/p>\n Se conservar implica uso racional de recursos naturais (e n\u00e3o natureza intocada), esperam-se avan\u00e7os de efici\u00eancia no caso da agropecu\u00e1ria, com destaque para a governan\u00e7a fundi\u00e1ria e a dissemina\u00e7\u00e3o de tecnologias, em especial por meio de assist\u00eancia t\u00e9cnica adaptada \u00e0 agricultura tropical. Dado o potencial de avan\u00e7o da fronteira agr\u00edcola, dessas medidas dependem, de forma consider\u00e1vel, a manuten\u00e7\u00e3o dos bens e servi\u00e7os fornecidos pelo estoque de ecossistemas ainda existentes: cerca de 85% da Amaz\u00f4nia, 51% do Cerrado e 88% do Pantanal, apenas para citar os biomas mais preservados.<\/p>\n Conservar a natureza \u00e9 estrat\u00e9gia de desenvolvimento, e o Brasil pode consolidar-se como um dos pa\u00edses com maior capacidade biol\u00f3gica do planeta, em \u00e1reas que est\u00e3o na vanguarda do avan\u00e7o econ\u00f4mico e cient\u00edfico, destacando-se a biotecnologia9<\/sup> para fins medicinais e alimentares, assim como a produ\u00e7\u00e3o de energia. Al\u00e9m disso, temos uma das mais fortes capacidades do mundo em ci\u00eancia da conserva\u00e7\u00e3o. Em pr\u00f3ximo artigo, abordaremos essas quest\u00f5es, com foco na associa\u00e7\u00e3o entre diversidade biol\u00f3gica e desenvolvimento e nas principais pol\u00edticas p\u00fablicas de prote\u00e7\u00e3o da natureza brasileira.<\/p>\n (Este texto tem por base o trabalho \u201cServi\u00e7os e Bens Fornecidos pelos Ecossistemas: Conserva\u00e7\u00e3o da Natureza como Estrat\u00e9gia de Desenvolvimento\u201d.\u00a0 O estudo integral consta do Texto para Discuss\u00e3o n\u00ba 120 do N\u00facleo de Estudos e Pesquisas do Senado, dispon\u00edvel no seguinte link:\u00a0http:\/\/www.senado.gov.br\/senado\/conleg\/textos_discussao.htm<\/a>)<\/em><\/p>\n _____________<\/p>\n 1<\/sup>The Economics of Ecosystems and Biodiversity<\/em>, vers\u00e3o em portugu\u00eas do relat\u00f3rio preliminar dispon\u00edvel em http:\/\/www.teebtest.org\/wp-content\/uploads\/Study%20and%20Reports\/Additional%20Reports\/Interim%20report\/ 2<\/sup> A iniciativa resultou da reuni\u00e3o entre ministros do meio ambiente de pa\u00edses do G8, ocorrida em Potsdam, na Alemanha, em mar\u00e7o de 2007. Foram estabelecidas metas, destacando-se avalia\u00e7\u00f5es sobre o impacto econ\u00f4mico da perda da diversidade biol\u00f3gica e sobre padr\u00f5es de produ\u00e7\u00e3o e consumo. Essas avalia\u00e7\u00f5es fundamentam o TEEB.<\/p>\n 3<\/sup>Dispon\u00edvel em http:\/\/www.teebtest.org\/teeb-study-and-reports\/main-reports\/local-and-regional-policy-makers\/<\/a> (acesso em 6\/11\/12).<\/p>\n 4<\/sup>Cultivo conservacionista em que se busca manter o solo sempre por plantas em desenvolvimento e por res\u00edduos vegetais, com a finalidade de proteg\u00ea-lo da eros\u00e3o, de potencializar a ciclagem de nutrientes e de aumentar sua capacidade de reten\u00e7\u00e3o de \u00e1gua.<\/p>\n 5<\/sup>Dantas, K. P. e Monteiro, M. S. L. (2010). Valora\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica dos efeitos internos da eros\u00e3o: Impactos da Produ\u00e7\u00e3o de Soja no Cerrado Piauiense. Revista de Economia e Sociologia Rural, Vol. 48, n\u00ba<\/span> 4, pp. 619-633. Piracicaba\/ SP.<\/p>\n 6<\/sup>Sparovek, G., Barreto, A., Klug, I. ePapp, L. (2010). A Revis\u00e3o do C\u00f3digo Florestal Brasileiro, Novos Estudos vol. 88,), pp.181-205. Centro Brasileiro de An\u00e1lise e Planejamento (CEBRAP), S\u00e3o Paulo\/ SP.<\/p>\n 7<\/sup>How Goldman Sachs Created the Food Crisis<\/em>, por Frederic Kaufman.ForeignPolicy, 27\/11\/11. Dispon\u00edvel em http:\/\/www.foreignpolicy.com\/articles\/2011\/04\/27\/how_goldman_sachs_created_the_food_crisis?page=0,1<\/a> (Acesso em 28\/11\/12).<\/p>\n 8<\/sup>Avalia\u00e7\u00e3o do Plano de A\u00e7\u00e3o para Preven\u00e7\u00e3o e Controle do Desmatamento na Amaz\u00f4nia Legal (PPCDAm), 2010<\/em>. Elaborado, a pedido do MMA, pela Comiss\u00e3o Econ\u00f4mica para a Am\u00e9rica\u00a0Latina e Caribe (Cepal), pela Coopera\u00e7\u00e3o Alem\u00e3 para o Desenvolvimento por meio da Deutsche Gesellschaftf\u00fcrInternationaleZusammenarbeit (GIZ) e pelo Instituto de Pesquisa\u00a0Econ\u00f4mica Aplicada (Ipea). Dispon\u00edvel em http:\/\/www.eclac.org\/ddsah\/publicaciones\/sinsigla\/xml\/7\/45887\/ 9<\/sup>Conjunto de tecnologias que utilizam sistemas biol\u00f3gicos, organismos vivos ou seus derivados em produtos e processos para usos espec\u00edficos (m\u00e9dicos, industriais, agr\u00edcolas, alimentares, etc.).<\/p>\n Download:<\/strong><\/em><\/p>\n\n
\nTEEB%20Interim%20Report_Portuguese.pdf<\/a> (acesso em 6\/11\/12).<\/p>\n
\nIPEA_GIZ_Cepal_2011_Avaliacao_PPCDAm_2007-2011_web.pdf<\/a> (acesso em 14\/12\/2012).<\/p>\n