{"id":1753,"date":"2013-03-11T13:44:55","date_gmt":"2013-03-11T16:44:55","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=1753"},"modified":"2013-03-26T09:15:38","modified_gmt":"2013-03-26T12:15:38","slug":"quem-poupa-mais-gasta-menos","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=1753","title":{"rendered":"Quem poupa mais gasta menos?"},"content":{"rendered":"

A resposta \u00e0 pergunta t\u00edtulo deste texto parece ser um inquestion\u00e1vel sim. \u00c9 claro que indiv\u00edduos mais ricos podem gastar mais e, ainda assim, pouparem mais que indiv\u00edduos mais pobres. Mas estamos, implicitamente, supondo uma renda dada. Assim, intuitivamente, quanto mais a fam\u00edlia (ou o governo, ou o indiv\u00edduo) gasta, menos sobra para poupan\u00e7a. Neste artigo, pretendemos mais do que esclarecer alguns conceitos econ\u00f4micos, queremos mostrar a fal\u00e1cia de se acreditar que um aumento na taxa de poupan\u00e7a pode desestimular a economia, por levar a uma queda na demanda agregada.<\/p>\n

Em economia, poupan\u00e7a tem um significado diferente daquele utilizado corriqueiramente pela popula\u00e7\u00e3o. Poupan\u00e7a n\u00e3o se contrap\u00f5e a gastos, mas, sim, a consumo. Gastos incluem, al\u00e9m do consumo, gastos com investimento1<\/sup>. Em tese, gastos com consumo s\u00e3o aqueles que geram somente satisfa\u00e7\u00e3o. J\u00e1 gastos com investimento s\u00e3o aqueles que geram algum tipo de rendimento. Assim, se saio para comer em um restaurante ou se pego um \u00f4nibus, o retorno que tenho \u00e9 o prazer da comida ou a satisfa\u00e7\u00e3o de ter sido transportado (por mais desconfort\u00e1vel que seja o \u00f4nibus!). J\u00e1 se adquiro um bem de capital ou uma resid\u00eancia, tenho por objetivo obter o rendimento que o capital ou o aluguel que o im\u00f3vel me proporciona. Assim, gastos de aluguel (que proporcionam o prazer dos servi\u00e7os de moradia) s\u00e3o gastos de consumo, j\u00e1 gastos com compra ou reforma de im\u00f3vel (que proporcionam alugueis) s\u00e3o gastos de investimento.<\/p>\n

H\u00e1 casos em que a classifica\u00e7\u00e3o do gasto como de consumo ou investimento n\u00e3o \u00e9 muito \u00f3bvia. Por exemplo, quem compra um carro de passeio (ou qualquer bem de consumo dur\u00e1vel), tecnicamente, estaria fazendo um investimento. O que ele consome n\u00e3o \u00e9 o ve\u00edculo, mas os servi\u00e7os que esse ve\u00edculo proporciona ao longo de sua vida \u00fatil. Talvez devido ao fato de esses servi\u00e7os, via de regra, n\u00e3o serem pagos (n\u00e3o \u00e9 comum pessoas f\u00edsicas alugarem autom\u00f3veis), talvez devido \u00e0 vida \u00fatil do autom\u00f3vel n\u00e3o ser t\u00e3o longa (comparativamente, digamos, \u00e0 de uma casa) ou pela dificuldade de mensura\u00e7\u00e3o do valor dos servi\u00e7os proporcionados pelo ve\u00edculo, as contas nacionais computam os gastos com aquisi\u00e7\u00e3o de ve\u00edculos (e dos demais bens de consumo dur\u00e1veis e semi-dur\u00e1veis) como gastos de consumo.<\/p>\n

A quest\u00e3o da educa\u00e7\u00e3o \u00e9 ainda mais controversa. Mesmo com uma vasta literatura sobre capital humano, as contas nacionais ainda consideram educa\u00e7\u00e3o como gasto de consumo. \u00a0Assim, um pa\u00eds que investe proporcionalmente mais em capital humano do que em capital f\u00edsico aparece, na compara\u00e7\u00e3o internacional, como um pa\u00eds que investe pouco e que consome muito.<\/p>\n

Poupan\u00e7a n\u00e3o \u00e9 a diferen\u00e7a entre a renda e gastos, mas a diferen\u00e7a entre renda dispon\u00edvel (isto \u00e9, l\u00edquida de impostos) e o que foi consumido. Dessa forma, n\u00e3o h\u00e1 uma rela\u00e7\u00e3o biun\u00edvoca entre gastos e poupan\u00e7a ou entre gastos e consumo. Suponha um indiv\u00edduo que gaste todo o seu sal\u00e1rio, mas que, desse total, 70% seja destinado a servi\u00e7os e bens utilizados no dia a dia, e os 30% restantes, para a reforma de sua casa. Nesse caso, o seu consumo ser\u00e1 de 70% da renda e sua poupan\u00e7a ser\u00e1 de 30%. Esses 30% corresponder\u00e1 tamb\u00e9m ao investimento feito pelo indiv\u00edduo \u2013 o capital que ele acumulou no per\u00edodo.<\/p>\n

Mas o indiv\u00edduo pode consumir os mesmos 70% da renda e aplicar o restante no sistema financeiro, adquirindo algum t\u00edtulo (como caderneta de poupan\u00e7a, CDB ou fundo de renda fixa ou mesmo deixando em conta corrente). Nesse caso, ele estaria gastando 70% de sua renda, pouparia30%. Diretamente, esse indiv\u00edduo n\u00e3o estaria investindo. Indiretamente, contudo, \u00e9 poss\u00edvel que sim. Afinal, os recursos que foram para o sistema financeiro retornam para a economia na forma de empr\u00e9stimos. Se o tomador utilizar os recursos para investir, o valor poupado pelo aplicador ser\u00e1 exatamente igual ao valor investido pelo tomador do empr\u00e9stimo. Mas se a tomador utilizar os recursos para o consumo (por exemplo, para comprar um carro, ou o governo, para pagar funcionalismo), a poupan\u00e7a agregada da sociedade seria nula, pois a poupan\u00e7a daquele indiv\u00edduo que poupou e aplicou no sistema financeiro seria exatamente igual \u00e0 despoupan\u00e7a do tomador de empr\u00e9stimo.<\/p>\n

Dessa discuss\u00e3o pode-se concluir que um aumento da taxa de poupan\u00e7a n\u00e3o implica redu\u00e7\u00e3o da demanda por gastos, somente altera sua composi\u00e7\u00e3o. Em uma economia fechada (que n\u00e3o transaciona com o exterior), isso significa maior produ\u00e7\u00e3o de bens de investimento e resid\u00eancias, e menor produ\u00e7\u00e3o de bens de consumo. Para uma economia aberta, maior poupan\u00e7a pode significar tamb\u00e9m maior exporta\u00e7\u00e3o. N\u00e3o \u00e9 por menos que pa\u00edses do leste asi\u00e1tico, com altas taxas de poupan\u00e7a, n\u00e3o enfrentam problemas de falta de demanda agregada. Pelo contr\u00e1rio, s\u00e3o pa\u00edses cujas taxas de crescimento est\u00e3o entre as mais altas do mundo.<\/p>\n

Essa conclus\u00e3o parece contradizer a ideia de inspira\u00e7\u00e3o keynesiana, de que,se pouparmos mais, as empresas n\u00e3o ter\u00e3o para quem vender e ir\u00e3o produzir menos, gerando desemprego, o que, por sua vez, ir\u00e1 gerar menor demanda, desestimulando ainda mais a produ\u00e7\u00e3o. Qual das duas est\u00e1 correta?<\/p>\n

Em primeiro lugar, n\u00e3o se pode confundir gastos com consumo. Como vimos, podemos aumentar os gastos e at\u00e9 reduzir o consumo, basta que se aumente a taxa de investimento. Para sustentar a demanda agregada no curto prazo, \u00e9 indiferentes e os gastos ocorrem sob a forma de consumo ou de investimento. No longo prazo, \u00e9 claro, maiores gastos com investimento implicar\u00e3o uma sociedade mais rica, pois aumenta a sua capacidade produtiva.<\/p>\n

Mas, haveria investimento se o consumo fosse baixo? Em outras palavras, porque algu\u00e9m investiria se soubesse que n\u00e3o iria vender seus produtos? Em primeiro lugar, o investimento pode ser feito para atender o consumo externo, como ocorre no citado exemplo do leste asi\u00e1tico. Entretanto, mesmo em economias fechadas, pode-se alterar a composi\u00e7\u00e3o do PIB, aumentando a participa\u00e7\u00e3o da ind\u00fastria de bens de capital. Ou seja, os empres\u00e1rios investiriam para produzir m\u00e1quinas, e n\u00e3o bens de consumo. Parece estranho dizer que a economia produziria m\u00e1quinas para produzir mais m\u00e1quinas. Mas isso faz sentido porque se o investimento \u00e9 maior, sabe-se que a economia estar\u00e1 mais rica no futuro e as pessoas consumir\u00e3o mais. Mesmo que o consumo como propor\u00e7\u00e3o da renda seja baixo, com a renda crescendo, o montante consumido aumenta. Novamente, o exemplo chin\u00eas ajuda a entender: os chineses poupam cerca da metade de sua renda, mas o consumo aumentou exponencialmente nos \u00faltimos anos, com o maior enriquecimento da sociedade.<\/p>\n

Apesar de haver controv\u00e9rsias quanto ao diagn\u00f3stico, muitas crises s\u00e3o vistas como decorrentes de falta de demanda agregada, ou seja, o gasto agregado (e n\u00e3o somente o gasto com consumo) cai, desestimulando a produ\u00e7\u00e3o e fazendo a economia entrar no c\u00edrculo vicioso de menor produ\u00e7\u00e3o, aumento do desemprego, queda na demanda agregada, menor produ\u00e7\u00e3o, etc. A solu\u00e7\u00e3o para esse problema \u00e9 estimular o aumento do consumo e a redu\u00e7\u00e3o da poupan\u00e7a?<\/p>\n

A resposta depende do diagn\u00f3stico (enfatizando que mesmo o diagn\u00f3stico de crise por insufici\u00eancia de demanda agregada \u00e9 controverso). Se a causa do problema for entendida como uma rigidez de pre\u00e7os, de sal\u00e1rios, de bens de consumo e de ativos em geral, n\u00e3o \u00e9 muito claro se um aumento do consumo, comparativamente a um est\u00edmulo maior para investimentos, poderia fazer o pa\u00eds sair mais rapidamente da crise. Tendo em vista os benef\u00edcios do investimento para o longo prazo, seria mais adequado focar em uma pol\u00edtica de aumento de investimentos.<\/p>\n

Mas se o diagn\u00f3stico for de que, por algum motivo, os empres\u00e1rios n\u00e3o querem investir (como diria Keynes, quando os \u201cesp\u00edritos animais\u201d dos empres\u00e1rios est\u00e3o adormecidos)? Nesse caso, \u00e9 poss\u00edvel que um aumento no consumo (e consequente redu\u00e7\u00e3o da poupan\u00e7a) tenha um impacto mais imediato sobre os gastos e, com isso, amenize a crise. Nessas situa\u00e7\u00f5es espec\u00edficas, de fato, pode fazer sentido pol\u00edticas de desest\u00edmulo \u00e0 poupan\u00e7a.<\/p>\n

Mas, via de regra, uma pol\u00edtica de est\u00edmulo \u00e0 poupan\u00e7a deve ter como norte uma perspectiva de longo prazo, e n\u00e3o de ciclo econ\u00f4mico. Poupan\u00e7a nada mais \u00e9 do que abrir m\u00e3o do consumo presente para se consumir no futuro. Assim, pol\u00edticas econ\u00f4micas que visem o aumento ou redu\u00e7\u00e3o da poupan\u00e7a devem ter em mente o dilema entre consumir mais hoje ou consumir (bem) mais no futuro.<\/p>\n

____________
\n1<\/sup> Em economias abertas e com governo, os gastos incluem tamb\u00e9m os gastos governamentais e as exporta\u00e7\u00f5es l\u00edquidas. Os gastos do governo, contudo, tamb\u00e9m podem ser decompostos entre consumo do governo e investimento do governo.<\/p>\n

Download:<\/strong><\/em><\/p>\n