{"id":1628,"date":"2012-11-26T08:19:00","date_gmt":"2012-11-26T11:19:00","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=1628"},"modified":"2012-11-26T08:19:00","modified_gmt":"2012-11-26T11:19:00","slug":"gerar-empregos-e-sempre-uma-boa-ideia","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=1628","title":{"rendered":"Gerar empregos \u00e9 sempre uma boa ideia?"},"content":{"rendered":"

\u00c9 comum vermos placas de obras p\u00fablicas com mensagens do tipo: \u201cesta obra gera 1.000 empregos diretos!\u201d, ou vermos pol\u00edticos em campanha dizendo que sua meta \u00e9 gerar tantos milh\u00f5es de vagas no mercado de trabalho. Na campanha eleitoral para a Presid\u00eancia da Rep\u00fablica, no Brasil, em 2003, por exemplo, o mote principal da campanha do Presidente Lula\u00a0 foi a cria\u00e7\u00e3o de 10 milh\u00f5es de empregos. O opositor, Jos\u00e9 Serra, n\u00e3o ficava atr\u00e1s em propostas e n\u00fameros de empregos a serem criados.<\/p>\n

Na recente campanha presidencial dos EUA, o fen\u00f4meno se repete, o Presidente-candidato Barack Obama afirmou que \u201co prop\u00f3sito do American Job Act <\/em>\u00e9 simples: colocar mais pessoas de volta ao trabalho e mais dinheiro no bolso de quem est\u00e1 trabalhando. Ele vai criar mais empregos na constru\u00e7\u00e3o, mais empregos para professores, mais empregos para veteranos, e mais empregos para quem est\u00e1 desempregado h\u00e1 muito tempo\u201d[1]<\/a>.\u00a0 O candidato de oposi\u00e7\u00e3o, Mitt Romney, n\u00e3o tinha discurso muito diferente: \u201cn\u00e3o \u00e9 complicado ou profundo saber o que o nosso pa\u00eds precisa (…). O que a Am\u00e9rica precisa \u00e9 de emprego. Muitos empregos!\u201d[2]<\/a><\/p>\n

O desejo de criar empregos \u00e9 forte o suficiente para que governantes defendam, por exemplo, a expans\u00e3o da ind\u00fastria de armamentos, com base na ideia de que ela cria empregos, como fez recentemente o Primeiro Ministro Ingl\u00eas, David Cameron[3]<\/a>.<\/p>\n

No Brasil, Governadores de Estado se digladiam para atrair empresas para seus territ\u00f3rios, por meio da guerra fiscal, para que seu eleitorado tenha mais empregos. Outros s\u00e3o mais pragm\u00e1ticos e aumentam o emprego simplesmente contratando mais funcion\u00e1rios p\u00fablicos que o necess\u00e1rio.<\/p>\n

Mas afinal, o que ser\u00e1 mais importante: gerar empregos ou gerar produtos e servi\u00e7os que sejam \u00fateis para a sociedade? Nem sempre as duas coisas andam juntas. Muitos avan\u00e7os tecnol\u00f3gicos, capazes de gerar mais e melhores produtos e aumentar a prosperidade da sociedade, simplesmente resultam em cortes em vagas de trabalho. Pelo menos no curto prazo. Quando a revolu\u00e7\u00e3o industrial introduziu teares mec\u00e2nicos e m\u00e1quinas a vapor, milhares de artes\u00e3os ficaram sem emprego. Quando a inform\u00e1tica permitiu a cria\u00e7\u00e3o de caixas eletr\u00f4nicos nos bancos, reduziu-se o mercado de trabalho para banc\u00e1rios. A mecaniza\u00e7\u00e3o da agricultura ceifou in\u00fameras vagas de trabalho de colheita manual. A luz el\u00e9trica acabou com o rom\u00e2ntico emprego de acendedor de lampi\u00f5es!<\/p>\n

Se a gera\u00e7\u00e3o de emprego fosse sempre boa, em qualquer circunst\u00e2ncia, ent\u00e3o seria preciso barrar esses avan\u00e7os tecnol\u00f3gicos, em diversos momentos da hist\u00f3ria, para preservar o emprego de artes\u00e3o, banc\u00e1rios, trabalhadores do campo e tantas outras profiss\u00f5es que perderam espa\u00e7o em decorr\u00eancia de inova\u00e7\u00f5es. Mas nesse caso, voc\u00ea estaria at\u00e9 hoje entrando em fila de banco para sacar dinheiro, em vez de economizar seu tempo fazendo um r\u00e1pido saque em um terminal eletr\u00f4nico. Ou estaria pagando uma fortuna por um quilo de arroz ou feij\u00e3o, porque a oferta de produtos agr\u00edcolas seria muito menor do que a que temos hoje.<\/p>\n

\u00c9 compreens\u00edvel que os trabalhadores que est\u00e3o amea\u00e7ados pela perda de renda ou de emprego reajam e tentem manter o status quo<\/em>.\u00a0 Todos n\u00f3s tememos mudan\u00e7a que nos tragam preju\u00edzos no curto prazo e incertezas. Isso explica porque os artes\u00e3os se mobilizaram para destruir m\u00e1quinas durante a revolu\u00e7\u00e3o industrial, porque banc\u00e1rios fizeram greves e resistiram \u00e0 informatiza\u00e7\u00e3o dos servi\u00e7os banc\u00e1rios, ou porque empregados de empresas estatais costumam resistir \u00e0 privatiza\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Tamb\u00e9m \u00e9 compreens\u00edvel que os pol\u00edticos queiram atender \u00e0 demanda de curto prazo de seus eleitores prometendo empregos. Em artigo publicado no Valor Econ\u00f4mico de 9 de agosto de 2007, Cl\u00e1udio Haddad deu um exemplo bem humorado, contando a hist\u00f3ria de um economista que foi visitar a constru\u00e7\u00e3o de uma represa na China e percebeu que, em vez de retroescavadeiras os oper\u00e1rios estavam usando p\u00e1s. Ao questionar o mestre de obras sobre esse fato, teve como resposta que o uso de equipamentos desempregaria muitos oper\u00e1rios. Ao que o economista respondeu: \u201c”Pensei que voc\u00eas estivessem construindo uma represa. Se estiverem querendo criar emprego, por que n\u00e3o lhes dar colheres?”\u201d. Certamente seria necess\u00e1ria uma parcela significativa da popula\u00e7\u00e3o chinesa para cavar um reservat\u00f3rio de hidrel\u00e9trica com colheres, e com isso qualquer pol\u00edtico teria cumprido a sua promessa de gerar tantos milh\u00f5es de empregos.<\/p>\n

O fato \u00e9 que os empregos que s\u00e3o perdidos quando ocorrem inova\u00e7\u00f5es tecnol\u00f3gicas, em um processo conhecido como \u201cdestrui\u00e7\u00e3o criativa\u201d, termo cunhado pelo economista Joseph\u00a0Schumpeter, acabam por ser compensados pelo fato de que as inova\u00e7\u00f5es abrem novos mercados, que antes n\u00e3o existiam.<\/p>\n

Por exemplo, as vagas de emprego de banc\u00e1rio, que foram fechadas pela informatiza\u00e7\u00e3o dos servi\u00e7os financeiros, foram compensadas por outras vagas de programadores, designers, engenheiros de computa\u00e7\u00e3o, etc., que passaram a ser necess\u00e1rios para a provis\u00e3o de tal servi\u00e7o. E note que a maioria dessas especialidades exige maior escolaridade e forma\u00e7\u00e3o t\u00e9cnica que a exigida para o emprego de banc\u00e1rio, pagando sal\u00e1rios mais elevados.<\/p>\n

Muitos se lembram da resist\u00eancia dos empregados de empresas estatais durante o processo de privatiza\u00e7\u00e3o, nos anos 90. Temerosos de perder seus empregos, ou de perder a estabilidade de que gozavam, fizeram ampla campanha pol\u00edtica contra a privatiza\u00e7\u00e3o. Tivessem sido bem sucedidos, ainda estar\u00edamos pagando US$ 5.000,00 por uma linha de telefone fixo, ou usando orelh\u00f5es com fichas. Os empregos que foram perdidos, ou os sal\u00e1rios que foram reduzidos, provavelmente foram mais do que compensados pelo gigantesco mercado de telefonia celular que se desenvolveu ap\u00f3s a privatiza\u00e7\u00e3o (desde quiosques que vendem capas e baterias nos shopping centers, at\u00e9 a engenharia de sistemas e produ\u00e7\u00e3o f\u00edsica de aparelhos celulares). Isso sem falar nos ganhos produtividade proporcionados a todos os setores da economia, que passaram a contar com diversificados meios de comunica\u00e7\u00e3o instant\u00e2nea.<\/p>\n

Mas n\u00e3o s\u00e3o apenas empregados e sindicatos que reagem \u00e0 possibilidade de perder empregos. Empresas cuja lucratividade esteja sob amea\u00e7a de produtos importados costumam correr para o governo, pedindo prote\u00e7\u00e3o (em geral aumento de tarifas de importa\u00e7\u00e3o), argumentando que a concorr\u00eancia estrangeira ir\u00e1 ceifar empregos gerados pelas empresas nacionais. E o governo (seja ele qual for), que na campanha eleitoral prometeu gerar tantos mil empregos, corre para atender a demanda da ind\u00fastria nacional. A consequ\u00eancia \u00e9 que a interven\u00e7\u00e3o governamental impede que os consumidores e empresas tenham acesso a produtos de maior qualidade e\/ou menor pre\u00e7o. Essa interfer\u00eancia tamb\u00e9m permite que recursos econ\u00f4micos (capital, trabalho, espa\u00e7o f\u00edsico, consumo de recursos naturais) sejam alocados para uma produ\u00e7\u00e3o que gera produtos piores a pre\u00e7os maiores.<\/p>\n

Nesse ponto do texto j\u00e1 d\u00e1 para perceber que a resposta \u00e0 pergunta do t\u00edtulo (gerar emprego \u00e9 sempre uma boa ideia?) \u00e9 negativa. O que \u00e9 relevante \u00e9 gerar produtos e servi\u00e7os que sejam \u00fateis para a sociedade, ainda que isso se fa\u00e7a por meio de destrui\u00e7\u00e3o criativa. Proteger empregos e empresas que j\u00e1 n\u00e3o s\u00e3o a melhor op\u00e7\u00e3o produtiva para o pa\u00eds significa barrar a entrada do novo, do mais produtivo. Se h\u00e1 interesse em proteger aqueles que foram negativamente afetados pelas mudan\u00e7as, \u00e9 mais barato, do ponto de vista social, utilizar pol\u00edticas compensat\u00f3rias (como seguro-desemprego ou bolsa-fam\u00edlia) do que manter artificialmente o emprego.<\/p>\n

Alguns economistas argumentam que a aloca\u00e7\u00e3o ineficiente dos recursos de uma sociedade pode ser respons\u00e1vel por grande parte da diferen\u00e7a de produtividade entre as economias mais atrasadas e as mais desenvolvidas.<\/p>\n

Pete Klenow, da Universidade de Stanford, por exemplo, apresenta evid\u00eancias da exist\u00eancia de cinco tipos de problemas que podem ser fontes de m\u00e1 aloca\u00e7\u00e3o de recursos em uma sociedade, gerando perda de produtividade e, consequentemente, menor capacidade de gera\u00e7\u00e3o de produtos e servi\u00e7os (sobre a defini\u00e7\u00e3o de produtividade ver, neste site, o texto \u201cO que \u00e9 produtividade e como conseguir seu incremento?\u201d, que \u00e9 complementar ao presente texto)[4]<\/a>.<\/p>\n

O primeiro desses fatores refere-se \u00e0 dificuldade que as economias enfrentam para se adaptar \u00e0s inova\u00e7\u00f5es que ocorrem cotidianamente. Como evid\u00eancia desse fen\u00f4meno, ele mostra que a rotatividade no mercado de trabalho norte-americano (economia de alto n\u00edvel de produtividade) \u00e9 muito superior \u00e0 dos pa\u00edses que imp\u00f5em regula\u00e7\u00e3o distorciva ao mercado de trabalho (multas para empresas que demitem, estabilidade no emprego garantida em lei, etc.). Como o mercado de trabalho dos EUA \u00e9 considerado um dos mais desregulamentados do mundo, esta \u00e9 uma evid\u00eancia de que o intuito governamental (em v\u00e1rios pa\u00edses) de garantir empregos de quem j\u00e1 est\u00e1 empregado pode estar sendo atingido \u00e0s custas de menor cria\u00e7\u00e3o de emprego para quem est\u00e1 desempregado.<\/p>\n

Em segundo lugar est\u00e1 a presen\u00e7a de empresas estatais na economia. Tais empresas s\u00e3o, em geral, menos produtivas que as suas contrapartes privadas e, portanto, representam uso menos produtivo dos recursos escassos da sociedade. Klenow mostra evid\u00eancias de que as privatiza\u00e7\u00f5es na China s\u00e3o respons\u00e1veis por parte relevante da acelera\u00e7\u00e3o do crescimento daquele pa\u00eds.<\/p>\n

Em terceiro lugar vem a soma de informalidade com tamanho m\u00e9dio de empresas. Nos Estados Unidos, assim como nas demais economias desenvolvidas, predominam as grandes e m\u00e9dias empresas, que aplicam m\u00e9todos de trabalho de alta produtividade. Nos pa\u00edses menos desenvolvidos abundam as pequenas empresas, em geral informais.<\/p>\n

Por que a informalidade predomina? Primeiro porque ser pequeno permite ao empres\u00e1rio escapar da tributa\u00e7\u00e3o. Assim, mesmo sendo menos produtivo que uma empresa grande, a empresa pequena se mant\u00e9m competitiva pois a grande empresa \u00e9 mais vis\u00edvel para o fisco e tem\u00a0 que pagar seus impostos. No Brasil, ali\u00e1s, ser pequeno (ainda que formal) vale a pena, pois a empresa se beneficia da tributa\u00e7\u00e3o pelo sistema SIMPLES. Quando come\u00e7am a ficar lucrativas e t\u00eam a oportunidade de crescer, as empresas se dividem em duas (com todos os custos e complica\u00e7\u00f5es burocr\u00e1ticas que isso implica) para n\u00e3o perder o benef\u00edcio tribut\u00e1rio. Em vez de aproveitar os ganhos de escala do crescimento, para produzir mais e melhor, a empresa se escora nos benef\u00edcios fiscais para manter seu lucro.<\/p>\n

Ser pequeno e improdutivo tamb\u00e9m compensa porque o empregador pode fugir \u00e0s leis trabalhistas com menor probabilidade de ser apanhado pela fiscaliza\u00e7\u00e3o governamental. A informalidade \u00e9 ainda recompensada por evitar todos os custos e burocracias envolvidos na cria\u00e7\u00e3o de uma empresa 100% de acordo com a legisla\u00e7\u00e3o. A consequ\u00eancia \u00e9 uma s\u00f3: a empresa pequena e informal consegue sobreviver no mercado, sendo menos eficiente que a grande e m\u00e9dia empresa formal porque n\u00e3o incorre em diversos custos pagos por estas. E, com isso, a destrui\u00e7\u00e3o criativa de empresas menos produtivas n\u00e3o ocorre. Coexistem no mercado empresas de alta e de baixa produtividade.<\/p>\n

O quarto fator s\u00e3o as j\u00e1 comentadas barreiras tarif\u00e1rias ao com\u00e9rcio, que protegem empresas e setores econ\u00f4micos menos eficientes. E, finalmente, o quinto fator \u00e9 a aloca\u00e7\u00e3o de talentos. Se supusermos que intelig\u00eancia e capacidade s\u00e3o distribu\u00eddos de acordo com uma distribui\u00e7\u00e3o normal entre os membros da sociedade, ent\u00e3o se alguns grupos sociais s\u00e3o impedidos de assumir fun\u00e7\u00f5es profissionais que requerem habilidade e intelig\u00eancia, parte da capacidade intelectual desta sociedade estar\u00e1 sendo desperdi\u00e7ada. Isso ocorre, por exemplo, em regimes racistas que impedem que negros tenham acesso \u00e0 escolaridade e a profiss\u00f5es de alto n\u00edvel t\u00e9cnico. Os talentosos que nasceram negros n\u00e3o poder\u00e3o dar sua contribui\u00e7\u00e3o \u00e0 sociedade, o mesmo acontecendo com mulheres ou indiv\u00edduos de castas inferiores, em sociedades que bloqueiam a ascens\u00e3o de tais grupos.<\/p>\n

Outra forma de m\u00e1 aloca\u00e7\u00e3o de talentos se d\u00e1 por meio do subdesenvolvimento do mercado financeiro e de capitais. Quando n\u00e3o se desenvolvem mecanismos capazes de oferecer \u00e0s empresas a oportunidade de abrir seu capital e profissionalizar a gest\u00e3o, a tend\u00eancia \u00e9 que as empresas sejam geridas por dinastias familiares, o que j\u00e1 se comprovou ser menos eficiente.<\/p>\n

Em suma, em vez de se preocupar em gerar empregos no curto prazo, os governos deveriam se preocupar em incentivar as empresas e a m\u00e3o-de-obra a serem mais produtivas. Isso significa evitar legisla\u00e7\u00e3o que bloqueie a concorr\u00eancia e evite a destrui\u00e7\u00e3o criativa, a facilitar a realoca\u00e7\u00e3o de capital e m\u00e3o de obra entre os setores decadentes e os ascendentes, estimular o desenvolvimento do mercado financeiro e de capitais, democratizar o acesso ao ensino, controlar o tamanho do setor p\u00fablico e garantir servi\u00e7os p\u00fablicos que garantam a produ\u00e7\u00e3o a baixo custo (estradas sem buracos, escolas que efetivamente ensinem, hospitais que atendam e curem os doentes, etc.). Al\u00e9m disso, \u00e9 importante dar algum suporte a empregados e empresas que estejam em setores decadentes ou n\u00e3o competitivos. Pol\u00edticas como garantia de emprego por um prazo determinado em empresas privatizadas, ou redu\u00e7\u00e3o gradual e programada de barreiras comerciais s\u00e3o mecanismos que aliviam a tens\u00e3o social e reduzem os custos de curto prazo da destrui\u00e7\u00e3o criativa.<\/p>\n

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