{"id":1553,"date":"2012-10-22T08:12:00","date_gmt":"2012-10-22T11:12:00","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=1553"},"modified":"2012-10-22T08:20:07","modified_gmt":"2012-10-22T11:20:07","slug":"como-o-salario-minimo-influencia-o-mercado-de-trabalho","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=1553","title":{"rendered":"Como o sal\u00e1rio m\u00ednimo influencia o mercado de trabalho?"},"content":{"rendered":"

No Brasil, o sal\u00e1rio m\u00ednimo cumpre duas fun\u00e7\u00f5es principais. Serve como piso salarial, pelo menos para os empregados no setor formal da economia, e como piso para aposentadorias e outros benef\u00edcios sociais. A decis\u00e3o do reajuste do m\u00ednimo vem sempre acompanhada de debates, que enfatizam o seu impacto sobre a distribui\u00e7\u00e3o de renda e redu\u00e7\u00e3o da pobreza; sobre as finan\u00e7as p\u00fablicas, em decorr\u00eancia do reajuste das aposentadorias e outros benef\u00edcios sociais vinculados ao m\u00ednimo; e sobre o mercado de trabalho. Neste texto pretendemos apresentar os principais debates sobre a rela\u00e7\u00e3o entre sal\u00e1rio m\u00ednimo e mercado de trabalho.<\/p>\n

A an\u00e1lise do impacto do sal\u00e1rio m\u00ednimo sobre o mercado de trabalho \u00e9, em princ\u00edpio, equivalente \u00e0 an\u00e1lise do impacto de fixa\u00e7\u00e3o de qualquer pre\u00e7o sobre qualquer mercado. Parte-se, assim, de um sal\u00e1rio que equilibraria oferta e demanda por trabalho em uma economia competitiva que n\u00e3o est\u00e1 sujeita a nenhum tipo de restri\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Se o sal\u00e1rio m\u00ednimo for fixado em um n\u00edvel abaixo do sal\u00e1rio de equil\u00edbrio, o sal\u00e1rio m\u00ednimo n\u00e3o ter\u00e1, ent\u00e3o, qualquer influ\u00eancia nesta economia. Esse \u00e9 um dos motivos que justificam o fato de reajustes de sal\u00e1rio m\u00ednimo terem, em geral, um impacto negligenci\u00e1vel no mercado de trabalho dos pa\u00edses desenvolvidos[1]<\/sup>.<\/p>\n

Entretanto, em pa\u00edses em desenvolvimento como o Brasil, o mais comum \u00e9 haver parcela n\u00e3o desprez\u00edvel da popula\u00e7\u00e3o ganhando em torno do piso salarial. Nesse caso, a teoria prev\u00ea que reajustes do sal\u00e1rio m\u00ednimo acima do crescimento da produtividade do trabalhador t\u00eam consequ\u00eancias sobre o n\u00edvel de emprego. Como ocorre com qualquer insumo, se seu pre\u00e7o sobe, o empregador tende a utiliz\u00e1-lo menos. No caso do mercado de trabalho, um grau mais baixo de utiliza\u00e7\u00e3o de insumo significa aumento do desemprego.<\/p>\n

Nos pa\u00edses em desenvolvimento \u00e9 comum a exist\u00eancia de um mercado de trabalho informal, em que nem todos os direitos dos trabalhadores (incluindo o sal\u00e1rio m\u00ednimo) s\u00e3o respeitados. Um trabalhador demitido do setor formal pode ingressar no<\/p>\n

setor informal. Isso aumenta a oferta de trabalhadores informais, o que pressiona para baixo o seu pre\u00e7o.<\/p>\n

Dessa forma, reajustes do sal\u00e1rio m\u00ednimo ter\u00e3o efeitos diferenciados sobre o mercado de trabalho, conforme a situa\u00e7\u00e3o do empregado:<\/p>\n

i) os trabalhadores que j\u00e1 ganhavam acima do novo piso estabelecido n\u00e3o s\u00e3o diretamente afetados[2]<\/sup>;<\/p>\n

ii) os trabalhadores cujo sal\u00e1rio era inferior ao novo m\u00ednimo e que conseguiram manter seus empregos no setor formal t\u00eam um ganho de bem estar, pois passam a ter maior remunera\u00e7\u00e3o;<\/p>\n

iii) os trabalhadores cujo sal\u00e1rio era inferior ao novo m\u00ednimo e que perderam seus empregos no setor formal tornam-se desempregados ou se reempregam no setor informal.<\/p>\n

Deve-se destacar que, devido ao item (iii), a maior oferta de trabalho faz com que o sal\u00e1rio do setor informal tenda a se reduzir.<\/p>\n

Uma avalia\u00e7\u00e3o de bem-estar requer[3]<\/sup>, em primeiro lugar, comparar o n\u00famero de beneficiados com o n\u00famero de prejudicados. Em segundo lugar, deve-se avaliar qu\u00e3o grande foram os respectivos benef\u00edcios e preju\u00edzos. Por exemplo, para os que conseguem se manter empregados, um aumento de sal\u00e1rio m\u00ednimo pode aumentar a renda em, digamos, R$ 50,00 por m\u00eas. Por outro lado, pode levar outros trabalhadores ao desemprego ou \u00e0 informalidade, impingindo-lhes uma perda de, digamos, R$ 620,00 por m\u00eas.<\/p>\n

O impacto do sal\u00e1rio m\u00ednimo sobre o desemprego depende de uma s\u00e9rie de fatores. Do ponto de vista tecnol\u00f3gico, quanto mais facilmente for substitu\u00edvel a m\u00e3o-de-obra que recebe pr\u00f3ximo ao sal\u00e1rio m\u00ednimo (normalmente, de menor qualifica\u00e7\u00e3o), maior ser\u00e1 o impacto de reajustes salariais sobre o desemprego. H\u00e1 tamb\u00e9m fatores institucionais que podem influenciar o resultado final. Por exemplo, a atua\u00e7\u00e3o sindical pode obrigar as empresas a n\u00e3o demitirem os trabalhadores que seriam beneficiados pelo sal\u00e1rio m\u00ednimo. Por fim, o impacto depender\u00e1 tamb\u00e9m da situa\u00e7\u00e3o da economia: um reajuste do sal\u00e1rio m\u00ednimo deve impactar mais fortemente o mercado de\u00a0trabalho quanto mais pr\u00f3ximo o sal\u00e1rio m\u00ednimo estiver do rendimento m\u00e9dio dos empregados[4]<\/sup>.<\/p>\n

A teoria convencional prev\u00ea um dilema claro entre reajuste salarial e desemprego ou incha\u00e7o do setor informal da economia. Mas h\u00e1 modelos alternativos, que adotam hip\u00f3teses diferentes das empregadas pelo modelo convencional, que chegam a outros resultados.<\/p>\n

Uma hip\u00f3tese presente nos modelos tradicionais que merece ser discutida \u00e9 que o setor informal pode pagar qualquer sal\u00e1rio, abaixo ou acima do m\u00ednimo. Em verdade, o setor informal \u00e9 um conjunto de diferentes formas de inser\u00e7\u00e3o no mercado de trabalho, compreendendo trabalhadores sem carteira, trabalhadores por conta pr\u00f3pria, empregados n\u00e3o remunerados, etc. Apesar de concentrar as ocupa\u00e7\u00f5es associadas \u00e0 menor produtividade da economia, observa-se uma grande variedade dentro do setor informal no que diz respeito \u00e0 tecnologia, as rela\u00e7\u00f5es de trabalho, \u00e0intera\u00e7\u00e3o com o mercado formal e, consequentemente, \u00e0 remunera\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Diante da grande diversidade do setor informal, pode-se observar desde aquelas empresas que n\u00e3o garantem qualquer direito trabalhista, at\u00e9 aquelas que cumprem com alguns direitos (dentro dos quais se inclui o sal\u00e1rio m\u00ednimo), mas deixam de cumprir com algumas obriga\u00e7\u00f5es, sobretudo as relacionadas com tributa\u00e7\u00f5es e encargos sobre a folha de pagamentos. Pode-se justificar o fato de empresas do setor informal pagarem o sal\u00e1rio m\u00ednimo por quatro motivos principais:<\/p>\n

i) resultado das for\u00e7as de mercado. Essa explica\u00e7\u00e3o pode n\u00e3o parecer convincente, tendo em vista o excesso de m\u00e3o-de-obra pouco qualificada no Brasil (ou nos pa\u00edses emergentes, em geral) e seu baixo poder de barganha. Nesse cen\u00e1rio,as firmas dificilmente aceitariam pagar o m\u00ednimo, exceto se for\u00e7adas a faz\u00ea-lo. Mas \u00e9 uma explica\u00e7\u00e3o plaus\u00edvel. Basta observar que, em junho de 2010, de acordo com a PME, o sal\u00e1rio m\u00e9dio dos homens com ensino fundamental incompleto era de R$ 630,00, ante um sal\u00e1rio m\u00ednimo de R$ 510,00. No caso das mulheres, apesar de o sal\u00e1rio m\u00e9dio (R$430,00) ser inferior ao m\u00ednimo, observa-se uma propor\u00e7\u00e3o razo\u00e1vel que tamb\u00e9m ganha acima do m\u00ednimo;<\/p>\n

ii) coer\u00e7\u00e3o da legisla\u00e7\u00e3o trabalhista. Os trabalhadores do setor informal tamb\u00e9m s\u00e3o protegidos pela legisla\u00e7\u00e3o trabalhista. Assim, uma empresa do setor informal pode decidir remunerar seus funcion\u00e1rios obedecendo a legisla\u00e7\u00e3o do\u00a0sal\u00e1rio m\u00ednimo (mas sem pagar outros encargos ou contribui\u00e7\u00f5es) acreditando que, dessa forma, seus empregados n\u00e3o as processariam. \u00c9 um comportamento racional, se considerarmos que a probabilidade de um empregado entrar com uma a\u00e7\u00e3o contra uma empresa \u00e9 substancialmente menor se a firma deixa de pagar algum encargo social do que se remunerar abaixo do m\u00ednimo.<\/p>\n

iii) o sal\u00e1rio m\u00ednimo serviria como refer\u00eancia para toda a economia. \u00c9 o que alguns autores (vide Neri et al, <\/em>2001) denominam de efeito farol. N\u00e3o h\u00e1 exatamente uma explica\u00e7\u00e3o te\u00f3rica justificando a exist\u00eancia desse efeito. O que existem s\u00e3o evid\u00eancias emp\u00edricas mostrando que h\u00e1 uma concentra\u00e7\u00e3o grande de empregados (no setor formal e informal) ganhando exatamente o m\u00ednimo. Assim, o valor do m\u00ednimo serviria como refer\u00eancia para as negocia\u00e7\u00f5es salariais. O m\u00ednimo teria ent\u00e3o a fun\u00e7\u00e3o de orientar firmas e empregados na negocia\u00e7\u00e3o salarial. A sinaliza\u00e7\u00e3o oferecida pelo sal\u00e1rio m\u00ednimo vai al\u00e9m do efeito farol. De acordo com os autores, h\u00e1 ainda o chamado efeito numer\u00e1rio, segundo o qual alguns sal\u00e1rios s\u00e3o fixados como m\u00faltiplos \u201credondos\u201d do sal\u00e1rio m\u00ednimo (duas vezes, tr\u00eas vezes, ou metade). Uma poss\u00edvel explica\u00e7\u00e3o para o efeito farol seria a aus\u00eancia de informa\u00e7\u00e3o completa no mercado de trabalho. Nem firmas nem trabalhadores saberiam exatamente o valor que as demais empresas est\u00e3o aceitando pagar, nem tampouco o valor pelo qual os demais trabalhadores est\u00e3o aceitando trabalhar. O sal\u00e1rio m\u00ednimo cumpriria esse papel.<\/p>\n

iv) o quarto motivo, em verdade, est\u00e1 fortemente ligado ao primeiro. Boeri et al <\/em>(2010) mostram que o setor informal tende a acompanhar os reajustes do sal\u00e1rio m\u00ednimo porque h\u00e1 uma recomposi\u00e7\u00e3o da m\u00e3o-de-obra empregada. Quando o sal\u00e1rio m\u00ednimo \u00e9 reajustado acima do crescimento da produtividade, o setor informal passa a absorver uma m\u00e3o-de-obra mais qualificada (o que implica mais produtiva), fazendo com que os sal\u00e1rios aumentem naquele setor.<\/p>\n

Mesmo aceitando que o sal\u00e1rio m\u00ednimo traz um impacto positivo sobre a remunera\u00e7\u00e3o m\u00e9dia do setor formal e informal, deve-se entender que esse impacto refere-se somente a aumentos marginais. Para o Brasil, por exemplo, o sal\u00e1rio m\u00ednimo de 2012 \u00e9 de R$ 620,00. Pode-se at\u00e9 discutir se esse valor n\u00e3o poderia ser maior. Mas, talvez com exce\u00e7\u00f5es muito localizadas, ningu\u00e9m advoga o aumento do sal\u00e1rio m\u00ednimo para, digamos, R$ 2.000,00. Isso porque, diante da situa\u00e7\u00e3o econ\u00f4mica do Pa\u00eds, um m\u00ednimo dessa magnitude ou teria parte significativa de seu poder de compra corro\u00eddo por um processo inflacion\u00e1rio, ou o custo social, decorrente do desemprego gerado, n\u00e3o compensaria os benef\u00edcios auferidos pelos poucos empregados que conseguissem manter seus empregos.<\/p>\n

Texto baseado em Freitas (2011).<\/em><\/p>\n

______________<\/p>\n

[1]<\/sup> Isso n\u00e3o significa, entretanto, que o sal\u00e1rio m\u00ednimo n\u00e3o possa ter influ\u00eancia sobre mercados espec\u00edficos desses pa\u00edses, como o de jovens com pouca qualifica\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

[2]<\/sup> Pode haver impactos indiretos, decorrentes de uma recomposi\u00e7\u00e3o da m\u00e3o-de-obra empregada, com demiss\u00e3o de trabalhadores n\u00e3o qualificados e contrata\u00e7\u00e3o de trabalhadores mais qualificados. Esse impacto indireto, contudo, \u00e9 dif\u00edcil de ser estabelecido a priori<\/em>, pois depende do grau de substitutibilidade entre capital, trabalho qualificado e trabalho n\u00e3o qualificado.<\/p>\n

[3]<\/sup> Estamos supondo que a an\u00e1lise de bem-estar contempla apenas as situa\u00e7\u00f5es pr\u00e9 e p\u00f3s aumento do m\u00ednimo. Certamente h\u00e1 mecanismos de transfer\u00eancias entre a popula\u00e7\u00e3o afetada (positiva ou negativamente) pelo reajuste que trar\u00e1 maior ganho de bem-estar.<\/p>\n

[4]<\/sup> Para ser mais preciso, a compara\u00e7\u00e3o deve ser feita para aquele segmento do mercado de trabalho que \u00e9 mais prov\u00e1vel de ser afetado pelo sal\u00e1rio m\u00ednimo, como os trabalhadores com baixa qualifica\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

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