{"id":1347,"date":"2012-08-06T11:44:09","date_gmt":"2012-08-06T14:44:09","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=1347"},"modified":"2012-08-06T12:21:47","modified_gmt":"2012-08-06T15:21:47","slug":"o-enigma-das-altas-taxas-de-juros-no-brasil","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=1347","title":{"rendered":"O enigma das altas taxas de juros no Brasil"},"content":{"rendered":"

As taxas de juros est\u00e3o em um n\u00edvel historicamente baixo no Brasil, se considerarmos sua tend\u00eancia hist\u00f3rica. Mas essas taxas ainda s\u00e3o muito altas se comparadas com as de outros pa\u00edses emergentes que, como o Brasil, utilizam o regime de metas de infla\u00e7\u00e3o (Figura 1). Exclu\u00edndo-se o per\u00edodo de hiperinfla\u00e7\u00e3o (1988-1994), quando as taxas de juros reais foram extremamente vol\u00e1teis (o que poderia distorcer a an\u00e1lise), as taxas de juros ex-post (aquelas medidas ap\u00f3s se conhecer o valor da infla\u00e7\u00e3o no per\u00edodo em que se avalia a taxa de juros) ca\u00edram, em m\u00e9dia, de aproximadamente 40% ao ano nos anos 1980 para algo como 20% na segunda metade da d\u00e9cada de 90, antes da introdu\u00e7\u00e3o do regime de metas de infla\u00e7\u00e3o e da mudan\u00e7a do regime cambial de fixo para flutuante em 1999. As taxas declinaram ainda mais, para 10% ao ano no per\u00edodo 2000-2005, decrescendo para menos de 8% ao ano entre 2006 e 2009, atingindo seu menor n\u00edvel em toda a s\u00e9rie hist\u00f3rica considerada em 2009, ficando um pouco abaixo de 5% ao ano. Esse \u00e9 um nivel bastante baixo para os padr\u00f5es brasileiros, ainda que esteja em torno de quatro pontos percentuais acima da m\u00e9dia dos pa\u00edses emergentes que usam o regime de metas de infla\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Figura 1. Taxas de juros reais de curto prazo (ex-post), m\u00e9dia 2000 – 2009<\/strong><\/p>\n

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A alta taxa de juros \u00e9 frequentemente citada como uma das mais importantes restri\u00e7\u00f5es ao desenvolvimento econ\u00f4mico do pa\u00eds. Alguns autores se referem a esse problema como a mais importante restri\u00e7\u00e3o ao crescimento (Hausmann 2008). Portanto, \u00e9 um exerc\u00edcio importante\u00a0entender quais s\u00e3o os fatores que podem estar associados com essa tend\u00eancia de queda nas taxas de juros reais, e tentar explicar como o Brasil pode reduzir ainda mais os juros de modo a convergir para a taxa m\u00e9dia das outras economias emergentes que utilizam o regime de metas de infla\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Os argumentos que buscam explicar as taxas de juros historicamente altas no Brasil podem ser agrupados em alguns grupos tem\u00e1ticos. H\u00e1 cinco tipos de raz\u00f5es apresentadas pela literatura:<\/p>\n

A. Considera\u00e7\u00f5es sobre a pol\u00edtica fiscal<\/strong><\/p>\n

O principal argumento fiscal refere-se aos efeitos da chamada \u201cdomin\u00e2ncia fiscal\u201d e ao risco de default<\/em> da d\u00edvida p\u00fablica. Favero e Giavazzi (2002) mostram que as taxas de juros s\u00e3o altas no Brasil devido ao alto n\u00edvel da d\u00edvida p\u00fablica. Rogoff (2005) argumenta que o historico de defaults<\/em> (sete epis\u00f3dios de defaults<\/em> ou reestrutura\u00e7\u00f5es de d\u00edvida no per\u00edodo 1824\u20132004) significa que o Brasil, mesmo com um relativamente baixo n\u00edvel de d\u00edvida p\u00fablica,\u00a0 j\u00e1 come\u00e7a a pagar um pr\u00eamio de risco elevado. As evid\u00eancias emp\u00edricas sobre o efeito da d\u00edvida p\u00fablica na taxa de juros real no Brasil n\u00e3o s\u00e3o conclusivas. Muinhos e Nankane (2006), por exemplo, n\u00e3o encontram evid\u00eancia de uma rela\u00e7\u00e3o negativa entre o n\u00edvel da d\u00edvida p\u00fablica e a taxa de juros real. De fato, um simples exame da tend\u00eancia da\u00a0 taxa de juros real e da d\u00edvida p\u00fablica\u00a0 mostra que n\u00e3o h\u00e1 aparente rela\u00e7\u00e3o entre as vari\u00e1veis (Figura 2). Embora essa seja apenas uma rela\u00e7\u00e3o entre duas vari\u00e1veis, a inclus\u00e3o da d\u00edvida p\u00fablica bruta em uma regress\u00e3o em painel tamb\u00e9m n\u00e3o produz resultados robustos, e em algumas especifica\u00e7\u00f5es o efeito aparece com o sinal inverso.<\/p>\n

Figura 2. Brasil: Divida Publica Bruta (em porcentagem do PIB), 1996\u20132009<\/strong><\/p>\n

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B. Poupan\u00e7a dom\u00e9stica<\/strong><\/p>\n

O Brasil tem um n\u00edvel de poupan\u00e7a dom\u00e9stica relativamente baixo. <\/strong>Hausmann (2008) argumenta que essa \u00e9 a principal restri\u00e7\u00e3o ao crescimento e a raz\u00e3o para a alta taxa de juros. Um argumento similar sobre o efeito da baixa poupan\u00e7a sobre a taxa de juros real \u00e9 feito por Fraga (2005). Miranda e Muinhos (2003) tamb\u00e9m fazem refer\u00eancia a esse argumento, mas n\u00e3o o testam empiricamente. A intui\u00e7\u00e3o por tr\u00e1s desse argumento \u00e9 convincente. De acordo com a teoria cl\u00e1ssica de investimento e poupan\u00e7a, se a demanda por investimento excede a oferta de poupan\u00e7a dom\u00e9stica, a taxa de juros real de equil\u00edbrio se eleva. \u00c9 bem verdade que em uma economia aberta ao exterior a poupan\u00e7a dom\u00e9stica pode n\u00e3o ser uma restri\u00e7\u00e3o, pois pode ser complementada pela poupan\u00e7a externa. Por\u00e9m, Feldstein e Horioka (1980), e v\u00e1rios outros estudos posteriores, encontram grande correla\u00e7\u00e3o entre poupan\u00e7a dom\u00e9stica e investimento dom\u00e9stico. Rogoff e Obstfeld (2000) descrevem esse fen\u00f4meno como um dos principais enigmas da macroeconomia moderna.<\/p>\n

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<\/strong>Figura 3. Poupan\u00e7a dom\u00e9stica e taxa de juros real em pa\u00edses emergentes – m\u00e9dia 2000\u201309<\/strong><\/p>\n

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A rela\u00e7\u00e3o entre poupan\u00e7a dom\u00e9stica e a taxa de juros real parece ser forte <\/strong>(Figura 3). Entre as mais baixas taxas de juros em uma amostra de pa\u00edses emergentes que utilizam o regime de metas de infla\u00e7\u00e3o est\u00e3o os pa\u00edses do sudeste asi\u00e1tico (Cor\u00e9ia, Indon\u00e9sia e Tail\u00e2ndia), que t\u00eam altos n\u00edveis de poupan\u00e7a dom\u00e9stica (em torno de 30% do PIB). Chile e Mexico t\u00eam poupan\u00e7a dom\u00e9stica media entre\u00a0 6 e 7 pontos percentuais maiores que o Brasil e n\u00edveis consideravelmente mais baixos de juros reais. No entanto, Brasil e Turquia aparecem muito longe da m\u00e9dia. Ambos t\u00eam juros elevados porque suas poupan\u00e7as dom\u00e9sticas s\u00e3o baixas em rela\u00e7\u00e3o aos demais pa\u00edses, mas a previs\u00e3o linear tra\u00e7ada na Figura 3 sugere que as taxas de juros de Brasil e Turquia deveriam ser aproximadamente 4 pontos percentuais mais baixas que os valores efetivamente observados.<\/p>\n

C. Fragilidade institucional<\/strong><\/p>\n

H\u00e1 argumentos de que a alta taxa de juros decorre, por um lado, da fragilidade das institui\u00e7\u00f5es pol\u00edticas e econ\u00f4micas brasileiras, necess\u00e1rias para prover prote\u00e7\u00e3o aos investidores (garantia de cumprimento de contratos e de direitos de propriedade); e por outro lado da falta de independ\u00eancia do Banco Central.<\/p>\n