{"id":1127,"date":"2012-03-19T09:52:56","date_gmt":"2012-03-19T12:52:56","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=1127"},"modified":"2012-03-19T11:26:47","modified_gmt":"2012-03-19T14:26:47","slug":"o-fgts-traz-beneficios-para-o-trabalhador","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=1127","title":{"rendered":"O FGTS traz benef\u00edcios para o trabalhador?"},"content":{"rendered":"

O FGTS – Fundo de Garantia do Tempo de Servi\u00e7o, regido pela Lei n\u00ba 8.036, de 11\/05\/90, foi institu\u00eddo, em 1966, em substitui\u00e7\u00e3o \u00e0 estabilidade no emprego, direito restrito aos trabalhadores que permaneciam mais de dez anos na mesma empresa. \u00c9 por isso que seu objetivo estrito \u00e9 prover o trabalhador de uma poupan\u00e7a em caso de desemprego; embora, desde sua institui\u00e7\u00e3o, tamb\u00e9m tenha sido muito utilizado na aquisi\u00e7\u00e3o da casa pr\u00f3pria.<\/p>\n

Conforme a legisla\u00e7\u00e3o em vigor, os empregadores depositam, em contas abertas na CAIXA, em nome dos seus empregados e vinculadas ao contrato de trabalho, o valor correspondente a 8% do sal\u00e1rio de cada funcion\u00e1rio.<\/p>\n

Tais recursos, al\u00e9m de configurarem uma poupan\u00e7a do trabalhador, constituem os pilares b\u00e1sicos da pol\u00edtica habitacional, de saneamento b\u00e1sico e de infraestrutura urbana do Estado, em especial no caso da habita\u00e7\u00e3o popular.<\/p>\n

Conforme o Or\u00e7amento Financeiro, Operacional e Econ\u00f4mico do FGTS, para o exerc\u00edcio de 2012, de um total de R$ 44 bilh\u00f5es, est\u00e3o previstos para serem utilizados em habita\u00e7\u00e3o popular R$ 26 bilh\u00f5es (59% do total), incluindo o Programa \u201cMinha Casa Minha Vida\u201d.<\/p>\n

Assim, na concep\u00e7\u00e3o original do Fundo, fica f\u00e1cil perceber o car\u00e1ter social duplo do FGTS: patrim\u00f4nio do trabalhador para fazer face ao desemprego e principal fonte de financiamento da pol\u00edtica habitacional, de saneamento b\u00e1sico e de infraestrutura urbana brasileira.<\/p>\n

O que se pretende neste texto \u00e9 analisar se realmente o FGTS traz vantagens ao trabalhador ou se ele cria custos que oneram o trabalho e a renda do empregado.<\/p>\n

O primeiro problema que se vislumbra \u00e9 o baixo rendimento do FGTS. A remunera\u00e7\u00e3o das contas vinculadas do Fundo corresponde \u00e0 Taxa Referencial de Juros (TR) mais juros de 3% ao ano, ou seja, menos do que rende a Caderneta de Poupan\u00e7a, pois esta remunera seus aplicadores com TR mais 6% ao ano. Isso torna o FGTS um dos investimentos com a mais baixa remunera\u00e7\u00e3o do mercado financeiro brasileiro.<\/p>\n

O risco dessa aplica\u00e7\u00e3o \u00e9 nulo, pois os saldos das contas vinculadas est\u00e3o garantidos e protegidos por lei, sendo o risco de cr\u00e9dito integralmente assumido pela CAIXA. As aplica\u00e7\u00f5es no FGTS diferem, portanto, dos investimentos no mercado financeiro, onde o risco \u00e9 todo do aplicador de recursos. Ainda assim, n\u00e3o \u00e9 justo impor ao trabalhador uma aplica\u00e7\u00e3o que renda menos do que a infla\u00e7\u00e3o, conforme ilustrado pela tabela abaixo.<\/p>\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n\n
Rendimento do FGTS X IPCA (2000-2011)<\/strong><\/td>\n<\/tr>\n
Anos<\/strong><\/td>\nRendimento FGTS<\/strong><\/td>\nIPCA<\/strong><\/td>\n<\/tr>\n
(TR + 3% a.a.)<\/td>\n<\/td>\n<\/tr>\n
(% anual)<\/td>\n(% anual)<\/td>\n<\/tr>\n
2000<\/td>\n5,14<\/td>\n5,97<\/td>\n<\/tr>\n
2001<\/td>\n5,33<\/td>\n7,67<\/td>\n<\/tr>\n
2002<\/td>\n5,85<\/td>\n12,53<\/td>\n<\/tr>\n
2003<\/td>\n7,69<\/td>\n9,30<\/td>\n<\/tr>\n
2004<\/td>\n4,86<\/td>\n7,60<\/td>\n<\/tr>\n
2005<\/td>\n5,88<\/td>\n5,69<\/td>\n<\/tr>\n
2006<\/td>\n5,08<\/td>\n3,14<\/td>\n<\/tr>\n
2007<\/td>\n4,45<\/td>\n4,46<\/td>\n<\/tr>\n
2008<\/td>\n4,65<\/td>\n5,90<\/td>\n<\/tr>\n
2009<\/td>\n3,64<\/td>\n4,31<\/td>\n<\/tr>\n
2010<\/td>\n3,71<\/td>\n5,91<\/td>\n<\/tr>\n
2011<\/td>\n4,13<\/td>\n6,50<\/td>\n<\/tr>\n
Fonte: TR e IPCA – IPEADATA<\/td>\n<\/td>\n<\/td>\n<\/tr>\n<\/tbody>\n<\/table>\n

Pelos n\u00fameros acima, verifica-se que a remunera\u00e7\u00e3o total do FGTS ficou bem aqu\u00e9m da infla\u00e7\u00e3o do per\u00edodo, ou seja, com o tempo, os dep\u00f3sitos est\u00e3o perdendo seu poder de compra. Se acumularmos as taxas mostradas na tabela, o FGTS acumulou rentabilidade de 80%, enquanto a infla\u00e7\u00e3o foi de 114%.<\/p>\n

Do modo como o Fundo est\u00e1 equacionado, v\u00e1rios incentivos adversos foram criados. Como a remunera\u00e7\u00e3o do FGTS \u00e9 baixa para o empregado e \u00e9 um custo para o empregador, isso incentiva a informalidade. Os empregados e os empregadores preferem contratos informais nos quais estes pagam diretamente \u00e0queles. Tamb\u00e9m h\u00e1 o caso em que a informalidade pode n\u00e3o ser completa: \u00e9 comum haver contratos registrados em carteira, mas especificando uma remunera\u00e7\u00e3o menor do que a efetivamente paga.<\/p>\n

Outra distor\u00e7\u00e3o vem do fato de que o empregado formal ir\u00e1 buscar uma forma de sacar seus recursos depositados na conta vinculada o mais r\u00e1pido poss\u00edvel, para evitar sua corros\u00e3o pela infla\u00e7\u00e3o. Uma maneira \u00e9 provocar sua demiss\u00e3o, de forma a se apoderar do dinheiro (principalmente em \u00e9pocas de crescimento econ\u00f4mico, em que o mercado de trabalho fica aquecido). Outra pode ser adquirir im\u00f3veis, mesmo que n\u00e3o seja aquele que o trabalhador adquiriria caso dispusesse dos recursos em outra aplica\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Com essa caracter\u00edstica do Fundo, patr\u00f5es e empregados n\u00e3o esperam que os contratos durem muito tempo. A consequ\u00eancia \u00e9 uma alta rotatividade no mercado de trabalho. Se a expectativa \u00e9 ter uma for\u00e7a de trabalho renovada constantemente, h\u00e1 menos incentivos para investir no treinamento individual dos trabalhadores, diminuindo o investimento em capital humano, o que certamente prejudica a produtividade da economia, reduzindo o potencial de crescimento econ\u00f4mico.<\/p>\n

A pergunta \u00f3bvia que surge \u00e9: por que n\u00e3o se aumenta a remunera\u00e7\u00e3o do FGTS, de forma a torn\u00e1-lo pelo menos t\u00e3o atraente quanto a Caderneta de Poupan\u00e7a?<\/p>\n

O \u00f3bice em se aumentar a remunera\u00e7\u00e3o do FGTS consiste no fato de que isso rebater\u00e1, necessariamente, no encarecimento dos empr\u00e9stimos para compra da casa pr\u00f3pria, por parte das classes menos favorecidas de nossa sociedade.<\/p>\n

Mas ent\u00e3o, outra pergunta vem \u00e0 tona: cabe ao trabalhador, com seus recursos, fornecer subs\u00eddios para o sistema financeiro de habita\u00e7\u00e3o e para as obras de infraestrutura urbana?<\/p>\n

A carga tribut\u00e1ria brasileira figura entre as mais altas do mundo (34% do PIB). Se o governo quer financiar a habita\u00e7\u00e3o popular, que o fa\u00e7a com recursos previstos no or\u00e7amento, que passaram pela aprova\u00e7\u00e3o indireta da sociedade, via discuss\u00e3o no Congresso Nacional. Hoje, a legisla\u00e7\u00e3o em vigor obriga o empregado a deixar seu recurso aplicado no FGTS, recebendo uma remunera\u00e7\u00e3o baixa por isso, de forma que o governo possa emprestar recursos para a aquisi\u00e7\u00e3o da casa pr\u00f3pria com juros aqu\u00e9m dos praticados pelo mercado.<\/p>\n

Outra quest\u00e3o correlata \u00e9 que uma baixa taxa de juros cobrada de um trabalhador de baixa renda em um financiamento habitacional n\u00e3o necessariamente ser\u00e1 um benef\u00edcio para este trabalhador. Se esse sistema de cr\u00e9dito subsidiado gerar um grande aumento na demanda por habita\u00e7\u00f5es populares (como de fato ocorreu ap\u00f3s o lan\u00e7amento do programa \u201cMinha Casa Minha Vida\u201d), o pre\u00e7o dessas habita\u00e7\u00f5es vai subir. Isso significa que o subs\u00eddio acaba sendo apropriado pelas empresas que constroem e vendem tais habita\u00e7\u00f5es, sob a forma de maior margem de lucro (a esse respeito, ver neste site o texto: A isen\u00e7\u00e3o do imposto de renda na poupan\u00e7a \u00e9 um subs\u00eddio justo e eficiente?<\/a>)<\/p>\n

Sabe-se da teoria econ\u00f4mica tradicional que a tributa\u00e7\u00e3o sobre a folha de pagamentos gera inefici\u00eancias e desemprego, pois eleva o custo do trabalho. O FGTS funciona como um tributo que encarece o sal\u00e1rio pago pelo empregador, mas que vai diminuir o sal\u00e1rio l\u00edquido recebido pelo empregado.<\/p>\n

Se n\u00e3o houvesse o FGTS, o sal\u00e1rio efetivamente percebido pelo trabalhador poderia ser maior e, em vez de ele ser obrigado a manter seu dinheiro no Fundo, poderia utilizar o dinheiro da forma que melhor lhe aprouvesse, inclusive escolhendo uma aplica\u00e7\u00e3o financeira mais rent\u00e1vel. Se fosse dada a op\u00e7\u00e3o para os trabalhadores, muitos prefeririam receber menos que os 8% pagos pelos empregadores, se pudessem aplicar livremente os recursos.<\/p>\n

Destaque-se que a pr\u00f3pria ideia de poupan\u00e7a compuls\u00f3ria n\u00e3o se justifica. A melhor pessoa para decidir quanto, como e se vai poupar \u00e9 o pr\u00f3prio trabalhador. Talvez na \u00e9poca em que o FGTS foi criado, quando havia poucos instrumentos financeiros dispon\u00edveis, a ideia de poupan\u00e7a compuls\u00f3ria poderia fazer algum sentido. Atualmente, contudo, o acesso ao sistema financeiro \u00e9 muito maior, de forma que o indiv\u00edduo pode formar a pr\u00f3pria poupan\u00e7a, escolhendo a composi\u00e7\u00e3o de rentabilidade\/risco que mais lhe convier. Alternativamente, em caso de queda na renda, pode-se buscar cr\u00e9dito, seja no sistema financeiro formal (embora as taxas de juros sejam muito elevadas, especialmente para quem est\u00e1 desempregado) ou em redes informais, entre amigos.<\/p>\n

H\u00e1 quem argumente que, dado os baixos sal\u00e1rios no Brasil, a \u00fanica poupan\u00e7a poss\u00edvel \u00e9 a poupan\u00e7a for\u00e7ada. H\u00e1 v\u00e1rios problemas com esse argumento. O primeiro \u00e9 a viola\u00e7\u00e3o ao direito soberano que o indiv\u00edduo deve ter de poupar ou n\u00e3o. O segundo \u00e9 que, mesmo com baixos sal\u00e1rios, \u00e9 poss\u00edvel poupar. Milh\u00f5es de brasileiros trabalham por conta pr\u00f3pria e em atividades sazonais (como agricultura, turismo, constru\u00e7\u00e3o civil ou mesmo diaristas), n\u00e3o recebem FGTS, e ainda assim conseguem sobreviver nos per\u00edodos de baixa (ou de total aus\u00eancia de) demanda por trabalho. Um indicativo de que os pobres poupam \u00e9 que 75% das contas de caderneta de poupan\u00e7a (em torno de 45 milh\u00f5es de contas) possuem saldo inferior a R$ 1 mil. Certamente, se os trabalhadores dispusessem dos recursos do FGTS, esse saldo seria maior.<\/p>\n

Atualmente o Congresso Nacional discute uma revis\u00e3o da legisla\u00e7\u00e3o do FGTS. Talvez a melhor forma de se obter ganhos de bem estar para a sociedade e para o trabalhador, em vez de reformar o Fundo, seja simplesmente extingui-lo.<\/p>\n

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