{"id":1028,"date":"2012-02-07T10:18:22","date_gmt":"2012-02-07T13:18:22","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=1028"},"modified":"2012-02-08T10:39:45","modified_gmt":"2012-02-08T13:39:45","slug":"quem-deve-pagar-a-conta-dos-subsidios-nos-servicos-de-utilidade-publica","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=1028","title":{"rendered":"Quem deve pagar a conta dos subs\u00eddios nos servi\u00e7os de utilidade p\u00fablica?"},"content":{"rendered":"

Muito mais corriqueiramente do que se imagina, alguns consumidores ajudam a pagar a conta de outros. S\u00e3o os chamados subs\u00eddios cruzados. Muitas vezes esses subs\u00eddios s\u00e3o dif\u00edceis de serem percebidos. Por exemplo, quem pede para embalar um presente est\u00e1 sendo subsidiado por quem n\u00e3o solicita esse servi\u00e7o (afinal, o custo do papel e da m\u00e3o-de-obra que ir\u00e1 embalar est\u00e1 embutido no pre\u00e7o final do bem); quem come pouco ajuda a pagar a conta de quem come muito em um rod\u00edzio; um paciente que demanda menos tempo do m\u00e9dico subsidia o que demora mais; quem parcela o pagamento de passagens a\u00e9reas sem pagar juros est\u00e1 sendo financiado por aqueles que pagam \u00e0 vista.<\/p>\n

Em todos os exemplos acima, o subs\u00eddio cruzado surge como uma solu\u00e7\u00e3o de mercado, pois diferenciar o pre\u00e7o traria custos al\u00e9m dos benef\u00edcios. Pode tamb\u00e9m ser uma estrat\u00e9gia de marketing<\/em>: cobrar por certos servi\u00e7os pode parecer antip\u00e1tico aos olhos do consumidor. Apesar disso, ao longo dos \u00faltimos anos, vimos que a sociedade tem cada vez mais aceitado pagar valores diferentes, de acordo com os servi\u00e7os adquiridos. Dessa forma, \u00e9 cada vez mais comum shopping centers<\/em> cobrarem pelo estacionamento, companhias a\u00e9reas cobrarem pelo despacho de malas ou pela comida servida a bordo, e lojas cobrarem para embalar produtos.<\/p>\n

O que explica o fato de, em alguns casos, as empresas preferirem manter os subs\u00eddios cruzados e em outros casos optarem por diferenciar os pre\u00e7os conforme o servi\u00e7o ou bem consumido \u00e9 o custo que se incorre para fazer a diferencia\u00e7\u00e3o dos pre\u00e7os. Manter algu\u00e9m vigiando a entrada de um banheiro restrito a pagantes pode ser mais caro do que liberar o acesso; cobrar um pre\u00e7o diferente para cada tipo de alimento em um restaurante a quilo \u00e9 praticamente invi\u00e1vel; pode ser mais barato contratar um empacotador do que perder tempo com o pr\u00f3prio cliente empacotando as compras em um supermercado.<\/p>\n

Pre\u00e7os uniformes tamb\u00e9m reduzem o custo de informa\u00e7\u00e3o. A decis\u00e3o de um consumidor fica mais f\u00e1cil se ele sabe, de antem\u00e3o, o pre\u00e7o dos ingressos nos cinemas X e Y, sem se preocupar com a dura\u00e7\u00e3o ou com o custo de produ\u00e7\u00e3o do filme. A informa\u00e7\u00e3o de uma vitrine \u00e9 mais clara se o pre\u00e7o de um modelo n\u00e3o depender do tamanho da roupa.<\/p>\n

Por fim (e lembrando que essas explica\u00e7\u00f5es n\u00e3o formam uma lista exaustiva), pode haver assimetrias de informa\u00e7\u00e3o e conflitos de interesse que tornam a diferencia\u00e7\u00e3o de pre\u00e7os ineficiente. Por exemplo, se o pre\u00e7o de um bem depender do tempo de negocia\u00e7\u00e3o ou da dura\u00e7\u00e3o do servi\u00e7o (o tempo gasto em uma consulta m\u00e9dica ou em um corte de cabelo), pode ser gerado um incentivo perverso de as transa\u00e7\u00f5es se estenderem al\u00e9m do tempo necess\u00e1rio. Um caso cl\u00e1ssico \u00e9 o do jornal Pravda, editado na antiga Uni\u00e3o Sovi\u00e9tica, no qual os jornalistas eram remunerados pelo tamanho das reportagens escritas, o que resultava em textos enormes.<\/p>\n

Em princ\u00edpio, quando o pre\u00e7o pago \u00e9 diferente do custo de produ\u00e7\u00e3o, gera-se uma inefici\u00eancia na economia, com perda de bem-estar. Nos casos acima, entretanto, o subs\u00eddio cruzado pode aumentar a satisfa\u00e7\u00e3o da sociedade se a cobran\u00e7a de pre\u00e7os diferenciados gerar custos maiores do que a inefici\u00eancia decorrente da uniformiza\u00e7\u00e3o de pre\u00e7os.<\/p>\n

H\u00e1 situa\u00e7\u00f5es, entretanto, em que o subs\u00eddio cruzado decorre de restri\u00e7\u00f5es institucionais. Um exemplo \u00e9 a proibi\u00e7\u00e3o de cobran\u00e7a de pre\u00e7os diferenciados para compras \u00e0 vista e com cart\u00f5es de cr\u00e9dito (sobre esse tema, ver o artigo Deve-se proibir a diferencia\u00e7\u00e3o de pre\u00e7os entre compras \u00e0 vista e com cart\u00e3o de cr\u00e9dito?<\/a>, neste site). Mas \u00e9 na presta\u00e7\u00e3o de servi\u00e7os de utilidade p\u00fablica que ocorrem com maior frequ\u00eancia os subs\u00eddios cruzados.<\/p>\n

Talvez a principal justificativa para o uso desses subs\u00eddios seja pol\u00edtica. Em primeiro lugar, por n\u00e3o serem transparentes, s\u00e3o mais f\u00e1ceis de serem cobrados. \u00c9 mais prov\u00e1vel que o usu\u00e1rio culpe a concession\u00e1ria pelo alto pre\u00e7o da tarifa do que o governo, que est\u00e1 lhe tributando.<\/p>\n

Em segundo lugar, porque a sociedade parece aceitar com certa facilidade a ideia de solidariedade entre grupos, ainda que artificialmente constru\u00eddos e que n\u00e3o fa\u00e7am sentido econ\u00f4mico. Os consumidores passam a ser agregados em grupos como passageiros de \u00f4nibus, consumidores de energia, de \u00e1gua, etc, e tornam-se (compulsoriamente) solid\u00e1rios, com os mais abastados subsidiando os mais pobres.<\/p>\n

Um exemplo est\u00e1 no transporte urbano, no qual os idosos t\u00eam direito a passagens gratuitas. Quem paga por isso? Normalmente s\u00e3o os demais usu\u00e1rios do transporte. Se n\u00e3o houvesse problemas de assimetria de informa\u00e7\u00e3o, esse subs\u00eddio cruzado seria claramente indesej\u00e1vel do ponto de vista social.<\/p>\n

Em primeiro lugar, porque a discrep\u00e2ncia entre pre\u00e7o e custo (os passageiros pagantes pagam acima do custo, e os passageiros n\u00e3o pagantes ou com direito a desconto pagam abaixo do custo de produ\u00e7\u00e3o), per si<\/em>, gera inefici\u00eancias na aloca\u00e7\u00e3o de recursos: os passageiros n\u00e3o subsidiados v\u00e3o fazer menos viagens do que fariam se n\u00e3o precisassem subsidiar os mais velhos. Em segundo lugar, porque \u00e9 injusto. Por que \u00e9 o passageiro de \u00f4nibus (frequentemente, pertencente \u00e0s classes menos favorecidas) quem deve pagar pelo transporte do idoso e n\u00e3o, digamos, quem anda de carro, quem vai ao cinema, quem faz compras no supermercado?<\/p>\n

N\u00e3o se trata aqui de discutir o m\u00e9rito de os idosos poderem ou n\u00e3o viajar de gra\u00e7a. A quest\u00e3o \u00e9 quem deve pagar por isso. Se a sociedade entende que a gratuidade (ou qualquer desconto) \u00e9 justa, ent\u00e3o deve ser o contribuinte, via pagamento de impostos \u2013 e n\u00e3o o usu\u00e1rio do \u00f4nibus \u2013 quem deve pagar pelo servi\u00e7o.<\/p>\n

Pode haver, entretanto, problemas de assimetria de informa\u00e7\u00e3o que justifiquem o subs\u00eddio cruzado. A empresa de \u00f4nibus pode ter incentivos para inflar o n\u00famero de idosos transportados e, com isso, arrecadar mais subs\u00eddios (pagos pelo or\u00e7amento p\u00fablico) do que teria direito. Se o custo de fiscaliza\u00e7\u00e3o for alto e\/ou se o n\u00famero de idosos usu\u00e1rios do sistema p\u00fablico de transporte for baixo (o que implica baixo impacto sobre os custos totais) pode ser socialmente prefer\u00edvel manter o sistema de subs\u00eddios cruzados.<\/p>\n

Subs\u00eddios cruzados est\u00e3o tamb\u00e9m presentes nas tarifas de energia e saneamento. Nos dois casos, as tarifas s\u00e3o definidas de forma a garantir a viabilidade financeira das respectivas concession\u00e1rias. Via de regra, as tarifas aumentam de acordo com a faixa de consumo e s\u00e3o calculadas de forma a viabilizar o provimento do servi\u00e7o para as popula\u00e7\u00f5es mais pobres e a expans\u00e3o da rede. No caso da energia el\u00e9trica, a tarifa final embute ainda encargos destinados a financiar o fornecimento de energia para usu\u00e1rios que residem em algumas \u00e1reas da Regi\u00e3o Norte[1]<\/a>.<\/p>\n

\u00c9 dif\u00edcil encontrar justificativas econ\u00f4micas para o subs\u00eddio aos consumidores dos estados nortistas por meio da tarifa de energia dos demais usu\u00e1rios. Assim como no exemplo da passagem de \u00f4nibus. Se a sociedade entende que deve haver o subs\u00eddio, \u00e9 o contribuinte, via imposto, quem deve financiar o usu\u00e1rio de energia da Regi\u00e3o Norte. Como se trata de uma transfer\u00eancia de recursos entre concession\u00e1rias, n\u00e3o se pode argumentar aqui que o subs\u00eddio cruzado pode ser justificado com base em redu\u00e7\u00e3o de custos de informa\u00e7\u00e3o, de transa\u00e7\u00e3o ou para resolver problemas de assimetria de informa\u00e7\u00f5es.<\/p>\n

\u00c9 igualmente dif\u00edcil de justificar os usu\u00e1rios pagarem pela expans\u00e3o da rede. Do ponto de vista distributivo, n\u00e3o faz sentido quem consome hoje subsidiar o consumidor de amanh\u00e3[2]<\/sup><\/sup><\/a>. Para haver efici\u00eancia alocativa, \u00e9 necess\u00e1rio que a tarifa reflita o custo de produ\u00e7\u00e3o do servi\u00e7o, que deve incluir o custo do financiamento para a infraestrutura j\u00e1 realizada<\/span>. Se a tarifa passa a incluir tamb\u00e9m o financiamento para as concession\u00e1rias, seu valor passar\u00e1 a superar o custo de produ\u00e7\u00e3o, fazendo com que o consumo de energia\/saneamento fique abaixo do socialmente \u00f3timo. Isso se torna ainda mais grave quando se considera que esses servi\u00e7os trazem importantes benef\u00edcios \u00e0 sociedade (externalidades positivas) (sobre as externalidades de \u00e1gua e saneamento, ver, neste site, o texto Por que \u00e9 t\u00e3o elevada a carga tribut\u00e1ria sobre os servi\u00e7os de saneamento b\u00e1sico?<\/a>; e sobre o conceito de externalidades ver, tamb\u00e9m neste site, o texto Por que o governo deve intervir na economia?<\/a>).<\/p>\n

Por fim, \u00e9 tamb\u00e9m discut\u00edvel se a tarifa por Kwh consumido de quem consome mais deve ser maior do que a de quem consome menos. Se o objetivo \u00e9 fazer justi\u00e7a distributiva, n\u00e3o \u00e9 esse o caminho mais adequado. Em primeiro lugar, porque a distribui\u00e7\u00e3o de renda quando feita pelo or\u00e7amento (ou seja, via impostos) n\u00e3o distorce o pre\u00e7o da energia\/\u00e1gua em rela\u00e7\u00e3o aos outros bens (uma vez que seriam igualmente tributados), reduzindo os impactos delet\u00e9rios sobre a efici\u00eancia alocativa de recursos.<\/p>\n

Em segundo lugar, porque n\u00e3o necessariamente est\u00e1 se fazendo justi\u00e7a distributiva, pois a rela\u00e7\u00e3o entre consumo de \u00e1gua\/energia e riqueza n\u00e3o \u00e9 direta. Fam\u00edlias grandes tendem a consumir mais, mesmo n\u00e3o sendo mais ricas. Quem tem mais capital pode investir em um sistema de aquecimento solar, bem como trocar os aparelhos eletrodom\u00e9sticos, reduzindo o seu consumo de energia. Pessoas que t\u00eam o h\u00e1bito de comer fora e lavar a roupa em lavanderias tamb\u00e9m tendem a apresentar consumo mais baixo de \u00e1gua e energia. Casas de praia e de campo t\u00eam baixo consumo, pois s\u00e3o usadas apenas no final de semana. Enfim, o melhor indicador de riqueza de um indiv\u00edduo \u00e9 sua renda e seu patrim\u00f4nio, e n\u00e3o seu consumo de \u00e1gua e energia. A tributa\u00e7\u00e3o da renda e do patrim\u00f4nio \u00e9, dessa forma, um instrumento mais eficiente para se fazer justi\u00e7a social do que a tributa\u00e7\u00e3o sobre \u00e1gua e energia.<\/p>\n

O subs\u00eddio cruzado nas contas de energia e \u00e1gua poderia ser justificado com base na redu\u00e7\u00e3o de custos de transa\u00e7\u00e3o. Esses custos, entretanto, devem ser relativamente baixos, pois n\u00e3o deve ser dif\u00edcil para os \u00f3rg\u00e3os reguladores (ou quem quer que venha a ser respons\u00e1vel pelo pagamento de subs\u00eddios) ter acesso ao consumo de cada domic\u00edlio, a partir do qual seria calculado o subs\u00eddio a que a concession\u00e1ria teria direito.<\/p>\n

Em s\u00edntese, mesmo reconhecendo que h\u00e1 justificativas para que servi\u00e7os de utilidade p\u00fablica sejam subsidiados, o financiamento desses subs\u00eddios deveria se feito atrav\u00e9s do or\u00e7amento p\u00fablico. A pr\u00e1tica de se cobrar tarifas mais altas dos usu\u00e1rios que consomem mais, al\u00e9m de n\u00e3o garantir justi\u00e7a social, pode reduzir o bem-estar da popula\u00e7\u00e3o devido \u00e0 inefici\u00eancia gerada na aloca\u00e7\u00e3o de recursos.<\/p>\n

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