{"id":1008,"date":"2012-01-30T07:44:42","date_gmt":"2012-01-30T10:44:42","guid":{"rendered":"http:\/\/www.brasil-economia-governo.org.br\/?p=1008"},"modified":"2012-01-30T07:47:45","modified_gmt":"2012-01-30T10:47:45","slug":"financiamento-publico-ou-privado-para-as-campanhas-eleitorais","status":"publish","type":"post","link":"https:\/\/www.brasil-economia-governo.com.br\/?p=1008","title":{"rendered":"Financiamento p\u00fablico ou privado para as campanhas eleitorais?"},"content":{"rendered":"

A interfer\u00eancia do poder econ\u00f4mico nos rumos pol\u00edticos de um pa\u00eds tem sido uma fonte de constante preocupa\u00e7\u00e3o da sociedade. Como o custo das campanhas eleitorais pode ser extremamente elevado, para exercer essa influ\u00eancia pol\u00edtica seria suficiente financiar a campanha de um candidato capaz de implantar, depois que ocorresse a elei\u00e7\u00e3o, uma plataforma de interesse do grupo financiador. Para esse \u00faltimo, o desembolso poderia gerar um ganho muito maior no futuro, ao passo que para o pol\u00edtico, um comprometimento velado representaria uma maior chance de ganhar a competi\u00e7\u00e3o, na medida em que o candidato disporia de mais recursos para investir na campanha.<\/p>\n

Assim, \u00e9 natural que aflorem preocupa\u00e7\u00f5es com o financiamento privado das campanhas eleitorais. Questiona-se, ciclicamente, se a proibi\u00e7\u00e3o da participa\u00e7\u00e3o do setor privado no processo eleitoral seria uma forma eficiente de eliminar o efeito nocivo do lobby<\/em> pr\u00e9-eleitoral, considerado como qualquer atividade pr\u00e9via \u00e0s elei\u00e7\u00f5es por parte de indiv\u00edduos ou de grupos de interesse privado que influenciam as a\u00e7\u00f5es dos pol\u00edticos ap\u00f3s as elei\u00e7\u00f5es. Al\u00e9m disso, tamb\u00e9m se discutem quais seriam as fontes alternativas de financiamento das campanhas eleitorais caso a contribui\u00e7\u00e3o privada fosse vedada.<\/p>\n

As mudan\u00e7as na legisla\u00e7\u00e3o brasileira relativas ao assunto, principalmente a partir da d\u00e9cada de 70, demonstram essa inquieta\u00e7\u00e3o. Em 1971, uma nova lei org\u00e2nica dos partidos pol\u00edticos foi promulgada (Lei n\u00ba 5.682). Entre outros aspectos, regulamentou-se o chamado fundo de assist\u00eancia financeira dos partidos pol\u00edticos, composto das multas e penalidades aplicadas a partir da legisla\u00e7\u00e3o eleitoral, dos recursos financeiros que lhe fossem destinados tamb\u00e9m por lei, e de doa\u00e7\u00f5es particulares. Do montante acumulado no fundo, 80% era distribu\u00eddo com base na propor\u00e7\u00e3o dos partidos na C\u00e2mara dos Deputados e os outros 20%, repartido igualmente entre eles. Tamb\u00e9m importante para a abordagem que se apresenta foi a veda\u00e7\u00e3o imposta pela lei aos partidos quanto ao recebimento, direto ou indireto, de contribui\u00e7\u00e3o, aux\u00edlio ou recurso procedente de empresa privada, de finalidade lucrativa, entidade de classe ou sindical.<\/p>\n

No entanto, a hist\u00f3ria mostrou que essa veda\u00e7\u00e3o \u00e9 ineficiente. Durante a vig\u00eancia daquela lei, criou-se um incentivo ao financiamento de campanhas via a forma\u00e7\u00e3o de \u201ccaixa dois\u201d, ou seja, recursos recebidos \u00e0 margem da lei, contabilizados em paralelo e \u00a0n\u00e3o divulgada pelos partidos.<\/p>\n

Nesse contexto, a permiss\u00e3o do financiamento privado passou a ser considerada a melhor alternativa. A Lei n\u00ba 8.713, de 1993, flexibilizou a regra, permitindo a doa\u00e7\u00e3o de pessoas jur\u00eddicas para campanhas eleitorais. Em 1995, a lei org\u00e2nica dos partidos pol\u00edticos (Lei n\u00ba 9.096) foi alterada de forma que a nova regra mantinha a ideia do fundo de assist\u00eancia aos partidos, que passou a ser chamado de \u201cFundo Partid\u00e1rio\u201d e contou com a defini\u00e7\u00e3o de uma contribui\u00e7\u00e3o p\u00fablica permanente em montante nunca inferior, cada ano, ao n\u00famero de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior ao da proposta or\u00e7ament\u00e1ria, multiplicados por trinta e cinco centavos de real, em valores de agosto de 1995. Outras duas importantes altera\u00e7\u00f5es introduzidas pela nova lei foram o crit\u00e9rio de distribui\u00e7\u00e3o dos recursos do fundo, j\u00e1 que 99% do total seriam distribu\u00eddos aos partidos na propor\u00e7\u00e3o dos votos obtidos na \u00faltima elei\u00e7\u00e3o geral para a C\u00e2mara dos Deputados, al\u00e9m da permiss\u00e3o de os partidos receberem diretamente doa\u00e7\u00f5es de pessoas f\u00edsicas e jur\u00eddicas para constitui\u00e7\u00e3o de seus fundos, desde que as declarassem \u00e0 Justi\u00e7a Eleitoral.<\/p>\n

Na verdade, essa regra nunca chegou a ser aplicada. Havia uma s\u00e9rie de normas transit\u00f3rias, que vigoraram por v\u00e1rias elei\u00e7\u00f5es. Pr\u00f3ximo de iniciar a vig\u00eancia do percentual citado, o STF manifestou-se concluindo que o sistema de reparti\u00e7\u00e3o das receitas do fundo era inconstitucional, por beneficiar os maiores partidos e, com isso, conduzir \u00e0 cristaliza\u00e7\u00e3o do status quo<\/em> partid\u00e1rio.<\/p>\n

A Lei 11.459, de 2007, promulgada como decorr\u00eancia da decis\u00e3o do STF, fixou os percentuais em 5% (distribu\u00eddos igualmente entre todos os partidos) e 95% (distribu\u00eddos aos partidos na propor\u00e7\u00e3o dos votos obtidos na \u00faltima elei\u00e7\u00e3o geral para a C\u00e2mara dos Deputados).<\/p>\n

Apesar das mudan\u00e7as empreendidas, novamente a regra estabelecida parece n\u00e3o ter surtido o efeito esperado. Do ponto de vista da contabilidade oficial de campanha, s\u00e3o marcantes as diferen\u00e7as de gastos nas campanhas eleitorais dos candidatos.<\/p>\n

Assim, infere-se que a legisla\u00e7\u00e3o em vigor sobre o financiamento da disputa eleitoral pode ter tido um efeito distinto daquele que se pretendia. Al\u00e9m de n\u00e3o se ter certeza dos valores declarados pelos candidatos, em vista da possibilidade de desvio dos montantes recebidos ou da necessidade de esconder a identidade do doador para n\u00e3o evidenciar futuros favorecimentos, a competi\u00e7\u00e3o pode ter se tornado extremamente desigual, gerando um efeito n\u00e3o competitivo. De fato, os partidos com maior financiamento privado teriam melhores chances de conquistar mais lugares no Congresso, tornando-se, por consequ\u00eancia, mais atraentes ao financiador privado, que, por sua vez, novamente os financiaria, garantindo a manuten\u00e7\u00e3o do status quo<\/em> da divis\u00e3o pol\u00edtica.<\/p>\n

Em resposta a esses acontecimentos e diversos outros ligados \u00e0 corrup\u00e7\u00e3o nos meios pol\u00edticos, a C\u00e2mara dos Deputados e o Senado Federal v\u00eam novamente se movimentado no sentido de alterar a legisla\u00e7\u00e3o atual. Os objetivos principais seriam evitar a inger\u00eancia do poder econ\u00f4mico nas decis\u00f5es pol\u00edticas exercida por meio do mecanismo de financiamento privado de campanhas e, por consequ\u00eancia, a desigualdade de condi\u00e7\u00f5es nas competi\u00e7\u00f5es eleitorais.<\/p>\n

Muito se discute quanto \u00e0s vantagens e desvantagens de se vedar a participa\u00e7\u00e3o do setor privado nas campanhas eleitorais. Ao se proibir o financiamento privado, poder-se-ia equalizar as condi\u00e7\u00f5es de disputa entre os diversos partidos, diminuir a interven\u00e7\u00e3o do poder econ\u00f4mico nos rumos das pol\u00edticas adotadas pelo governo e, at\u00e9 como uma consequ\u00eancia deste \u00faltimo, ampliar os benef\u00edcios das pol\u00edticas p\u00fablicas \u00e0 maioria da popula\u00e7\u00e3o.<\/p>\n

Por outro lado, h\u00e1 alguns parlamentares que consideram injusta a forma de distribui\u00e7\u00e3o dos recursos do fundo partid\u00e1rio, al\u00e9m de entenderem improv\u00e1vel o impedimento por completo da interfer\u00eancia privada, pois acham que seria inevit\u00e1vel, por exemplo, que a m\u00eddia promovesse algum partido ou candidato. A partir dessa premissa, portanto, para esses pol\u00edticos o aumento da dota\u00e7\u00e3o or\u00e7ament\u00e1ria para o fundo partid\u00e1rio oneraria ainda mais os contribuintes.<\/p>\n

Nesse ponto, faz-se pertinente uma an\u00e1lise sobre os efeitos da contribui\u00e7\u00e3o p\u00fablica e privada de campanhas eleitorais. As propostas de altera\u00e7\u00e3o da lei org\u00e2nica dos partidos pol\u00edticos sugerem um estudo da contribui\u00e7\u00e3o p\u00fablica no que diz respeito a dois aspectos: a consequ\u00eancia do lobby<\/em> pr\u00e9-eleitoral sobre as pol\u00edticas propostas do ponto de vista da melhoria do bem-estar social; e as condi\u00e7\u00f5es de competi\u00e7\u00e3o eleitoral para, por meio de uma an\u00e1lise das probabilidades de elei\u00e7\u00e3o de cada partido, verificar o efeito da contribui\u00e7\u00e3o p\u00fablica sobre as respectivas propor\u00e7\u00f5es partid\u00e1rias, ou seja, verificar se o status quo<\/em> ser\u00e1 mantido ou se haver\u00e1 mudan\u00e7as significativas nas propor\u00e7\u00f5es dos partidos.<\/p>\n

Portugal e Bugarin (2003) modelaram as diversas possibilidades de financiamento das campanhas eleitorais ressaltando o impacto do sistema adotado no bem-estar social. Estudaram-se os casos do modelo com contribui\u00e7\u00e3o exclusivamente p\u00fablica, com contribui\u00e7\u00f5es p\u00fablica e privada concomitantemente e, por fim, uma situa\u00e7\u00e3o com contribui\u00e7\u00e3o exclusivamente privada.<\/p>\n

Em termos de bem-estar social, o modelo que mais beneficia a sociedade \u00e9 o financiamento exclusivamente p\u00fablico das campanhas eleitorais. Por\u00e9m, isso s\u00f3 \u00e9 verdade se n\u00e3o existir de fato o \u201ccaixa-dois\u201d das campanhas, o que indica que qualquer mudan\u00e7a legal, por si s\u00f3, n\u00e3o seria capaz de promover uma melhoria de bem-estar social, sendo necess\u00e1rio implementar e\/ou aprimorar procedimentos de controle dos atos eleitorais, gerando custos administrativos e sem garantia de efic\u00e1cia desse controle.<\/p>\n

Quanto ao efeito sobre a igualdade de competi\u00e7\u00e3o entre os partidos, em um modelo de financiamento exclusivamente p\u00fablico, a contribui\u00e7\u00e3o para as campanhas eleitorais pode levar a uma competi\u00e7\u00e3o eleitoral mais desigual. Esse resultado, apesar das diversas simplifica\u00e7\u00f5es consideradas, \u00e9 bastante intuitivo, uma vez que a proibi\u00e7\u00e3o de financiamento privado limitaria os partidos a apenas os recursos p\u00fablicos, cuja distribui\u00e7\u00e3o j\u00e1 estaria enviesada no sentido dos partidos ou coliga\u00e7\u00f5es mais representativos. Nesse ponto, cabe ressaltar os poss\u00edveis riscos institucionais associados a uma democracia ainda jovem em que um partido torna-se consistentemente preponderante no Legislativo.<\/p>\n

Se a mudan\u00e7a legal for baseada na veda\u00e7\u00e3o da contribui\u00e7\u00e3o privada, bem como na amplia\u00e7\u00e3o do valor da contribui\u00e7\u00e3o p\u00fablica, a altera\u00e7\u00e3o pode tornar mais desigual a disputa eleitoral, uma vez que a propor\u00e7\u00e3o dos partidos na C\u00e2mara dos Deputados (crit\u00e9rio mais comentado), poder\u00e1 determinar um processo eleitoral muito menos igualit\u00e1rio do que aquele que se observa sob a \u00e9gide da legisla\u00e7\u00e3o atual, em que se t\u00eam as campanhas eleitorais financiadas por contribui\u00e7\u00f5es privadas e p\u00fablicas, sendo bem menor o valor correspondente a essa \u00faltima.<\/p>\n

Em s\u00edntese, os modelos indicam que o financiamento exclusivamente p\u00fablico de campanhas possibilita que os partidos se comprometam com a ado\u00e7\u00e3o de plataformas menos subordinadas a interesses espec\u00edficos e mais voltadas ao interesse comum, enquanto no caso de contribui\u00e7\u00f5es exclusivamente privadas h\u00e1 um vi\u00e9s no sentido de serem adotadas pol\u00edticas sub\u00f3timas por meio da influ\u00eancia dos grupos de lobby<\/em>. No entanto, isso s\u00f3 realmente acontecer\u00e1 se n\u00e3o houver \u201ccaixa dois\u201d. Al\u00e9m disso, o financiamento p\u00fablico est\u00e1 associado ao risco de tornar a disputa eleitoral mais desigual, visto que um elevado valor dessa contribui\u00e7\u00e3o pode fazer com que um partido, inicialmente majorit\u00e1rio, torne-se dominante no m\u00e9dio prazo.<\/p>\n

Nos EUA, o financiamento de campanhas e seus efeitos sobre a disputa constituem um dos mais candentes temas do debate pol\u00edtico. A posi\u00e7\u00e3o da Suprema Corte, cuja maioria dos ju\u00edzes tem orienta\u00e7\u00e3o conversadora, \u00e9 de que o estabelecimento de limites \u00e0s doa\u00e7\u00f5es privadas constitui uma ofensa \u00e0 Primeira Emenda, que garante a liberdade de express\u00e3o. Os ju\u00edzes entendem que doar dinheiro seria uma forma indireta de manifestar o pensamento.<\/p>\n

A nosso ver, o sistema totalmente p\u00fablico com distribui\u00e7\u00e3o de recursos baseado nos resultados anteriores conduz a uma fossiliza\u00e7\u00e3o do quadro partid\u00e1rio. H\u00e1 v\u00e1rios aspectos que devem ser considerados. Um deles reside no fato de que as doa\u00e7\u00f5es de empresas s\u00e3o sobretudo para candidatos, ao passo que o fundo p\u00fablico \u00e9 distribu\u00eddo para partidos. O c\u00e1lculo do doador \u00e9 feito com base na expectativa do momento quanto \u00e0s chances de vit\u00f3ria do candidato. Embora se note o comportamento da empresa de doar para ambos os lados de uma disputa, as doa\u00e7\u00f5es quase sempre s\u00e3o em maior volume para o esperado vencedor. Assim, enquanto a distribui\u00e7\u00e3o de recursos do fundo p\u00fablico segue crit\u00e9rios retrospectivos, a dos doadores particulares segue crit\u00e9rios prospectivos. Por\u00e9m, tendo em vista que as chances de vit\u00f3ria do candidato dependem n\u00e3o apenas dos recursos de propaganda, mas tamb\u00e9m do capital pol\u00edtico acumulado, como, por exemplo, o bom desempenho em mandato anterior, o sistema privado de financiamento pode, em certas circunst\u00e2ncias, contribuir para tornar ainda mais desigual a disputa: quem larga com maiores chances tende a receber mais recursos privados e consolidar sua vit\u00f3ria.<\/p>\n

Dado que nem o financiamento p\u00fablico, nem o financiamento privado resolver\u00e3o automaticamente os problemas do lobby <\/em>e\u00a0 da equidade\u00a0 da disputa, torna-se fundamental criar e aperfei\u00e7oar mecanismos que incentivem os pol\u00edticos e financiadores de campanha a n\u00e3o adotarem comportamentos que reduzam o n\u00edvel de bem-estar da sociedade. Entre esses mecanismos poder\u00edamos citar a agilidade na puni\u00e7\u00e3o da constitui\u00e7\u00e3o de caixa dois e demais crimes relacionados ao financiamento eleitoral (perda de mandato e puni\u00e7\u00e3o criminal de financiados e financiadores) e a ampla transpar\u00eancia e divulga\u00e7\u00e3o dos doadores e benefici\u00e1rios.<\/p>\n

Pode-se, tamb\u00e9m, pensar na ado\u00e7\u00e3o de sistemas de vota\u00e7\u00e3o que requeiram menor mobiliza\u00e7\u00e3o de recursos (por exemplo, sistemas de vota\u00e7\u00e3o distrital tendem a ser mais baratos que os modelos de vota\u00e7\u00e3o proporcional; sistemas de lista fechada costumam ser mais baratos que os de lista aberta). Por\u00e9m a escolha do sistema eleitoral \u00e9 condicionada por muitos outros elementos al\u00e9m do custo das campanhas, tais como a representatividade e competitividade.<\/p>\n

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