voto proporcional – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 08 Jul 2013 12:11:54 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 O Brasil deve adotar o voto distrital? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1930&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-brasil-deve-adotar-o-voto-distrital https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1930#comments Mon, 08 Jul 2013 12:10:02 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1930 Proposta recorrente nos debates sobre reforma política, o voto distrital é exaltado por suas vantagens em relação ao sistema de voto proporcional para o Legislativo. No sistema de voto distrital, o Brasil seria dividido em distritos: o candidato mais bem votado em cada distrito seria o eleito. No vigente sistema de voto proporcional, simplificadamente, cada partido ou coligação tem uma bancada proporcional ao seu número de votos. Os eleitos são os mais votados de cada partido ou coligação, até o limite de número de cadeiras de cada bancada – o chamado quociente partidário.

O voto proporcional é criticado principalmente pela distância que gera entre eleitores e eleitos, já que o voto de um eleitor pode eleger outro candidato do partido ou coligação; pelos altos gastos que impõe aos candidatos, já que é muito ampla a área geográfica em que estão os eleitores (um estado); e pela dificuldade que gera para os eleitores escolherem em quem votar, já que são muitos os candidatos na área de um estado. Os entusiastas do voto distrital o consideram a solução para os três problemas, mas as desvantagens desse sistema têm sido negligenciadas.

Um problema imediato do voto distrital é a organização do país em municípios. Em países onde o voto distrital é adotado, o distrito eleitoral costuma se relacionar a com a forma de organização histórica do país. Por exemplo, nos Estados Unidos, há relação entre os distritos e os condados, e na Itália entre os distritos (“circunscrições”) e as regiões ou províncias do país. A vantagem, nesses países, é que a delimitação do distrito é mais óbvia para o eleitor. No Brasil, a delimitação geográfica dos distritos inevitavelmente será uma novidade para o eleitor, já que não existem condados ou províncias, e pode haver dificuldade por parte dele em entender quais candidatos pertencem ou não ao seu distrito. A sugestão mais popular até agora para essa divisão do país é a das microrregiões, usadas pelo IBGE para fins estatísticos: a quantidade de microrregiões é próxima da de deputados federais, mas essa divisão do país não é conhecida da população e nem vivida por ela em seu dia a dia, sendo poucos os brasileiros que sabem a que microrregião pertencem. Independentemente do critério, esses distritos só seriam lembrados de quatro em quatro anos. O problema fica mais complicado porque o voto proporcional também existe para a eleição de deputados estaduais e vereadores, e o voto distrital poderia contemplar novas divisões também para esses casos. Além da novidade do próprio sistema distrital e da pouca familiaridade dos eleitores com seus distritos, o eleitor possivelmente teria que escolher seus candidatos em várias áreas diferentes: em nível nacional para Presidente, estadual para governador e senador, distrital para deputado federal, “subdistrital” para deputados estaduais, municipal para prefeito, e de bairro para vereadores. Hoje, os níveis são apenas nacional, estadual e municipal.

Argumenta-se que a proximidade entre eleitor e eleito no voto distrital facilitaria o controle por parte dos eleitores, que observariam diretamente o candidato escolhido e se lembrariam do eleito com maior facilidade. A distância do modelo proporcional seria a causa de comportamentos indesejáveis por parte dos políticos. Só que esse argumento deve ser analisado com cautela: vários cargos no Brasil são preenchidos pelo voto majoritário ou de princípio majoritário (o mesmo do voto distrital), como os de governador e prefeito, e, no caso do Legislativo, o de senador. Fosse o argumento válido, os políticos atuais ocupantes de cargos preenchidos pelo voto proporcional seriam mais propensos a condutas antiéticas e ilegais do que os do voto majoritário. Não parece ser essa a impressão da opinião pública e tampouco os protestos recentes contra a classe política foram voltados exclusivamente para deputados e vereadores.

Também a noção de que candidatos pouco conhecidos, eleitos no voto proporcional ao pegar carona com os “puxadores de voto”, são os protagonistas dos escândalos políticos também merece ser discutida. Alguns contraexemplos podem ser encontrados em uma lista, divulgada em 2010 pela Câmara dos Deputados, de deputados federais “eleitos pelo próprio voto”, ou seja, que não precisaram de votos de seu partido ou de sua coligação.1 Vários desses eleitos, atualmente no Congresso, sofrem acusações sérias em processos no Judiciário, são mal vistos pela opinião pública, ou são familiares de outros políticos com essas características. Uma vez que não foram eleitos por conta do voto proporcional, é provável que sobrevivessem tranquilamente ao voto distrital.

Nesse sentido, deve haver cuidado em não creditar ao voto proporcional problemas que não são oriundos dele. Por exemplo, a possibilidade de o voto em um candidato de um partido terminar por eleger um candidato de outro partido não decorre do sistema proporcional, mas da existência de coligações partidárias para o Legislativo. Mesmo a eleição de um candidato por conta dos votos de um colega de partido, quando noticiada pela imprensa, costuma causar indignação nos eleitores. Mas são os candidatos que decidem a que partidos se filiar, assim como são os partidos que decidem que coligações formar: essas decisões são raramente questionadas, e a “culpa” recai toda sobre o sistema.

Defensores do voto distrital argumentam também que ele reduziria o gasto dos candidatos, ao reduzir a área em que devem fazer campanha, fazendo com que os eleitos sejam menos inclinados a práticas indesejadas no mandato. Segundo eles, no sistema vigente, os candidatos fazem campanha em áreas muito grandes, com centenas de municípios, levando a campanhas caras e comprometendo a atuação futura do eleito, já que ele teria de usar o cargo para pagar essa fatura. Nos distritos, menores, a campanha seria mais barata, incentivando uma atuação do eleito menos compromissada com interesses escusos. Esse é outro argumento que merece uma reflexão. Atualmente, são os estados menores que possuem os políticos mais respeitados? Por essa lógica, o Distrito Federal – menor UF do país – teria a classe política mais honesta. Mas foi do DF que saíram o primeiro senador cassado da história do país, o primeiro senador a renunciar para fugir da cassação (e mais recentemente, também o último) e o primeiro governador preso durante o mandato (que cedeu lugar a um vice que renunciou). Obviamente esses fatos não decorrem do tamanho do DF, mas questionam a validade do argumento. Destaca-se ainda que todos os casos citados também já foram deputados: nem o sistema majoritário nem o proporcional barraram suas trajetórias, assim como também o distrito pequeno não gerou o prometido comportamento desejável.

Por sua vez, a exaltada proximidade entre eleitor e eleito em uma área geográfica menor, o distrito, poderia gerar legisladores com interesses mais paroquiais. Há pouco incentivo para que eles se dediquem a temas de relevância nacional, como a política econômica ou as relações exteriores, e um incentivo grande para que foquem suas atuações em projetos que beneficiem o seu distrito, pelo maior retorno eleitoral. No âmbito federal, deputados dependeriam ainda mais das polêmicas emendas ao orçamento. A emenda para a construção de uma ponte seria mais interessante do que a relatoria da reforma tributária.  Pela própria natureza que os distritos terão – serão grupos de municípios – prefeitos bem avaliados serão favoritos para dominar a Câmara e as Assembleias, da mesma forma que os senadores, escolhidos em nível de estado, são em boa parte ex-governadores.

Outra desvantagem do voto distrital é que boa parte dos eleitores não votarão em quem for eleito. No voto proporcional, bem ou mal, quase todos os eleitores terminam elegendo alguém – apenas aqueles que votaram em um partido ou coligação que não satisfez o quociente eleitoral não elegem ninguém. Como quase todos os partidos ou coligações conseguem pelo menos uma cadeira, quase todos os eleitores acabam “representados”. Isso não acontece nas eleições para o Executivo, por exemplo, em que o eleito é o que teve o voto da maioria e até 49% dos eleitores podem não ter votado no vencedor. No caso do voto distrital o problema é ainda mais complexo, porque, assim como no voto para o Senado, não seria necessária a maioria do distrito para um candidato vencer, bastando que ele seja o mais votado. Em tese, em uma eleição com 5 candidatos, um candidato poderia vencer obtendo apenas 21% dos votos – e quase 80% da população não estaria representada. Um dos senadores da atual legislatura foi o escolhido para representar o seu estado obtendo apenas 34% dos votos, o suficiente para lhe dar o 1º lugar na eleição.

É de se supor que um cenário como esse seja mais frequente no voto distrital, já que o número de candidatos para deputado é historicamente maior que o para senador. Ao contrário do que se propaga, no voto distrital, o vencedor só seria obrigatoriamente escolhido pela maioria se existisse segundo turno para o cargo de deputado2 – algo improvável, já que hoje não há segundo turno nem para senador e, em grande parte dos municípios, nem para prefeito.

Por outro lado, há certa repulsa ao atual sistema proporcional, que funcionaria melhor em uma sociedade mais identificada com partidos políticos.

São justamente os partidos do país o alvo de parte dos protestos realizados nas últimas semanas. Porém, uma reflexão a se fazer é se, nesse cenário de rejeição dos partidos, a solução passa por enfraquecê-los ainda mais, como no voto distrital.

Ainda nesse sentido, o princípio majoritário implícito no voto distrital traz outra questão complicada: qual seria o mecanismo de suplência? O atual mecanismo de suplência no Legislativo com voto proporcional parece ser superior ao do princípio majoritário do Senado. Quando um deputado, escolhido pelo sistema proporcional, se ausenta, toma posse o seguinte mais bem votado da coligação que o elegeu. Quando um senador, escolhido pelo princípio majoritário, se ausenta, toma posse quem ele tiver escolhido para fazê-lo – normalmente alguém desconhecido do eleitorado, financiador de campanha ou parente. Como é alta a rotatividade na Câmara dos Deputados e nas Assembleias Legislativas, por conta das eleições municipais, o voto distrital poderia criar um grande contingente de suplentes desconhecidos no Legislativo. A solução não é trivial: se o modelo existente no Senado não for adotado, quem assumiria o cargo? O próximo mais bem votado do distrito tenderia a ser um opositor do eleito.

Por ser concebido para eleger o mais bem votado de cada área, o voto distrital ainda prejudica minorias. Esses grupos tipicamente existem em número suficiente para escolher representantes, mas como estão dispersos pelo território teriam dificuldades em elegê-los no novo sistema, já que dificilmente formariam a parcela mais numerosa de um distrito. Se determinada minoria compusesse 10% do eleitorado do Brasil e votasse nos distritos em candidatos de um partido afinado com sua causa, terminariam sem eleger nenhum deputado, apesar dos 10% de votos no total. Para alguns, essa “desproporcionalidade” é na verdade uma vantagem do sistema, já que ele preteriria também interesses corporativistas – como o de sindicatos específicos, que possuem mais facilidade em eleger deputados no sistema proporcional.

As desvantagens elencadas não implicam que o sistema distrital seja pior que o sistema proporcional. É certamente delicado afirmar que um sistema funcionaria melhor do que o outro no país. Porém, no voto distrital existe o agravante da mudança, que não deve ser subestimada em um eleitorado acostumado, depois de várias eleições, com o atual sistema. Talvez mais interessante do que uma alteração drástica como a que vem sendo proposta seja insistir nas regras atuais: o tempo e campanhas institucionais podem contornar as dificuldades do voto proporcional, ao educar o eleitor sobre o funcionamento do sistema e a importância de um voto consciente.

Alterações mais simples na atual legislação eleitoral poderiam produzir efeitos mais concretos sobre a classe política, como o fim do atual mecanismo de suplência do Senado – que coloca durante vários anos pessoas sem voto para legislar – e o fim das coligações partidárias para o Legislativo – que exigem que o eleitor monitore uma grande quantidade de informação na época das eleições para ter certeza que sua escolha não seja distorcida. Alterações mais drásticas podem ocorrer não na legislação eleitoral, mas nas instituições de fiscalização e controle que, se forem capazes de desvendar mais casos de corrupção e efetivamente punir os culpados, aumentarão os riscos enfrentados pelos corruptos. As drásticas alterações nas regras de eleições propostas no âmbito da reforma política alimentam a incômoda crença de que a corrupção é culpa do sistema, e não do agente que a pratica, gerando uma espécie de “absolvição” de políticos corruptos.

Mesmo que não seja possível concluir qual é o melhor sistema de escolha para o Legislativo, uma eventual adoção do voto distrital no Brasil não pode vir cercada de expectativas muito altas. De fato existem vantagens em sua adoção, mas o voto distrital não é a solução para todos os males observados na política do país. Foi aqui argumentado que o voto proporcional leva injustamente a culpa de vários desses problemas: se a adoção do voto distrital não vier acompanhada de um ajuste de expectativas, corremos o risco de uma grande frustração depois de uma mobilização histórica de nossa sociedade.

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1 http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/150807-APENAS-35-DOS-513-DEPUTADOS-FORAM-ELEITOS-COM-OS-PROPRIOS-VOTOS.html.

2 Não é com esse sentido que a OAB lançou recentemente uma proposta de reforma política com realização de segundo turno para deputado. Naquela proposta, em um primeiro turno seria escolhido um partido, e em um segundo turno um candidato, ainda pelo voto proporcional. Essa é uma finalidade diferente da que o segundo turno tem em eleições majoritárias, como as de governador e presidente.

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