Voto distrital – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 09 Mar 2015 14:45:01 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 A pergunta “em quem você votou?” é cabível? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2418&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-pergunta-em-quem-voce-votou-e-cabivel Mon, 09 Mar 2015 14:45:01 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2418 Introdução

Em junho de 2013, as ruas brasileiras foram tomadas pelos maiores protestos populares em duas décadas. O que começara como atos contra aumentos nas passagens dos ônibus, transformou-se em canal para uma insatisfação generalizada com os gastos com a Copa do Mundo de Futebol, com a qualidade dos serviços de transportes urbanos, de saúde e de educação, com várias denúncias de corrupção e com supostos exemplos de impunidade. Tinha-se, portanto, uma pauta de reivindicações diversa e desconexa. Além do mais, diferentemente do que ocorrera nas “Diretas Já”, em 1984, e nas manifestações contra o Presidente Fernando Collor, em 1992, os protestos primaram por passar ao largo de lideranças políticas tradicionais, rejeitando-se a presença de parlamentares e de símbolos partidários. Dessa forma, cristalizou-se entre vários observadores a percepção de que nosso sistema político enfrenta uma crise de representatividade. Em 19 de junho de 2013, p. ex., o site UOL noticiou o que segue:

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Mais do que uma insatisfação com altos custos de vida ou com episódios de corrupção e impunidade, o que de fato tem turbinado as manifestações populares pelo Brasil afora é um nível crescente de indignação da classe média com a representação política tradicional. Essa é, em síntese, a avaliação de especialistas ouvidos pelo UOL sobre o fenômeno de ocupação das ruas por multidões de estudantes e de trabalhadores – a maioria de estratos sociais chamados de emergentes.1

Impõe-se notar, entretanto, que esses juízos não constituem, em sentido estrito, uma novidade. Com efeito, esse tema guarda relação estreita com discussões recorrentes no âmbito da Ciência Política sobre o exato significado da representação política nas sociedades modernas, passando pelo grau de autonomia dos representantes vis-à-vis o grau de controle exercido pelos representados e pela assimetria informacional entre estes e aqueles.

Interessa-nos, em especial, os juízos, bastantes difundidos, sobre desvirtuamento da proporcionalidade parlamentar e do desligamento do parlamentar com seu partido político. Trata-se de questão basilar relacionada com a qualidade do nosso sistema representativo, que, por ser passível de análise matemática, pode ser confirmada ou refutada de maneira incontrovertida. Com isso, a nossa pergunta-chave é: qual é a taxa de aproveitamento dos votos de todos os brasileiros? Uma taxa reduzida simplesmente mostraria que é inócua a costumeira provocação sobre se lembramos ou não em quem votamos no passado. No intuito de responder a essa questão, analisaremos as últimas eleições para a Câmara dos Deputados, em 2010. Os dados usados foram extraídos do site do TSE.2

Este artigo baseia-se em versão mais ampla publicada recentemente (Rocha, 2015) e divide-se em quatro seções. Primeiramente, exporemos as principais características das eleições de 2010 para a Câmara dos Deputados. Depois, apontaremos aspectos do nosso sistema eleitoral que podem engendrar resultados pouco representativos da vontade geral dos eleitores. Em seguida, analisaremos os resultados efetivamente alcançados. Nessa análise, consideraremos apenas os candidatos eleitos, descartando-se todos os suplentes. Por fim, teremos a conclusão.

 

I. As Eleições para a Câmara dos Deputados de 2010

As eleições de 2010 para deputado federal contaram com 4.887 candidatos, pertencentes a 27 partidos. Havia 135.523.581 brasileiros aptos a votar e 111.038.684 compareceram – abstenção de 18,07%, portanto. Os votos nominais, em legendas, brancos e nulos foram, respectivamente, 89.367.502, 9.022.359, 7.506.834 e 5.141.988. Dessa forma, os votos válidos somaram 98.389.861. Em disputa, 513 vagas na Câmara Baixa.

Ao todo, 657 seções estaduais dos vários partidos apresentaram candidatos: 105 concorreram isoladamente, enquanto as demais organizaram-se em 104 coligações. A maior coligação reuniu 14 seções. Em média, as coligações contaram com 5,3 seções.

A quantidade de candidatos deve ser considerada alta ou baixa vis-à-vis as vagas em disputa? À primeira vista, a relação média de 9,53 candidatos por vaga pode parecer alta. No entanto, considerando-se o disposto no art. 10 da Lei 9.504/1997, que estabelece as normas para as eleições, a conclusão tende a ser diversa. Com efeito, o citado dispositivo estabelece que cada partido pode registrar candidatos até 150% do número de lugares a preencher. Já as coligações podem registrar até 200%. Além do mais, esses percentuais sobem para 200% e 300%, respectivamente, no caso de entes com até vinte lugares a preencher. À luz da quantidade de partidos e coligações que concorreram na eleição de 2010, temos que 16.248 candidaturas poderiam ter sido lançadas naquele pleito. Com isso, as 4.887 candidaturas efetivamente lançadas representaram apenas 30,08% do total legal admitido. Na falta de coligações, se as 657 seções estaduais permanecessem na disputa, o total admitido alcançaria 21.509 candidaturas.

Por esse prisma, temos que as seções partidárias têm sido, em média, moderadas na fixação do tamanho de suas chapas. Isso, porém, evidencia outra questão-chave: nosso marco legal pode estar sendo demasiado permissivo ao tratar desse tema.

 

II. Riscos para a Representatividade das Eleições para Deputado

Qualquer exame dos resultados das eleições proporcionais no Brasil precisa começar pela definição do quociente eleitoral. Para obtê-lo, divide-se a quantidade de votos válidos pela quantidade de cadeiras em disputa, arredondando-se para o inteiro mais próximo. No caso em tela, a votação relevante é aquela obtida pelos candidatos e pelas legendas em cada estado. Dividindo-se as votações obtidas pelos quocientes eleitorais, temos frações desses coeficientes. Somadas, essas frações totalizam as vagas em disputa: 513.

Se todos os votos dados fossem considerados na composição da Câmara Baixa e se os votos nominais e de legenda fossem computados separadamente, as frações dos 4.887 candidatos e das 209 legendas somariam 467,78 e 45,22 cadeiras, respectivamente. Evidentemente, não é o que acontece. Primeiro, os votos de legenda são combinados com os nominais no intuito de determinar a votação total de cada coligação ou partido que esteja concorrendo isoladamente. Depois, compara-se o total obtido com o quociente eleitoral para determinar quais legendas contarão com representantes na legislatura subsequente.

Dessa forma, temos que os citados quocientes representam autênticas cláusulas de barreiras, pois os candidatos de legendas cujas votações sejam menores do que os quocientes correspondentes simplesmente são desconsiderados. Apenas aqueles pertencentes a legendas com votações superiores serão listados, em ordem decrescente das suas votações nominais. O rol final de eleitos e de suplentes será ditado pelo Método d’Hondt, que aloca as vagas em disputa entre as legendas habilitadas.

Note-se que, em um cenário no qual os eleitos tivessem de alcançar, sem exceção, o quociente eleitoral, esses candidatos precisariam receber 100% dos votos, bem como ser, em cada estado, igualmente votados. Semelhante disputa não teria, naturalmente, sentido. Na prática, somente 35 candidatos obtiveram votações maiores do que os respectivos quocientes eleitorais.

O sistema eleitoral brasileiro, no caso de pleitos proporcionais, combina circunscrições geográficas amplas (os estados, no caso de eleições para as assembleias legislativas e a Câmara dos Deputados, ou os municípios, no caso das câmaras de vereadores), com cláusulas de barreira e muitos candidatos. Nesse contexto, qual será o piso para a representação popular? No modelo distrital com 2º turno, p. ex., o piso sempre será “50% + 1” dos votos válidos.

Podemos imaginar pelo menos duas situações-limite que resultariam em baixo aproveitamento dos votos dados, resultantes de disputas intra legendas e entre legendas. Na primeira, imaginemos uma legenda com dez candidatos e 100.001 votos que seja contemplada com uma única vaga pelo Método d’Hondt. Se nove obtiverem 10.000 votos cada e um, 10.001 votos, este último será eleito embora tenha sido votado por apenas 10% dos eleitores da legenda em questão. Estendendo-se esse exercício para as demais coligações, temos que o grau de representatividade daqueles eleitos pode ser muito reduzido, especialmente no caso de coligações inconsistentes do ponto de vista ideológico.

Na segunda, imaginemos uma disputa com dez legendas, 100.010 votos válidos e dez vagas. O quociente eleitoral, portanto, é igual a 10.001. Se nove obtiverem 10.000 votos cada e uma, 10.010, todas as vagas serão preenchidas por essa última, supondo que esta conte com pelo menos dez candidatos.

Sempre que a quantidade de legendas for igual ou menor ao de vagas, o cenário anterior pertencerá, in totum, ao campo do possível: todas as legendas, com uma única exceção, obteriam o “quociente eleitoral – 1”, enquanto a restante capturaria os votos remanescentes e ocuparia todas as vagas em disputa. Caso haja mais legendas do que vagas, uma poderia atingir o quociente eleitoral enquanto as demais ficariam abaixo. A tabela a seguir mostra o que aconteceria no caso brasileiro:

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O simples somatório dos quocientes eleitorais é uma boa aproximação da menor representação admitida quando há mais legendas do que vagas. Neste caso, apenas 4,48% dos votos seriam aproveitados. Concretamente, porém, uma vez que isto ocorreu somente no Distrito Federal, a menor representação exigida alcançaria 66,34% dos votos válidos. Trata-se de um resultado especialmente relevante, pois indica que, na prática, uma menor quantidade de coligações aumenta o grau mínimo de representatividade do nosso sistema eleitoral, embora inexistam restrições legais nesse sentido.

 

III. Os Resultados das Eleições para a Câmara dos Deputados de 2010

E o que podemos afirmar acerca da quantidade de candidaturas? Lembremos, primeiro, que os votos dos 4.887 candidatos, expressos na forma de frações dos quocientes eleitorais, somam 467,78 cadeiras. Ordenando-se e acumulando-se essas frações, temos que 710 candidatos responderam por 80% dos votos dados, como ilustrado pelo próximo gráfico. Esse conjunto restrito concentrou 96,49% dos eleitos. Apenas 18 deputados saíram do rol de 4.177 candidatos com votações reduzidas.

Gráfico 1

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A quantidade de candidatos competitivos é um subconjunto diminuto do universo de candidatos, o que reforça a ideia de qu]e nosso marco legal é demasiado permissivo ao tratar do tamanho máximo de cada chapa. E quem são os candidatos? Análise quantitativa recente apontou, para os níveis federal e estadual, forte correlação entre o desempenho do partido e a quantidade de candidatos não migrantes (i.e., aqueles que, no período analisado, disputaram um cargo específico pelo mesmo partido), diferentemente do ocorre com os migrantes, que concorreram por partidos diferentes, e dos novatos, que disputaram pela primeira vez (Barbosa-Filho et al., 2014, p. 5). Assim, a estratégia eleitoral dominante parece ser o simples reconhecimento nominal. Os seus exemplos mais conhecidos e comentados advêm dos mundos artístico e esportivo, mas estão inseridos em um fenômeno muito mais amplo, que favorece os políticos tradicionais. O DIAP,3 p. ex., calculou que quase 80% dos deputados buscaram a reeleição em 2010 e que a proporção entre candidatos à reeleição e reeleitos alcançou 70,76% naquele pleito.

Em uma perspectiva de mais longo prazo, as taxas de renovação parlamentar caíram de cerca de 60% em 1990 para menos de 50% nos pleitos realizados após 1998. Uma possível explicação para esse comportamento são os ajustes feitos na legislação eleitoral nas duas últimas décadas, frequentemente no sentido de disciplinar de maneira mais estrita o período e os espaços dedicados à propaganda eleitoral. A consequência disso pode ser o favorecimento dos incumbentes em detrimento dos novatos. Esses ajustes podem, inclusive, refletir um processo de aprendizado do próprio sistema político, em busca de contextos menos propícios a altas taxas de renovação parlamentar.

Outro exemplo de aprendizagem pode ser encontrado, p. ex., na relação entre votação obtida e representação parlamentar. O que os dados mostram sobre a recorrente preocupação com o desvirtuamento da proporcionalidade parlamentar? Agregando-se as bancadas eleitas pelas seções estaduais, o resultado é o mostrado pelo gráfico a seguir.

Gráfico 2

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Com efeito, as bancadas de cada partido são muito próximas das que seriam obtidas considerando-se as suas participações nos votos válidos apurados nacionalmente. Como isso será possível? Aqui convém retomar a hipótese de aprendizagem. Fixadas as regras da disputa, é razoável que os atores envolvidos busquem otimizar os resultados alcançados. Após sucessivas interações, esses resultados devem se aproximar do equilibro relativo entre os vários contendores. Afinal, trata-se de um exercício de “tentativa e erro”, com cada participante sempre buscando os melhores desenlaces.

Essa última constatação, entretanto, não desqualifica, por si só, o debate acerca da qualidade do nosso sistema representativo. Ainda há o problema do afastamento do parlamentar em relação ao seu partido. Em outras palavras, ainda que os partidos estejam sendo, ao menos aparentemente, eficientes na montagem de suas bancadas, em que medida são eles próprios relevantes para explicar a ação individual dos parlamentares no exercício dos seus mandatos? Aqui, em que pesem os problemas de fluidez e de multiplicidade das fronteiras partidárias, há evidências de que os parlamentares são sim pautados por suas lideranças, em detrimento, p. ex., de afinidades regionais ou estaduais (Oliveira et al., 2014, p. 1). Dessa forma, em um contexto no qual os partidos desempenham um papel relevante na delineação da ação congressual e no qual estes têm a possibilidade de moldar e de se moldar, de modo dinâmico, ao processo eleitoral, quais são os seus resultados em termos de participação nos votos dados?

Vimos que o comedimento na formação de coligações assegura um grau elevado de representatividade para os eleitos e que são poucos os candidatos efetivamente competitivos. São indícios que antecipam a resposta buscada: o sistema eleitoral brasileiro tem demonstrado ser capaz de representar parcela bastante expressiva dos eleitores.

Em termos dos votos válidos, as votações nominais dos eleitos e dos não eleitos de legendas eleitas4 e as votações em legendas eleitas alcançaram, respectivamente, 59,93%, 23,03% e 7,90% do total, somando 90,86%. O somatório é, inegavelmente, muito alto. As votações nominais dos não eleitos de legendas não eleitas e as votações em legendas não eleitas, por sua vez, atingiram minúsculos 7,86% e 1,27% do total. Quase todos os votos válidos estão, portanto, representados, em alguma medida.

Já, em termos de eleitores aptos, as votações nominais dos eleitos e dos não eleitos de legendas eleitas e as votações em legendas eleitas alcançaram, respectivamente, 43,51%, 16,72% e 5,74% do total, somando 65,97%. As votações nominais dos não eleitos de legendas não eleitas e as votações em legendas não eleitas, a seu tempo, atingiram minúsculos 5,71% e 0,92% do total. Os 27,40% restantes são as abstenções e os votos brancos e nulos. Consequentemente, mais de um eleitor a cada dois está formalmente representado na Câmara Baixa.

 

Conclusão

As evidências contidas no presente trabalho contrapõem-se às visões de que estejamos vivenciando uma crise do nosso sistema representativo, capitaneadas pelo desvirtuamento da proporcionalidade parlamentar e pelo desligamento do parlamentar com seu partido político. Essas assertivas não foram corroboradas pelos dados obtidos juntamente ao TSE e por estudos quantitativos recentes. Isso serve como alerta para que se evitem juízos demasiado categóricos sobre cenários dinâmicos, no qual os participantes têm a possibilidade de moldar e de se moldar às regras do jogo. Há, em curso, um processo de aprendizado, no qual os contendores procuram continuamente otimizar os seus resultados.

Claro que o tema da crise, real ou suposta, não se esgota nas duas colocações anteriores. Ele pode guardar relação com o distanciamento entre representantes e representados. A própria legislação eleitoral, ao limitar de modo talvez draconiano o período e os espaços para debates políticos, pode estar contribuindo para esse hipotético mal-estar.

Sob qualquer hipótese, não podemos considerar politicamente saudável que os brasileiros, embora maciçamente representados na Câmara Baixa, mantenham uma relação tão distante com os seus representantes. A resposta para a pergunta sobre se cabe ou não lembrar em quem votamos nas eleições passadas é afirmativa, pois a taxa de aproveitamento dos votos dados é sim bem alta. O que falta é dar consequência prática a isso:

Os caminhos a seguir são vários. O voto distrital, p. ex., teria o condão de limitar as circunscrições eleitorais ao mesmo tempo em que restringiria a quantidade de candidatos, explicitando melhor as opções colocadas para os eleitores. A simples diminuição do número de possíveis pleiteantes já representaria um avanço nesse último sentido. E os dados mostram de maneira cabal que poucos votos teriam de ser redistribuídos, pois poucos são os candidatos efetivamente competitivos.

O fim das coligações, por sua vez, em que pesem os problemas de inconsistência programática, precisa ser analisado com cuidado. No caso em tela, se todos os partidos tivessem de concorrer isoladamente, 99 cadeiras precisariam ser redistribuídas e seis partidos perderiam todos os seus deputados. Em um ambiente propício à fundação de novos partidos,2 todavia, isso aumentaria o risco de que alguns poucos partidos superem o quociente eleitoral, em detrimento do aproveitamento dos votos dados.

Por fim, impõe-se notar que número não é qualidade. O nosso sistema representativo tem sido bem sucedido em capturar a maior parte dos votos válidos, mas não em motivar parte importante do eleitorado apto a participar do processo eleitoral ou em estimular o acompanhamento dos representantes pelos representados. Um sistema que valorizasse a disputa entre os contendores, explicitando clivagens e compromissos, poderia alcançar resultados qualitativamente superiores em termos de engajamento do eleitorado, ainda que ao custo de uma menor taxa de aproveitamento dos votos dados.

 

O autor agradece os comentários de Benjamin Miranda Tabak, Caetano E. Pereira de Araujo, Marcos Antonio Kohler e Pedro Fernando de Almeida Nery Ferreira. Naturalmente, os erros e omissões remanescentes permanecem sendo de sua inteira responsabilidade.

 

Bibliografia

BARBOSA-FILHO, Hugo; FAUSTINO, Josemar; MARTINS, Rafael R.; MENEZES, Ronaldo. Strategies, Political Position, and Electoral Performance of Brazilian Political Parties. 2013 BRICS Congress on Computational Intelligence and 11th Brazilian Congress on Computational Intelligence, set. 2014.

OLIVEIRA, Marcos; BASTOS-FILHO, Carmelo; MENEZES, Ronaldo. Political Social Networks Reveal Strong Party Loyalty in Brazil and Weak Regionalism. Stanford University Conference of the Academy of Science and Engineering, mai. 2014. (disponível em: http://www.ase360.org/bitstream/handle/123456789/69/submission84.pdf?sequence=1&isAllowed=y).

ROCHA, C. Alexandre A. A Pergunta “Em Quem Você Votou?” É Cabível?: Aproveitamento do Voto na Eleição de 2010 para a Câmara dos Deputados. In: Pereira, Gabrielle T.; Silva, Rafael; Meneguin, Fernando (Orgs.). Resgate da Reforma Política: Diversidade e Pluralismo no Legislativo. Brasília : Senado Federal, 2015, pp. 206-27.

 

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1Vide: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2013/06/19/especialistas-veem-inicio-de-crise-de-representacao-entre-sociedade-e-politica.htm.
[1] Apenas os votos dados aos não eleitos nos estados dos eleitos foram considerados.

2Vide: http://www.tse.jus.br/eleicoes/.

3 Vide: http://congressoemfoco.uol.com.br/opiniao/colunistas/renovacao-da-camara-tende-a-ser-recorde-em-2014/.

4 Decisão do TSE, p. ex., sujeita os parlamentares ao risco de perda de cargo eletivo em decorrência de desfiliação partidária sem justa causa, sendo que a criação de novo partido é uma delas (vide o art. 1º, § 1º, II, da Resolução TSE 22.610/2007, alterada pela Resolução TSE 22.733/2008).

 

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O Brasil deve adotar o voto distrital? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1930&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-brasil-deve-adotar-o-voto-distrital https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1930#comments Mon, 08 Jul 2013 12:10:02 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1930 Proposta recorrente nos debates sobre reforma política, o voto distrital é exaltado por suas vantagens em relação ao sistema de voto proporcional para o Legislativo. No sistema de voto distrital, o Brasil seria dividido em distritos: o candidato mais bem votado em cada distrito seria o eleito. No vigente sistema de voto proporcional, simplificadamente, cada partido ou coligação tem uma bancada proporcional ao seu número de votos. Os eleitos são os mais votados de cada partido ou coligação, até o limite de número de cadeiras de cada bancada – o chamado quociente partidário.

O voto proporcional é criticado principalmente pela distância que gera entre eleitores e eleitos, já que o voto de um eleitor pode eleger outro candidato do partido ou coligação; pelos altos gastos que impõe aos candidatos, já que é muito ampla a área geográfica em que estão os eleitores (um estado); e pela dificuldade que gera para os eleitores escolherem em quem votar, já que são muitos os candidatos na área de um estado. Os entusiastas do voto distrital o consideram a solução para os três problemas, mas as desvantagens desse sistema têm sido negligenciadas.

Um problema imediato do voto distrital é a organização do país em municípios. Em países onde o voto distrital é adotado, o distrito eleitoral costuma se relacionar a com a forma de organização histórica do país. Por exemplo, nos Estados Unidos, há relação entre os distritos e os condados, e na Itália entre os distritos (“circunscrições”) e as regiões ou províncias do país. A vantagem, nesses países, é que a delimitação do distrito é mais óbvia para o eleitor. No Brasil, a delimitação geográfica dos distritos inevitavelmente será uma novidade para o eleitor, já que não existem condados ou províncias, e pode haver dificuldade por parte dele em entender quais candidatos pertencem ou não ao seu distrito. A sugestão mais popular até agora para essa divisão do país é a das microrregiões, usadas pelo IBGE para fins estatísticos: a quantidade de microrregiões é próxima da de deputados federais, mas essa divisão do país não é conhecida da população e nem vivida por ela em seu dia a dia, sendo poucos os brasileiros que sabem a que microrregião pertencem. Independentemente do critério, esses distritos só seriam lembrados de quatro em quatro anos. O problema fica mais complicado porque o voto proporcional também existe para a eleição de deputados estaduais e vereadores, e o voto distrital poderia contemplar novas divisões também para esses casos. Além da novidade do próprio sistema distrital e da pouca familiaridade dos eleitores com seus distritos, o eleitor possivelmente teria que escolher seus candidatos em várias áreas diferentes: em nível nacional para Presidente, estadual para governador e senador, distrital para deputado federal, “subdistrital” para deputados estaduais, municipal para prefeito, e de bairro para vereadores. Hoje, os níveis são apenas nacional, estadual e municipal.

Argumenta-se que a proximidade entre eleitor e eleito no voto distrital facilitaria o controle por parte dos eleitores, que observariam diretamente o candidato escolhido e se lembrariam do eleito com maior facilidade. A distância do modelo proporcional seria a causa de comportamentos indesejáveis por parte dos políticos. Só que esse argumento deve ser analisado com cautela: vários cargos no Brasil são preenchidos pelo voto majoritário ou de princípio majoritário (o mesmo do voto distrital), como os de governador e prefeito, e, no caso do Legislativo, o de senador. Fosse o argumento válido, os políticos atuais ocupantes de cargos preenchidos pelo voto proporcional seriam mais propensos a condutas antiéticas e ilegais do que os do voto majoritário. Não parece ser essa a impressão da opinião pública e tampouco os protestos recentes contra a classe política foram voltados exclusivamente para deputados e vereadores.

Também a noção de que candidatos pouco conhecidos, eleitos no voto proporcional ao pegar carona com os “puxadores de voto”, são os protagonistas dos escândalos políticos também merece ser discutida. Alguns contraexemplos podem ser encontrados em uma lista, divulgada em 2010 pela Câmara dos Deputados, de deputados federais “eleitos pelo próprio voto”, ou seja, que não precisaram de votos de seu partido ou de sua coligação.1 Vários desses eleitos, atualmente no Congresso, sofrem acusações sérias em processos no Judiciário, são mal vistos pela opinião pública, ou são familiares de outros políticos com essas características. Uma vez que não foram eleitos por conta do voto proporcional, é provável que sobrevivessem tranquilamente ao voto distrital.

Nesse sentido, deve haver cuidado em não creditar ao voto proporcional problemas que não são oriundos dele. Por exemplo, a possibilidade de o voto em um candidato de um partido terminar por eleger um candidato de outro partido não decorre do sistema proporcional, mas da existência de coligações partidárias para o Legislativo. Mesmo a eleição de um candidato por conta dos votos de um colega de partido, quando noticiada pela imprensa, costuma causar indignação nos eleitores. Mas são os candidatos que decidem a que partidos se filiar, assim como são os partidos que decidem que coligações formar: essas decisões são raramente questionadas, e a “culpa” recai toda sobre o sistema.

Defensores do voto distrital argumentam também que ele reduziria o gasto dos candidatos, ao reduzir a área em que devem fazer campanha, fazendo com que os eleitos sejam menos inclinados a práticas indesejadas no mandato. Segundo eles, no sistema vigente, os candidatos fazem campanha em áreas muito grandes, com centenas de municípios, levando a campanhas caras e comprometendo a atuação futura do eleito, já que ele teria de usar o cargo para pagar essa fatura. Nos distritos, menores, a campanha seria mais barata, incentivando uma atuação do eleito menos compromissada com interesses escusos. Esse é outro argumento que merece uma reflexão. Atualmente, são os estados menores que possuem os políticos mais respeitados? Por essa lógica, o Distrito Federal – menor UF do país – teria a classe política mais honesta. Mas foi do DF que saíram o primeiro senador cassado da história do país, o primeiro senador a renunciar para fugir da cassação (e mais recentemente, também o último) e o primeiro governador preso durante o mandato (que cedeu lugar a um vice que renunciou). Obviamente esses fatos não decorrem do tamanho do DF, mas questionam a validade do argumento. Destaca-se ainda que todos os casos citados também já foram deputados: nem o sistema majoritário nem o proporcional barraram suas trajetórias, assim como também o distrito pequeno não gerou o prometido comportamento desejável.

Por sua vez, a exaltada proximidade entre eleitor e eleito em uma área geográfica menor, o distrito, poderia gerar legisladores com interesses mais paroquiais. Há pouco incentivo para que eles se dediquem a temas de relevância nacional, como a política econômica ou as relações exteriores, e um incentivo grande para que foquem suas atuações em projetos que beneficiem o seu distrito, pelo maior retorno eleitoral. No âmbito federal, deputados dependeriam ainda mais das polêmicas emendas ao orçamento. A emenda para a construção de uma ponte seria mais interessante do que a relatoria da reforma tributária.  Pela própria natureza que os distritos terão – serão grupos de municípios – prefeitos bem avaliados serão favoritos para dominar a Câmara e as Assembleias, da mesma forma que os senadores, escolhidos em nível de estado, são em boa parte ex-governadores.

Outra desvantagem do voto distrital é que boa parte dos eleitores não votarão em quem for eleito. No voto proporcional, bem ou mal, quase todos os eleitores terminam elegendo alguém – apenas aqueles que votaram em um partido ou coligação que não satisfez o quociente eleitoral não elegem ninguém. Como quase todos os partidos ou coligações conseguem pelo menos uma cadeira, quase todos os eleitores acabam “representados”. Isso não acontece nas eleições para o Executivo, por exemplo, em que o eleito é o que teve o voto da maioria e até 49% dos eleitores podem não ter votado no vencedor. No caso do voto distrital o problema é ainda mais complexo, porque, assim como no voto para o Senado, não seria necessária a maioria do distrito para um candidato vencer, bastando que ele seja o mais votado. Em tese, em uma eleição com 5 candidatos, um candidato poderia vencer obtendo apenas 21% dos votos – e quase 80% da população não estaria representada. Um dos senadores da atual legislatura foi o escolhido para representar o seu estado obtendo apenas 34% dos votos, o suficiente para lhe dar o 1º lugar na eleição.

É de se supor que um cenário como esse seja mais frequente no voto distrital, já que o número de candidatos para deputado é historicamente maior que o para senador. Ao contrário do que se propaga, no voto distrital, o vencedor só seria obrigatoriamente escolhido pela maioria se existisse segundo turno para o cargo de deputado2 – algo improvável, já que hoje não há segundo turno nem para senador e, em grande parte dos municípios, nem para prefeito.

Por outro lado, há certa repulsa ao atual sistema proporcional, que funcionaria melhor em uma sociedade mais identificada com partidos políticos.

São justamente os partidos do país o alvo de parte dos protestos realizados nas últimas semanas. Porém, uma reflexão a se fazer é se, nesse cenário de rejeição dos partidos, a solução passa por enfraquecê-los ainda mais, como no voto distrital.

Ainda nesse sentido, o princípio majoritário implícito no voto distrital traz outra questão complicada: qual seria o mecanismo de suplência? O atual mecanismo de suplência no Legislativo com voto proporcional parece ser superior ao do princípio majoritário do Senado. Quando um deputado, escolhido pelo sistema proporcional, se ausenta, toma posse o seguinte mais bem votado da coligação que o elegeu. Quando um senador, escolhido pelo princípio majoritário, se ausenta, toma posse quem ele tiver escolhido para fazê-lo – normalmente alguém desconhecido do eleitorado, financiador de campanha ou parente. Como é alta a rotatividade na Câmara dos Deputados e nas Assembleias Legislativas, por conta das eleições municipais, o voto distrital poderia criar um grande contingente de suplentes desconhecidos no Legislativo. A solução não é trivial: se o modelo existente no Senado não for adotado, quem assumiria o cargo? O próximo mais bem votado do distrito tenderia a ser um opositor do eleito.

Por ser concebido para eleger o mais bem votado de cada área, o voto distrital ainda prejudica minorias. Esses grupos tipicamente existem em número suficiente para escolher representantes, mas como estão dispersos pelo território teriam dificuldades em elegê-los no novo sistema, já que dificilmente formariam a parcela mais numerosa de um distrito. Se determinada minoria compusesse 10% do eleitorado do Brasil e votasse nos distritos em candidatos de um partido afinado com sua causa, terminariam sem eleger nenhum deputado, apesar dos 10% de votos no total. Para alguns, essa “desproporcionalidade” é na verdade uma vantagem do sistema, já que ele preteriria também interesses corporativistas – como o de sindicatos específicos, que possuem mais facilidade em eleger deputados no sistema proporcional.

As desvantagens elencadas não implicam que o sistema distrital seja pior que o sistema proporcional. É certamente delicado afirmar que um sistema funcionaria melhor do que o outro no país. Porém, no voto distrital existe o agravante da mudança, que não deve ser subestimada em um eleitorado acostumado, depois de várias eleições, com o atual sistema. Talvez mais interessante do que uma alteração drástica como a que vem sendo proposta seja insistir nas regras atuais: o tempo e campanhas institucionais podem contornar as dificuldades do voto proporcional, ao educar o eleitor sobre o funcionamento do sistema e a importância de um voto consciente.

Alterações mais simples na atual legislação eleitoral poderiam produzir efeitos mais concretos sobre a classe política, como o fim do atual mecanismo de suplência do Senado – que coloca durante vários anos pessoas sem voto para legislar – e o fim das coligações partidárias para o Legislativo – que exigem que o eleitor monitore uma grande quantidade de informação na época das eleições para ter certeza que sua escolha não seja distorcida. Alterações mais drásticas podem ocorrer não na legislação eleitoral, mas nas instituições de fiscalização e controle que, se forem capazes de desvendar mais casos de corrupção e efetivamente punir os culpados, aumentarão os riscos enfrentados pelos corruptos. As drásticas alterações nas regras de eleições propostas no âmbito da reforma política alimentam a incômoda crença de que a corrupção é culpa do sistema, e não do agente que a pratica, gerando uma espécie de “absolvição” de políticos corruptos.

Mesmo que não seja possível concluir qual é o melhor sistema de escolha para o Legislativo, uma eventual adoção do voto distrital no Brasil não pode vir cercada de expectativas muito altas. De fato existem vantagens em sua adoção, mas o voto distrital não é a solução para todos os males observados na política do país. Foi aqui argumentado que o voto proporcional leva injustamente a culpa de vários desses problemas: se a adoção do voto distrital não vier acompanhada de um ajuste de expectativas, corremos o risco de uma grande frustração depois de uma mobilização histórica de nossa sociedade.

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1 http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/150807-APENAS-35-DOS-513-DEPUTADOS-FORAM-ELEITOS-COM-OS-PROPRIOS-VOTOS.html.

2 Não é com esse sentido que a OAB lançou recentemente uma proposta de reforma política com realização de segundo turno para deputado. Naquela proposta, em um primeiro turno seria escolhido um partido, e em um segundo turno um candidato, ainda pelo voto proporcional. Essa é uma finalidade diferente da que o segundo turno tem em eleições majoritárias, como as de governador e presidente.

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