tributação – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Fri, 16 Dec 2016 17:03:53 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Por que fazer reforma da Previdência no meio de uma recessão? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2927&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-fazer-reforma-da-previdencia-no-meio-de-uma-recessao https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2927#comments Thu, 15 Dec 2016 15:15:45 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2927 Introdução: a reforma da Previdência

Em 2017, quando o pior momento da crise econômica for sentido no mercado de trabalho, o Brasil estará discutindo uma reforma da Previdência.  A reforma  compreende uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC no 287, de 2016) e projetos de lei (ainda a serem enviados pelo governo), alterando, entre outros, regras de acesso a benefícios, forma de cálculo e financiamento dos regimes previdenciários.

A opção do governo foi por uma proposta de reforma paramétrica, e não estrutural, mantendo as características essenciais dos regimes. Os regimes continuam sendo de repartição, em que os benefícios dos trabalhadores inativos são financiados pelos trabalhadores em atividade no mercado de trabalho. A mudança se dá nos parâmetros do regime, e não em sua estrutura, como seria uma mudança para um regime de capitalização (em que o benefício de cada trabalhador é custeado pelas suas próprias contribuições no passado, capitalizadas), típico da previdência privada no Brasil e da previdência pública em outros países emergentes1, e tipicamente considerado uma opção “neoliberal”.

Segundo o orçamento anual de 2017, as despesas com Previdência em todos os regimes, mais o Benefício de Prestação Continuada (BPC-Loas), corresponderão a cerca de 55% do total da despesa primária. Comparativamente, a participação das despesas com os servidores ativos será de 13%, saúde 7%, educação 3%, PAC 3% e Bolsa Família 2%. A soma das demais despesas corresponde a 17%. Esses dados são apresentados no Gráfico 1, a seguir, e evidenciam que a Previdência não é só uma questão relevante no futuro, mas também no presente, como a crise dos Estados também mostra.

Previdência e economia

A crise econômica, com a queda de arrecadação e a instauração de sucessivos déficits primários, trouxe à tona o crescimento estrutural da despesa previdenciária e abriu uma janela de oportunidade para a discussão sobre a necessidade de reforma. Reformas anteriores foram feitas em 1998 e 2003. Em 2016 também o governo Dilma Rousseff anunciara a intenção de fazer uma reforma, tendo a Presidente afirmado que a Previdência era no momento “a questão mais importante para o país2.

Por um lado, as despesas previdenciárias têm evidentes efeitos em curto prazo sobre a demanda. O efeito multiplicador sobre o PIB de cada real despendido pelo RGPS seria de cerca de 0,5 (equivalente ao do RPPS). Para o Benefício de Prestação Continuada (BPC-Loas), o efeito seria de 1,23.

Por outro lado, a ênfase do governo em priorizar a reforma da Previdência durante a recessão é consoante com o diagnóstico de especialistas de que o crescimento da despesa previdenciária coloca e colocará mais restrições ao crescimento da economia no futuro.

Segundo essa visão, a Previdência estaria associada a um tripé de baixo crescimento4: carga tributária elevada, investimento público baixo e juros altos. Diante da tendência de aumento do gasto, esses efeitos só ficariam mais fortes no futuro.

Carga tributária

Na ausência de mudanças, a carga tributária seria cada vez mais pressionada. Em 2015, ainda no governo Dilma Rousseff, o Ministro da Fazenda Joaquim Levy propôs a recriação da CPMF, desta vez não para custear a saúde, mas a  Previdência. Enquanto isso, especialistas calculavam que na ausência de mudança de regras, já seria necessária a criação de uma nova CPMF por ano para financiar as despesas da Previdência5.

Outro exercício, apresentado em reportagem da revista The Economist, apontava que sem reformas as contribuições de empregados e empregadores sobre a folha de pagamento deveriam subir dos atuais 31% (na soma de empregador e empregado) para 86% em 2050 a fim de cobrir os benefícios6. Tal majoração da carga sobre a folha seria inviável, porque alíquotas tão altas erodiriam a base de tributação (o nível de emprego) muito antes que se pudesse chegar a esse patamar.

Aceitando a noção de que o sistema tributário brasileiro é ineficiente, mais impostos sobre ele apenas acentuariam seu efeito deletério sobre a economia7. Diante da urgência de arrecadação para cobrir o crescimento da despesa previdenciária e de dificuldades políticas, o provável é que as escolhas seriam no futuro elevar (ou criar) tributos com maior potencial arrecadatório, e não aqueles com efeitos distorcivos menores sobre a economia ou efeitos regressivos menores na distribuição de renda.

Investimento público

O segundo item deste “tripé” é o investimento público. Considera-se que é o investimento que aumenta a capacidade produtiva da economia no futuro. No entanto, investimentos, como os em infraestrutura ou ciência e tecnologia, por mais necessários que sejam para o país se desenvolver, constituem despesas “discricionárias”. Esse tipo de despesa se contrapõe à despesa obrigatória, que não pode ser reduzida e integra cerca de 92% do orçamento federal.

São exemplos de despesas obrigatórias a Previdência e os salários do funcionalismo. Diante do crescimento das despesas previdenciárias, o governo tem três opções principais8: elevar os impostos, aumentar o endividamento (que pressiona os juros, o que será visto a seguir) e reduzir outras despesas. Para acomodar o crescimento dos gastos com Previdência, seriam as despesas discricionárias as com maior chance de ser comprimidas, o que atinge o investimento público. Esta questão afeta diretamente não só o governo federal, mas também os subnacionais.

Ilustrativamente, em 2015 – ano de ajuste fiscal – enquanto a rubrica “outras despesas de capital”, que reflete o investimento público federal, teve redução de mais 30%, as despesas da Previdência (urbana e real) cresceram mais de 1% acima da inflação.

Juros reais

Finalmente, de modo simplificado, os juros reais estão associados à percepção de risco em relação à capacidade do governo de honrar seus compromissos9. A chance de insolvência no futuro, por conta de uma despesa estruturalmente crescente, pressionaria os juros para cima. Por sua vez, os juros reais altos sufocariam os empreendimentos que o país precisa para crescer.

A Figura 1 a seguir, sintetiza a lógica entre despesa previdenciária e seus efeitos no crescimento da economia, bem como na distribuição de renda.

Confiança

Ainda, segundo o diagnóstico do governo sobre a necessidade de ajuste fiscal, a reforma contribuiria para ganhos de confiança que induziriam a recuperação da economia. No mesmo sentido, o ex-Ministro da Fazenda Nelson Barbosa, em declaração ao Fórum criado no governo Dilma Rousseff para discutir a reforma, entendia como benefício imediato da reforma a melhora das expectativas fiscais, que “reduz a volatilidade cambial, possibilita a queda das taxas de juros de longo prazo e incentiva o investimento e a geração de emprego10.

Poupança e produtividade

Por fim, outros efeitos no crescimento da economia relacionados ao desenho da Previdência (e não exatamente à despesa previdenciária) discutidos pela literatura incluem a redução da poupança doméstica11 e a retirada precoce de trabalhadores produtivos da força de trabalho12. Adicionalmente, o envelhecimento da população está associado a um menor nível de inovação e de crescimento da produtividade13.

 

Previdência e teto de gastos

A Emenda Constitucional do teto de gastos (antiga PEC no 55, de 201614) congela a despesa total do governo federal em termos reais por 10 anos (Novo Regime Fiscal). O teto será anualmente reajustado pela inflação (passados 10 anos outro indexador será escolhido). Podemos dizer que a reforma da Previdência é irmã gêmea da reforma fiscal.

Isso porque a despesa previdenciária cresce aceleradamente em termos reais. Para as despesas federais caberem no teto, outras despesas deverão ser reduzidas na mesma magnitude. Se cumprir o teto, o governo não poderá mais recorrer ao aumento do endividamento ou da arrecadação para cobrir suas despesas primárias15.

Assim, com o teto, o crescimento da despesa previdenciária obrigaria o governo a cortes profundos em diversas outras áreas, o que tornaria a reforma da Previdência mais urgente. Nas palavras do relator da PEC do teto na Câmara, Deputado Darcísio Perondi, o novo regime fiscal “não sobrevive sem a reforma da Previdência (…) É uma dependência biológica entre os pulmões e o coração, um não vive sem o outro.”16

O Gráfico 3, abaixo, apresenta um exercício do impacto, com a vigência do teto, do crescimento da despesa da Previdência nas outras despesas do governo federal. Consideramos 2017 o primeiro ano da aplicação integral do teto17. Sem mudanças, a participação dos gastos previdenciários no gasto total da União passaria gradualmente de cerca de 55% em 2017 (um valor já alto) para cerca de 75% em 2026.

Isso quer dizer que, com o teto e sem reforma da Previdência, todas as despesas primárias do governo federal (excluída a Previdência), que em 2017 deveriam caber em 45% do orçamento, deverão caber em apenas 25% em 2026 – quase a metade. O corte em várias áreas deverá ser ainda maior, uma vez que outras despesas com elevada participação no gasto da União também não podem ser reduzidas, como a com o funcionalismo18. Este resultado coaduna com a visão de Paulo Tafner, um dos principais especialistas em Previdência do país, para quem o problema fiscal existente no Brasil é na essência um problema previdenciário.

Em verdade, mesmo com a reforma da Previdência o resultado pode ser próximo ao apresentado no Gráfico já que, para respeitar o planejamento das famílias de acordo com as regras vigentes, bem como para atenuar a oposição às alterações, a reforma da Previdência possui regras de transição para que as mudanças sejam graduais no tempo.

A partir de 2026 o teto poderá ser reajustado por outro indexador diferente da inflação, como o crescimento do PIB, atenuando os efeitos do crescimento da despesa previdenciária.  Como ilustração, apresentamos no Gráfico 5, tal qual o Gráfico anterior, a tendência de participação do gasto previdenciário nos últimos 10 anos do teto, caso não haja mudança de indexador.

Ressaltamos que este exercício é meramente ilustrativo, com o intuito de evidenciar a tendência de participação do crescimento da despesa previdenciária no total da despesa primária. A estimativa é sensível aos parâmetros escolhidos pelo governo no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (2017).

Evidentemente o cenário apresentado no Gráfico 4 é improvável: tanto o indexador quanto a legislação previdenciária seriam modificados antes de ele se concretizar. Entretanto, o exercício sugere que sem a reforma o efeito sobre outras políticas públicas e o investimento público seria devastador. Anedoticamente, neste cenário ilustrativo, a partir de meados da década de 2030 chegaríamos ao extremo da União pagar apenas despesas previdenciárias (na ausência de reformas, mudança do indexador e com o teto sendo estritamente cumprido).

Dessa forma, é útil revisitarmos a Figura 1, que apresentava os mecanismos pelos quais o crescimento da despesa afeta a economia. Conforme a Figura 2, a seguir, com o teto respeitado, a pressão sobre a carga tributária e a taxa de juros seria aliviada.

Entretanto, o impacto via redução do investimento público seria exacerbado, bem como se amplificaria a compressão de outras rubricas melhor posicionadas para reduzir a pobreza e a desigualdade de renda. Este seria a concretização do cenário de “canibalização dos gastos sociais”19.

Chegamos a outro ponto sobre a interação do teto do gasto com a Previdência.  Até agora, nesta discussão, consideramos que o teto seria respeitado e que, por isso, o crescimento da despesa previdenciária obrigaria reformar a Previdência e/ou promover profundos ajustes nas políticas públicas e investimentos feitos por despesa discricionária.

Entretanto, outro cenário provável é que a União não consiga cumprir o teto, o que acarretaria as vedações previstas pela Emenda até que o limite fosse reestabelecido. Essas vedações incluem inicialmente reajustes a remunerações do serviço público, criação de cargos e admissão de pessoal, entre outros itens afetos ao funcionalismo.

Todavia, o relatório do Deputado Darcísio Perondi, aprovado na Comissão Especial e no Plenário da Câmara dos Deputados, criou uma última vedação adicional: o aumento real do salário mínimo. Esta possibilidade também constava da proposta de reforma fiscal do Ministro da Fazenda Nelson Barbosa apresentada ainda no governo Dilma Rousseff (Projeto de Lei Complementar (PLP) no 257, de 2016).

Como dois terços dos benefícios previdenciários estão hoje atrelados ao salário mínimo, esta vedação atingiria diretamente a Previdência Social, ao proibir a prorrogação da política de valorização do salário mínimo ou política semelhante. Atualmente, o salário mínimo é reajustado segundo a inflação do ano anterior e o crescimento do PIB de dois anos antes, componente real da fórmula prevista na Lei no 13.152, de 29 de julho de 2015, cuja vigência se estende até 2019.

Assim, caso o teto não seja respeitado e as medidas de contenção de gastos via funcionalismo não sejam suficientes, o reajuste dos menores benefícios da Previdência seria afetado. Dessa forma, sem alterações na Previdência, o que eleva a chance de descumprimento do teto, as vedações impostas Emenda Constitucional do limite dos gastos garantem parcialmente uma espécie de “reforma automática”.

Assim, resumidamente, temos dois cenários de interação entre o teto e a Previdência:

 

Cenário 1: teto é respeitado

  • O crescimento acelerado das despesas previdenciárias obrigará a aprovação de alterações na Previdência; e/ou
  • O crescimento acelerado das despesas previdenciárias reduzirá substancialmente o espaço fiscal para políticas públicas e investimentos financiados por despesas discricionárias.

 

Cenário 2: teto não é respeitado

  • Reajustes reais do salário mínimo são vedados, atenuando parte do crescimento da despesa da Previdência.

 Ainda, como o crescimento esperado para as despesas previdenciárias é decorrente principalmente da transição demográfica, e não apenas do aumento do salário mínimo, é plausível que elementos dos dois cenários sejam observados (reforma da Previdência; redução de despesas discricionárias; e reajustes apenas nominais aos menores benefícios da Previdência).

 

Considerações finais

O impacto da reforma nos dez primeiros anos, acumulado, seria de R$ 678 bi em relação à trajetória anterior, o que pode ser insuficiente para “caber” no teto de gastos20. Para Fabio Giambiagi, um dos principais especialistas brasileiros no tema, a reforma seria adequada em relação ao ano de 2032 em diante, mas insuficiente para os próximos anos: “o governo eleito em 2018 talvez tenha que fazer outra reforma referente às condições de aposentadoria na década de 202021. Já o Ministro-Chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, avalia que a aprovação da reforma apenas moderaria o crescimento da despesa até 2025, que subiria consistentemente dali em diante22.

É certo que a reforma da Previdência não soa como item de uma “agenda de crescimento”, na forma romântica que o termo é normalmente compreendido. Entretanto diante da situação dramática da trajetória do gasto previdenciário no Brasil, ela se apresenta como uma necessária correção de rota para evitar um cenário de instabilidade econômica e social muito pior do que o atual.

 

(Este texto é baseado no Boletim Legislativo nº 52 do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, disponível no seguinte link:http://www.senado.gov.br/estudos)

 

______________________

1 Como no Chile. O regime de capitalização se caracteriza por um menor risco demográfico, mas maiores riscos financeiros, do que o regime de repartição. Ainda, na capitalização os riscos envolvidos são mais individuais, enquanto no regime de repartição, mais solidário, os riscos recaem sobre os trabalhadores da ativa ou, em última instância, sobre toda a sociedade. Uma reforma estrutural que migrasse da repartição para a capitalização envolveria significativos “custos de transição”, decorrentes do fato do regime antigo continuar pagando benefícios enquanto as novas contribuições são vertidas para o novo regime. Há ainda um terceiro tipo de regime, o de contas nocionais, em que as contribuições individuais são remuneradas (como na capitalização), mas por “juros fictícios”, sendo elas na prática vertidas para financiar os benefícios dos inativos (como na repartição). Trata-se de um modelo utilizado há poucos anos, na Suécia, Itália, Polônia e Noruega. Ver, entre outros, Tafner (2007): TAFNER, P. Seguridade e Previdência: Conceitos Fundamentais. In: TAFNER, P.; GIAMBIAGI, F. (Org.) Previdência no Brasil: debates, dilemas e escolhas. Rio de Janeiro: Ipea, 2007.

2Ver: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-01/dilma-diz-que-previdencia-e-assunto-que-mais-preocupa-governo.

3Comparativamente, os multiplicadores do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), abono salarial, seguro-desemprego e Bolsa Família são, respectivamente, de 0,39; 1,06; 1,06 e 1,78. Ver Neri et al. (2013): NERI, M.; VAZ, F. M.; SOUZA, P. H. G. F. Efeitos Macroeconômicos do Programa Bolsa Família: Uma Análise Comparativa das Transferências Sociais. In: CAMPELLO, T. NERI, M. (Org.) Programa Bolsa Família: Uma Década de Inclusão e Cidadania. Brasília: Ipea, 2013.

4Ver Giambiagi (2007). GIAMBIAGI, F. Reforma da Previdência, o encontro marcado:a difícil escolha entre nossos pais ou nossos filhos. Rio de Janeiro: Campus, 2007.

5 O foco do problema. O Globo. 16 de setembro de 2015. Disponível em: http://blogs.oglobo.globo. com/miriam-leitao/post/foco-do-problema.html.

6Baseado em estimativas do demógrafo Bernardo Queiroz, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Brazil’s pension system: Tick, tock. The Economist. 24 de março de 2012. Disponível em: http://www.economist.com/node/21551093.

7 Ver, entre outros, Afonso (2016). AFONSO, J, R. Ambiente de Negócios: Simplificação da Legislação Tributária. Apresentação no Seminário Ambiente de Negócios: Segurança Jurídica, Transparência e Simplicidade.  IBRE/FGV e Direito-Rio/FGV. Rio de Janeiro,23 de setembro de 2016.

8 Uma quarta opção seria emitir moeda e financiar o aumento do gasto via inflação. Por outro lado, umataxa de crescimento muito alta do PIB poderia atenuar o problema por um período de tempo, ao aumentar a arrecadação sem necessidade de aumento de tributos.

9Aqui, deve-se considerar o conceito de taxa implícita de juros, e não a taxa Selic, que não tem a mesma participação que tinha no passado na remuneração dos títulos públicos.

10Barbosa defende que reforma da Previdência seja feita agora, gradualmente. Correio Braziliense, 17 de fevereiro de 2016. Disponível em: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2016/02/17/internas_economia,518253/barbosa-defende-que-reforma-da-previdencia-seja-feita-agora-gradualme.shtml.

11 Ver, entre outros, Oliveira et al. (1998).  OLIVEIRA, F. E. B.; BELTRÃO, K. I.; DAVID, A. C. A. Previdência, Poupança e Crescimento Econômico: Interações e Perspectivas. Texto para Discussão no 607. Rio de Janeiro: Ipea, novembro de 1998.

12 Ver, entre outros, Paiva et al. (2016). PAIVA, L. H.; RANGEL, L. A.; CAETANO, M. A. O Impacto das Aposentadorias Precoces na Produção e na Produtividade dos Trabalhadores Brasileiros.Texto para Discussão no 2.211. Rio de Janeiro: Ipea, julho de 2016.

13 O que não corrobora o argumento de que o crescimento da produtividade poderia resolver o problema previdenciário. Não só o crescimento da produtividade gera um passivo previdenciário no futuro (como contrapartida do aumento da arrecadação), como ele seria restringido pelo próprio envelhecimento da população. Ver, entre outros, Maestaset al. (2016). MAESTAS, N.; MULLEN, K. J.; POWELL, D. The Effect of Population Aging on Economic Growth, the Labor Force and Productivity. NBER WorkingPaper No. 22452. Julho de 2016.

14Na Câmara, a matéria tramitou como PEC 241/2016.

15Evidentemente que a criação ou aumento de tributos não está proibida, mas elas serviriam, pelo menos nos dez primeiros anos do Novo Regime Fiscal, para melhorar o resultado primário: a princípio reduzindo o déficit e posteriormente gerando um superávit. Em verdade, a estabilização da relação dívida e PIB é o objetivo da proposta.

16Ver: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2016/10/so-nao-vai-ter-ganho-real-mas-e-reajuste-diz-perondi-sobre-pec-do-teto-dos-gastos-publicos-7729952.html.

17Na primeira semana de outubro o governo indicou que o teto só valeria para as áreas de saúde e educação a partir de 2018. Não consideramos essa mudança em relação à proposta original neste exercício, o que afeta os valores absolutos estimados, mas não a tendência do resultado.

18Diante desse cenário, alguns especialistas defendem que a PEC seja modificada para que seja dado um tratamento mais duro às despesas com funcionalismo, incluindo congelamento real de salários. Ver, entre outros http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/09/1817880-para-analistas-teto-precisa-de-limite-para-despesa-com-pessoal.shtml?cmpid=compfb  e http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,em-13-anos-salario-do-servico-publico-subiu-tres-vezes-mais-que-o-privado,10000079369.

19Proposto por Fabio Giambiagi. Ver: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/09/22/politica/1442935579_665784.html.

20Ver: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/12/1838400-reforma-da-previdencia-pode-gerar-economia-de-r-678-bi-diz-governo.shtml.

21 Ver: http://oglobo.globo.com/economia/mesmo-com-reforma-governo-federal-tera-de-cortar-mais-300-bi-20419663.

22 Ver: http://br.reuters.com/article/domesticNews/idBRKBN12Z2TR.

 

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Por que tributar o consumo? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2897&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=porque-tributar-o-consumo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2897#comments Mon, 24 Oct 2016 13:39:30 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2897 1. Resumo

A tributação do consumo tem seu lugar no sistema tributário, em importância nada inferior à do Imposto de Renda. A alegada superioridade distributiva do imposto de renda repousa em argumentos frágeis. O Imposto de Consumo permite melhor blindagem contra privilégios que o Imposto de Renda, além de apresentar qualidades econômico-sociais difíceis de encontrar em qualquer outro imposto.

 

2. Introdução

Há quem diga que no Brasil andamos mal ao tributar o consumo e que, para sermos justos, deveríamos tributar mais a renda, aliás como o fazem os países do Norte maravilha. “Diferentemente do que ocorre nas economias desenvolvidas, entretanto, a carga brasileira é concentrada em tributos indiretos e regressivos, não em tributos diretos e progressivos”.

Há quem diga que os impostos sobre o consumo são por definição regressivos (pois os pobres consomem porção maior de sua renda do que os ricos) e que por isso esses impostos deveriam ser reduzidos, aumentando-se reciprocamente os impostos sobre a renda. “Impostos indiretos são reconhecidamente regressivos, porque suaincidência não tem como referência a renda do consumidor, mas apenas o seu consumo”.

Há quem diga que não somente os impostos sobre a renda deveriam ser maiores como deveriam ser mais progressivos, elevando-se as alíquotas para os rendimentos elevados. “Um sistema de tributação sobre a renda mais progressivo atenuaria as desigualdades distributivas”. “Sugere-se uma quarta alíquota, de 35%, igual à alíquota superior da Argentina, e outra de 45%”.

São ideias antigas, persistentes, simples e persuasivas. Mas equivocadas.

 

3. Tributação do Consumo e da Renda

Tributar o consumo não é diferente de tributar a renda. São duas formas de aplicar impostos sobre a mesma realidade. AuferirRenda é adquirir meios, Consumo é a utilização dessa renda. Em cada ano, a Renda (R) corresponde ao Consumo (C) mais a Poupança (P) líquida: R = C + P. Num modelo simples de vida econômica, no primeiro período (Juventude) as pessoas nem obtêm renda nem poupam (R = P = zero) e o Consumo é custeado por pais ou responsáveis. No segundo período (Vida adulta), a Renda excede o Consumo e P é positiva. No terceiro período (Velhice), a Poupança tende a ser negativa já que a Renda é inferior ao Consumo. Considerando o ciclo de vida inteiro e abstraindo de herança, Renda e Consumo se equivalem. Durante a vida, a poupança passa de positiva a negativa, cumprindo seu papel de transferir meios para o futuro.

Que dizer da herança deixada pela pessoa ao falecer? Herança é a diferença positiva entre Renda e Consumo durante a vida. É o consumo post mortem… Quando há herança, o equilíbrio na tributação entre os dois fluxos (Renda e Consumo) se estabelece através de tributação da Sucessão (que tem natureza de Estoque) por imposto separado. A tributação de heranças e doações é complementar à tributação de renda e consumo.1

Concentrar o estudo de progressividade/regressividade na vida adulta – como acontece – oferece uma visão incompleta. Em relação à Renda obtida, na Vida adulta a tributação da Renda é mais pesada que a do Consumo, e na Velhice a tributação do Consumo é mais importante que a da Renda. Considerando toda a extensão da vida, Renda e Consumo são duas faces da mesma moeda.

 

4. Tributando o Consumo, sem Pedir Desculpas

A ojeriza contra a tributação do consumo não se justifica. Primeiro, porque no ciclo de vida como um todo a tributação do Consumo não é nem progressiva nem regressiva: ela é proporcional. Proporcional ao Consumo e, como demonstrado acima, também proporcional à Renda de toda a vida. Segundo, porque a Renda pode ser vista como compensação pela contribuição que a pessoa faz para o produto econômico social (salário que recebe pelo trabalho, lucro que recebe por tomar riscos, aluguel ou royalties que usufrui por oferecer seu imóvel ou bem intangível ao uso por outrem etc.), enquanto que o Consumo corresponde ao que a pessoa retirou desse produto coletivo para seu desfrute pessoal. As bases filosóficas da tributação do Consumo não são menos sólidas que a da tributação da Renda.2 E a tributação da Renda apresenta tantas oportunidades de evasão que a ilusória sensação de justiça que inspira desaparece na prática.3

O Estado moderno precisa tributar tanto a Renda quanto o Consumo. Toda base tributária (renda, consumo, propriedade, transações financeiras etc.) tem suas limitações, riscos de evasão, efeitos econômicos indesejáveis. Tivéssemos apenas um tributo (a quimera do imposto único), aquele que lograsse evadir esse imposto estaria livre de qualquer tributação. E o tributo único teria alíquota(s) tão elevada(s) que tornaria altamente compensadora a busca de isenções. Também tornaria irresistível a sonegação.4 A prática tem demonstrado que Renda e Consumo são as duas grandes colunas da tributação moderna.5

A tributação do Consumo pode ser progressiva–mas isso não seria uma boa ideia. Para tributar o Consumo de forma progressiva, basta deduzir, da Renda declarada anualmente, o montante de Poupança líquida realizada no ano (se a poupança tiver sido negativa, seria adicionada à renda). Depois disso, a tabela de alíquotas progressivas poderia ser aplicada normalmente.6 Este modelo, entretanto, apresenta objeções muito grandes do ponto de vista distributivo a menos que seja acompanhado de tributação elevadíssima sobre a herança como proposto por Stuart Mill. Além disso, o imposto de consumo progressivo seria um pesadelo do ponto de vista operacional: (1) teria que ser cobrado anualmente (imposto progressivo mensal não funcionaria); (2) quando cessasse de auferir Renda, o contribuinte teria que ser tributado sobre a diminuição do valor de seus ativos, o que elevaria a complexidade; e (3) operacionalmente o tributo (sobre renda consumida) seria muito semelhante ao atual imposto de Renda (que tributa a renda adquirida), o que poderia gerar a percepção de dupla tributação.

 

5. Escolhendo Bases Tributárias

A tributação do Consumo pode ser aplicada mais generalizadamente que a da Renda. Hoje, um ministro de tribunal superior pode, contra a mais simples lógica, decretar que certas verbas recebidas por magistrados têm caráter indenizatório, portanto estão livres do Imposto de Renda. Mas não tem poder para ditar que os bens consumidos pelos beneficiários com tais verbas estejam livres da tributação sobre o Consumo. A impessoalidade da tributação do Consumo torna-a mais robusta contra a incessante busca de privilégios para certas categorias econômicas.7

No Brasil, uma grande mudança de bases de Consumo para Renda poderia ser desastrosa para Estados e Municípios. Significaria encolher ICMS e ISS, impostos que são a espinha dorsal das finanças estaduais e municipais, e aumentar a receita do Imposto de Renda, que é apenas compartilhada com as entidades federativas subnacionais. A mudança colocaria em xeque a autonomia fiscal dos Estados, que depende crucialmente da receita do ICMS.

Tributar o Consumo não é tributar a Produção. A base da tributação do Consumo é a Produção consumida acrescida da Importação para consumo. Não pode ela portanto alcançar bens de capital, nem exportações, nem vendas entre unidades produtivas, nem ter caráter cumulativo. A não cumulatividade se garante pelo crédito do imposto pago nas vendas intermediárias (antes da entrega para consumo). A não oneração de bens de capital e exportações para o exterior se materializa pela pronta devolução de créditos acumulados por exportadores.

A tributação da Produção provoca danos à economia: menos produtividade, menos competitividade. A violação dos princípios mencionados no parágrafo anterior, os abusos da chamada “substituição tributária” (em que o imposto é cobrado em caráter final, fora do mecanismo de crédito, na etapa de produção ou importação), a tributação de exportações para outros Estados, a inexistência de crédito recíproco entre o ICMS e o ISS e a concorrência de impostos estaduais e federais sobre a mesma base resultam em perda de transparência, complexidade, insegurança jurídica, custos maiores da produção nacional e efeitos econômicos indesejáveis tais como a integração vertical8 e a perda de competitividade.

 

6. Conclusões

O imposto sobre o Consumo pode ser simples, geral e livre de privilégios. Embora recolhido pelos provedores de bens e serviços, um imposto de Consumo é suportado por indivíduos e famílias. Aplica-se igualmente a todos os setores econômicos, e cada empresa é mera intermediária entre Consumidor e Governo. Não existe “carga tributária setorial” nem existem razões para incentivos fiscais setoriais ou de outra ordem. O imposto pode ser simples de calcular, pagar e controlar tanto pelos agentes econômicos como pelo Fisco.

Para substituir os complexos tributos sobre bens e serviços, o CCiF propõe uma nova estrutura de tributação do Consumo.  A estrutura proposta pelo Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) está baseada nos elevados princípios constitucionais da Simplicidade, Transparência, Neutralidade, Eficiência e Equidade e contempla as qualidades apontadas no parágrafo anterior. Um imposto (ou contribuição) geral sobre o consumo poderia substituir as contribuições PIS, Cofinse parte do IPI. Enquanto um imposto geral sobre o consumo, de receita compartilhada entre estados e municípios, poderia substituir os arcaicos ICMS e ISS.

_____________

1 A análise se torna algo mais complexa quando a pessoa que deixou herança também recebeu herança ou legado da geração anterior ou doação da geração corrente. Assunto para outra nota.

2“… the Equality of Imposition consisteth rather in the Equality of that which is consumed, than of the riches of the persons that consume the same. For what reason is there, that he that laboureth much, and sparing the fruits of his labour, consumeth little, should be more charged than he that, living idly, getteth little and spendeth all he gets; seeing the one hath no more protection from the Common-wealth than the other? But when the impositions are laid upon those things which men consume, every man payeth equally for what he useth; nor is the Common-wealth defrauded by the luxurious waste of private men.” Thomas Hobbes, Leviathan, cap. 30.

3 “It is to be feared, therefore, that the fairness which belongs to the principle of an income tax, cannot be made to attach to it in practice: and that this tax, while apparently the most just of all modes of raising a revenue, is in effect more unjust than many others which are prima facie more objectionable. ”(J.S.Mill, Principles of Political Economy, 1848, V.3.18).

4 Na França, a gabelle sobre o sal era tão onerosa que aqueles apanhados sonegando tinham seus ossos quebrados na roda. Essas punições contribuíram para a Revolução Francesa.

5 O enunciado acima não está a sugerir que não haja espaço para ampliar a tributação da renda. Diz apenas que se for esse o caso, deve ser ampliada a base do Imposto de Renda em seus próprios méritos, não em substituição à tributação do Consumo.

6 Este modelo, discutido por John Stuart Mill (op. cit.) e proposto por Nicholas Kaldor (An Expenditure Tax, 1955), foi aplicado durante certo tempo na Índia, no Paquistão e no Sri Lanka.

7 A Constituição de 1946 assegurava imunidade de Imposto de Renda para jornalistas, professores e magistrados (além do grosso dos subsídios parlamentares).

8 A integração vertical induzida pelo imposto consiste em a empresa produzir,ela mesma, componentes que seria mais econômico comprar de outras empresas.

 

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Uma fábula de improdutividade https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2609&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=uma-fabula-de-improdutividade https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2609#comments Tue, 22 Sep 2015 16:09:24 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2609 João é inteligente e nasceu em uma família de classe alta. Estudou em boas escolas e entrou para uma universidade pública gratuita de engenharia. Formado, viu que os melhores salários iniciais de engenheiros estavam em R$ 5 mil. Fez concurso para um cargo de nível médio em um tribunal: salário de R$ 9 mil mais gratificações, aposentadoria integral, estabilidade, expediente de seis horas. O contribuinte custeou a formação de um engenheiro, e recebeu um arquivador de processos sobrerremunerado. Amanhã João estará em frente ao Congresso, com seus colegas, todos em greve por aumento salarial. Não terá o dia de trabalho descontado, nem se sente remotamente ameaçado de demissão.

Pedro não tem muito talento intelectual. Mas sua família pôde pagar uma boa escola, o que lhe garantiu uma vaga em um curso não muito concorrido em universidade pública. Carente de habilidades acadêmicas, Pedro não se adaptou e mudou de curso duas vezes, deixando para trás centenas de horas-aula desperdiçadas e duas vagas que poderiam ter sido ocupadas por outros estudantes que jamais terão acesso àquela universidade. Foi fácil desistir dos cursos, pois Pedro nada pagou por eles.

Após oito anos na universidade, Pedro finalmente se formou em biologia. Sonha em ter um emprego igual ao de João. Entrou em um cursinho preparatório para concursos públicos. Lá conheceu centenas de jovens formados em universidades públicas  que, em vez de irem para o mercado de trabalho aplicar seus conhecimentos, estão em sala de aula, decorando apostilas para conseguir um emprego público.

Jorge, o dono do cursinho, é um brilhante advogado, que poderia contribuir para a sociedade redigindo contratos empresariais. Mas descobriu que ganha mais dinheiro preparando candidatos ao serviço público.

Um dos professores do cursinho de Jorge é Manuel, que também abandonou sua formação universitária e mudou de ramo. Ao perceber que jamais exercerá a profissão original, ele pediu desfiliação do respectivo conselho profissional. Mas não consegue, porque Márcia, funcionária daquele conselho, tem como missão criar todo tipo de dificuldade às desfiliações e manter em dia a arrecadação compulsória. Manuel desistiu e vai pagar a contribuição pelo resto de sua vida profissional, ainda que não se beneficie em nada, e pouca satisfação seja dada pelo conselho profissional acerca do uso desse dinheiro.

As limitações acadêmicas de Pedro o impedem de ser aprovado em concurso público. Ele vai ser um medíocre professor, em uma escola de ensino fundamental de segunda linha (pública ou privada),  oferecendo ensino de baixa qualidade às novas gerações das famílias que não podem pagar por uma escola melhor. Pedro só conseguiu essa vaga porque há uma reserva de mercado: por lei, as escolas de ensino fundamental só podem contratar professores com diploma de nível superior. Fosse permitido contratar universitários, diversos graduandos em biologia mais talentosos e motivados que o diplomado Pedro estariam em sala de aula, oferecendo boas aulas às crianças.

Antônio é tão brilhante quanto João. Daria um excelente engenheiro, mas nasceu em família pobre e estudou em escola pública. Teve professores limitados, no padrão de  Pedro, e a desorganização administrativa da escola piorava as coisas: muitas vezes não havia professores em sala. Falta com atestado médico não dá demissão.

Antônio até conseguiu passar no vestibular de engenharia em universidade pública, pelo sistema de cotas, mas sua formação deficiente em matemática foi uma barreira intransponível. Abandou ou curso, deixando mais horas-aula perdidas e mais uma vaga ociosa na conta dos contribuintes.

Antônio, porém, é empreendedor. Não se abalou com o insucesso universitário, aprendeu a consertar eletrônicos através de vídeos no Youtube. Montou um pequeno negócio de manutenção de smartphones e computadores. Seu talento poderia torná-lo um grande empresário. Mas para crescer, ele precisa transferir sua empresa do regime de tributação SIMPLES para a tributação normal, pagando impostos muito mais altos, porque o governo precisa de muito dinheiro para pagar altos salários, para custear a universidade gratuita que desperdiça vagas e para sustentar escolas públicas que não dão aula, entre outras despesas. Mesmo assim, o governo permanece em déficit, e toma empréstimo para se financiar, aumentando a taxa de juros. Com impostos altos e crédito caro, Antônio prefere manter seu negócio pequeno. A grande empresa e seus empregos morreram antes de nascer.

Chico é um líder  talentoso. Dirige uma central sindical que congrega os sindicatos dos companheiros do judiciário e dos professores, entre outras categorias. Chico está em frente ao Congresso, apoiando a greve de Pedro por melhores salários. Faz um discurso contra os neoliberais, que só pensam em cortar gastos públicos e arrochar os trabalhadores. Chico não tem muito do que reclamar (embora, como líder sindical, a sua especialidade seja, justamente, reclamar): além da remuneração paga pelo sindicato (e custeada pelo imposto sindical, cobrado obrigatoriamente dos contribuintes), ele está aposentado pelo INSS desde os 52 anos de idade. Até o final da sua vida receberá muito mais do que contribuiu para a previdência.

Nenhum dos personagens citados tem comportamento ilegal. Eles jogam o jogo de acordo com as regras que estão postas. O erro está nas regras. Mudá-las requer superar as dificuldades das decisões coletivas. Não mudá-las implica continuar com talentos profissionais e dinheiro público mal alocados, empregos improdutivos, potenciais inexplorados, gasto público excessivo, oportunidades perdidas, incentivos errados. Uma fábula de improdutividade.

 

Este artigo foi publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo, edição de 10/9/2015.

 

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Os consumidores seriam beneficiados pelo fim dos impostos sobre remédios? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2340&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=os-consumidores-seriam-beneficiados-pelo-fim-dos-impostos-sobre-remedios https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2340#comments Mon, 24 Nov 2014 14:28:04 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2340 Vem ganhando corpo a reivindicação de redução ou eliminação dos impostos cobrados na venda de remédios. Muitos parlamentares têm formulado iniciativas de lei nessa direção. O argumento para redução dos impostos é o de que a saúde é um bem “essencialíssimo”. Para os que defendem tal isenção tributária, a cobrança de impostos sobre medicamentos elevaria o preço final ao consumidor, reduzindo o bem-estar da população, que, em função dos impostos, acabaria consumindo menos medicamentos do que o necessário.

Nesse artigo procura-se apontar os dois equívocos mais importantes desse raciocínio. O primeiro é acreditar que a redução dos impostos redundará necessariamente na redução significativa dos preços ao consumidor. O segundo está em desconsiderar que a demanda por medicamentos das famílias de menor renda é atendida primordialmente pelo SUS e não pelo mercado.

A ideia de que a redução dos impostos resultaria em redução significativa dos preços ao consumidor não leva em conta que o mercado de medicamentos tem duas características que afetam a reação dos preços a uma eventual alteração nos tributos: patentes e força das marcas.

As patentes – que são instrumentos de garantia da propriedade intelectual da empresa desenvolvedora do princípio ativo – conferem ao fabricante monopólio temporário sobre a produção de certo medicamento. A existência de patentes, ao contrário do que possa parecer, é um fator primordial para o desenvolvimento de novos medicamentos e do aumento no longo prazo do acesso à saúde da população em geral. No curto prazo, enquanto dura a patente, o monopolista pode auferir lucros extraordinários. Qual é esse lucro? Tudo depende da importância do remédio. Uma patente de um medicamento que eliminasse oralmente e sem dor, em uma semana, todos os tipos de câncer teria valor astronômico. Uma patente de um remédio que trouxesse uma abordagem alternativa para o tratamento da azia teria, comparativamente, um valor menor.

A razão está nas diferentes essencialidades dos dois medicamentos hipotéticos. Em outras palavras, ainda que o fabricante do primeiro medicamento praticasse preços ao consumidor muito superiores ao custo de produção, não teria dificuldade em vendê-lo. A procura pelo remédio não seria muito afetada pelo preço. Essa situação, no jargão econômico, é chamada de baixa elasticidade da demanda. O fabricante detentor da segunda patente, do remédio alternativo para azia, não só sofreria a competição dos remédios já existentes como também se defrontaria com o fato de que a azia, apesar de incomodar, não é algo que ameace tão intensamente a saúde e a vida do doente. A demanda pelo segundo medicamento seria, portanto, mais elástica a variações de preços.

Parte significativa dos remédios essenciais para cura ou controle de sintomas de doenças relevantes tem demanda inelástica. Por isso, dão grande poder de mercado aos fabricantes detentores de suas patentes.

O segundo fator relevante a afetar a formação de preços dos medicamentos está no fato de que o consumidor tende a valorizar muito a qualidade – suposta ou real – de um dado medicamento. Como os medicamentos são produtos complexos, apenas especialistas podem, de fato, garantir sua qualidade. Por isso, o consumidor tende a se orientar pelo prestígio da marca do medicamento. O peso da marca confere uma condição próxima à de monopólio a seu fabricante, mesmo depois de vencida a patente e a despeito da concorrência exercida por genéricos e similares. O marketing das farmacêuticas é bastante agressivo e alcança diversas áreas, incluindo o suporte a atividades acadêmicas de corporações médicas e incentivos financeiros a balconistas e farmácias.

Em condições de monopólio ou próximas, uma elevação de preços decorrente de aumentos de impostos ad valorem (aqueles que são cobrados como um percentual do preço) é inferior à que se verificaria se estivesse operando em um mercado de concorrência efetiva, como mostra o gráfico abaixo.

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Desse modo, a imposição de tributos ad valorem – ou a sua eliminação – afetará pouco o preço de venda ao consumidor. A consequência é que, no caso de aumento de tributos ad valorem, a maior parte do imposto adicional é paga pelo fabricante, que não o repassa integralmente ao preço. Inversamente, no caso de retirada de tributos, o preço não cairá significativamente, pois essa redução de custo não será totalmente repassada ao consumidor, já que será em grande medida capturada pelo fabricante. Diversamente, se a estrutura de mercado fosse de concorrência perfeita e a demanda, perfeitamente inelástica, toda a redução de tributo seria repassada ao consumidor (por outro lado, na direção oposta, todo aumento de tributos é 100% repassado para o consumidor).

A Organização Mundial da Saúde, por exemplo, cita evidências de que, no Peru, a eliminação de impostos sobre medicamentos de alta essencialidade – anticancerígenos e antirretrovirais – não levou à queda do preço ao consumidor1.

Pesquisa publicada no jornal The Lancet, em 20082, mostrou que nos países de renda semelhante à do Brasil (renda média alta) a mediana da diferença de preços dos remédios de referência para os genéricos mais baratos é de notáveis 151%. Isso indica que a entrada de opções mais baratas no mercado não foi suficiente para derrubar os preços dos remédios de marca, dado que há pessoas dispostas a pagar mais caro por eles, por suporem – correta ou equivocadamente – que são de melhor qualidade.

Outro aspecto importante é a incidência dos impostos sobre as diversas faixas de renda da população e o perfil de consumo de medicamentos de cada faixa de renda. Estudo do IPEA3 aponta que os preços médios de medicamentos no Brasil subiram de US$ 1,85 para US$ 8,56 entre 1990 e 2009, uma variação muito superior à inflação do dólar. Mais interessante, no entanto, foi o comportamento do gasto médio com medicamentos adquiridos em mercado pela população no mesmo período: variou de US$ 11,34 para US$ 9,24. Para um forte aumento do preço médio dos medicamentos, houve uma queda no gasto total em remédios adquiridos em mercado. Esse dado é indício de  aumento da importância do fornecimento de medicamentos gratuitos pelo governo no total do consumo desses produtos.

O mesmo estudo aponta que, em 2008, das famílias que compõem os 40% mais pobres da população, entre 40% e 48% receberam gratuitamente todos os medicamentos que lhes foram prescritos. Nesse mesmo grupo, entre 56% e 64% receberam todos ou alguns dos medicamentos prescritos. Para os 10% mais ricos, esses percentuais caíram para 10% e 16%.

Parece claro que, do ponto de vista fiscal – que analisa de forma agregada receitas e gastos – a cobrança de impostos em remédios é plenamente justificada e contribui para a redução de desigualdades de renda. De um lado, os impostos não afetam substantivamente os preços ao consumidor, fazendo com que o governo se aproprie de uma renda que, sem os impostos, seria capturada majoritariamente pelos fabricantes e pela rede de distribuição. Essa captura, é bom salientar novamente, é decorrente das características peculiares desse mercado e da baixa elasticidade da demanda por medicamentos. De outro, a receita pública gerada pelos impostos sobre medicamentos vendidos em mercado abre espaço fiscal para financiar a distribuição gratuita aos segmentos mais pobres da população na rede pública.

Não é por acaso que esse arranjo fiscal na saúde – e mais especificamente, na área de medicamentos – que combina atendimento pelo mercado e pelo sistema público, se assemelha ao padrão verificado na Europa, onde as sociedades, diferentemente dos Estados Unidos, optaram por sistemas de saúde predominantemente públicos.

Noruega e Dinamarca aplicam aos medicamentos a alíquota genérica do imposto de valor agregado (IVA) de 25%. O mesmo se dá na Suécia, com a exceção de que os remédios com receita são isentos. Na Alemanha e no Reino Unido, o IVA dos medicamentos é idêntico aos dos demais produtos de consumo, de 19% e de 17,5%, respectivamente. Na Itália, o IVA de medicamentos – 10% – é metade do IVA normal. Seguindo esse exemplo, também praticam IVA de metade do normal para medicamentos Letônia, Áustria, República Checa, Eslováquia, Estônia, Finlândia, Eslovênia e Turquia.

Em sentido oposto, os Estados Unidos se caracterizam pela isenção total do imposto sobre vendas para medicamentos prescritos, embora haja alguma diferença entre os diversos estados. Essa prática é compreensível num quadro fiscal em que o Estado participa de maneira insignificante na provisão de serviços de saúde, em especial, na distribuição de medicamentos.

Parece não haver dúvida, em vista do que apontam a teoria econômica, a observação internacional e a comparação entre os diversos sistemas de saúde prevalecentes no mundo, que o Brasil deve continuar cobrando impostos sobre medicamentos, pois essa é a fórmula que melhor se adapta ao nosso modelo de provisão de saúde, ao perfil de distribuição de renda e ao mercado de medicamentos brasileiro. Essa cobrança tem óbvios efeitos redistributivos, especialmente porque, em geral, a receita que advém dos impostos, caso fosse perdida em uma eliminação de sua cobrança, ficaria majoritariamente retida entre fabricantes e a rede de distribuição privada. Por melhor que sejam as intenções dos que propõem a eliminação integral dos impostos sobre remédios, essa medida traria consequências negativas para a população de menor renda.

________________

1 In Peru, sales tax and VAT were waived for a range of cancer medicines and antiretrovirals in 2001, though little change in retail prices was observed to result. (…). But the experience of at least one country – Peru – has shown that removal of taxes does not necessarily mean lower prices to patients unless supporting regulation, for example, on retail mark-ups, is implemented (CREESE, 2011).
2 (CAMERON, EWEN, ROSS-DEGNA, BALL  AND LAING, 2008)
3 (IPEA, 2010)

 

Referências:

CAMERON, A.; EWEN, M.; ROSS-DEGNA, D.; BALL, D.; and LAING, R. Medicine prices, availability, and affordability in 36 developing and middle-income countries: a secondary analysis. The Lancet. 2008.

http://www.who.int/medicines/areas/access/medicine_prices_availability_and_affordability_in_36_developing_
and_middle-income_countries_a_secondary_annalysis.pdf?ua=1

CREESE, A. Review Series on Pharmaceutical Pricing Policies and Interventions. Working paper nº 5: Sales Taxes on Medicines. World Health Organization. 2011.

http://www.haiweb.org/medicineprices/05062011/Taxes%20final%20May2011.pdf

IPEA. Comunicado IPEA nº 74: Programas de assistência farmacêutica do governo federal – evolução recente das compras diretas de medicamentos e primeiras evidências de sua eficiência 2005 a 2008. IPEA. Brasília. 2010. http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/comunicado/101216_comunicadoipea74.pdf

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Crescimento e desigualdade https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1872&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=crescimento-e-desigualdade https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1872#comments Wed, 05 Jun 2013 12:11:58 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1872 O Valor Econômico publicou recentemente caderno especial que discutiu os motivos do baixo crescimento do país. Os diagnósticos apontam, corretamente, para uma combinação de alto e crescente gasto público, tributação elevada e complexa, baixa escolaridade, economia excessivamente fechada, infraestrutura precária e juros elevados. Se essas causas do baixo crescimento estão claramente identificadas há bastante tempo, por que o país não foi capaz de encaminhar a solução dos problemas? Reclama-se há anos da infraestrutura e as estradas continuam no buraco; os economistas estão roucos de apontar os malefícios do gasto público excessivo, e ele continua a crescer. Reforma tributária simplesmente não acontece…

Essa aparente inércia decorre do fato de que as causas acima apontadas são, em grande medida, consequência de uma característica histórica da sociedade brasileira: a desigualdade de renda e de patrimônio. Uma sociedade desigual é tipicamente composta por uma grande maioria de pobres e um pequeno grupo muito rico. Após à transição para a democracia, em 1985, a classe política gradativamente percebeu que a maioria dos votos está entre os pobres: sem atender os interesses imediatos desse grupo não se ganha eleição. Daí a expansão do gasto público e a dificuldade em conter seu crescimento: aumentos reais para o salário-mínimo, expansão da aposentadoria rural, universalização da saúde, etc. Iniciou-se vigorosa “redistribuição para os pobres”.

Por outro lado, os muito ricos dispõem de poder financeiro para influenciar as decisões governamentais, de onde decorrem: proteção comercial para a indústria, crédito subsidiado para empresas escolhidas a dedo, políticas de desenvolvimento regional capturadas pelos ricos das regiões pobres, fundos de pensão de estatais prontos a financiar projetos “geniais” de pessoas bem conectadas, agências reguladoras frágeis que facilitam a vida dos grupos regulados. Essa “redistribuição para os ricos” também custa dinheiro e pressiona o gasto público e a dívida pública, além de impedir a livre concorrência e envenenar o ambiente de negócios.

Nos primeiros anos da nova era democrática, essas pressões redistributivas (em favor dos pobres e dos ricos) foram financiadas pela inflação. Quando o custo desta alternativa se tornou insuportável para a sociedade, foi possível fazer avanços institucionais que resultaram em maior controle fiscal e monetário. Mas a desigualdade continuou pressionando o gasto público. Para manter o equilíbrio fiscal foi preciso jogar a tributação para as alturas e abandonar os investimentos em infraestrutura (que geram ganhos para todos no longo prazo, mas não são prioridade de curto prazo para nenhum dos dois grupos situados nos extremos da distribuição de renda). Ainda assim persiste significativo déficit público, que drena a poupança da sociedade e pressiona a taxa de juros para cima.

As causas imediatas do baixo crescimento, listadas no primeiro parágrafo são, na verdade, as consequências do caminho que a sociedade brasileira encontrou para evitar que a

desigualdade levasse à instabilidade política: os pobres são atendidos e não se revoltam, os ricos são atendidos e deixam de sonhar com golpes de estado. E graças a isso já temos quase trinta anos de estabilidade democrática. A Constituição de 1988 é a segunda mais longeva da história da República, perdendo apenas para a Carta de 1891, que ficou 43 anos em vigor.

Porém, no meio do caminho há uma classe média que não se beneficia dos gastos direcionados para os ricos e para os pobres, e que está sufocada por impostos, má infraestrutura, juros elevados e por ambiente de negócios inóspito, sem espaço para empreender e prosperar.

As perspectivas de longo-prazo tornam-se medíocres, pois no longo-prazo só se muda de patamar de desenvolvimento através do crescimento da economia.

A notícia positiva é que a desigualdade aos poucos vem caindo, em boa medida devido às políticas de “redistribuição para os pobres”. É possível que em alguns anos a chamada nova classe média passe a pressionar menos por redistribuição pró-pobres; aumentando sua demanda por políticas que facilitem a prosperidade da iniciativa privada, o que criaria suporte político para o controle do gasto público, racionalização tributária, etc. Nesse caso, o baixo crescimento de hoje seria o preço a pagar pelo maior crescimento no futuro.

Há, contudo, o risco de que o redistributivismo atual (para ricos e pobres) persista por muito tempo, e que o país viva décadas de baixo crescimento, o que pode até mesmo romper a estabilidade política, pois muitos anos de estagnação fará o cobertor ficar curto para atender às demandas dos extremos da distribuição de renda, além de saturar a paciência da classe média, que paga a conta do atual modelo.

Para evitar esse cenário negativo, e facilitar o caminho do país em direção a maior crescimento e maior igualdade, é necessário dar prioridade a políticas redistributivas pró-pobres mais eficazes e de menor custo. Investimentos em saneamento básico e educação fundamental, por exemplo, são bons para os pobres e para o crescimento econômico ao mesmo tempo. Reajustes elevados para o salário-mínimo, por outro lado, reduzem a competitividade das empresas e pressionam os gastos públicos. É verdade que tais reajustes redistribuem renda para os mais pobres, mas a um custo muito mais alto do que outras políticas, como o Bolsa Família, que além de mais barata tem maior impacto redistributivo. Subsidiar universidades de qualidade duvidosa para os jovens pobres talvez não seja tão eficaz quanto gastar mais em ensino fundamental para crianças pobres.

Tão desafiador quanto reorientar a política de redistribuição para os pobres é conter a redistribuição para os ricos. Não é fácil extinguir privilégios e reformar instituições: justiça lenta e enviesada, feudos políticos dentro da administração pública, corporações viciadas em subsídios públicos. É preciso fortalecer a democracia e a transparência, para que tais políticas percam legitimidade. E continuar martelando a necessidade das reformas institucionais.

Os óbices que a desigualdade impõe ao desenvolvimento não são uma armadilha inescapável. O Chile tem uma história de desigualdade bastante semelhante à nossa, mas encontrou caminhos produtivos para lidar com ela e fortalecer conjuntamente a democracia e a economia. O Brasil precisa encontrar o seu próprio caminho.

(Texto originalmente publicado no jornal Valor Econômico de 3 de junho de 2013.)

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Faz sentido impor tributação tão elevada sobre o consumo de energia elétrica? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1095&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=faz-sentido-impor-tributacao-tao-elevada-sobre-o-consumo-de-energia-eletrica https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1095#comments Mon, 27 Feb 2012 12:57:48 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1095 Do valor total de uma conta de luz paga pelos consumidores residenciais e comerciais, aproximadamente 45% são recursos destinados ao governo (tributos e encargos). Ou seja, somente 55% representam a remuneração das empresas de geração, transmissão e distribuição de energia[1]. O Brasil, em perspectiva internacional, impõe elevada carga tributária sobre a energia elétrica, como pode ser visto nos dois gráficos abaixo.

Gráfico 1 – Carga tributária sobre energia elétrica (exceto encargos setoriais) – consumidores industriais (2004)


Fonte: Instituto Acende Brasil – Carga tributária consolidada setor elétrico brasileiro 1999 a 2008. Fonte primária: OCDE.

Gráfico 2 – Carga tributária sobre energia elétrica (exceto encargos setoriais) – consumidores residenciais (2004)


Fonte: Instituto Acende Brasil – Carga tributária consolidada setor elétrico brasileiro 1999 a 2008. Fonte primária: OCDE.

A Tabela 1 mostra que a maior tributação ocorre no nível estadual: o ICMS[2] representa em torno de 20% da receita bruta das distribuidoras de energia, ou 46% de todos os tributos e encargos, como mostrado no Gráfico 3. Em seguida vêm os tributos de competência do Governo Federal, com destaque para o crescimento da importância do PIS/PASEP[3] e COFINS[4] ao longo dos anos (para uma análise do aumento do PIS/PASEP e COFINS, ver neste site o texto Por que é tão elevada a carga tributária sobre os serviços de saneamento básico?). Em terceiro lugar aparece uma miríade de “encargos setoriais” (para uma análise desses encargos ver, neste site, o texto O que é subsídio cruzado e como ele afeta a sua conta de luz?).

Tabela 1 – Carga tributária sobre a receita bruta das empresas distribuidoras de energia elétrica


Fonte: Instituto Acende Brasil – Carga tributária consolidada setor elétrico brasileiro 1999 a 2008. Fonte primária: Instituto Acende Brasil e Price Waterhouse & Coopers.

Gráfico 3 – Carga tributária sobre a receita bruta das empresas distribuidoras de energia elétrica: participação dos principais tributos (2008)


Fonte: Instituto Acende Brasil – Carga tributária consolidada setor elétrico brasileiro 1999 a 2008. Fonte primária: Instituto Acende Brasil e Price Waterhouse & Coopers.

Os motivos da alta tributação

Por que é tão intensa a tributação do consumo de energia elétrica? O primeiro motivo é a pressão exercida pelos crescentes gastos governamentais, tanto no nível federal quanto no nível estadual. Desde a redemocratização, o Estado brasileiro vem elevando o nível de gasto público em função de diversos fatores de ordem política. Criou-se um modelo em que, ano após ano, aumenta-se o gasto público, o que exige que os governos Federal, estaduais e municipais busquem mais e mais receitas para equilibrar suas contas. Tal fenômeno já foi analisado em três textos deste site (Como o gasto público elevado desequilibra a economia brasileira?, Como as eleições afetam a economia? e Por que é importante controlar o gasto público?). Essa pressão exercida pelos gastos crescentes exige que os três níveis de governo (Federal, estadual e municipal) façam grande esforço de arrecadação e encontrem no setor elétrico uma suculenta base tributária.

O fornecimento de energia elétrica é bastante propício à tributação por vários motivos. Em primeiro lugar, é fácil para os fiscos federal e estaduais coletar seus tributos: basta arrecadá-los junto às empresas distribuidoras de energia, que representam apenas sessenta e três empresas em todo o país. Tais empresas dispõem de dados precisos a respeito da quantidade de energia fornecida, dados esses facilmente acessíveis aos fiscos. Compare essa situação, com a tributação de produtos fabricados por inúmeras indústrias, que passam por uma longa cadeia de fornecedores e distribuidores, para os quais é difícil conferir dados e notas fiscais. Obviamente é muito mais simples e produtivo para o fisco ir direto a uma grande empresa, que tem uma grande base tributária, com informações claras e precisas sobre essa base tributária. É por esse mesmo motivo que outros setores são alvo de tributação mais intensa, como o de bebidas (que dispõe de contadores de litros produzidos) e automóveis (poucas e grandes indústrias, alto valor unitário do produto vendido).

Em segundo lugar, a base tributária é ampla: no ano de 2011, as distribuidoras de energia elétrica faturaram R$ 110 bilhões, excluídos os tributos, o que equivale a aproximadamente 2,5% do PIB. Assim, qualquer pequena alíquota de tributo ou encargo que se imponha sobre tal faturamento já rende uma receita elevada sem que o contribuinte perceba o adicional em sua conta.

Em terceiro lugar, a energia elétrica é um bem essencial tanto nas residências quanto na indústria, comércio e serviços (o impacto do “apagão” de 2001 sobre o ritmo da economia é uma demonstração clara da essencialidade deste serviço). Isso significa que os consumidores não reduzirão o consumo de energia na mesma proporção dos aumentos de preço. É o que se chama, em economia, de demanda inelástica a variações de preços. Não havendo redução acentuada de consumo quando há aumento de preços provocado por aumento de tributos, a receita tributária será maior do que se for aplicado o aumento dos tributos a um bem ou serviço de alta elasticidade-preço, pois, nesse caso, parte da receita tributária será perdida em decorrência da queda do consumo.

Por exemplo, suponha que um produto custe R$ 1, e que são vendidas 100 unidades desse produto. Se o governo cria um imposto de 10% sobre o preço de venda e supondo que o imposto seja integralmente repassado para o preço, o valor final desse produto subirá para R$ 1,10. Se a demanda desse bem tem baixa elasticidade a preços, com o novo preço de R$ 1,10 os consumidores reduzirão pouco o seu consumo. Suponhamos que essa redução seja de 5 unidades, passando o consumo total a ser de 95 unidades. A receita do governo com o novo imposto será de R$ 9,50 (95 unidades X R$ 0,10). Mas se a elasticidade preço do bem for mais alta (um bem de menor essencialidade), os consumidores reduzirão mais intensamente o consumo para, digamos, 70 unidades, o que fará a receita tributária do governo ser menor: R$ 7,00 (70 unidades X R$ 0,10). Daí porque, sob o ponto de vista de arrecadação, é mais interessante para o governo tributar bens e serviços cujas demandas sejam inelásticas a preço.

O quarto fator que estimula a tributação da energia elétrica é que essa tributação é pouco visível. Como todo tributo indireto, ela já vem embutida no preço, e o consumidor não consegue distinguir claramente o que é o custo da energia e o que é tributo ou encargo.

Em quinto lugar, no caso específico do ICMS, a tributação sobre energia cresce como um efeito colateral da chamada “guerra fiscal” (ver neste site o texto O que é guerra fiscal?). Os estados disputam entre si a instalação de indústrias, oferecendo reduções e isenções na cobrança do ICMS que, na maioria dos casos, é pago pelas empresas ao Estado onde ocorre a produção (tributação na origem). Porém, ao contrário do que ocorre com a maioria dos bens e serviços, a tributação da energia elétrica ocorre no estado onde ela é consumida. Assim, não há estímulo aos estados para tentar atrair empresas do setor de energia a instalar sedes em seus territórios, pois a arrecadação continuará a fluir para os estados onde a energia é consumida.

Poderia haver um estímulo à redução da tributação da energia elétrica caso isso representasse queda de custo tão grande para as empresas que compensasse outras vantagens tributárias. Nesse caso, um estado que cobrasse baixos tributos permitiria que as empresas ali instaladas tivessem um custo substancialmente mais baixo. Porém, os altos tributos e encargos criados pelo Governo Federal (que não participa da guerra fiscal) e a agressividade dos incentivos dados aos demais setores da economia, parecem tornar pouco atrativa a opção de atrair empresas via desconto de ICMS na conta de luz.

A opção adotada tem sido tributar em excesso a energia para, com isso, gerar uma folga de caixa que permita ao governo estadual oferecer mais subsídios tributários a outros setores. A Tabela abaixo mostra as alíquotas aplicadas a alguns produtos no Estado de São Paulo, destacando-se que o consumo de energia acima de 200 Kwh/mês é tributado com a alíquota mais alta.

Tabela 2 – Alíquotas de ICMS de alguns bens e serviços selecionados no Estado de São Paulo


Fonte: http://www.idealsoftwares.com.br/tabelas/aliquotas_sp.html

Será esta alta tributação eficiente?

Toda tributação reduz a eficiência da economia, porque estimula os consumidores e as empresas a mudarem seus comportamentos (supostamente maximizadores de seus respectivos níveis de bem-estar) para tentar minimizar os impostos pagos, como no exemplo numérico apresentado acima. A diferença entre o que seria arrecadado por um imposto que não provocasse qualquer mudança de comportamento dos consumidores ou das empresas (chamado de imposto lump-sum ) e a efetiva arrecadação do governo é chamado de ‘perda de peso morto” (deadweight loss) (lembre-se do exemplo numérico oferecido acima, em que a redução da demanda pelo bem tributado levou a uma arrecadação de R$ 7,00, ao passo que se não houvesse mudança no comportamento dos consumidores  a arrecadação seria de R$ 10,00).

A teoria da tributação ótima[5] é aquela que busca definir a estrutura tributária que produz a menor reação dos agentes econômicos e, com isso, gera menor perda de eficiência para a economia.  Um resultado dessa teoria indica que, quanto mais inelástica a preços a demanda e a oferta de um bem, menor a perda de peso morto e, consequentemente, menor a perda de eficiência.

O raciocínio é intuitivo: demanda e oferta inelásticas a preço significam que é baixa a reação dos consumidores e produtores a aumentos de preços. Por isso, a criação de um imposto que aumente os preços ao consumidor ou que representem um encargo a mais para o produtor não afetará as decisões de consumo e de produção. Ou seja, o montante consumido e produzido após o imposto é similar ao montante consumido e produzido antes da introdução do imposto. A economia se afasta pouco do seu mix ótimo de produção e consumo.

Já afirmamos acima que, em função da sua essencialidade, a demanda por energia é inelástica a preços. Sob esse ponto de vista, seria melhor tributar a energia elétrica a tributar outros bens de maior elasticidade preço. Da mesma forma, a oferta também tende a ser inelástica a preços. Isso porque a indústria de energia exige um grande investimento em obras e equipamentos, que representam alto custo fixo. Um aumento no custo variável de venda da energia (quanto mais energia vendida mais imposto se paga) não representará um acréscimo significativo no custo total da empresa, pois ela incorrerá no custo fixo independentemente de vender ou não a energia. Outro argumento favorável, em termos de eficiência econômica, à alta tributação da energia é o baixo custo administrativo para se coletar tal tributo, como já foi ressaltado no início do texto: quanto menos o fisco gastar na sua ação de coletar tributos, mais recursos sobram para serem aplicados em políticas públicas, logo, mais eficiente é a economia.Todavia, há outro resultado da teoria da tributação ótima que aponta em direção oposta: um aumento de alíquota de um tributo provoca um aumento da perda de peso morto (queda de eficiência) equivalente ao quadrado do aumento da alíquota. Ou seja, a perda de eficiência da economia é mais que proporcional ao aumento de alíquota. Isso significa que a elevação das alíquotas sobre energia elétrica a nível tão alto e tão superior ao dos demais produtos, como mostrado na Tabela 2, provavelmente gerou grande perda de eficiência.

Outra importante constatação da teoria da tributação ótima é a de que qualquer tributo sobre bens intermediários (bens usados para produzir outros bens) provoca distorções na economia e, consequentemente, perda de bem-estar e de eficiência. A energia elétrica é, obviamente, um importante insumo intermediário. A preferência deveria ser pela tributação sobre o consumidor final de energia elétrica. A tributação dos consumidores industriais e comerciais, com elevadas alíquotas, é certamente um forte gravame que reduz a competitividade desses consumidores.

A perda de eficiência é ainda maior porque a tributação não impacta uniformemente as diferentes indústrias. Aquelas que são mais intensivas no uso de energia terão seus custos aumentados mais que proporcionalmente, distorcendo os preços relativos. Isso pode alterar as vantagens comparativas do País. Por exemplo, indústrias que consomem muita energia, como alumínio e derivados, podem perder competitividade.

É verdade que a tributação sobre o uso comercial e industrial da energia, por meio de tributos sobre valor adicionado (ICMS, PIS/COFINS) pode, em tese, ser compensada pelo desconto de créditos tributários acumulados. Mas, quando consideramos detalhes da tributação, vemos que há restrições à plena desoneração tributária (determinados insumos não podem ter seus tributos descontados). Além disso, a base de cálculo do ICMS inclui outros tributos já pagos, configurando bitributação. A prática de alíquotas diferenciadas por setores, isenções e não restituições de créditos do ICMS elevam a alíquota efetiva final paga sobre o insumo. Deve-se considerar, também, que a cobrança do imposto com alíquotas diferentes, por estados diferentes, acabam induzindo empresas a desviarem sua escolha ótima de localização (em função dos custos de produção e distribuição), por levar em conta, também, o custo da energia.

As indústrias mais intensivas em energia perdem competitividade em relação às menos intensivas, e as indústrias nacionais, em geral, perdem competitividade em relação às indústrias de outros países que impõem menor tributação sobre esse insumo.

Qual o impacto distributivo dessa tributação?

A definição da estrutura ótima de tributação enfrenta um dilema entre eficiência e distribuição de renda. Se não houvesse qualquer preocupação do governo com o impacto distributivo dos impostos, bastaria simplesmente criar um imposto lump-sum[6] (não gerador de distorções) que cobrasse um valor fixo por pessoa. Mas obviamente isso seria bastante injusto, visto que as pessoas têm habilidades e capacidades de geração de renda distintas.

Por isso, toda distorção gerada por impostos que uma sociedade aceita suportar decorre de seu intuito de ter tributos que sejam justos do ponto de vista distributivo. Ocorre que tributos sobre consumo[7] são reconhecidamente concentradores de renda, porque as famílias pobres gastam uma parcela maior de sua renda com consumo. Quando se trata de bem essencial, como a energia elétrica, esse efeito é ainda mais evidente.

Temos, então, um contra-senso. Vivemos em uma sociedade que exibe pronunciada preferência pela redistribuição da renda: elege governos com plataforma redistributiva e confere alto valor a programas públicos de redução da pobreza. Porém, o que se dá com uma mão (via gasto público), tira-se com outra, via tributação concentradora de renda.

Conclusão

Não obstante o fato de a tributação do consumo de energia elétrica ser, a princípio, gerador de baixa perda de eficiência da economia, pela inelasticidade-preço de oferta e demanda; as altas alíquotas praticadas e a sua incidência de forma diferenciada sobre empresas situadas em diferentes partes do país possivelmente geram perdas de eficiência e efeito concentrador de renda. Assim, a fúria arrecadadora dos governos federal e estaduais, decorrente do aumento dos gastos públicos (boa parte deles destinados a custear programas de redução de pobreza e redistribuição de renda) acaba tornando toda a economia mais pobre (em menor nível de bem-estar), com menor capacidade de crescimento e geração de renda; além de anular parte da redistribuição de renda feita por meio de programas sociais.

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Para ler mais sobre o tema:

Instituto Acende Brasil (2010) Tributos e encargos na conta de luz: pela transparência e eficiência. White Paper – Instituto Acende Brasil, edição nº 2.

Lago, J.N. (2006) Tributos e encargos na tarifa de energia elétrica: uma análise sob o ponto de vista do consumidor e da política de tarifa social. Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado em Ciências Econômicas.

Montalvão, E (2009) Impacto de tributos, encargos e subsídios setoriais sobre as contas de luz dos consumidores. Núcleo de Estudos e Pesquisa do Senado Federal. Texto para Discussão nº 62.

Monteiro, E.M. (2007) Teoria de grupos de pressão e uso político do setor elétrico brasileiro. Universidade de São Paulo. Programa Interunidades de Pós-Graduação em Energia. São Paulo.

Stiglitz, J. (2000) Economics of the public sector. Terceira Edição. Ed. Norton. Caps. 17 a 20.

Biderman, C. e Arvate, P. (2004) (Orgs.) Economia do Setor Público no Brasil. Ed. Elsevier. Caps. 9 a 11.


[1] Fonte: Instituto Acende Brasil (2010).

[2] Imposto relativo à circulação de mercadorias e sobre prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação.

[3] Programa de Integração Social (PIS) e Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PASEP).

[4] Contribuição para o financiamento da Seguridade Social.

[5] Ver, por exemplo, Stiglitz (2000), capítulo 19, e Arvate e Biderman (2004), capítulo 10.

[6] Impostos lump-sum são impostos baseados em características do indivíduo que não podem ser alteradas. O caso mais clássico são os impostos por pessoa. Mas, em tese, impostos lump-sum poderiam ser instituídos com base na altura, no gênero ou idade.

[7] Observe-se que aqui estamos falando em tributação uniforme, sobre todos os bens de consumo. É claro que tributar bens supérfluos e de luxo pode ter um efeito positivo sobre a distribuição de renda.

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Por que é tão elevada a carga tributária sobre os serviços de saneamento básico? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=988&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-e-tao-elevada-a-carga-tributaria-sobre-os-servicos-de-saneamento-basico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=988#comments Mon, 23 Jan 2012 10:49:24 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=988 Texto publicado neste site (Quais os efeitos de uma tributação mal planejada?) analisa o impacto negativo sobre o bem-estar da sociedade causado por tributos excessivos ou mal desenhados, em desconformidade com as prescrições da teoria econômica. Um exemplo de distorção tributária foi apresentado em outro texto, que discute a baixa tributação imposta à produção de petróleo (Por que o governo tributa cada vez menos a produção de petróleo enquanto tributa cada vez mais os demais setores da economia?). Mostra-se ali que é baixa e decrescente a tributação sobre um setor que deveria pagar mais impostos, por ser gerador de altos lucros (baixo custo de produção e alto preço de venda final) e ser baseado em uma riqueza natural de propriedade do Estado. No presente texto mostraremos uma situação inversa: a tributação excessiva do setor de saneamento que, de acordo com a teoria econômica, deveria receber dinheiro do governo (ser subsidiado) em vez de pagar impostos.

Em primeiro lugar, vamos analisar porque o saneamento deve ser subsidiado. Trata-se de uma atividade que gera externalidades para a sociedade (sobre o conceito de externalidade, ver neste site Por que o governo deve interferir na economia?). Ou seja, os benefícios gerados pelo saneamento vão além daqueles auferidos pela família servida pelo esgoto ou pela água tratada. Estudo da Fundação Getúlio Vargas estima as seguintes externalidades positivas que decorreriam da universalização do saneamento básico no Brasil:[1]

  • redução de 25% no número de internações e de 65% na mortalidade decorrentes de infecções gastrintestinais;
  • diferença de 30% no aproveitamento escolar entre crianças que têm e não têm acesso a saneamento básico;
  • economia de R$ 42 milhões ao ano apenas com as internações que seriam evitadas, não se computando nesse valor as economias decorrentes da redução de aquisição de medicamentos e das despesas para ir e retornar à consulta médica;
  • economia das empresas de R$ 309 milhões por ano em horas de trabalho pagas mas não trabalhadas, em função da redução, em 19%, da probabilidade de um trabalhador se afastar do trabalho em decorrência de infecções gastrintestinais;
  • aumento da produtividade do trabalhador que passa a ter acesso a residência com coleta de esgoto, em média, de 13,3%, gerando aumento real da massa de salários da economia de 3,8% (equivalente a R$ 41,5 bilhões);
  • redução das desigualdades regionais, visto que a carência de saneamento e suas consequências negativas são mais intensas nas regiões Norte e Nordeste. Os índices de internações per capita por infecções gastrintestinais nas Regiões Norte e Nordeste são 6,3 e 5,2 vezes maiores que na Região Sudeste, respectivamente;
  • criação de 120 mil novos postos de trabalho no setor turismo, gerando um aumento de R$ 1,9 bilhão no PIB do setor e uma massa de salários da ordem de R$ 935 milhões, sendo mais da metade desses empregos na Região Nordeste;
  • valorização média de 18% dos imóveis que passarem a contar com acesso à rede de saneamento;
  • aumento da arrecadação de IPTU e ITBI, decorrente da valorização imobiliária, da ordem de R$ 465 milhões por ano.

Uma atividade geradora de tantas externalidades positivas deve ser incentivada pelo governo, por meio de baixa tributação e transferência de subsídios.

No Brasil, a importância de subsidiar o saneamento é ainda maior devido à baixa cobertura desse serviço. De acordo com Oliveira, Scazufca e Marcato[2]: “somente 44% da população brasileira têm acesso à rede de esgotamento sanitário e 78,6% têm acesso à  água tratada. Do total do esgoto gerado, apenas 29,4% é tratado”. Para suprir esse déficit de atendimento, as empresas do setor precisam estar capitalizadas para investir na expansão de suas redes.

Porém, quando analisamos a tributação imposta ao setor, percebemos que ela é alta e crescente, desestimulando a expansão do saneamento. O Gráfico 1 compara os tributos pagos pelos prestadores de serviços de saneamento e os recursos não onerosos por eles recebidos de fontes governamentais para realizar investimentos. Tais recursos equivaleriam aos subsídios recebidos pelo setor. O que se observa é que, até 2002, o montante de tributos pagos era aproximadamente igual ao montante de subsídios recebidos. A partir de 2003 a arrecadação de impostos federais no setor de saneamento cresceu com força, acumulando alta de 188% de 2002 a 2008, já descontada a inflação. Em valores, foram recolhidos R$ 3,3 bilhões em 2008 e R$ 1,2 bilhão em 2002. Já os subsídios ao setor (apesar dos esforços do PAC para acelerar os investimentos em saneamento) não cresceram na mesma proporção e, em 2008, a diferença entre tributos e subsídios superou os R$ 2 bilhões.

Gráfico 1 – Tributos pagos e recursos não onerosos para investimentos recebidos pelas prestadoras de serviço de saneamento (R$ milhões)

A principal causa desse aumento de carga tributária (líquida dos subsídios) suportada pelo setor de saneamento foi a mudança do regime de incidência da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS e da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/PASEP[3], efetivadas em 2002 e em 2003.

O objetivo desta mudança foi a transição da tributação de um regime cumulativo para um regime não cumulativo de tributação. Vale dizer: a nova legislação passou a permitir que os tributos embutidos nos preços dos insumos adquiridos por uma pessoa jurídica pudessem ser descontados do tributo a pagar. Assim, por exemplo, uma montadora de automóveis pode descontar da COFINS e PIS/PASEP devidos o montante desses tributos que foi pago pelos seus fornecedores de autopeças, de energia elétrica ou de máquinas e equipamentos.

Tal modificação, se adotada isoladamente, deveria reduzir o montante arrecadado de COFINS e PIS/PASEP. Porém, para evitar a queda de arrecadação, o Governo Federal introduziu uma segunda modificação: a elevação das alíquotas dos tributos. A alíquota básica da COFINS passou de 3% para 7,6%, e a do PIS/PASEP, de 0,65% para 1,65%[4].

O efeito final dessas modificações sobre cada setor da economia depende de dois fatores:

a)      a quantidade de créditos que cada empresa dispõe para descontar do imposto a pagar;

b)      os detalhes da legislação, que definem quais créditos podem, efetivamente, ser descontados.

Com relação ao item (a), o novo regime beneficia setores como o de fabricação de automóveis, que representa o final de uma longa cadeia de fornecedores, em que os créditos tributários acumulados ao longo da cadeia de suprimentos podem ser suficientes para compensar a elevação de alíquotas dos impostos. Já nos setores que não acumulam créditos a serem descontados, o efeito do aumento da alíquota tende a prevalecer, elevando-se o montante dos impostos a pagar.

Com relação ao item (b), é preciso considerar que as regras para desconto de créditos são bastante complexas e detalhadas, excluindo vários tipos de despesas do rol de geradores de crédito a descontar. Assim, levam vantagem as empresas cuja estrutura de custos tem alto percentual de despesas aceitas para dedução de impostos.

O setor de saneamento parece ter sido prejudicado pelos dois fatores. Em primeiro lugar, porque sua cadeia de produção é curta, não acumulando créditos a descontar. Em segundo lugar, porque seus custos operacionais são majoritariamente concentrados em despesa de pessoal; despesa essa que não gera crédito para desconto no pagamento de PIS/COFINS.

O principal insumo do saneamento, a água, não é comprada de fornecedores, e sim adquirida mediante outorga[5]. Não há, portanto, créditos tributários acumulados na aquisição do principal insumo. O custo de aquisição de produtos químicos e da energia elétrica usados no tratamento da água é passível de desconto da base de tributação, mas representam apenas 21% do custo de produção (4% para produtos químicos e 17% para energia elétrica).

O setor tem altos custos de investimento em rede de distribuição de água,  coleta e tratamento de esgoto, e a legislação impõe restrições aos créditos de depreciação e amortização do ativo imobilizado.

O aumento de tributação, decorrente da elevação de PIS/PASEP e COFINS evidenciado nos Gráficos 1 e 2 foi capaz de afetar fortemente a capacidade de investimentos das prestadoras de serviço de saneamento. O Gráfico 2 mostra que em 2001, antes da mudança tributária, as despesas fiscais ou tributárias que compõem a despesa de exploração equivaliam a 24% do que se gastava com investimentos. Em 2008 esse percentual já havia chegado a 39%, tendo atingido um pico de 47% em 2007.

Se forem considerados os demais tributos, não incluídos no cálculo de despesa de exploração (tais como Imposto de Renda e CSLL) a relação entre despesa tributária e investimentos chegaria, em 2008, a 59%[6].

Para uma atividade tão dependente de investimento em instalações de armazenamento, distribuição e tratamento, a descapitalização provocada pelo aumento da carga tributária é um fator extremamente limitante da capacidade de crescimento.

Gráfico 2 – Relação entre as despesas fiscais ou tributárias incluídas na despesa de exploração e os investimentos totais das prestadoras de serviço de saneamento

O resultado dessa distorção tributária é que o País levará mais tempo para universalizar os serviços de saneamento, precisando lidar com as consequências negativas dessa carência. Para universalizar o consumo de água e esgoto, serão necessários pesados investimentos. A estimativa do governo aponta a necessidade de investimentos de R$ 15 bilhões por ano. Em 2008, último ano para o qual há informações disponíveis, o investimento total das empresas de saneamento foi de apenas R$ 5,6 bilhões. Ou seja, pouco mais de 1/3 do montante necessário.

Para ler mais sobre o tema:

FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (2010) Benefícios econômicos da expansão do saneamento brasileiro. Instituto Trata Brasil, junho de 2010.

LCA Consultores. “Proposta de Agenda 2011-2014 para o Setor de Água e Esgoto no Brasil”. Mimeo. 2011. Texto acessível no endereço: http://www.abdib.org.br/arquivos_comite//prop_agenda_saneam.pdf

Turolla, F.A. e Ohira, T.H. A economia do saneamento básico. III Ciclo de Debates do Grupo de Estudos de Economia Industrial, Tecnologia e Trabalho. PUC- USP. Mimeo.

Oliveira, G., Scazufca, P. e Marcato, F.S. (2011) Cenários e condições para a universalização do saneamento no Brasil. Informações FIPE. Fundação Instituto de Pesquisa Econômica, nº 364, janeiro de 2011.

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[1] FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS (2010) Benefícios econômicos da expansão do saneamento brasileiro. Instituto Trata Brasil, junho de 2010.

[2] Oliveira, G., Scazufca, P. e Marcato, F.S. (2011) Cenários e condições para a universalização do saneamento no Brasil. Informações FIPE. Fundação Instituto de Pesquisa Econômica, nº 364, janeiro de 2011.

[3] Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/2003.

[4]Lei nº 10.637/2002 art. 2º e Lei nº 10.833/2003 art. 2º

[5]Lei 9.433/1997

[6] Fonte: SNIS.

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Quais os efeitos de uma tributação mal planejada? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=979&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quais-os-efeitos-de-uma-tributacao-mal-planejada https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=979#comments Sun, 08 Jan 2012 19:46:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=979 A Análise Econômica do Direito Tributário promove uma união entre o direito tributário e a economia, com o intuito de melhorar a eficiência alocativa, a justiça fiscal e a distribuição de renda. A economia pode oferecer subsídios ao direito tributário para evitar que a tributação gere desestímulo às atividades econômicas ou que piore a distribuição de recursos na sociedade.

Existem duas perspectivas para a Análise Econômica do Direito Tributário:

  • positiva;
  • normativa.

Na análise positiva, estuda-se o sistema tributário como ele é. Utilizam-se conceitos e métodos da ciência econômica para entender o direito positivado e as instituições jurídicas vigentes para então ver os efeitos que produzem à sociedade. Por exemplo, analisa-se o impacto das normas e das decisões judiciais, verificando-se se o efeito pretendido foi atingido e se o foi com o menor custo possível para a sociedade.

A perspectiva normativa busca oferecer soluções alternativas para o sistema tributário. Nesta abordagem, instrumentos econômicos e de outras áreas de conhecimentos são utilizados para elaborar e propor novos conceitos jurídicos ou reformar os vigentes. A Análise Econômica do Direito entende que os indivíduos são racionais ao reagir a incentivos, ao buscar maximizar suas próprias utilidades e ao efetuar escolhas consistentes baseadas em recursos limitados em vista de alternativas conflitantes. Assim, a Análise Econômica Normativa do Direito Tributário incorpora à normatização tributária conceitos como eficiência produtiva, eficácia alocativa, justiça distributiva e ordenamento institucional.

Quando se discute a elaboração de normas tributárias, no contexto do processo legislativo, vários cuidados deveriam ser tomados. Antes de a lei entrar em vigência, deveriam ser respondidas questões como: De que forma os contribuintes e demais agentes econômicos afetados reagirão à medida? Qual o efeito da medida proposta sobre a distribuição de renda e a alocação de recursos? A norma promoverá sonegação? O gasto com a fiscalização será excessivo? Está sendo criada margem para demandas judiciais? (para saber mais sobre o efeito da legislação no desenvolvimento, leia, neste site, Como as Leis e o Poder Judiciário afetam a Economia?)

Sob o ponto de vista jurídico, o primeiro item a ser observado são as limitações ao poder de tributar previstos na Constituição. De certa forma, a Constituição resume os desejos da população, aos quais as leis têm de se conformar. É o caso dos fundamentos do Estado (soberania, cidadania, dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa), dos direitos e garantias individuais e, especialmente, dos princípios da ordem econômica previstos no art. 170 da Constituição. Ao mesmo tempo em que a Constituição prevê que nosso sistema econômico seja baseado na propriedade privada e na livre concorrência, também prevê que as leis devem atender à soberania nacional, à função social da propriedade; à defesa do consumidor e do meio ambiente; além de buscar a redução das desigualdades regionais e sociais, o pleno emprego e o tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte.

Ou seja, a Constituição, como forma de expressão dos anseios da sociedade, prevê que a ordem econômica não se restrinja ao livre mercado. Os princípios expressos no art. 170 são particularmente importantes porque preveem a atuação do Estado em circunstâncias nas quais as forças de mercado não conseguem gerar alocações que otimizam o bem estar social.  Sabemos que existem situações em que o mercado não se ajusta sozinho, são as chamadas “falhas de mercado”, como a necessidade de o Estado prover bens de natureza pública, resolver externalidades, minimizar assimetrias de informação ou atuar contra abusos de poder de mercado, quando ocorrem restrições à competição.  Quando o mercado falha, a intervenção do governo pode ser importante para colocar a sociedade em um nível mais elevado de bem-estar. (a esse respeito veja, neste site, o texto Porque o governo deve interferir na economia? )

A tributação, em especial, tem um papel crucial na resolução de várias dessas falhas. Uma questão importante no Brasil, que se apresenta de forma bem grave, é a péssima distribuição de renda no país. Esse problema pode ser amenizado por um sistema tributário progressivo, em que os ricos pagam mais impostos; ou na tributação mais intensa sobre propriedades urbanas e rurais subutilizadas.

A tributação pode, assim, ser uma forma de o governo atuar para resolver as falhas de mercado.

É claro que a tributação também tem por finalidade levantar recursos para financiar as atividades do Estado. O que se questiona é que, frequentemente, essa arrecadação é fruto de leis que foram construídas sem uma avaliação minuciosa de seus efeitos, o que gera diversas falhas de governo. Ou seja, a atuação do governo, ao tentar resolver as falhas de mercado, pode gerar distorções maiores que aquelas a que ele propõe resolver. São as chamadas falhas de governo. (para saber mais, consulte, neste site, o texto Por que a intervenção do governo pode gerar prejuízos à sociedade?).

Vimos que um dos fundamentos do Estado é a livre iniciativa, ou seja, deve ser assegurada a liberdade de acesso ao mercado. Mas, depois do acesso, não há que se lutar pela permanência do empreendimento no mercado? A complexa legislação tributária brasileira, as falhas na fiscalização e alta carga tributária provocam diversas distorções que prejudicam a alocação ótima na sociedade e, em algumas vezes, aniquilam o empresário que procura cumprir todas as obrigações tributárias. Essa situação faz com que a tributação seja não neutra, pois prejudica mais fortemente algumas firmas (as que tentam cumprir a lei) do que outras, dentro de um mesmo setor, alterando – indevidamente – as condições de concorrência.

Outra importante consequência negativa da tributação brasileira é a guerra fiscal. Existem três possibilidades para a tributação do ICMS: na origem, no destino e um regime misto. Atualmente, vigora no Brasil o regime misto, em que estados produtores e estados compradores dividem o valor do imposto. A existência de uma alíquota interestadual gera incentivos para a guerra fiscal, uma vez que o estado que concede o benefício abre mão de sua arrecadação. Mas é uma arrecadação que, na ausência da guerra fiscal, não ocorreria de qualquer jeito, se a empresa não viesse a se instalar em seu território. Um dos grandes perdedores é o estado que sediava a empresa e que terá as atividades dela interrompidas em sua área, face à mudança para outra unidade da federação. Outro grande perdedor são os concorrentes que já estão produzindo em outros estados e cujos custos fixos associados à instalação da planta ainda não foram totalmente depreciados.

O estado que concede o incentivo ganha também de forma indireta porque atrai os fornecedores da empresa subsidiada, contribuindo para a criação de empregos e a dinamização da economia local. Imagine agora se todos os estados começam a dar incentivos fiscais para atrair empresas. A guerra fiscal gerará uma queda generalizada da arrecadação, com agravamento dos déficits públicos. Qual a solução para o dilema?

Se o ICMS fosse integralmente ou preponderantemente de destino, a guerra fiscal seria muito enfraquecida, e não feriria (ou feriria muito pouco) as finanças dos estados. Ocorre que essa situação não agrada os estados que concentram a produção e aí a reforma tributária não caminha. (para saber mais sobre o tema, leia O que é guerra fiscal? neste site).

O processo legislativo é importante para explicar a qualidade de nossas leis. Um problema nesse sentido é a constante mudança da legislação tributária feita por Medidas Provisórias (MPs), em que praticamente não há discussão, uma vez que seus prazos de tramitação são bem exíguos. O resultado é que decisões que criam novas obrigações ou que concedem benefícios fiscais são tomadas sem a realização de debates, audiências públicas ou apresentação de contraditório.

Um exemplo dessa prática foi a Medida Provisória nº 512, de 2010, que foi convertida na Lei nº 12.407, de 2011. O principal item dessa lei é a concessão de incentivos fiscais com base na concessão de crédito presumido do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI), como ressarcimento da contribuição para o PIS/Pasep e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (Cofins), no montante do valor das contribuições devidas, em cada mês, decorrente das vendas no mercado interno para empresas automobilísticas localizadas nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

Além de haver evidências de que essa lei tem a função de privilegiar empresas específicas, conforme relatam Miranda e Santos (2011), os incentivos são oferecidos com perda da arrecadação do IPI. Ocorre que apenas 52% da arrecadação do IPI são da União, pois o restante é destinado ao Fundo de Participação dos Estados – FPE (21,5%), ao Fundo de Participação dos Municípios – FPM (22,5% + 1%) e aos Fundos Constitucionais de Financiamento (3%), conforme o art. 159 da Constituição Federal.

Assim, além do custo da isenção fiscal que se espraia por toda a economia nacional, seria importante considerar o impacto da isenção do IPI nas Regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, principalmente para seus vinte Estados, 2.704 Municípios e três Fundos Constitucionais de Financiamento. Será que a isenção conferida a poucas empresas automobilísticas (estimada em R$4,5 bilhões) compensa a perda de todos os outros entes da federação? No mínimo, essa questão precisaria de muito mais estudos técnicos para avalizá-la, se não, para conferir mais transparência ao processo.

Na mesma linha de falhas causadas pela legislação tributária, Fortes e Bassoli (2010) trazem exemplo interessante. Em decorrência da grande sonegação no setor de bebidas, a Receita Federal expediu ato determinando que houvesse a instalação de medidores de vazão nas fábricas de cerveja. Assim, a tributação, que incide sobre o volume comercializado, passa a ser cobrada não pelo valor da venda no varejo, mas pela produção medida pela quantidade de litros de cerveja produzida (substituiu-se uma alíquota ad valorem por uma alíquota específica). O tributo de toda a cadeia produtiva passou a ser recolhido logo na fonte distribuidora.

A ideia parece fantástica, no entanto, gerou sérios problemas sob o ponto de vista da neutralidade fiscal. Como a alíquota é sobre o litro produzido, os produtos de melhor qualidade – supostamente de maior custo e mais caros – passaram a pagar relativamente menos tributos que as distribuidoras de produtos mais baratos, em geral, pequenos produtores. Isso favorece a concentração do mercado nas mãos das grandes produtoras. Em suma, a norma, ao baratear artificialmente a bebida mais cara, atrapalhou a concorrência igualitária.

De forma geral, a Análise Econômica do Direito Tributário sugere aos legisladores tributaristas evitar distorções em mercados específicos e atuar de forma redistributiva. Para tanto, recomenda-se: aplicar a tributação em base tributável grande (em vez de taxar alface, é melhor tributar verduras em geral, por exemplo); desenhar regras simples e objetivas (transparência, clareza visando menores custos de transação); fazer a incidência do tributo sobre bens ou atividades de demanda inelástica, ou seja, aqueles cuja demanda reage pouco a variações nos preços, o que reduz a ineficiência associada à tributação (por exemplo, combustíveis e energia elétrica); ser justo (não violar equidade); buscar quando possível ser progressivo (atribuição redistributiva); e ter baixo custo administrativo.

Algumas vezes tais princípios são conflitantes. Por exemplo, a demanda por bens de primeira necessidade, como produtos da cesta básica, é pouco elástica, o que, por questões de eficiência econômica, recomendaria tributação elevada. Entretanto, considerações de equidade recomendam que tais bens sejam pouco tributados. Cabe ao governante avaliar essas situações e definir quando questões de eficiência devem se sobrepor às de equidade, e vice versa.

Procuramos nesse texto mostrar a utilidade e as aplicações da análise econômica do direito tributário, frisando possíveis falhas que podem advir em consequência da ausência de uma avaliação de impacto da norma tributária. A legislação que cria ou majora tributos ou que concede benefícios fiscais deve ser cuidadosamente desenhada para que se aumente a eficiência da atividade econômica e se promova mais equidade. A tributação pode ser uma ferramenta interessante para solucionar falhas de mercado, mas também pode consistir em uma atuação governamental que prejudica o desenvolvimento econômico.

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Referências Bibliográficas.

Miranda, R. N.; Santos, C. B. “POLÍTICA DE INCENTIVOS FISCAIS PARA O DESENVOLVIMENTO REGIONAL: UMA CRÍTICA À MP 512”. Texto para Discussão nº 87, Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado. Brasília: Senado Federal, 2010. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm.

Fortes, F. C.; Bassoli, M. K. “Análise Econômica do Direito Tributário: Livre Iniciativa, Livre Concorrência e Neutralidade Fiscal”. Scientia Iuris, v. 14, nov/2010. Londrina: UEL, 2010.

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O que é guerra fiscal? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=665&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-e-guerra-fiscal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=665#comments Thu, 28 Jul 2011 15:50:37 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=665 Alguém já disse que toda unanimidade é burra. Não sei se essa regra se aplica ao consenso brasileiro a favor da reforma tributária. Digo isso porque considero a reforma tributária uma falsa unanimidade. Todos a desejam, é verdade – empresários, trabalhadores, consumidores, estados, municípios e – pasmem! – até a União, que tem sido a grande beneficiária do nosso caos fiscal. Mas cada um a quer por razões diferentes e com objetivos diferentes. Portanto, cada grupo almeja uma reforma tributária diferente, incompatível com a reforma tributária pretendida pelos demais, e unanimidade é o que menos há nesse tema.

Para começar, empresários, trabalhadores e consumidores querem uma reforma tributária para pagar menos tributos; já municípios, estados e a União a querem para combater a sonegação e a guerra fiscal – isto é, para elevar a arrecadação. Fato interessante: a União quer uma reforma para elevar a arrecadação dos Estados, já que a sua tem sido fonte inesgotável de alegrias. Tanto que o Governo Federal acha até melhor não mexer em seus tributos – nem para criar novos (como o imposto sobre grandes fortunas – IGF), nem para ressuscitar os falecidos (como a contribuição sobre movimentação financeira – CPMF).

Uma reforma tributária pode mirar muitos objetivos: justiça fiscal, eficiência econômica, simplificação tributária, repartição de recursos entre os entes da Federação, desoneração de exportações, etc. Mas no Brasil – em que pesem certas tentativas abafadas de tempos em tempos – a reforma tributária virou um samba de uma nota só: seu único objetivo tem sido evitar a chamada “guerra fiscal” entre os estados.

Infrutífero objetivo, aliás; malsucedida reforma que nunca aconteceu.

A abertura da economia, no início da década de 1990, e a estabilização de 1994 criaram um novo ambiente de negócios no país e começaram a atrair capitais, estimular a instalação de novas empresas e a ampliação das existentes. Percebendo a oportunidade, os estados da Federação (inclusive o Distrito Federal) passaram a disputar os novos investimentos. Instituíram benefícios fiscais variados, muitos dos quais com base no ICMS, para atrair as empresas ­– especialmente as industriais, mas também comerciais (atacadistas, por exemplo) e de alguns serviços.

Após a estabilização monetária, o equilíbrio fiscal e a sustentabilidade da dívida pública passaram à frente na agenda política. Por isso, as propostas de reforma tributária convergiram, pouco a pouco, na direção do combate à guerra fiscal, que ameaçava os orçamentos estaduais e poderia tornar-se um calcanhar de aquiles da estabilização. Pelo menos era o que argumentavam os defensores da reforma: era preciso manter a arrecadação dos estados, para garantir que as dívidas estaduais não crescessem.

Desde então, testemunhamos algumas variações sobre o mesmo tema. Os demais objetivos da reforma ficaram, quando muito, para segundo plano. Mesmo o capítulo mais recente dessa novela – a redução das alíquotas interestaduais do imposto (que explicarei em seguida) – não rompe essa tradição.

Para perceber a dimensão do problema, é importante notar que o ICMS é a principal fonte de receita própria para a ampla maioria dos estados, em especial para os mais industrializados e para aqueles que têm maior potencial de industrialização – que são os protagonistas da guerra fiscal.

A reforma tributária não acabaria com a guerra fiscal, mas enfraqueceria substancialmente o seu principal instrumento, que é o incentivo concedido com base no ICMS. Para entender melhor a questão e as soluções propostas, é importante entender, antes, como funciona o ICMS. Como o ICMS é um imposto bastante complexo, vou simplificar a exposição, atendo-me ao que interessa e ignorando algumas tecnicidades do tema.

O ICMS incide sobre a circulação de mercadorias entre diferentes estabelecimentos e na venda a consumidor final, e também sobre a prestação de alguns serviços de comunicação e transportes. É um imposto estadual, mas também incide sobre a circulação de mercadorias e serviços entre pessoas em estados diferentes da Federação. Até 1996, incidia também sobre algumas operações de exportação.

Para avaliar o poder que os estados detêm na guerra fiscal, é preciso saber que o ICMS poderia obedecer a um de três regimes: o regime de origem, o regime de destino e o regime misto.

No regime de origem, uma transação realizada entre um comprador de um estado e um vendedor de outro geraria receita apenas para o estado onde se encontra o vendedor (ou seja, a operação seria tributada apenas pelo estado de origem da mercadoria ou serviço).

No regime de destino, em contraste, essa transação geraria receita apenas para o estado do comprador (ou estado de destino da mercadoria ou serviço).

No regime misto, os estados partilhariam a receita do imposto segundo alguma regra pré-definida.

No Brasil, adotamos o regime misto. Para definir a partilha entre os estados, criamos duas categorias de alíquotas de ICMS: as alíquotas internas e as alíquotas interestaduais. Digo que são duas categorias de alíquotas porque há duas alíquotas interestaduais e inúmeras alíquotas internas. As alíquotas interestaduais são definidas por resolução do Senado Federal, e as internas, pela legislação tributária de cada estado.

A alíquota interna incide sobre todas as operações ocorridas dentro do estado. Em geral, é de 17%, embora haja casos em que passe de 20%.

A alíquota interestadual somente incide sobre as transações ocorridas entre contribuintes de estados diferentes. Nesse caso, o estado de origem recebe o equivalente à incidência da alíquota interestadual sobre o valor da transação, e o estado de destino receberá o equivalente à incidência da diferença entre a alíquota interna prevista na sua legislação de ICMS e a alíquota interestadual. Assim, o imposto é partilhado pelos dois entes, sem que o contribuinte pague mais por isso.

Um exemplo ajudará a visualizar melhor. Suponhamos que uma empresa industrial de Minas Gerais venda uma mercadoria para uma empresa localizada no Paraná, no valor total de R$ 10 mil. Nesse caso, é necessário saber qual é a alíquota interna do Paraná. Digamos que seja de 17%. Então o imposto total devido na operação é de 17% sobre R$ 10 mil, ou R$ 1.700,00.

Como a alíquota interestadual, nesse caso, é de 12%, caberá à Fazenda de Minas Gerais a quantia de 12% sobre R$ 10 mil, ou R$ 1.200,00. O Tesouro do Paraná arrecadará o restante, ou R$ 500,00, equivalente à aplicação da diferença de alíquotas (17% – 12% = 5%) sobre a base de cálculo de R$ 10 mil. Note que, somando as duas parcelas, obtemos os mesmos R$ 1.700,00 que seriam arrecadados pelo Estado do Paraná, se a mercadoria adquirida pela empresa paranaense tivesse sido fabricada naquele estado, em vez de sê-lo em Minas, e não ocorresse partilha do imposto.

No caso das alíquotas interestaduais, há apenas duas. A alíquota geral, de 12%, incide sobre quase todas as operações interestaduais. A alíquota reduzida, de 7%, incide apenas nas operações em que o estado de origem esteja nas Regiões Sul e Sudeste, exceto o estado do Espírito Santo, e o estado de destino esteja nas Regiões Norte, Nordeste ou Centro-Oeste ou no estado do Espírito Santo.

Então, se a empresa de Minas Gerais do exemplo acima vender mercadorias no valor de R$ 10 mil para uma empresa situada na Paraíba, e supondo que a alíquota interna da Paraíba também seja de 17%, o total do imposto pago sobre essa operação será o mesmo, mas a repartição entre os estados será diferente. Minas Gerais ficará com o valor relativo à alíquota interestadual reduzida de 7%, ou R$ 700, enquanto a Paraíba ficará com os 10% restantes, ou R$ 1.000,00.

Essa é uma forma de assegurar aos estados do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste uma participação maior nas receitas de ICMS. Mas também lhes confere uma vantagem importante sobre os demais estados na guerra fiscal, pois quem tem mais, também pode conceder mais incentivos fiscais.

A alíquota interestadual desempenha papel estratégico na guerra fiscal, embora os incentivos tipicamente sejam vinculados ao valor total do ICMS devido. É a alíquota interestadual que permite ao estado atrair empresas, oferecendo-lhes vantagens que superam o seu sacrifício de receita. É uma mágica interessante, e o segredo reside no fato de que, no sistema brasileiro, os estados têm aliviado a carga do imposto que seria cobrado nas operações de venda a outras unidades da Federação.

Assim, se uma empresa da Paraíba vender uma mercadoria para outra de Minas Gerais, aplica-se a alíquota interestadual de 12%. Mantendo o exemplo de que o produto custa R$ 10 mil, então a Paraíba pode conceder incentivos sobre o tributo devido de R$ 1.200,00 a uma empresa que se instale no seu território para produzir e vender para cidades do Sul e do Sudeste. Já o Estado de Minas, que tem direito a uma alíquota de 7% para vender para Paraíba, só poderá dar incentivos fiscais de R$ 700, em uma transação similar, em que se produza em Minas para vender para a Paraíba e outros estados do Nordeste e do Norte.

O objetivo do estado que concede um benefício para reduzir de fato a alíquota interestadual é atrair uma empresa que ainda não opera em seu território. Logo, ele não arrecada nem um centavo a título de alíquota interestadual com as operações dessa empresa e, a rigor, pouco perderia ao oferecer uma isenção a ela. Quem perderia mais é o estado onde essa empresa está localizada, que deixaria de arrecadar o imposto sobre as vendas dela aos demais estados, caso a empresa se mudasse para o estado que oferece o incentivo.

O estado que concede o incentivo ganha mais: ao atrair a empresa, ele provavelmente atrairia também alguns de seus fornecedores, ou fortaleceria os fornecedores que já estão instalados em seu território, e criaria mais empregos. Isso tende a gerar um aumento de receita tributária que pode contrabalançar a perda do ICMS devido nas operações internas. Logo, a conta fecha positivamente para o estado que oferece o incentivo fiscal.

Para evitar essas disputas possivelmente danosas aos orçamentos estaduais, a Constituição proibiu a concessão unilateral de incentivos com o ICMS, forçando a atuação cooperativa dos estados, na forma de lei complementar. Coerentemente, a Lei Complementar (LC) 24/75 proíbe expressamente a concessão de incentivos com o ICMS sem que haja aprovação unânime dos estados.

Ora, a disputa de sede e localização de empresas entre estados concorrentes tem potencial para gerar conflitos intermináveis e muito pouca concórdia. De fato, as leis estaduais que criam incentivos fiscais com o ICMS têm sido aprovadas nas Assembleias Legislativas e aplicadas ao arrepio da LC 24/75, e passando por cima da autoridade do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que é o fórum para apreciar a aprovar as concessões de incentivos fiscais com o ICMS.

Quero que o leitor perceba que o vigor da guerra fiscal deve-se à existência da alíquota interestadual, que é típica do regime misto. Se o ICMS fosse integralmente ou preponderantemente de destino, a guerra fiscal seria muito enfraquecida, e não feriria (ou feriria muito pouco) as finanças dos estados.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade de diversas leis estaduais que concediam incentivos fiscais com o ICMS, por inobservância da LC 24/75. Essa decisão esclarece as regras para concessões de incentivos fiscais e contribui para que cada estado saiba o que tem a ganhar e a perder em uma eventual reforma tributária. Com mais segurança jurídica, a negociação tende a ficar mais clara. No entanto, há ainda uma ação a ser julgada, que tem o potencial de inverter o quadro atual. A regra de aprovação de incentivos fiscais no Confaz, estabelecida pela LC 24/75, exige unanimidade dos estados presentes. A necessidade desse consenso está sendo questionada, também na Corte Suprema.

No início de 2011, o Poder Executivo Federal anunciou que estuda proposta de reforma tributária baseada na redução das alíquotas interestaduais do ICMS a 2%. Essa proposta, muito mais simples do que a unificação das alíquotas do ICMS, encontrará, decerto, alguns inimigos. Os estados mais industrializados, que derivam forte receita das operações interestaduais, dificilmente terão interesse em aprovar uma iniciativa que os prive dessa fonte de recursos. (Além disso, essa proposta teria outras consequências, relevantes para os estados exportadores.)

Considerando as diversas propostas apresentadas, creio que a mais atraente, sob diversos aspectos, é a criação de um imposto sobre o valor adicionado (IVA), em substituição à legião de tributos incidentes sobre o valor adicionado, a receita ou o faturamento (ICMS, IPI, PIS, Cofins, ISS).

No entanto, muitas das propostas até hoje apresentadas trazem no pacote um aspecto desnecessário e que pode atrapalhar a aprovação da reforma. Falo da unificação das alíquotas internas, que passariam a ser idênticas, para cada produto ou serviço, em todo o território nacional. Embora haja previsão de alguma flexibilidade, essa unificação limitaria substancialmente a possibilidade de praticar alíquotas mais baixas, criando um obstáculo à guerra fiscal.

Por outro lado, essa unificação é arriscada, pois deixaria os estados à mercê de decisões nacionais que não necessariamente atenderiam suas necessidades. Essa heteronomia fiscal seria ainda mais perigosa porque a maior parte dos gastos públicos tem caráter obrigatório, e muitas despesas são inflexíveis. Apesar de abrir espaço para sensíveis reduções de alíquotas (em especial as relativas a energia elétrica, combustíveis e telecomunicações, atualmente muito altas), a criação de uma receita igualmente inflexível poderia desorganizar a administração financeira de alguns estados. Por isso mesmo, geraria pressão política para elevar, mesmo quando dispensável, as alíquotas do ICMS dos demais estados, criando uma tendência ao aumento da carga tributária.

Mas, além do combate à guerra fiscal, para que é necessária uma reforma tributária?

Certamente não para pagar menos tributos. Para isso, bastaria reduzir alíquotas, o que independe de uma reforma tributária. Para simplificar o sistema tributário, entretanto, seria extremamente útil, e talvez seja esse o maior ganho potencial de uma reforma tributária hoje no Brasil, considerando o emaranhado de leis, portarias, regras e exceções e a sobreposição de tributos de natureza semelhante, para desespero do contribuinte. E também para conferir maior neutralidade ao sistema e impedir que induza ineficiências econômicas. A cumulatividade (que por si só vale outro artigo), foi reduzida para as grandes empresas, após a reforma da legislação do PIS e da Cofins, mas se expandiu para as pequenas e microempresas, que não foram abrangidas por essas mudanças e que, ao aderirem ao Simples, ingressaram em um sistema cumulativo por natureza.

Lamentavelmente, a convergência da reforma para uma e apenas uma de suas vertentes empobreceu a discussão e limitou os objetivos a serem alcançados. Como nem o caminho escolhido rendeu frutos, restou um cansaço do tema e uma sensação de impotência, reflexos do malogro sucessivo de inúmeras tentativas.

Já estamos debatendo o tema há mais de 20 anos. Não há necessidade de ideias inovadoras ou mirabolantes. Sabemos onde aperta o sapato tributário e quais soluções simplesmente não vingarão. E mesmo que não o soubéssemos por nós mesmos, bastaria inspecionar a experiência internacional – à qual, país da jabuticaba que somos, temos tanta aversão.

O impasse da reforma tributária é um vergonhoso atraso na agenda política do país. Se não desatarmos o nó das negociações, a reforma, à moda do solilóquio de Hamlet, jamais sairá do to be or not to be. Ou, se sair, será apenas para avançar algumas linhas mais, até o melancólico to die, to sleep, no more.

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Por que é importante controlar o gasto público? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=634&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-e-importante-controlar-o-gasto-publico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=634#comments Tue, 28 Jun 2011 14:17:10 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=634 Sempre que se fala em controlar o gasto público surge na cabeça de muitas pessoas uma reação automática: “trata-se de proposta neoliberal com o objetivo de cortar programas de governo, o que vai prejudicar a população, em especial os mais pobres”.

O senso comum é de que o gasto do governo gera benefícios sem custos. Na verdade, o que ocorre é que cada programa público gera benefícios bastante visíveis para um grupo específico de pessoas (aposentados são beneficiários do pagamento das aposentadorias, usuários do SUS são beneficiários dos gastos em saúde, credores do governo são beneficiários dos gastos com juros, etc.); ao passo que os custos são pagos por todos os contribuintes, de forma difusa.

O resultado é que os beneficiários diretos têm incentivos para lutar pela criação, expansão ou manutenção de gastos em seu favor. Quem não quer receber um serviço que será oferecido a uma parcela da sociedade, mas cujo pagamento será dividido entre toda a população? A mobilização lhes proporcionará ganhos elevados, o que estimula a criação de grupos de pressão em defesa de seus interesses.

Por outro lado, os contribuintes, que pagam a conta, terão menos incentivos a protestar contra o aumento dos gastos e consequente aumento da carga tributária. Primeiro porque o custo de um novo programa público a ser suportado individualmente por cada contribuinte é pequeno. Segundo, porque é difícil coordenar a formação de um grupo de pressão formado por todos os contribuintes do país.

Esse maior incentivo à mobilização dos beneficiários em relação aos que pagam a conta desequilibra a balança em favor da expansão dos gastos do governo. Não se está, aqui, fazendo juízo de valor sobre a importância ou não de cada programa de governo. Apenas se faz o registro de que há, em sociedades democráticas, um viés em favor da expansão dos gastos.

Outro argumento contrário ao controle do gasto público é o de que tal gasto estimula o crescimento da economia. Cortá-lo, portanto, provocaria menor crescimento do PIB, prejudicando toda a sociedade e não apenas os beneficiários diretos das despesas.

O presente texto tem por objetivo chamar atenção para o outro lado da questão: os custos diretos e indiretos da expansão do gasto público prejudicam o crescimento de longo-prazo do país. Ainda que no curto-prazo uma expansão dos gastos do governo estimule o crescimento; no longo prazo um governo que imponha alta carga tributária, e que tenha déficit e dívida elevados, acaba prejudicando importantes propulsores do crescimento econômico, quais sejam: o aumento da produtividade, a inovação, a concorrência, a flexibilidade do mercado de trabalho e a competitividade dos exportadores no mercado externo.

A redução e maior eficiência do gasto público como proporção do PIB são condições necessárias para que o Brasil possa obter mais crescimento econômico, mais renda, menor desigualdade, mais oportunidades de trabalho e uma vida mais longa e recompensadora para sua população.

O estado brasileiro cresceu fortemente nos últimos anos e parece estar excessivamente grande. A despesa do governo federal passou de 19% para 30% do PIB entre 1995 e 2009[1]. E a carga tributária imposta pela União, estados e municípios saltou de 27% do PIB, em 1995, para mais de 33,6% em 2009[2].

Isso significa que quase 34% daquilo que os trabalhadores e empresas produzem ao longo do ano é retirado das rendas privadas e, posteriormente, re-injetado na economia por meio dos gastos do governo. Isso significa que os dirigentes do setor público detêm grandepoder, pois podem decidir quem vai ficar com 34% da renda do país.

A princípio, a ação do governo tende a estimular o crescimento econômico e a igualdade social. Como mostra outro artigo deste site (Por que o governo deve interferir na economia?), o mercado privado está sujeito a várias falhas, que podem ser corrigidas pelo governo. Por exemplo, a construção de uma estrada ligando indústrias a um porto de exportações pode ser importante para o desenvolvimento do país, mas o retorno financeiro da empreitada, em si, pode não ser compensador para que um investidor privado decida construí-la. Nesse caso, a ação do governo, retirando dinheiro compulsoriamente da sociedade e investindo-o na estrada, permitirá que a sociedade atinja um nível mais elevado de renda.

Todavia, quando o governo cresce excessivamente, os custos de suas ações tendem a superar os benefícios, e surgem diversos motivos pelos quais ele passa a prejudicar o desenvolvimento econômico e social.

Para sustentar uma máquina pública grande e em expansão, é preciso impor crescente tributação à sociedade. Como as fontes tradicionais de tributação (renda, patrimônio e consumo) são limitadas, o governo, em busca de mais receitas do que essas bases tributárias podem oferecer, opta por criar também impostos de baixa qualidade, que incidem sobre o faturamento das empresas, a folha de pagamentos, os depósitos bancários; e que acabam por impor custos excessivos à sociedade.

Vale citar o caso da tributação sobre os investimentos em saneamento básico. Como é demonstrado pela literatura[3], a instalação de redes de água e esgoto, bem como o adequado tratamento dos resíduos, gera muitas externalidades positivas: redução de doenças infectocontagiosas, menor custo de assistência hospitalar, maior produtividade dos trabalhadores, valorização imobiliária, ampliação do setor turismo, etc. Por isso, é recomendável que o governo evite tributar tal setor e, além disso, o estimule mediante subsídios. No Brasil, as empresas de saneamento pagam mais de R$ 3 bilhões em impostos por ano, a maior parte incidente sobre seu faturamento. Uma recente tentativa de desonerar a tributação do setor, embutida na Lei nº 11.445, de 2007[4], foi vetada pelo Presidente da República, sob o argumento de que “permitir desoneração adicional de tributos significaria dificuldades para a manutenção das despesas sociais em níveis satisfatórios”. Ou seja, o alto nível de despesas impede que se conceda uma isenção tributária que, por si só, teria grande impacto socioeconômico e ambiental. E a justificativa para negar a desoneração é a necessidade de se fazer gastos em políticas sociais. Cabe perguntar o que seria melhor: garantir condições de melhoria de vida mediante expansão do saneamento ou ampliar o atendimento em hospitais públicos dos aproximadamente 500 mil[5] casos anuais de infecções gastrintestinais, gerados pelo saneamento deficiente?

Além da tributação excessiva, o governo tende a criar e ampliar mecanismos de poupança forçada (PIS/PASEP, FGTS), que obrigam empresas e empregados a depositar em fundos públicos, em troca de baixa remuneração, um dinheiro que poderia ser usado de forma mais produtiva no consumo ou poupança privados, sem que critérios políticos afetassem a alocação desses recursos.

Esse sistema tributário pesado e distorcido onera a criação de novos negócios, dificulta a ampliação das empresas, e prejudica as exportações, que são algumas das molas mestras do crescimento econômico. Um novo equipamento, que poderia duplicar a produção de uma empresa, fica muito mais caro devido ao aumento dos impostos, podendo deixar de ser uma opção lucrativa para a empresa (o impacto da tributação sobre as transações econômicas é tratado neste site no texto Como os impostos afetam o crescimento econômico).

Quando se tributa excessivamente a folha de salários, desestimula-se a contratação de novos empregados. Isso afeta não só o potencial de geração de empregos, mas também as possibilidades de crescimento das empresas.

Não se consegue exportar parte da produção porque as empresas dos países concorrentes têm custos tributários menores e, por isso, oferecem preços menores.

Outra importante fonte de crescimento – o aumento da produtividade – também é afetada pela tributação excessiva. Em um contexto de tributação elevada, pagar ou não todas as obrigações tributárias passa a ser, muitas vezes, uma decisão determinante para a sobrevivência das empresas. Muitas optam por não pagar impostos e, para não aparecer aos olhos do fisco, não podem crescer, mantendo-se pequenas e pouco produtivas, não podendo aproveitar os ganhos decorrentes do aumento da escala de produção e do acesso a técnicas mais eficientes.

Um mestre de obras e seus operários, por exemplo, terão dificuldade para crescer a ponto de se tornarem uma pequena empreiteira, formalmente registrada, com acesso a crédito na rede bancária e junto a fornecedores, com uma sede em endereço publicamente divulgado, onde poderão organizar a administração, receber clientes, etc.

Ao se tornar visível para o fisco, o empreendimento corre o risco de ser inviabilizado pelo peso da carga tributária. Com isso, multiplicam-se no país as feiras e camelôs, onde deveria haver lojas bem organizadas; os quebra-galhos e biscateiros, em lugar das pequenas empresas de serviços; as fabriquetas de fundo de quintal, os quiosques de comida sem higiene. Todos empreendimentos de baixa qualidade e impedidos, pela asfixiante carga fiscal, de crescerem e de se tornarem mais produtivos.

A concorrência, que estimula a eficiência e a produtividade, também é afetada. Devido à alta carga de tributos, são poucas as empresas de porte médio com capital disponível suficiente para crescer e tentar obter uma fatia de mercado atendida por grandes empresas. Estas, por falta de concorrência, não precisam se esforçar (aumentar qualidade e produtividade) para manterem suas fatias de mercado; basta confiar no fato de que somente as grandes empresas têm condições de atender as exigências burocráticas e o esforço financeiro requerido pelo fisco. A alta carga tributária acaba se transformando em barreira à entrada, protegendo as grandes empresas de terem seus mercados ameaçados por novas empresas de porte médio. O resultado é uma economia pouco dinâmica e pouco inovadora.

Uma característica dos governos grandes é que, mesmo com uma tributação elevada, eles dificilmente conseguem equilibrar suas contas. Para cada nova receita arrecadada, a burocracia, os políticos e sua clientela ou as demandas da população (muitas delas legítimas) já criaram uma despesa nova. A tendência, então, é que governos grandes acumulem dívidas igualmente grandes.

Um governo que deve muito representa risco para os emprestadores, que dele cobrarão altas taxas de juros. Pagando juros elevados e absorvendo parcela significativa dos recursos disponíveis na sociedade, o governo reduz o crédito disponível para o setor privado e eleva o custo dos financiamentos. Muitos empreendimentos se tornam inviáveis em função desse custo financeiro. A taxa de investimento do país cai, prejudicando o crescimento.

No governo, os incentivos para agir com eficiência são menores, afinal o burocrata ou governante gastam um dinheiro que não é seu (veja a esse respeito, neste site, o artigo Por que a intervenção do governo pode gerar prejuízos à sociedade?). Quando um percentual elevado da renda do país passa pelas mãos do governo, isso significa que um setor com baixo incentivo para ser produtivo tem prioridade na decisão de alocação dos recursos escassos da sociedade. O resultado é a baixa eficiência e produtividade e, mais uma vez, menos crescimento.

Já que é o governo quem decide a alocação de 34% da renda nacional, torna-se interessante, para cada indivíduo, ter acesso a essa parcela da renda. Isso significa que muitas pessoas vão investir tempo e dinheiro para se especializar em obter recursos públicos. Vão, por exemplo, buscar relacionamentos pessoais que facilitem o acesso a instâncias de decisão no governo. Ou, ainda, buscarão uma militância partidária ou em grupos de interesse que abram as portas para um cargo público comissionado ou para um patrocínio de uma empresa estatal.

Essa é a chamada atividade de “caçador de renda”, que não cria riqueza nova para a sociedade, mas apenas busca capturar recursos já existentes, produzidos por outros. É fácil perceber que será baixo o crescimento e a produtividade de longo prazo em um país onde valha mais fazer bons relacionamentos do que gastar horas estudando para se tornar um profissional produtivo; onde é mais lucrativo explorar brechas da lei para processar o estado do que desenvolver um novo produto.

Já que o governo está entre os maiores compradores de bens e serviços do país, o nível de lucro de muitas empresas depende de decisões tomadas pelo governo. Por outro lado, as decisões de governo tendem a ser fortemente influenciadas pelos objetivos dos governantes que, em geral, buscam, em primeiro lugar, a sobrevivência política e a vitória nas próximas eleições. Nesse contexto, muitas vezes será mais interessante para uma empresa investir no financiamento de campanhas eleitorais, que garantam a eleição de um governante amigo e mantenha o acesso a contratos públicos, a investir na busca de produtos mais eficientes e de menor custo.

Não podemos nos iludir, contudo, com a idéia do estado mínimo. Em uma sociedade tão desigual como a brasileira, é fundamental que sejam tomadas ações que busquem melhorar a distribuição da renda e das oportunidades. Isso, contudo, não é justificativa suficiente para a expansão ilimitada do gasto público. Tome-se o exemplo do setor de saneamento, citado acima, em que a necessidade de se financiar gastos sociais vem impedindo a redução da tributação em um setor fundamental à melhoria das condições de vida da população pobre. É preciso fazer escolhas racionais, ainda que difíceis e sujeitas a perda de popularidade.

Por mais meritório que seja um programa público, seus objetivos podem se perder devido a baixos incentivos para implementá-lo de forma eficiente, ou pela captura de seus benefícios por grupos outros que não o seu público alvo. Daí porque toda criação de um novo programa, projeto, subsídio ou contratação pública deve ser analisada com muito critério.

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Para ler mais sobre o tema:

Hausmann, R. (2009) Diagnóstico do Crescimento Econômico Brasileiro. CLP Papers nº 1. São Paulo. Centro de Liderança Pública.

Mendes, M. (2010) Controle do gasto público: reformas incrementais, crescimento e estabilidade macroeconômica. CLP Papers nº 4. São Paulo. Centro de Liderança Pública.

Schuknecht, L e Tanzi, V (2005) Reforming public expenditure in industrilised countries: are there trade-offs? European Central Bank. Working Paper Series nº 435

Zettelmeyer, J. (2006) Growth and reforms in Latin America: a survey of facts and arguments. IMF working paper nº 06/210. www.imf.org/external/pubs/ft/wp/2006/wp06210.pdf.


[1] Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.

[2] Fonte: Receita Federal do Brasil.

[3] Ver, por exemplo, FGV (2010) Benefícios econômicos da expansão do saneamento brasileiro. Mimeo,  Instituto Trata Brasil. Disponível em: www.tratabrasil.org.br.

[4] Vide art. 54 da Lei nº 11.445/2007.

[5] FGV(2010), op. cit.

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