transporte público – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 19 May 2014 13:43:21 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Quanto custaria o passe livre estudantil em transporte público? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2230&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quanto-custaria-o-passe-livre-estudantil-em-transporte-publico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2230#comments Mon, 19 May 2014 13:43:21 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2230 Um tema central das marcantes manifestações populares de julho de 2013 foi o passe livre em transporte público, em especial o passe livre estudantil. Existem movimentos que reivindicam tal gratuidade espalhados por todo o país, bem como projetos de lei nos legislativos estaduais e federal. Poucos, contudo, se deram ao trabalho de fazer as contas para saber quanto custaria ao país tal gratuidade.

Não é fácil fazer essa conta, pois não há transparência nos dados de custos e tarifas nos transportes públicos. Os dados disponíveis, além de incompletos estão desatualizados. O presente texto tenta fazer uma estimativa aproximada, para que se tenha, pelo menos, ideia da ordem de grandeza dos custos envolvidos. A conclusão que se chega é de que o custo seria elevado, atingindo pelo menos R$ 10 bilhões por ano, mas podendo se aproximar dos R$ 30 bilhões, dependendo de como a demanda por transportes reagiria à gratuidade.

Supõe-se a hipótese de gratuidade no transporte público para todos os estudantes do ensino fundamental, médio e superior, tanto de escolas públicas quanto privadas. De acordo com o que tem sido reivindicado pelos grupos de defesa do passe livre estudantil, os estudantes poderiam usar o transporte público livremente, quantas vezes quiserem, em qualquer dia da semana, inclusive no período de férias escolares.

São usados dois métodos para fazer a estimativa. O primeiro método usa os dados de tarifas e passageiros transportados nas capitais do país em outubro de 2012. O segundo método usa dados de matrículas escolares e da composição etária da população brasileira, respectivamente levantados pelo MEC e pelo IBGE.

Método I

A Tabela 1, construída com dados da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) de 2012, estima uma despesa de R$ 9,7 bilhões anuais com o custeio do Programa Passe Livre Estudantil.

Tabela 1 – Estimativa da Perda de Receita do Sistema Público de Transportes das Capitais com a Concessão de Gratuidade aos Estudantes

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Fontes: NTU e IBGE. Elaborado pelo autor.
Notas: (1) considerando período letivo de nove meses em “H”; (2) considerando utilização ao longo de doze meses em “J”.

 

Essa estimativa é construída da seguinte forma. Em primeiro lugar, toma-se o valor da passagem em cada capital (coluna A). A coluna B informa a participação percentual dos estudantes no número total de passageiros. Multiplicando-se tal percentual pelo total de passageiros que utilizaram o sistema no mês de outubro de 2012 (coluna C), obtém-se o total de estudantes que utilizaram o sistema público de transporte naquele mês (coluna D).

A coluna E mostra qual seria a receita mensal obtida com o transporte de estudantes caso estes pagassem tarifa cheia. Esse seria o custo mensal do passe livre estudantil. Ela corresponde ao produto do valor da tarifa (coluna A) pelo total de estudantes transportados (coluna D).

Esse cálculo, a princípio, superestima o custo do programa, pois a introdução do passe livre, se financiado com recursos orçamentários, acabará com o subsídio cruzado, em que os passageiros pagantes de tarifa cheia arcam com o atual desconto concedido aos estudantes. Assim, as tarifas consideradas na coluna A deveriam ser menores que as atualmente praticadas. Porém, não temos informações suficientes que nos permitam calcular qual seria essa nova tarifa. Ademais, tal superestimação pode ser atenuada pelo fato de que, em muitos casos, as tarifas usadas na coluna A estão defasadas, tendo em vista que, em algumas cidades, reajustes que deveriam ter ocorrido foram postergados.

Supondo-se que o mês de outubro de 2012 (o único para o qual dispomos de dados) seja representativo e que os estudantes utilizam o transporte apenas nos meses de aula (9 meses por ano), chega-se ao total que o sistema de transportes arrecadaria com o transporte de estudantes caso praticasse tarifa cheia para esses passageiros (coluna F), equivalente a aproximadamente R$ 1,4 bilhão. Note-se que a indisponibilidade de dados para a participação dos estudantes no total de passageiros transportados em algumas capitais (coluna D) nos obrigou a usar, nesses casos, a média observada nas outras capitais.

A estimativa acima apresentada tende a ser subestimada porque:

1) restringe-se às capitais de estados, enquanto a gratuidade valerá para todos os municípios do País;

2) não considera que, com a gratuidade, haverá um natural aumento da demanda dos estudantes, que passarão a fazer mais viagens no sistema de transportes. Os passes estudantis atuais restringem o desconto aos trajetos de ida e volta da escola e ao período de aulas. Com o passe livre, estudantes poderão circular sem limite de viagens e durante todo o ano, o que amplia a perda potencial de receita e exige do sistema de transportes maior oferta de serviços.

Para superar o primeiro tipo de subestimação, supusemos que o passe livre será utilizado em todos os municípios com mais de 45 mil habitantes. Em municípios menores não costuma haver dificuldades para o estudante caminhar até a escola e muito desses municípios sequer têm sistema organizado regular de transporte público.

Na coluna G da Tabela 1 apresentamos um fator de expansão populacional, para que seja possível levar em conta o uso de transporte público pelos estudantes dos municípios que não são capital de estado e têm mais de 45 mil habitantes. Por exemplo, em Palmas, capital do Tocantins, a população é de 228 mil habitantes. Em todo o Estado do Tocantins, os municípios com mais de 45 mil habitantes (inclusive a capital) têm um total de 505 mil habitantes. O fator de expansão é dado por (505/228 = 2,21)1.

A coluna H multiplica o fator de expansão pelo custo estimado para as capitais (coluna F). Chega-se, então, a um custo de R$ 5,1 bilhões por ano.

Esse valor, porém, não leva em conta o fato de que os alunos passarão a circular mais vezes do que simplesmente a ida e volta para a escola. Se houver um aumento de, por exemplo, 30% na demanda total de viagens, o custo do programa aumentará proporcionalmente, chegando a R$ 9,7 bilhões (3,4 x 1,3), conforme mostrado na coluna I.

Método II

Uma forma alternativa de se buscar uma noção dos valores envolvidos na concessão do passe livre é através da utilização dos dados de matrículas escolares, levantados pelo INEP, e da composição populacional das cidades brasileiras, levantada pelo IBGE.

Tomamos como número total de estudantes com direito ao passe livre o total de matrículas em escolas públicas e privadas do ensino básico situadas em áreas urbanas, mais o total de matrículas no ensino superior no ano de 2011. Foram excluídos os alunos da educação infantil que, pela faixa de idade, já gozam de gratuidade. O total assim obtido é de 45,3 milhões de alunos (fonte: INEP – MEC).

Como estimativa do número de estudantes que efetivamente utilizariam o passe livre, mais uma vez supusemos que apenas aqueles residentes em cidades com mais de 45 mil habitantes utilizariam ônibus para se deslocar à escola. Tomando por base a população de cada município brasileiro, calculamos o percentual da população de cada estado que vive em cidades com mais de 45 mil habitantes. Isso gerou um número de potenciais usuários do passe livre equivalente a 31 milhões de pessoas (fonte: IBGE).

O custo médio da passagem em cada estado do País foi tomado a partir de dados da NTU, já mostrados na Tabela 1. Supusemos que a tarifa nos demais municípios fosse igual à da capital. Com relação ao número médio de dias que cada estudante utilizará o transporte, faremos duas hipóteses. Uma hipótese conservadora de que o transporte seja usado apenas em dias letivos (200 por ano) e uma hipótese alternativa de que os estudantes também usariam o transporte eventualmente no final de semana (250 dias por ano).

Quanto ao número de vezes em que um estudante usaria o transporte por dia, trabalharemos com uma hipótese conservadora de que ele faria apenas as viagens de ida e volta para a escola (2 viagens) e uma hipótese alternativa de que haveria um aumento de 30% nas viagens (2,6 viagens).

Quanto ao percentual de estudantes que efetivamente usaria o passe livre, trabalhamos com 4 hipóteses, que vão de 30% do total dos estudantes em cidades de mais de 45 mil habitantes até 60% desses estudantes.

A Tabela 2 apresenta estimativas para o caso em que os estudantes utilizem o passe livre apenas nos dias letivos.

Tabela 2 – Estimativas de custos para o caso em que os estudantes utilizem o passe livre apenas nos dias letivos (200 dias por ano) (em R$ bilhões)

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Se, por exemplo, os estudantes fizerem apenas duas viagens por dia e somente 30% dos estudantes elegíveis para o uso do passe efetivamente viajarem, o custo anual do passe livre será de R$ 10 bilhões. Por outro lado, se 60% dos estudantes elegíveis viajarem, em média, 2,6 vezes por dia, o custo atingirá R$ 26 bilhões.

As estimativas da Tabela 2 tendem a ser conservadoras, pois tendo a possibilidade de usar gratuitamente o transporte público quando quiserem, os estudantes tenderão a utilizar o benefício também nos finais de semana. Assim, a Tabela 3 apresenta estimativas para o caso de que eles viagem, em média, 250 dias no ano. Nesse caso, os custos variariam entre R$ 12,5 e R$ 32,5 bilhões.

Tabela 3 – Estimativas de custos para o caso em que os estudantes utilizem o passe livre 250 dias por ano (R$ bilhões)
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As estimativas aqui apresentadas devem ser tomadas com cautela. A baixa transparência e indisponibilidade dos dados relativos aos custos e à intensidade de uso do transporte público não permitem que se façam cálculos mais precisos. De qualquer forma, mesmo na estimativa mais otimista (R$ 9,7 bilhões por ano) já representa custo elevado.

Para se ter uma ideia de grandeza desse valor, considere que o setor público brasileiro (União, estados e municípios) gasta aproximadamente 3% do PIB, todo ano, com educação pública de 1º a 9º ano de ensino (ensino fundamental)2. Em 2013 isso representou algo como R$ 145 bilhões. Com o dinheiro do passe livre seria possível aumentar a despesa com aqueles níveis de ensino entre 6,8% (hipótese otimista de custo total de R$ 10 bilhões) e 22% (hipótese pessimista de custo total de R$ 32 bilhões). A sociedade brasileira precisa, então, decidir se quer subsidiar o transporte dos estudantes até a escola ou se quer melhorar a escola em si. Ambas as opções são legítimas, e precisam ser avaliadas com cuidado. Só é preciso ter em mente que o passe livre estudantil não é “de graça”, tem seu custo econômico e social.

Analisando a possibilidade de aplicação alternativa dos recursos para fins de melhoria da qualidade e aumento da oferta de  transporte, deve-se dizer que R$ 10 bilhões por ano fariam grande diferença. Com esse valor pode-se, por exemplo, construir, todos os anos, 20 km de linhas de metrô3 ou mais de 500 km de corredores de BRT (Bus Rapid Transit)4, o que elevaria a rapidez e conforto do transporte coletivo.

O investimento desses recursos na melhoria e maior eficiência do sistema de transporte (em vez do subsídio ao transporte de estudantes) aumentaria a velocidade média e reduziria os custos operacionais do sistema, gerando melhor serviço e maior produtividade econômica para todos. Além disso, a melhoria da qualidade tenderia a atrair novos passageiros pagantes, criando, assim, um ciclo virtuoso de maiores receitas e menores custos por viagem. Tal caminho parece ser bem mais promissor que o subsídio ao uso de um sistema ineficiente e sobrecarregado. Passagens gratuitas para estudantes sobrecarregarão um sistema que já não funciona adequadamente, reduzindo a velocidade média e elevando seus custos.

Por fim, cabe o alerta de que, frente à permanente escassez de recursos públicos, se opte pelo financiamento do passe livre por meio de subsídios cruzados. Ou seja, pela elevação da passagem cobrada dos demais usuários para financiar a gratuidade para os estudantes. Nesse caso, como na maioria dos casos de subsídios cruzados, haverá injustiça distributiva. Afinal, não é razoável que o trabalhador subsidie a passagem do estudante de classe média.

________________

1 Esse procedimento tende a superestimar o número de estudantes usuários, visto que na estatística das capitais já estão incluídos estudantes residentes em outros municípios que transitam pela capital. Mas não há como evitar tal superestimativa.

2 Fonte: INEP-MEC

3Tomando-se o custo de construção da linha 4 do metrô de São Paulo, conforme http://www.metro.sp.gov.br/noticias/acontecendo/governador-geraldo-alckmin-inicia-2a-fase-da-linha-4amarela.fss

4Tomando-se por referência os custos anunciados para os projetos de BRT no Distrito Federal. Vide http://www.brtbrasil.org.br/index.php/brt-brasil/cidades-com-sistema-brt/menubrasilia/expresso-df#.U3X_L1VdXjN

 

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Sobre vinte centavos: como se calculam tarifas de ônibus no Brasil e que modelo devemos buscar? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1957&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=sobre-vinte-centavos-como-se-calculam-tarifas-de-onibus-no-brasil-e-que-modelo-devemos-buscar https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1957#comments Mon, 19 Aug 2013 13:37:22 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1957 As manifestações populares que tomaram as principais cidades brasileiras no último mês de junho tiveram como estopim os aumentos das tarifas do transporte público urbano. Rapidamente, porém, divulgou-se o mote de que os protestos não eram por causa dos vinte centavos, valor da majoração na capital paulista. Desde então, discute-se na mídia e nas redes sociais tarifa zero, financiamento de campanha e até eventuais “criatividades” na contabilidade das empresas de ônibus, mas pouco se falou sobre a origem dos vinte centavos da discórdia.

Como é calculado o valor das tarifas de ônibus no Brasil, afinal? Boa parte das prefeituras e dos governos estaduais fixa a tarifa tomando como base um documento intitulado “Cálculo de Tarifas de Ônibus Urbanos”, produzido pela Empresa Brasileira de Planejamento de Transportes. Não confundam com a EPL, criada em dezembro de 2012; a autoria da planilha é do GEIPOT, que foi criado em 1965 e entrou em liquidação em 2002 após ter sido, por várias décadas, a principal referência em planejamento de transportes no Brasil.

A “planilha do GEIPOT”, como ela é conhecida entre os profissionais da área, foi revista pela última vez em 1996. Portanto, quando a última versão saiu, a maioria dos manifestantes ainda nem tinha aprendido a fazer uma subtração simples para calcular o troco da passagem. Os valores, é claro, são sempre atualizados, mas e quanto às premissas que norteiam a aplicação do documento? Elas continuam válidas e presentes?

Sem entrar em detalhes muito técnicos, a planilha busca calcular o custo incorrido pelas empresas de ônibus na operação, com base em estimativas de despesas como compra de veículos, pneus, óleo diesel e salários dos trabalhadores. Adicionalmente ao custo, é prevista uma remuneração a uma taxa de retorno fixada pelo poder concedente, com base no capital investido. O valor total é dividido pelo número

de pessoas que usam o serviço. O resultado final de toda a matemática é a chamada “tarifa de equilíbrio”, que é o preço que permite a cobertura integral dos custos incorridos na prestação dos serviços, devidamente rateados entre os usuários pagantes, desconsideradas as gratuidades.

Essa tarifa de equilíbrio é, em geral, usada pelo poder público como base nas negociações com os empresários sobre a tarifa real do sistema, que pode ser maior ou menor. As premissas que estão embutidas nesse método devem ser postas mais claramente para o debate.

A primeira premissa é a de que, por meio de informações técnicas da planilha, o poder público tem condições de conhecer o custo de uma empresa de ônibus com um grau de precisão razoável. Isso não é verdade. A assimetria de informações entre os operadores do sistema e o poder concedente é brutal. Durante os anos 80, era comum que as administrações municipais e estaduais tivessem suas próprias empresas públicas de transporte, que, ainda que ineficientes, poderiam então servir como parâmetro de comparação com as informações fornecidas pelos operadores privados, além de capacitar servidores públicos a analisar tais números. Hoje, isso é exceção. O poder concedente recebe os números dos operadores, mas tem poucas condições de analisar sua razoabilidade ou o quanto os parâmetros refletem uma operação eficiente. Em alguns casos, sequer há capacidade operacional de fiscalizar sua veracidade. É fácil perceber que, nesse caso, o operador privado tem muito pouco a ganhar cooperando com o poder público. Aliás, como é politicamente interessante, da parte governamental, tentar negociar uma tarifa menor do que a tarifa de equilíbrio da planilha, mesmo um operador que não buscasse lucros extraordinários (acima da taxa de retorno estabelecida) teria incentivo para apresentar custos artificialmente inflados.

A segunda premissa é a de que se deve procurar garantir a cobertura de todos os custos e a remuneração de todos os investimentos do empresário, reduzindo assim o risco do negócio. Nessa situação, muito embora os parâmetros de cálculo de custos possam ser ajustados caso a caso, a variável que mais influencia o lucro do empresário é o capital investido, e não o grau de eficiência da operação. Ora, se o operador recebe uma taxa de retorno sem risco, normalmente bastante atraente, que é proporcional ao capital investido no negócio, que incentivo teria para buscar eficiência e redução de custos operacionais? Sem dúvida, melhor negócio é fazer cada vez mais investimentos, mesmo que pouco contribuam para a produtividade e a qualidade do serviço. Para uma empresa remunerada pela planilha do GEIPOT, mais valem dois ônibus parados no congestionamento do que um ônibus em corredor expresso. Afinal, a planilha remunera o dobro de capital no primeiro caso, além de garantir a cobertura dos custos excedentes com combustível e salários. O risco principal do empresário é o grau de aderência do poder público à planilha tarifária, e não o nível de retorno dos seus investimentos.

A terceira ideia por trás da tarifa de equilíbrio, finalmente, é de que a demanda por transporte público urbano é inelástica em relação ao preço. Ou seja, supõe-se que o usuário do transporte público é majoritariamente “cativo” ou “dependente”, o que o torna pouco sensível ao preço cobrado pelo serviço. O fato de que parte das passagens é custeada não pelos usuários, mas pelos empregadores formais, por meio do vale-transporte, serve como argumento para justificar essa falsa ideia.

De fato, existem dois tipos de elasticidade: a de curto prazo e a de longo prazo, sendo que a segunda é sempre maior. O usuário do transporte público pode não mudar imediatamente seu padrão de viagens com um aumento de vinte centavos, mas, ao longo do tempo, conforme os aumentos se sucedem, ele considerará modos substitutos. Com a queda dos juros ao consumidor, é cada vez mais atraente para a nova classe média a compra de um automóvel popular e mesmo as classes de menor poder aquisitivo conseguem, com os preços atuais do transporte público nas grandes cidades, substituí-lo por uma motocicleta. Quando nada disso é possível, o cidadão caminha – às vezes percursos bastante longos – ou deixa de realizar a atividade para a qual a viagem era necessária.

Os efeitos da substituição pelo transporte individual por conta da elasticidade de longo prazo são nefastos. Mais automóveis causam mais congestionamentos que, quase sempre, atrasam também a viagem dos usuários que permanecem nos ônibus. Mais motos causam mais acidentes, cujos custos em perda de produtividade e para o Sistema Único de Saúde são arcados por toda a sociedade. Ambos poluem mais e ocupam mais espaço viário por passageiro transportado do que os ônibus. E, de acordo com a metodologia empregada na planilha do GEIPOT, menos passageiros pagantes implicam automaticamente aumento da tarifa por passageiro para cobrir os custos do sistema, o que aumenta o incentivo para a troca modal, retroalimentando o ciclo.

Portanto, a planilha do GEIPOT é útil para se ter uma ideia aproximada dos custos do sistema, mas não deve servir como único ou principal parâmetro para fixação da tarifa, já que daí derivam incentivos indesejáveis para os operadores e para os usuários. Se quisermos um transporte público mais barato e eficiente do que o atual, temos que avançar no modelo de regulação desse mercado, incluindo-se aí os incentivos aos operadores e a determinação das tarifas.

A primeira medida deve ser reduzir as assimetrias de informação no mercado. Se, pelo lado do custo, isso não é possível, o poder público deve tomar posse pelo menos das informações de oferta, demanda e receita. Hoje, a tecnologia de bilhetagem eletrônica permite que o poder público controle o caixa dos sistemas de ônibus, e que a população fiscalize, em tempo real, as informações das catracas. Infelizmente, não é o que se vê. Pelo contrário, tais informações são quase sempre de propriedade das empresas de ônibus ou de seus sindicatos patronais, são raramente repassadas ao poder público e nunca chegam à população em geral. Mesmo nos sistemas integrados, na maioria das vezes, a câmara de compensação que permite o repasse dos valores cobrados na entrada do sistema para os operadores dos veículos seguintes não tem participação efetiva do poder concedente.

Uma vez de posse das informações de mercado, o poder público terá condições de melhorar a regulação e aumentar a competição, o que levará a maior eficiência na prestação do serviço de transporte urbano. Aqui, é importante notar que há, nesse mercado, dois tipos de competição: a que se dá no mercado, ou seja, na operação, com a superposição de linhas; e aquela pelo mercado, isto é, pelo direito de operar determinadas linhas do sistema. Sem dúvida, o segundo tipo tem ganhos potenciais muito maiores.

Para auferir esses ganhos, o transporte público deve ser licitado (em muitas cidades, a operação ainda se dá a título precário), sendo importante que as concessões e permissões tenham prazos curtos, em torno de cinco anos, renováveis por igual período caso a prestação do serviço esteja satisfatória. O poder público deve estabelecer os critérios de remuneração pelo serviço por meio do processo licitatório, e não mais em negociações a cada aumento das tarifas, afastando, na medida do possível, o risco político. Assim, o poder público terá condições de, a cada certame, selecionar o prestador mais eficiente e repassar o aumento de produtividade aos usuários; o operador, por sua vez, deverá se preocupar com o aprimoramento do serviço, em vez de se concentrar em aumentar sua própria influência política junto aos responsáveis pela determinação da tarifa.

Havia, até pouco tempo, a ideia de que o ônibus era um custo afundado (irrecuperável) e, por isso, o empresário precisaria de muitos anos para amortizar seus investimentos. O próprio fato de que a maioria das capitais estabelece sete a dez anos como idade máxima dos ônibus já comprova a falácia do argumento e a impropriedade de se fazer licitações com prazos de vinte ou trinta anos que não estejam associadas à construção concomitante de infraestruturas.

Porém, sem informações públicas de demanda e receita, o operador já estabelecido terá sempre uma enorme vantagem no certame, e as licitações não representarão mais do que o cumprimento burocrático da lei. Aliás, elas podem até colocar em risco a continuidade do serviço, já que uma empresa pode fazer hipóteses excessivamente otimistas sobre a demanda e apresentar um preço que se revelará, posteriormente, impraticável.

A providência final seria considerar a existência de custos fixos e variáveis, tanto para a empresa de ônibus, quanto para o usuário que tem outros meios de transporte à disposição. A tarifa calculada segundo a metodologia do GEIPOT embute no mesmo preço tanto os custos fixos quanto os custos variáveis da operação do serviço. Em um cenário em que o cidadão tenha que optar entre dois meios de transporte – ônibus e motocicleta, digamos –, o custo fixo do transporte individual é um gasto já realizado pelo cidadão, enquanto a tarifa do transporte público é paga apenas com o uso do sistema. O ideal seria que a tarifa cobrada do usuário do transporte coletivo arcasse apenas com a parcela relativa aos custos variáveis (ou o custo marginal de utilização). Isso evitaria que, ao tomar a decisão do modo de viagem, o cidadão seja levado a comparar maçãs com laranjas, isto é, confrontar o custo variável do transporte individual com o custo total do transporte coletivo.

Como financiar o custo fixo do transporte público sem depender da tarifa é uma discussão bastante complexa, mas que acaba recaindo sobre a escolha entre quatro grupos: a sociedade como um todo, por meio de um aumento geral de impostos; os usuários de automóveis, com cobrança de estacionamento ou pedágio urbano; os proprietários de imóveis urbanos, em especial os localizados próximos às infraestruturas de transporte; e os empregadores, como já ocorre com o vale-transporte.

Os estados e municípios deveriam aproveitar o clamor das ruas para assumir o caixa dos sistemas de ônibus, realizar licitações dos serviços o mais rápido possível e, com a melhoria de qualidade advinda dessas providências, reabrir a discussão sobre o financiamento do transporte público no Brasil. Percorrer esse caminho pela contramão – reduzindo tarifas no curto prazo sem, contudo, discutir um modelo sustentável no longo prazo – é apenas jogar dinheiro público no ralo da ineficiência, quando não do desvio por falta de fiscalização.

Precisamos com urgência avançar duas décadas na discussão acerca da regulação do mercado de ônibus. E a forma de fazer isso é redefinir a repartição de riscos, melhorando a estrutura de incentivos. Nesse sentido, é mister retirar o preço do serviço do âmbito de negociações políticas, que, ainda por cima, acabam sendo pautadas por informações fornecidas pelas próprias empresas interessadas no aumento. O preço eficiente deve ser revelado pelas forças de mercado a cada licitação competitiva, com regras claras e estáveis durante o contrato. O Governo Federal poderia assumir a tarefa de propor um menu de modelos para precificação e concessão de transporte por ônibus, para que estados e prefeituras escolhessem o de sua preferência. Assim, mesmo as prefeituras com menor capacitação técnica poderiam se beneficiar de um sistema mais eficiente e justo.

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