terceirização – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 25 May 2015 13:13:42 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Quem tem medo da terceirização? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2527&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quem-tem-medo-da-terceirizacao https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2527#comments Mon, 25 May 2015 13:13:42 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2527 Para avaliar os impactos econômicos da regulamentação da terceirização, partiremos das críticas que são feitas ao projeto que ora tramita no Congresso, e as analisaremos ponto a ponto, verificando sua consistência.

Um resumo dessas críticas pode ser assim expresso:

“A terceirização vai ‘precarizar’ as relações de trabalho. Por ‘precarização’ entende-se: redução dos direitos dos trabalhadores (férias, décimo terceiro, assistência médica, etc) e redução da remuneração (trabalhadores terceirizados tendem a receber remuneração inferior à dos trabalhadores diretamente contratados). As empresas, sempre interessadas em reduzir custos, vão terceirizar o máximo possível as suas atividades. Por isso, a geração de empregos dentro das empresas será reduzida. Haverá, ainda, redução da segurança dos trabalhadores. Afinal, não sendo a contratante final do trabalhador, a empresa que terceirizar o serviço não se preocupará com as condições de segurança oferecidas. Também haverá redução na qualidade do serviço prestado e na segurança oferecida aos consumidores. Tome-se como exemplo o caso dos bancos. Se forem terceirizadas funções chave, como as de gerente de banco e de analista de crédito, as informações cadastrais dos correntistas passam a ficar vulneráveis. Há, por fim, o risco de perda de poder de negociação dos trabalhadores: a terceirização aumentará a divisão do trabalho e a especialização dos trabalhadores que, contratados de diversas firmas diferentes, não pertencerão a um sindicato unificado. O resultado seria a perda de poder de barganha sindical, com reflexo negativo na remuneração do trabalho e correspondente aumento da participação dos lucros na renda nacional. Se estendida ao serviço público, a terceirização será uma ameaça ao instituto do concurso público e um incentivo à distribuição demagógica e clientelista de empregos públicos”.

Quão próxima da realidade estaria essa avaliação? Como veremos, está bem distante!

 

  1. Aprovada a lei, não haverá uma corrida pela terceirização do máximo possível de atividades das empresas

É preciso, considerar, em primeiro lugar, os motivos pelos quais uma empresa toma a decisão de terceirizar uma atividade. Trata-se de decidir entre “fazer internamente” ou “comprar fora”. Em analogia com as decisões tomadas no âmbito de nossas casas, é algo similar a decidir entre contratar uma cozinheira ou preferir fazer as refeições cotidianas em restaurantes self-service. Diversas considerações são feitas para que se faça a escolha entre “fazer internamente” ou “comprar fora”. Além da comparação entre o custo de contratar a cozinheira (salários, impostos, direitos trabalhistas, etc.) e o custo da conta do restaurante, há outras considerações relevantes: qual a qualidade da comida de cada uma das opções; quão interessado eu estou em ter um cardápio preparado exatamente como eu gosto (em contraposição aos pratos padronizados do restaurante); quais os horários em que pretendo fazer a refeição (supondo que o restaurante não está sempre aberto e que posso negociar com a cozinheira os horários em que ela trabalhará); quais são as diferentes opções de preço e qualidade oferecidas pelos restaurantes das redondezas; quais os transtornos que terei se a cozinheira decidir deixar o emprego; quanto tempo e energia gastarei treinando e supervisionando o trabalho da cozinheira,  etc.

A escolha entre a cozinheira e o restaurante não é óbvia. Dizer que as empresas correrão em direção à terceirização é o mesmo que dizer que todas as famílias preferirão o self-service a ter uma cozinheira em casa. O fato de que milhares de lares do país têm empregadas domésticas que preparam as refeições diárias ilustra isso.

Após aprovada a regulamentação da terceirização, não necessariamente as empresas desencadearão intenso processo de terceirização, buscando reduzir custos. Deve-se lembrar, em primeiro lugar, que, embora as empresas sempre busquem reduzir custos (pois é da essência do capitalismo), o mercado impede que esses custos caiam arbitrariamente. Não é por menos que firmas pagam salários acima daqueles determinados em lei. Se, para reduzir custos, bastasse a empresa desejar fazê-lo, todos ganhariam salário mínimo (ou o mínimo da categoria). Não é isso que ocorre simplesmente porque, se oferecer salários incompatíveis com o mercado, a firma não conseguiria contratar a mão de obra na quantidade e com a qualificação de que necessita.

Voltando à análise da terceirização, há outros aspectos a serem considerados, além dos custos de produção. As empresas buscam decisões racionais, que permitam a sua sobrevivência e competitividade em um mercado concorrencial. Não raciocinam apenas na dimensão de redução de custos de produção. Precisam, também, cuidar da qualidade do produto, da preservação de suas informações estratégicas, dos incentivos para que os trabalhadores e fornecedores se esforcem o máximo possível, de se protegerem de uma posição de fragilidade nas negociações com fornecedores e consumidores, de evitarem a multiplicação de tarefas e a perda da especialização em seu negócio principal.

Tome-se o exemplo dos bancos, acima citado. É muito provável que as funções de gerente e de analista de crédito não venham a ser terceirizadas. Esses profissionais lidam com informações estratégicas para os bancos. Eles precisam pertencer à organização, estando vinculados a um código de ética e a um padrão de prestação de serviços (que pressupõe investimento prévio da empresa em treinamento). Logo, a empresa preferirá “fazer internamente” esses serviços em vez de “comprá-los fora”.

Outro exemplo interessante foi apresentado por Vinícius Carrasco, em artigo publicado na revista Exame1. Suponha uma empresa que explora minério em uma localidade isolada do território nacional. Não há portos por perto. Ela deve decidir se constrói o próprio porto (fazer internamente) ou se transporta suas mercadorias através de um porto construído e administrado por terceiros (comprar fora). Muito provavelmente a empresa optará por construir o próprio porto, por uma razão simples. Se ficar dependente de um porto gerido por outra empresa, essa empresa portuária poderá impor tarifas de transporte muito altas, pois não há outras opções de transporte para a mineradora, tendo em vista estar situada em local isolado no território nacional. Por outro lado, dificilmente haverá empresa interessada em construir e gerir o porto. Afinal, haverá somente um comprador para aquele serviço (a empresa de mineração) que, por isso, pode tentar pressionar para baixo o valor do frete. Haveria, portanto, nesse exemplo, dificuldade em prover o serviço de transporte de forma terceirizada.

Caso a mineração ocorresse em local próximo a instalações portuárias já existentes, havendo diversas possibilidades de escoamento, por diferentes portos, a firma de mineração teria a opção de terceirizar o transporte. Nesse caso, a terceirização  não a colocaria em uma posição fragilizada no mercado e, ao mesmo tempo, a permitiria se concentrar na sua função principal, que é a extração de minério.

Fica, então, estabelecido o primeiro ponto: a regulamentação da terceirização não desencadeará um intenso processo de terceirização em busca de redução de custos de produção. As empresas dependem de outros fatores na decisão entre “fazer internamente” ou “comprar fora”.

 

  1. Quando houver terceirização, ela ajudará a aumentar a produtividade da economia, o que é bom para todos, ainda que possa ser ruim para algumas categorias profissionais.

Em diversos casos em que a terceirização vier a ser adotada, ela poderá reduzir os custos de produção, elevar a qualidade dos produtos e, sobretudo, aumentar a produtividade da economia (o que significa produzir mais bens e serviços com uma mesma quantidade de trabalhadores, máquinas e insumos). Isso aumenta a produção e a renda do país, gerando mais empregos para todos. O custo disso, no entanto, pode ser a ocorrência de perdas para algumas categorias profissionais.

Tomemos como exemplo um marceneiro que trabalhe fazendo esquadrias de madeira para janelas e portais em uma empresa que constrói prédios de apartamentos. Sendo esta uma atividade fim no âmbito da empresa, a construtora não tem autorização legal para terceirizar o serviço de marceneiro.

Por isso, esse marceneiro tende a ficar ocioso em vários momentos da jornada de trabalho. Nem sempre está na hora de instalar as portas e janelas, e nem sempre a construtora tem obras suficientes para que esse profissional esteja em plena atividade. Isso significa que, nesses momentos de inatividade, ele representará um custo para a empresa sem, ao mesmo tempo, gerar produção. Diversas outras modalidades profissionais dentro do processo produtivo da empresa passarão por esses momentos de ociosidade. Esse custo será incorporado ao preço do apartamento, que por isso custará  mais caro. Menos pessoas terão condições de comprar o apartamento, devido ao preço alto.

Uma vez permitida a terceirização, a empresa tenderá a demitir o marceneiro e terceirizar a função. Esse profissional, que tinha um emprego fixo e uma rotina tranquila, com vários períodos de ociosidade, provavelmente se transformará em um autônomo, e prestará serviços a diversas empresas de construção. Acabarão seus períodos de ócio, e ele terá que ir de uma obra para outra, buscando serviço onde houver demanda.

Em um primeiro momento, a qualidade de vida desse marceneiro pode cair, pois passará a ter uma vida menos previsível, mudando de locais de trabalho com frequência, o que implica ter de se adaptar a novas rotas para o trabalho (com o risco de ter de ir trabalhar em locais mais distantes), novos colegas de profissão, etc. Por outro lado, sua renda tenderá a aumentar, pois a ociosidade que vivenciava no antigo emprego certamente era refletida em um salário mais baixo. Já para a sociedade como um todo, há uma melhora inequívoca: as empresas operarão com menor custo; os apartamentos custarão mais barato e serão mais acessíveis; a economia do país estará empregando os seus recursos produtivos (trabalho, insumos e capital) de forma mais eficiente e, portanto, gerando mais bens e serviços (sendo, pois, mais produtiva).

E não há nada que implique perda de qualidade na produção. Pelo contrário. A possibilidade de terceirização de diversas atividades que compõem o processo produtivo de um prédio de apartamentos induzirá a criação de empresas especializadas em cada aspecto desse processo. O nosso marceneiro, que em um primeiro momento perdeu o emprego fixo e virou autônomo pode, em breve, ser contratado por uma empresa especializada em fornecer os serviços de marcenaria para construtoras. Recuperará o seu emprego e, provavelmente, ganhará mais, pois será mais produtivo na nova função. Não só porque não terá mais períodos de ociosidade, como também porque estará dentro de uma organização especializada na produção de portas e janelas. Como se sabe, a especialização é a chave para o progresso tecnológico. Em breve essa empresa estará criando métodos mais modernos de produção e instalação de janelas e portas, estará experimentando novos materiais na confecção de seus produtos, otimizará a distribuição do material e profissionais entre as obras (possivelmente terceirizando o serviço de transportes para uma empresa especializada), etc.

Embora as empresas possam demitir alguns trabalhadores, substituindo-os por terceirizados, o nível total de emprego da economia não diminuirá. Pelo contrário. À medida que as empresas se tornem mais eficientes, em decorrência da terceirização, elas expandirão suas atividades, a economia crescerá e mais emprego será gerado em função dessa expansão.

É verdade que o nosso marceneiro passará por momentos de insegurança. Ninguém gosta de perder um emprego fixo e um salário certo ao final do mês. Porém, se a opção da sociedade brasileira for a de dar segurança ao marceneiro e aos demais profissionais que, no curto prazo, venham a ter sua estabilidade ameaçada pela terceirização, o nosso destino será a estagnação econômica. Imagine se, com o advento da iluminação elétrica, tivesse sido lançada uma legislação vedando as instalações de postes elétricos, com vistas a preservar a segurança do emprego do acendedor de lampiões!

Chega-se, então, a um segundo conjunto de conclusões: a curto prazo haverá, de fato, maior insegurança para algumas categorias de trabalhadores cujas atividades venham a ser terceirizadas, mas isso corresponderá a ganhos para a sociedade e a um rearranjo do mercado de trabalho que, no médio e longo prazo, poderão beneficiar até mesmo aqueles adversamente afetados em um primeiro momento.

 

  1. Haverá “precarização” das relações de trabalho?

Analisemos, agora, as diversas dimensões daquilo que tem sido chamado de “precarização” das relações de trabalho. A primeira dimensão já foi tratada na seção anterior. Diversas categorias de trabalhadores perderão o conforto do emprego fixo em uma determinada empresa, tendendo a se tornar empregados de empresas que prestam serviços terceirizados a outras empresas.

Ainda que isso tire esses trabalhadores da zona de conforto do emprego fixo ao qual estão acostumados, induzindo-os ao esforço adicional de buscar serviço como trabalhador autônomo ou a se encaixar em outra firma especializada em prestação de serviço terceirizado, não se pode dizer que esse trabalhador vai perder direitos legais.

O projeto em análise estende para os trabalhadores em regime terceirizado todas as garantias e vantagens dadas aos empregados das empresas contratantes dos serviços terceirizados. Também contém mecanismos que impedem as empresas de demitir seus empregados para, em seguida, contratá-los como terceirizados.

Tampouco é verdade que trabalhadores terceirizados recebem menos que os empregados diretamente pelas empresas. É importante aqui comentar sobre as conclusões de um estudo elaborado pela CUT intitulado “Terceirização e Desenvolvimento: uma conta que não fecha” e que se transformou nos debates e nas redes sociais em uma bíblia dos que criticam a terceirização. A Tabela 2 desse Estudo mostra que os trabalhadores em setores tipicamente terceirizados recebem 24,7% a menos do que aqueles que trabalham em setores tipicamente contratantes, trabalham 3 horas a mais por semana e possuem tempo médio de emprego 3,1 anos menor. Esses números seriam a prova cabal que a terceirização precariza o trabalho. Trata-se, entretanto, de uma interpretação absolutamente equivocada dos dados.

O que ocorre atualmente é que as áreas em que se permite a terceirização são aquelas que empregam trabalhadores de menor qualificação (vigilância e limpeza, por exemplo). Não faz sentido comparar a remuneração desse tipo de profissional, com a de empregados de outros setores de empresas que fazem tarefas mais sofisticadas (marketing, vendas, etc.). São profissionais diferentes, com nível de escolaridade diferente. O que determina a remuneração de cada um deles não é o tipo de contrato de trabalho (terceirizado ou direto), e sim suas qualificações e o tipo de trabalho que exercem.

É preciso lembrar, ainda, que a autorização para a terceirização de toda e qualquer atividade dentro de uma empresa levará à formação de empresas especializadas na provisão dos diversos aspectos do processo produtivo. Isso mudará completamente o perfil das empresas de terceirização hoje visto no país. As que hoje existem, concentradas nas áreas em que é permitida a terceirização, lidam com grandes contingentes de trabalhadores pouco qualificados e, portanto, pouco remunerados.

A tendência é que surjam empresas de provisão de serviços terceirizados de alta qualificação. E não haverá razões óbvias para se acreditar que a remuneração oferecida por elas venha a ser inferior ao que pagam as empresas diretamente contratantes.

Note-se, a esse respeito, que o país está encerrando o seu período de transição demográfica, o que significa dizer que a população em idade de trabalhar está encolhendo, e os indivíduos da terceira idade tornando-se mais numerosos. Em decorrência, a quantidade de pessoas ofertando trabalho diminuirá. Pela lei da oferta e da demanda, as remunerações no mercado de trabalho tendem a subir.

No que diz respeito à burla no pagamento e concessão de direitos trabalhistas, de fato existe, no atual quadro de empresas de terceirização de trabalho de baixa qualificação, abusos e empresas mal-intencionadas, que se aproveitam do baixo grau de informação de seus empregados para burlar a lei e lhes negar direitos trabalhistas. A nova legislação, contudo, cria mecanismos para coibir tais abusos. Há, por exemplo, o mecanismo em que a empresa contratante retém parte do pagamento à contratada para garantir o pagamento dos direitos trabalhistas dos empregados terceirizados. Além disso, caso se omita nesse processo de retenção de recursos e de fiscalização dos direitos trabalhistas dos terceirizados, a contratante passa a ser co-responsável pelas irregularidades, sendo obrigada a arcar com os custos de indenização dos trabalhadores.

Raciocínio similar pode ser feito em relação aos procedimentos de segurança no trabalho. Não há qualquer razão para que uma empresa contratante seja menos cuidadosa na proteção de um terceirizado do que o é em relação ao um contratado direto. Isso porque a Justiça do Trabalho brasileira é reconhecidamente enviesada a favor dos trabalhadores. Há, portanto, grande probabilidade de que uma empresa contratante seja condenada a pagar indenização a um terceirizado que venha a se acidentar durante a prestação de serviços.

A terceirização pode mesmo contribuir para aumentar a segurança do trabalho, ao reduzir os custos de prover essa segurança. Uma vez que cada empresa se especializará em um conjunto menor de atividades, será mais fácil implantar procedimentos de segurança adequados para aquele tipo de atividade. Ao mesmo tempo, os cursos de prevenção de acidentes, ao serem focados em atividades específicos, tornar-se-ão mais eficazes e mais baratos.

 

  1. O enfraquecimento dos sindicatos e a perda de poder de barganha dos trabalhadores

Se há perdedores certos com a regulamentação da terceirização, estes são os sindicatos de trabalhadores nos moldes hoje organizados. À medida que a terceirização permitirá ampla especialização das empresas, cada uma se concentrando em um aspecto específico do processo de produção, os trabalhadores serão igualmente fragmentados em diversas empresas. Ainda que trabalhem no mesmo espaço físico, não serão os mesmos trabalhadores atuando sempre nos mesmos lugares.

Daí decorrem diversas dificuldades para os sindicatos. Em primeiro lugar, tendem a surgir profissões mais especializadas e, consequentemente, um sindicato amplo se repartiria em diversos sindicatos específicos. Em vez de um sindicato geral dos metalúrgicos, haveria vários sindicatos dos trabalhadores em empresas de peças específicas que compõem os diversos processos produtivos dentro da metalurgia. Em segundo lugar, a mobilidade e rotatividade da mão de obra nos locais de trabalho dificultariam a organização da ação sindical.

Toda a renda e poder político auferidos pelos dirigentes sindicais fica ameaçada. Daí a forte reação à inovação legislativa.

O enfraquecimento dos sindicatos atuais não significa, contudo, o enfraquecimento da classe trabalhadora e do seu poder de barganha. Além do fato de que outros sindicatos surgirão, desafiando a hegemonia dos atuais; há a realidade inconteste de que outras profissões e vagas de trabalho surgirão. O aumento de produtividade viabilizado pela terceirização fará com que o poder da lei da oferta e da demanda por trabalho beneficie os trabalhadores muito mais do que conquistas sindicais. Uma economia mais produtiva pagará mais a empregados que geram mais valor agregado para as empresas.

Em suma: a estrutura sindical hoje existente certamente perderá, o que não significa que os trabalhadores em geral serão prejudicados; nem que a terceirização sancionará uma concentração de renda em favor do capital e em prejuízo do trabalho.

 

Haverá precarização dos serviços públicos, com desestruturação dos concursos públicos e politização nas contratações nos cargos públicos?

A esse respeito é preciso dizer, em primeiro lugar, que a versão do projeto aprovada na Câmara dos Deputados estipula que as regras ali inscritas não se aplicam à terceirização no âmbito da administração pública. O que na realidade é uma pena, pois o projeto ajudaria a resolver vários problemas hoje existentes nas terceirizações no setor público, como argumentado adiante.

Se o Senado vier a alterar esse dispositivo, permitindo que as regras valham para a administração pública, haverá mais ganhos do que perdas para o país.

Supondo que isso ocorra, como ficariam os concursos públicos? Não haveria uma generalizada terceirização de funções, com a contratação de apadrinhados políticos, em detrimento do mérito dos concursos?

Esse, de fato, é um problema. Se as empresas são forçadas a tomar decisões racionais para se manter vivas no mercado competitivo, o mesmo não é válido para os órgãos públicos. Estes não enfrentam nada similar a uma concorrência de mercado, não estão sob o risco de falência e, sobretudo, os seus dirigentes estão apenas de passagem, não tendo compromisso com a qualidade dos serviços prestados no longo prazo. Muitas vezes o interesse eleitoral de curto prazo induz a ações nocivas ao interesse público no âmbito da administração governamental.

Seria necessário, por isso, uma regulação específica para a terceirização no âmbito da administração pública. Tal regulamentação substituiria os limites que o mercado impõe às empresas privadas.

Por outro lado, vários ganhos poderiam ser obtidos na prestação de serviços terceirizados no âmbito da administração pública. Novas formas de gestão hospitalar e de escolas poderiam melhorar a qualidade do serviço prestado, criando-se, no âmbito da administração pública, um ambiente de concorrência e inovação entre prestadores e modos de gestão. Nem sempre a contratação por concurso público, associada à estabilidade no emprego, é a melhor forma de se ter mão de obra motivada e disposta a prestar bom serviço público. O espaço para terceirização poderia abrir espaço para inovações importantes.

Ademais, a administração pública sofre bastante com problemas nos serviços atualmente terceirizados em função da inexistência de mecanismos que estão sendo propostos no projeto em discussão. Por exemplo, é comum que prestadoras de serviço abandonem os contratos próximo ao final de sua vigência, deixando empregados sem pagamento. Também comum é o não recolhimento de contribuições à previdência, FGTS e outras. Quando isso ocorre, a administração pública torna-se imediatamente responsável por assumir tais encargos, em função de uma súmula editada pela Justiça do Trabalho. Por isso, os incentivos da legislação atual são para que as empresas ajam com desídia, pois sabem que os seus empregados não irão à Justiça contra elas, visto que os direitos serão imediatamente pagos pelo poder público.

A proposta em discussão cria vários mecanismos de depósitos prévios e de retenção de verbas que minoram esse incentivo incorreto. Ademais, deixa mais claros os limites da corresponsabilidade do contratante.

Assim, um eventual regramento em separado para a terceirização na administração pública deve aproveitar os mecanismos preventivos que venham a ser aprovados para o setor privado.

_______________

1 Vinícius Carrasco. “Terceirização e Natureza da Firma”. Exame.com. Publicado em 12/05/2015.

 

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Como o setor privado pode ajudar a melhorar os serviços públicos de infraestrutura? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1191&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-o-setor-privado-pode-ajudar-a-melhorar-os-servicos-publicos-de-infraestrutura https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1191#comments Thu, 26 Apr 2012 13:54:12 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1191 Há alguns fatos estilizados que caracterizam o setor público brasileiro: (a) os gastos correntes são elevados e não restam recursos para investimento em infraestrutura; (b) o governo tem baixa competência para prospectar e elaborar projetos de qualidade na área de infraestrutura, assim como para gerir portos, aeroportos, estradas e outros serviços de infraestrutura; (c) a participação privada no setor de infraestrutura pode ajudar a elevar a produtividade desses serviços, dando impulso ao crescimento mais acelerado da economia brasileira.

Isto posto, cabe analisar as principais modalidades de participação do setor privado como provedor de serviços associados a atividades públicas. Em texto recente publicado neste site (O que são parcerias público privadas (PPP)?) analisei uma dessas modalidades: a PPP. O objetivo do presente texto é analisar o amplo leque de relações contratuais entre os setores público e privado. Ao fazê-lo, aponto, em primeiro lugar, os potenciais ganhos de produtividade no setor público e na economia decorrentes dessa participação privada. Em segundo lugar, procura-se mostrar até que ponto a legislação brasileira admite cada uma das modalidades apresentadas, e quais dependem de inovação na legislação. Em terceiro lugar, elencam-se os problemas práticos observados no funcionamento cotidiano dessas modalidades no Brasil, com vistas a sugerir aperfeiçoamentos, legais e de gestão, que potencializem os ganhos decorrentes da participação privada. Especial ênfase é dada aos modelos aplicáveis aos serviços de infraestrutura.

1 – GESTÃO, FORNECIMENTO E SERVIÇOS

Esta é a modalidade de contratação mais simples. Nela, o setor privado é contratado para administrar uma infraestrutura pública já existente (construída pelo setor público) ou um serviço assessório necessário à prestação de serviço público (em geral não associado à área fim do governo).

Na modalidade prestação de serviços podem-se citar, como exemplos, empresas que são contratadas pelo setor público para atividades como a limpeza e a segurança de um órgão público ou os serviços de manutenção de equipamentos.

No setor de infraestrutura essa modalidade de contratação pode ser utilizada nas áreas-meio de gestão operacional. Assim, por exemplo, um aeroporto gerido pelo setor público pode contratar empresas privadas para as tarefas de bilhetagem, pesagem de carga, transporte de bagagem, armazenagem, serviços de comunicação.

Os ganhos de produtividade potenciais estão no fato de o setor público poder concentrar suas energias na realização das atividades-fim da organização, deixando que as atividades-meio fiquem a cargo de uma empresa contratada, que se responsabiliza pelo planejamento e realização do serviço, bem como pela contratação e gestão de pessoal e a compra de equipamentos e insumos.

Esses contratos permitem reduzir custos para o setor público (não é necessário, por exemplo, contratar pessoal de segurança e limpeza por meio de contratos de trabalho de servidor público, com garantia de estabilidade no emprego e outras vantagens) e melhorar a qualidade do serviço, uma vez que as empresas especializadas têm vantagem comparativa nos serviços que prestam, realizando-os melhor que o setor público.

O relacionamento entre o setor público e o privado é bastante simples. O setor público mantém a propriedade do equipamento público e o setor privado tem relacionamento exclusivamente com o setor público. O parceiro privado não presta serviços nem cobra tarifas da população, sendo remunerado exclusivamente pelo setor público.

O setor privado não assume riscos comerciais, pois o contrato já estabelece previamente o montante, as características e o valor do serviço a ser prestado. Por isso, não há o risco de variações na demanda pelo serviço, ao contrário do que ocorre, por exemplo, em uma concessão de serviço público, em que a empresa privada obtém sua remuneração de tarifas cobradas dos usuários. Dependendo do contrato, o setor privado sequer assume o risco de variações do custo da mão-de-obra e de outros insumos, que são integralmente repassados para o setor público.

Não há necessidade de agência reguladora para fiscalizar a prestação do serviço. O setor público é um consumidor no mercado de bens e serviços como qualquer outro, com eventuais desacordos sendo resolvidos por meio judicial. Os contatos são, normalmente, de curto-prazo, de dois a cinco anos.

Trata-se de uma modalidade que não ajuda a expandir a infraestrutura existente, mas potencialmente aumenta a produtividade daquela que já existe e é gerida pelo setor público.

A legislação brasileira que abarca esse tipo de contrato é a Lei de Licitações (Lei 8.666, de 1993), que se aplica não apenas à administração direta, mas também às autarquias, fundações e empresas estatais[1].

Embora seja o modelo mais simples de participação do setor privado em serviços públicos, e usado de forma generalizada na administração pública brasileira, esses contratos enfrentam muitos problemas de ordem legal e gerencial. É preciso resolver esses problemas para que essas parcerias sejam mais eficientes e se expandam, gerando ganhos efetivos de produtividade na gestão da infraestrutura pública.

O primeiro problema diz respeito ao fato de que esses contratos, muitas vezes, incluem um grande contingente de mão-de-obra (principalmente nas áreas de limpeza, segurança e informática). A prática de empreguismo, que foi cerceada no serviço público por meio da exigência legal de concurso público, acabou sendo transferida para os contratos de terceirização de serviços. Gestores públicos acabam por contratar serviços em proporções maiores que as necessárias para poder gerar empregos no âmbito de sua clientela política. Com isso, reduz-se a eficiência na prestação dos serviços, que passam a ter custos inflados.

Em segundo lugar, a legislação trabalhista brasileira transfere para o contratante de serviços terceirizados (no caso, o setor público) a responsabilidade subsidiária pelo cumprimento de obrigações trabalhistas. Isso acaba constituindo estímulo para que as empresas privadas contratadas fiquem inadimplentes com suas obrigações, como forma de repassá-las ao setor público. Este, para se defender dessa possibilidade, acaba instituindo controles sobre a folha de pagamento das empresas prestadoras de serviços que implicam custos administrativos ao erário. Assim, perde-se parte da vantagem da terceirização, que é justamente a de aliviar o setor público de gerir atividades-meio.

Ainda no campo da legislação trabalhista, a obrigatoriedade constitucional de obediência às decisões de convenções coletivas de trabalho[2] acaba elevando os custos dos contratos de serviços do setor público que sejam intensivos em mão-de-obra. Isso porque, em obediência à regra de que os acordos coletivos e dissídios são soberanos, o setor público não contesta reajustes salariais obtidos pelos empregados das empresas prestadoras de serviço; repassando os reajustes para os valores dos contratos.

Ocorre que, como as empresas prestadoras em geral se especializam em fornecer para o setor público, elas não têm incentivos a se contrapor aos pedidos de aumentos salariais de seus empregados, pois tais aumentos são absorvidos nos custos dos contratos pelo setor público. Mais do que isso: a maioria dos contratos é desenhada de forma a remunerar as empresas com um percentual do valor do serviço. Assim, os aumentos salariais redundam, também, em aumentos nas remunerações das empresas (sobre esse ponto ver, neste site, o texto Por que o governo gasta tanto com terceirização?)

Esse não seria um grande problema se os órgãos públicos pudessem, ao final de cada contrato (em geral com duração de um a dois anos), fazer nova licitação dos serviços, contratando empresas que oferecessem preços mais baixos. Tal possibilidade de contestação dos preços em vigor exerceria uma pressão de contenção de reajustes. Porém a burocracia associada a licitações gera alto custo de transação[3], induzindo os gestores públicos a renovarem os contratos vigentes (em vez de fazer novas licitações), ainda que por preços mais altos que os disponíveis no mercado, para evitar o risco de o atraso na licitação provocar interrupção nos serviços, ou para evitar os custos administrativos de uma nova licitação.

A esses problemas devem-se juntar as possibilidades de corrupção dos agentes públicos em sua relação com as empresas prestadoras de serviços e a formação de cartéis de fornecedores com vistas a fraudar licitações.

Outro problema relevante é o fato de que a Lei de Licitações confere prioridade máxima ao menor preço como critério de decisão de licitações. Isso significa que serviços e produtos de baixa qualidade (e menor custo) levem vantagem na disputa. A impossibilidade de se monitorar qualidade durante a execução do serviço, ou de se exigir padrões mínimos de qualidade antes da licitação, por restrições da Lei de Licitações, impõe perdas à eficiência e produtividade do serviço final.

É necessário, portanto, aperfeiçoar os processos de licitação, tornando-os menos morosos, o que dará à administração pública poder para evitar a renovação de contratos onerosos, substituindo-os por outros mais baratos. Diversos procedimentos burocráticos poderiam ser abolidos, inclusive mediante o uso mais intensivo dos leilões eletrônicos. O governo poderia, para tanto, criar um grupo de especialistas em licitação, tanto do Poder Executivo, quanto do TCU, para propor reformulações da legislação que agilizem os processos licitatórios, o que já garantiria ganhos de eficiência e produtividade.

Por outro lado, todos esses senões à contratação de serviços diretamente pelas empresas estatais gestoras de infraestrutura indicam que o processo de concessão de serviços públicos e privatização, quando possíveis, são um caminho para elevar a eficiência e a produtividade. Se um aeroporto, uma estrada ou um porto deixam de ser diretamente administrados pelo setor público, não há mais a necessidade de obediência à Lei de Licitações para a contratação de serviços. A negociação privada na aquisição desses serviços tende a reduzir seus custos e a elevar sua qualidade.

2 – PROJETO E CONSTRUÇÃO

Nessa modalidade de relacionamento contratual, o setor privado projeta e constrói infraestrutura, entregando-a para o setor público em um estágio em que esteja pronta para operar. O setor privado recebe um valor fixo para fazer a obra, normalmente definido em licitação pública.

É o caso típico de licitações de obras públicas, como construção de rodovias, prédios públicos, entre outros. É um contrato igualmente simples, que não requer o monitoramento por agência reguladora, uma vez que o parceiro privado encerra a sua participação no negócio logo após entregar a obra.

O grau de risco assumido pela empresa privada já é maior, pois qualquer aumento de custo ou imprevisto ocorridos durante as fases de projeto e construção tendem a ficar por conta da contratada.

O ganho potencial de eficiência está no fato de que as empresas de engenharia têm maior capacidade que o governo para elaborar e executar projetos de construção civil. Todavia, o fato de a empresa desligar-se do negócio tão logo a obra seja entregue significa que o contratado privado não terá incentivos a fazer uma obra de qualidade, sendo estimulado a, sempre que possível, economizar nos custos para aumentar seu lucro, em prejuízo da qualidade final. Essa tendência é exacerbada pelo fato, já exposto acima, de que a Lei de Licitações dá prioridade ao menor preço como fator de decisão de licitações.

Na legislação brasileira, essa modalidade de contratação está regulamentada pela Lei de Licitações (art. 6º, inciso VIII, alínea e)[4].

Também aqui há problemas de corrupção de agentes público, de baixa capacidade da Justiça para impor o cumprimento de contratos e punir comportamentos ilegais.

Três problemas específicos dessa modalidade de contrato (e de todas as modalidades que envolvem algum tipo de obra) são os complexos processos de licenciamento ambiental;  a baixa qualidade dos projetos básicos de engenharia; e a baixa capacidade de planejamento do setor público.

Os conflitos e ineficiências existentes no licenciamento ambiental levam ao licenciamento “à força”, por pressão política, de projetos que são potencialmente danosos, sem os estudos e compensações adequados e, por outro lado, ao embargo de projetos de baixo impacto.

A baixa qualidade dos projetos básicos, em geral elaborados pelo setor público, acaba sendo usada como mecanismo para elevação do custo das obras a cifras muito superiores ao valor resultante das licitações. Quando as empresas realizam os projetos executivos, mais detalhados, os custos reais dos projetos se elevam, e os contratos passam a ser aditados para abrigar os novos custos. Obviamente as possibilidades de superfaturamento e corrupção são elevadas.

Uma proposta usualmente veiculada para resolver esse problema tem sido a exigência de elaboração do projeto executivo antes da licitação. A ideia seria, justamente, evitar os aditamentos contratuais decorrentes da especificação do projeto executivo.

Contudo, essa opção não é isenta de custos. É possível que, por falta de recursos orçamentários para financiar os projetos executivos, importantes obras, que teriam avaliação positiva de viabilidade, sequer sejam avaliadas e deixem de ser licitadas. Há o risco de que o setor público seja  mais lento e gaste maisque o setor privado para elaborar projetos executivos. Ou, ainda, que sejam contratados projetos executivos igualmente deficientes, que serão rejeitados pelas empresas vencedoras da licitação para construção.

Por outro lado, podemos a elaboração prévia do projeto executivo como um seguro: o custo a mais que o governo pode ter para fazer os projetos executivos mais do que seriam compensados ao se evitar investimentos de baixo retorno econômico e social.

Uma opção alternativa seria tomar medidas para melhorar a capacidade de elaboração de projetos básicos pelo próprio setor público. Outra possibilidade é a licitação conjunta da construção e operação do serviço por uma mesma empresa (em vez de se licitar apenas a obra), o que gerará estímulo para o desenvolvimento de projetos eficientes, como será analisado mais adiante.

Algumas modificações pontuais na Lei de Licitações teriam o potencial de tornar mais eficientes as licitações de obras e aquisições de equipamentos, sem com isso fragilizar os necessários requisitos de segurança. Trata-se de retirar estímulos negativos, hoje existentes no texto legal, quais sejam: incentivos à litigância, oportunidades de colusão entre participantes e a participação de licitantes de má fé. Seriam procedimentos como a inversão de fases (em que a verificação de qualificação é feita após a definição do vencedor), desclassificação de propostas que estejam muito abaixo do custo estimado pelo setor público (para evitar propostas aventureiras) e intensificação do uso do pregão eletrônico, estendendo-o para obras de engenharia (para reduzir as possibilidades de colusão e corrupção).

3 – GESTÃO E PRESTAÇÃO DE SERVIÇO FINAL

Essa modalidade é similar ao contrato de GESTÃO, FORNECIMENTO E SERVIÇOS, mas aqui a empresa privada presta o serviço diretamente aos consumidores (e não ao governo) e cobra do consumidor final uma tarifa para prestar o serviço.

A infraestrutura pertence ao governo, o parceiro privado não faz nenhuma construção ou reforma de vulto. Apenas opera os serviços. Os investimentos necessários durante a vigência do contrato são feitos pelo governo (que assume os riscos inerentes a esse investimento: custos, acidentes, etc.), enquanto o operador privado fica com os riscos operacionais (frustração de demanda, flutuações na economia, etc.).

Seria o caso, por exemplo, da concessão de aeroportos, portos e estradas em que o contrato não preveja a realização de grandes investimentos ou reformas. Outro exemplo seria a concessão de estacionamentos e lojas de aeroportos e rodoviárias públicos.

O prestador privado pode repassar o valor arrecadado ao governo e ser remunerado por um valor fixo, ou pode ficar com o valor arrecadado e pagar uma taxa fixa ou percentual ao governo.

Esse modelo tem a vantagem de constituir uma relação contratual mais simples que a da concessão, em que se prevê a realização de investimentos e reformas pelo parceiro privado, mas resulta em baixo investimento privado. Tem mais efeito sobre a eficiência operacional da infraestrutura existente do que sobre a ampliação da infraestrutura.

Essa modalidade, ao contrário das apresentadas acima, passa a exigir uma entidade pública reguladora, que fiscalizará se o serviço está sendo prestado na quantidade e qualidade contratadas e definirá critérios de reajuste das tarifas.

A legislação brasileira que abriga esse tipo de contrato é a Lei das Concessões (Lei nº 8.987, de 1995). Toda concessão deve ser feita mediante licitação, nos termos da Lei nº 8.666, de 1993, acima comentada. Contudo, para as concessões , as licitações são mais flexíveis do que as previstas na Lei nº 8.666, de 1993, em que o critério decisório é praticamente limitado ao menor preço. Já nas licitações associadas a contratos de concessão, há um conjunto maior de possibilidades, tais como: o menor valor da tarifa a ser cobrada do usuário, o maior valor da outorga pago ao poder público, a melhor proposta técnica ou a combinação dos três critérios. Admite-se, também, a exigência de qualificação técnica prévia dos participantes.

Por um lado, ganha-se com a flexibilidade nos critérios de contratação, que permitem ao poder público criar regras para afastar os aventureiros e garantir a contratação de um prestador competente. Por outro lado surge a necessidade de uma agência reguladora.

Tal agência precisa ter isenção técnica e estar afastada dos interesses político-partidários do governo, e os órgãos de controle devem ser eficazes. Do contrário haverá espaço para corrupção nos processos de definição de tarifas, de exigência e fiscalização do cumprimento de metas de qualidade, das definições dos critérios técnicos para participar do processo licitatório, etc.

O Brasil ainda tem muito a avançar em termos de autonomia funcional, financeira e decisória de suas agências reguladoras. Atualmente seus dirigentes são, muitas vezes, selecionados com base em indicações político-partidárias, com a qualificação técnica e isenção ficando em segundo plano. Esta é, sem dúvida, uma forte restrição para se obter serviços concedidos de qualidade.

4 – CONSTRUÇÃO (OU REFORMA) E OPERAÇÃO

Dando um passo adiante em termos de complexidade contratual, passamos ao caso em que o parceiro privado não apenas opera a infraestrutura, mas também a constrói ou promove reformas em uma infraestrutura recebida no contrato de concessão. A infraestrutura pode pertencer tanto ao governo como ao parceiro  privado, sendo a definição feita em contrato.

A empresa privada pode pagar ao governo para ter o direito de assumir a construção/reforma e operação, nos casos em que o empreendimento tem retorno financeiro elevado; ou pode receber para fazê-lo, nos casos em que o serviço não é por si só lucrativo, e necessita de um subsídio governamental para se tornar financeiramente viável. (sobre esse ponto ver, neste site, o texto O que são parcerias público-privadas (PPP)?)

Em geral essa modalidade é usada na construção/reforma de equipamentos e prestação de serviços finais aos consumidores, com cobrança de tarifas (portos, aeroportos, hidrelétricas, linhas de transmissão de energia). Também pode ser usado na construção de infraestrutura de prestação de serviços que serão operados pelo governo (hospitais, escolas, prisões) em que o parceiro privado constrói, dá manutenção e presta alguns serviços não ligados à área fim (fornecimento de alimentação, reformas, manutenção, limpeza).  Esta modalidade difere do modelo de GESTÃO,  FORNECIMENTO E SERVIÇOS porque aqui há, também, a construção.

Outro exemplo é a construção de uma infraestrutura (rodovias, ferrovias) pelo parceiro privado, que também opera o serviço e é pago diretamente pelo governo (em vez de ser remunerado pelas tarifas).

Pode abrigar, também, contratos que, em vez de construção de instalações físicas, exijam que o parceiro privado adquira bens de capital, como no caso das concessões ou permissões de linhas de transporte coletivo urbano, em que o concessionário tem que adquirir ônibus dentro de um padrão previamente estabelecido pelo poder concedente e prestar o serviço dentro de padrões de regularidade, eficiência, etc.

Esses contratos de CONSTRUÇÃO (REFORMA) E OPERAÇÃO têm prazo mais longo que o das modalidades anteriores. Apresentam a grande vantagem de gerar ganhos de eficiência, pois o empreendedor privado vai se esforçar para construir/reformar com qualidade, pois será ele mesmo o usuário dessa infraestrutura ao longo de muitos anos, e terá interesse em minimizar os custos de reparos e as perdas decorrentes de má qualidade da construção/reforma.

Além disso, há menor probabilidade de que o projeto venha a ser abandonado, como muitas vezes ocorre com obras públicas que são interrompidas por falta de recursos orçamentários. No caso da concessões, o parceiro privado só começa a ter receitas quando inicia a operação do serviço, ao contrário das obras públicas, em que o empreiteiro recebe ao longo da construção. Por isso, ao interromper um contrato de obras públicas, não haveria mais dívidas a saldar com a empreiteira, pois ela recebe o pagamento ao longo da construção. Já no caso das concessionárias, a interrupção de obras levaria a uma quebra de contrato, porque a concessionária só começaria a auferir receitas após a operação do serviço. Adicionalmente, é de interesse do concessionário cuidar da manutenção da obra, uma vez concluída.

Outra vantagem da modalidade CONSTRUÇÃO (OU REFORMA) E OPERAÇÃO é que atrai significativo aporte de investimento privado para a infraestrutura. Assim, contribui não só para melhorar a qualidade, mas também para ampliar a  quantidade de infraestrutura disponível.

A amplitude de riscos assumida pelo parceiro privado já é maior que nas categorias anteriores: risco de demanda, de custo de construção, de financiamento, além dos riscos inerentes a um contrato de longo prazo (oscilações macroeconômicas, mudanças de governo, risco político).

O maior aporte de capital do parceiro privado passa a exigir complexas operações de financiamento junto ao mercado (emissão de ações, contratação de empréstimos, etc.).

O parceiro privado tende a operar por meio de uma “sociedade de propósito específico” (SPE) que tem as vantagens de: (1) reunir empresas diferentes para prestação de um serviço específico objeto de concessão, cada uma atuando em sua área de especialidade e, com isso, contribuindo para uma gestão eficiente e especializada (por exemplo, na construção e operação de um aeroporto forma-se um consórcio entre uma empreiteira, especializada na parte da construção, e uma operadora de aeroportos, especializada na prestação dos serviços) e ; (2) isolar ativos, passivos e direitos daquela concessão, facilitando a transferência para outro parceiro em caso de descumprimento de contrato e evitando que outros compromissos/dívidas dos participantes da SPE interfiram na saúde financeira ou gestão da concessão. O governo pode ser um dos participantes da SPE, de forma a alocar capital e garantias ao projeto (joint venture).

Há o possível envolvimento financeiro do governo por meio de empréstimos ou garantias ao parceiro privado, o que representa risco para o governo e para as finanças públicas, exigindo um contrato mais complexo, envolvendo contragarantias, cancelamento da concessão e troca do parceiro privado em caso de descumprimento contratual. Tendo em vista a já comentada dificuldade das instituições brasileiras para garantir o cumprimento dos contratos, os riscos de parte a parte são elevados.

Os contratos exigem uma ação mais completa da agência reguladora, que vai fiscalizar tanto os padrões quanto os prazos de reajuste tarifário. E, como já afirmado anteriormente, esse é um ponto fraco das instituições brasileiras.

Há também que definir e dar cumprimento à regra que estabelece com quem ficarão os ativos ao final da concessão (se com o setor público ou com o parceiro privado). Nos casos de serviços públicos concedidos de telefonia, internet (Lei Geral de Comunicações, Lei 9472\97),  televisão e rádio (CF art. 223), a maior parte dos ativos construídos é de propriedade do parceiro privado. Já nas concessões de infraestrutura de transportes a tendência é que haja reversão dos investimentos ao setor público ao final do contrato.

No Brasil todas essas modalidades estão previstas em lei. Quando se trata de concessão e permissão de serviços nos quais o prestador privado será remunerado por meio de tarifa cobrada junto ao usuário, o marco legal é a Lei de Concessões (Lei nº 8.987, de 1995). Quando há a necessidade de pagamento ou subsídio público, a concessão é regida pela chamada “Lei das PPP” (Lei nº 11.079, de 2004). Sobre as dificuldades para implantação de PPP no Brasil veja, neste site, o texto O que são parcerias público-privadas (PPP)?

5 – PROJETO, CONSTRUÇÃO (REFORMA) E OPERAÇÃO

Em relação à modalidade tratada no item anterior, esta agrega a participação do parceiro privado na fase de projeto, aumentando os potenciais ganhos de eficiência, pois agora o parceiro privado não só vai se esmerar na construção, mas também na busca de um projeto de qualidade, de forma a facilitar suas operações quando a infraestrutura estiver pronta. Nessa modalidade tira-se proveito da maior capacidade do setor privado para prospectar oportunidades de lucro em projetos financeira e/ou economicamente viáveis.

Há restrições na legislação brasileira para se conceder, conjuntamente, todo o pacote, desde o projeto até a operação. De acordo com o art. 7º, § 2º, inciso I  da Lei de Licitações só se pode licitar um projeto que disponha de “projeto básico” aprovado por autoridade competente. A ideia por trás dessa restrição é evitar a licitação de projetos sem adequada caracterização, o que daria ao parceiro privado excessiva liberdade para decidir o que e como construir. De acordo com os críticos de se licitar desde o projeto à operação, estar-se-ia licitando uma obra (e o respectivo serviço de operação da infraestrutura) no escuro[5].

A Lei nº 12.462, de 2011 (Lei do regime diferenciado de contratações), abriu exceção a essa regra, mas apenas para a construção da infraestrutura relacionada à realização da Copa do Mundo. É importante que essa regra seja generalizada para um conjunto maior de projetos de infraestrutura, depois que as obras da Copa sejam utilizadas como projeto piloto.

Se o governo investir na melhoria de sua capacidade de elaborar projetos, conforme já comentado acima, e puder contar nessa tarefa com a participação de sugestões do setor privado (antes da licitação do projeto), será possível fazer licitações a partir de anteprojetos de engenharia que sejam melhores do que os atuais (falhos) projetos básicos.

O fato de que quem planeja e constrói também ser o operador da infraestrutura já é, em si, um incentivo para que as obras de engenharia sejam feitas com economicidade e agilidade, pois disso depende a lucratividade e os baixos custos de manutenção do parceiro privado durante toda a vida da concessão. Obviamente, os resultados desse tipo de contratação, assim como das concessões comuns e PPPs depende dos detalhes de desenho dos contratos, em especial da alocação de riscos e obrigações entre os parceiros privado e público. E, com ainda mais motivos que nas modalidades anteriores, é essencial uma autoridade reguladora autônoma e técnica.

6 – CONCLUSÕES

A legislação brasileira já abriga a maior parte das modalidades de cooperação privada na provisão de infraestrutura pública, exceção feita à às licitações integradas desde o projeto básico até a execução do serviço. Mas mesmo essa possibilidade já vem sendo introduzida de forma exploratória para os investimentos relacionados à Copa do Mundo de 2014.

Não obstante haver possibilidades legais para a cooperação público-privada, diversos problemas políticos e operacionais travam a participação privada ou reduzem a sua eficiência:

  • a baixa independência política, técnica e financeira das agências reguladoras e dos órgãos de defesa da concorrência para coibir eventuais comportamentos ilegais dos parceiros privados durante a vigência dos contratos;
  • os percalços que a legislação trabalhista impõe à terceirização de serviços;
  • a dificuldade institucional do judiciário para impor o fiel cumprimento dos contratos;
  • a baixa accountability do setor público abre espaço para disfunções como: o uso da terceirização como mecanismo político de geração de emprego para clientelas políticas, formação de cartel de fornecedores ao setor público, corrupção de agentes públicos;
  • os altos custos de transação envolvidos no processo licitatório dificultam o uso de novas licitações para contestar os preços de contratos vigentes;
  • a falta de capacitação técnica e as amarras excessivas à contratação de PPPs;
  • prioridade excessiva conferida pela Lei de Licitações ao menor preço dificulta que o setor público imponha critérios de qualificação prévias que retirem da disputa concorrentes oportunistas;
  • baixa capacidade do setor público para prospectar e elaborar projetos representa perda de oportunidade de novos empreendimentos por falta de formatação adequada da relação entre os setores público e privado;
  • descoordenação e baixa capacidade técnica na elaboração de licenças ambientais travam investimentos de baixo impacto e/ou acabam na liberação “à força” de empreendimentos cujo impacto ambiental não é adequadamente mitigado.

A solução dos problemas acima listados representaria ganho de produtividade nos investimentos em infraestrutura, com a abertura de novos projetos viáveis para realização por meio de concessões. Em especial, permitiria que os investimentos em infraestrutura e a gestão dos serviços por eles prestados fossem de melhor qualidade.

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Para ler mais sobre o tema:

UNESCAP (2007) Public-private partnership in infrastructure development: an introduction to issue from different perspectives. Transport and Tourism Division UNESCAP. Bangkok, Thailand.


[1] Em seu art. 6º, inciso II, esta lei admite a contratação, pelo setor público, de serviços de: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais. O Capítulo III da mesma lei define as características desses contratos.

[2] Art. 7º, inciso XXVI da Constituição Federal.

[3] Custos de transação são aqueles incorridos por uma instituição para realizar uma determinada tarefa. No caso específico, os custos de transação para realizar uma licitação são todas as despesas financeiras e o tempo gasto com a preparação e realização do certame licitatório.

[4] Art. 6º, VIII, e) empreitada integral – quando se contrata um empreendimento em sua integralidade, compreendendo todas as etapas das obras, serviços e instalações necessárias, sob inteira responsabilidade da contratada até a sua entrega ao contratante em condições de entrada em operação, atendidos os requisitos técnicos e legais para sua utilização em condições de segurança estrutural e operacional e com as características adequadas às finalidades para que foi contratada;

[5] Para uma crítica a essa modalidade de contratação ver Resende, Renato M. (2011) O regime diferenciado de contratações públicas: comentários à Lei nº 12.462, de 2011. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD100-RenatoRezende.pdf .

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https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=1191 7
Por que o governo gasta tanto com terceirização? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=746&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-o-governo-gasta-tanto-com-terceirizacao https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=746#comments Mon, 26 Sep 2011 10:00:44 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=746 A chamada “terceirização” de mão-de-obra e serviços é uma ideia voltada tanto para a redução de custos quanto para o aumento da eficiência operacional das organizações, sejam elas públicas ou privadas.

Trata-se de contratar, junto a terceiros, serviços necessários ao dia-a-dia da organização, mas que não dizem respeito às suas áreas-fins. Em geral terceirizam-se os serviços de: conservação, limpeza, jardinagem, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações, manutenção de equipamentos.

Para os órgãos públicos a vantagem evidente, em termos de custos, é de não precisar dar estabilidade no emprego e outras vantagens do funcionalismo (gratificações, promoções por tempo de serviço, etc.) a profissionais que não exercem atividades típicas de governo. Em termos de eficiência, a vantagem está na possibilidade de rescindir o contrato de prestação de serviços com firmas que prestem serviços ruins, ou determinar à firma a substituição de profissionais que apresentem baixo rendimento, e de ganhar flexibilidade organizacional, à medida que atividades de apoio se tornem obsoletas com o passar do tempo.

Além disso, o órgão público, em tese, estaria livre de administrar toda essa mão-de-obra (folha de pagamentos, férias, obrigações patronais, controle de frequência, etc.), o que permitiria o enxugamento dos departamentos administrativos.

Não obstante essas vantagens, um dado curioso chama atenção: a despesa com terceirização tem crescido de forma acelerada. A tabela abaixo compara tal despesa com outros “elementos de despesa” do orçamento do governo federal. Nota-se que a despesa com terceirização cresceu 82% entre 2005 e 2010, uma taxa muito superior aos gastos fixos e variáveis com pessoal civil, aos gastos com material de consumo, com aposentadorias e com pensões.

Ainda que as despesas com terceirização apresentem valores absolutos muito mais modestos que as demais rubricas apresentadas na tabela, a forte taxa de crescimento merece análise. Afinal, se estiver ocorrendo alguma disfunção no processo de terceirização, então tanto a economicidade quanto a eficiência que ela promete entregar podem estar comprometidas.

Elementos de Despesa do Orçamento do Governo Federal: despesa empenhada em 2005 e 2010 (R$ milhões de 2010)

Fonte: Siafi. Sistema Siga Brasil
(*) Locação de mão-de-obra e outras despesas de pessoal decorrentes de contratos de terceirização.
Deflator: IPCA

Uma primeira causa para a expansão dos gastos com terceirização pode estar na tendência dos órgãos públicos em expandir excessivamente suas áreas-meio. Um comportamento típico do setor público é o de que, não havendo forte controle da direção do órgão público, induzindo a entidade a concentrar seus esforços em suas áreas-fim, tende a ocorrer a expansão de atividades de apoio, tais como centros de treinamento, atividades culturais e recreativas, relações públicas, comunicação social,  manutenção de departamentos cujos serviços se tornaram obsoletos tecnologicamente, etc[1].

Outra possível fonte de crescimento da despesa de terceirização é a ocupação de postos em áreas-fim da administração por trabalhadores terceirizados. Conhecido no jargão do Governo Federal como “terceirização ilegal”, esse fenômeno vem sendo reprimido pelo TCU, mas o próprio Tribunal tem limitações para checar se a prática tem sido abandonada ou não pelos órgãos públicos. Nesse caso estaria havendo uma substituição de despesa de pessoal efetivo por despesa com terceirizados.

Porém, o ponto central deste artigo é o fato de que os custos unitários dos contratos tradicionais de terceirização estão crescendo fortemente para o setor público, acima dos serviços similares prestados a empresas privadas.

A razão disso parece ser o fato de que, no setor público, há menos incentivos para conter custos e evitar desperdícios. Como já argumentado no texto “Por que a intervenção do governo pode gerar prejuízos à sociedade?“, publicado neste site, o administrador público usa um dinheiro que não é dele, para comprar bens e serviços que não serão usados por ele próprio. Nessa situação, não tem incentivos nem para buscar um menor preço de aquisição nem para exigir maior qualidade no serviço prestado.

Esse incentivo parece aplicar-se nos casos de contratos de terceirização. Para apresentar evidências nesse sentido, é preciso chamar atenção, primeiro, para o fato de que a quase totalidade dos custos envolvidos em contratos de terceirização diz respeito à remuneração da mão-de-obra contratada (os insumos utilizados na prestação dos serviços têm pequena participação no custo total dos contratos).

Em segundo lugar, deve-se atentar para o fato de que os pisos salariais fixados em convenções coletivas ou dissídios trabalhistas têm, praticamente, força de lei, em conformidade com o estabelecido no art. 7º, inciso XXVI da Constituição[2].

A ideia do legislador constitucional, ao estabelecer tal regra, foi a de garantir que as conquistas obtidas nas negociações trabalhistas sejam efetivamente reconhecidas, obrigando as empresas a pagar, no mínimo, o piso salarial de cada categoria.

Pressupõe-se que, em toda negociação salarial, há interesses opostos entre empresas e seus empregados: os empregados buscam aumentar ao máximo seus rendimentos e empregos e os patrões, para preservar sua margem de lucro, tentam conter o aumento da folha de pagamento.

Porém não é exatamente assim que as coisas acontecem nos contratos de terceirização. As firmas de prestação de serviços e locação de mão-de-obra têm suas remunerações baseadas em um percentual do custo total do serviço prestado. Isso significa que quanto maior o aumento da sua folha de pessoal, maior o percentual que as firmas receberão. Portanto, a negociação entre patrões e empregados, nesse setor, não se dá como em outras áreas da economia. Tanto os patrões quanto os empregados desejarão que a folha salarial seja a maior possível, pois todos ganham com isso.

O que pode limitar essa lógica de aumentar o máximo possível os salários é o fato de que os serviços terceirizados passem a ficar caros e as empresas e órgãos públicos passem a contratar quantidades menores de serviços terceirizados. Por exemplo: um aumento real muito expressivo nos salários de profissionais de limpeza levaria um shopping center a reduzir seu contrato, passando a usar 30 faxineiros em vez dos 50 que utilizava anteriormente.

A ameaça de redução do valor total do contrato faria com que as firmas de serviços terceirizados tivessem incentivos para conter as demandas salariais de seus empregados. De maneira simplificada, aumentos exagerados nos preços unitários poderiam redundar em reduções mais que proporcionais na receitas totais, pelo corte mais que proporcional nas quantidades contratadas.

No entanto, o setor público é menos ágil e tem menos incentivos para diminuir as quantidades contratadas frente a aumentos de custos. Além disso, os valores de contratos com o setor público são muito superiores aos dos contratos com empresas privadas. Isso incentiva as firmas de terceirização a relaxarem nas negociações salariais, pois essa postura aumenta seus ganhos e gera repasse de custos à administração pública.

É interessante comparar a evolução dos pisos salariais estabelecidos por convenções coletivas entre empresas e sindicatos de trabalhadores de serviços terceirizados[3] com as convenções coletivas relativas a trabalhadores que atuam tipicamente no setor privado. É interessante fazer essa comparação no âmbito do Distrito Federal, onde a administração pública tem peso significativo na economia. Para representar o grupo de trabalhadores do setor privado escolhemos a categoria dos comerciários, que atua tipicamente em estabelecimentos comerciais privados[4].

Esse tipo de comparação usa os empregados do setor privado como uma espécie de “grupo de controle”. As condições gerais do mercado de trabalho (ritmo de crescimento da economia, inflação, taxa de desemprego, etc.) são similares para os dois setores. O que houver de diferença na evolução dos salários dos dois setores é, muito provavelmente, decorrente de dinâmicas diferentes em cada um dos setores.

O gráfico abaixo mostra que, tomando o ano de 2003 como base, os salários das duas categorias evoluem de modo similar. No entanto, a partir de 2009 o piso salarial dos trabalhadores em serviços terceirizados dispara, ficando 16% acima do piso salarial dos comerciários.

Ou seja, desde 2009 o setor de serviços terceirizado, que no Distrito Federal atende principalmente o setor público, tem encontrado condições mais fáceis de reajuste salarial do que em uma atividade tipicamente privada, na qual as negociações salariais são “para valer”.

Gráfico 1 – Evolução nominal do piso salarial dos trabalhadores de serviços terceirizados no DF e dos trabalhadores do comércio do DF


Fontes: SEAC e Fecomércio

O gráfico acima analisou a taxa de variação dos salários no tempo. Há que se verificar, também, o nível dos salários. E nesse caso há evidências ainda mais claras de que o setor público paga caro nos serviços terceirizados. As empresas de terceirização, quando encontram espaço, conseguem discriminar o preço cobrado de clientes do setor privado e de clientes do setor público.

Detectamos dois casos em que essa discriminação de preços ocorre há muitos anos: serviços de vigilância e de bombeiros de brigadas de incêndio. No caso das convenções coletivas dos trabalhadores em vigilância no Distrito Federal, historicamente fixam-se pisos salariais maiores para os vigilantes que trabalham no Banco do Brasil (uma empresa controlada pelo governo) e no Banco Central (um órgão público). A tabela abaixo mostra que o Banco do Brasil paga 34% a mais que os bancos privados, enquanto o Banco Central paga 95% a mais.

Tabela 1 – Piso salarial de vigilantes no DF estabelecido em convenção coletiva para o período 2010/2011


Fontes: Sindicato dos Vigilantes do DF. www.sindesvdf.com.br

Consultamos gestores do Banco Central e do Banco do Brasil acerca dos motivos da diferença. A resposta das duas instituições foi basicamente a mesma: quando se decidiu desfazer o quadro próprio de vigilantes e passar  a adotar serviços terceirizados, o BB e o BACEN pagavam acima do mercado privado. Decidiram, então, manter os salários mais altos para não prejudicar os então empregados, também preservando todos os postos de trabalho[5].

Ou seja, as instituições públicas não atuaram no sentido de reduzir seus custos, priorizando outros objetivos: a manutenção do emprego e do salário em níveis superiores ao de minimização de custos (conta que, obviamente, é paga pelo contribuinte e, no caso do BB, também pelos acionistas privados).

Deve-se notar que um vigilante não exerce tarefas adicionais ou corre maior risco por trabalhar no BB do que, digamos, no Itaú ou no Santander; o mesmo raciocínio se aplicando para o Banco Central.

Os sindicatos de trabalhadores e os de empresas desse setor aproveitam essa brecha e praticam a chamada discriminação de preços. Para maximizar os empregos no setor privado – e a receita das empresas de terceirização –, fixam um piso menor para os vigilantes empregados por esse setor, pois há a ameaça de o setor privado retaliar reduzindo mais que proporcionalmente o contingente total contratado; e para maximizar salários – e as receitas das empresas de terceirização –, fixam um piso maior para as empresas públicas, onde praticamente não há ameaça de retaliação, já que não se prevê ameaça de redução do número de contratados, a despeito de aumentos de salário sensivelmente acima dos praticados no setor privado.

Fenômeno similar ocorre com a categoria de bombeiros profissionais do Distrito Federal, profissionais destacados para o trabalho de prevenção de incêndios em prédios. Sua convenção coletiva, firmada com o Sindicato de empresas de terceirização (SEAC), discrimina claramente dois tipos de contratantes dos serviços.

De um lado ficam os clientes do setor público: “órgãos da administração pública federal direta e indireta, empresas públicas, sociedades de economia mista, administração pública direta e indireta do distrito federal, empresas públicas, sociedades de economia mista”. De outro lado, os clientes do setor privado: “empresas privadas, condomínios, shoppings e congêneres”[6]

A tabela abaixo mostra a diferença de pisos salariais praticados para cada grupo: o setor público paga 53% mais caro por um bombeiro de nível básico e 66% mais caro por um bombeiro líder.

Tabela 2 – Piso salarial de bombeiros profissionais no DF estabelecido em convenção coletiva para o período 2010/2011


Fontes: SEAC

Em geral os administradores públicos responsáveis pelos contratos de terceirização argumentam que nada podem fazer pois, por determinação da Constituição, precisam obedecer às convenções coletivas e pagar os reajustes estabelecidos.

Há, inclusive, uma norma do Ministério do Planejamento determinando o efetivo e integral repasse dos reajustes salariais aos contratos de terceirização (Instrução Normativa nº 2, de 2008 – alterada pela IN nº 3, de 2009):

§ 4º A repactuação para reajuste do contrato em razão de novo acordo, dissídio ou convenção coletiva deve repassar integralmente o aumento de custos da mão-de-obra decorrente desses instrumentos.

Estará o setor público, por força da regra constitucional, impotente diante desse aparente conluio entre patrões e empregados de serviços terceirizados? Não necessariamente.

Em primeiro lugar, é preciso lembrar que a  Lei de Licitações (Lei nº 8.666, de 1993) estipula, em seu art. 57, inciso II,  que a renovação de contratos de terceirização, mediante aditamento, sem a realização de nova licitação, deve ter por objetivo gerar preços e condições mais vantajosas para a administração. Há, espaço, portanto, para uma renegociação do contrato.

Isso pode ser feito mediante uma sinalização ou efetiva redução do valor total do contrato (com correspondente redução do serviço prestado). A Lei de Licitações fixa, no seu art. 65, § 1º [7], que a administração pública pode, a qualquer momento, e unilateralmente, reduzir em até 25% o valor de seus contratos. Portanto, uma forma de reagir a aumentos excessivos no custo de mão-de-obra embutido nos contratos terceirizados seria sinalizar aos prestadores que a reação a aumentos abusivos seria o corte no tamanho do contrato. Isso induziria as empresas a conter o valor dos reajustes salariais para não perder no valor total do contrato.

Mas para que essa atitude pró-ativa se torne realidade, é preciso que os gestores do setor público tenham incentivos a agir; não sendo trivial criar tais incentivos.

Alternativamente se poderia propor norma (legal ou infralegal) que proibisse a fixação de pisos salariais ou reajustes salariais diferenciados em função de o trabalhador prestar serviços ao setor público ou ao setor privado.

Outra opção no campo da legislação seria fixar que, no caso de serviços terceirizados, os reajustes dos contratos decorrentes de variação de custo de mão-de-obra não poderiam ser superiores a uma variação de uma cesta de salários praticados no setor privado, que passaria a ser tomada como referência. Tal medida não afetaria a soberania das convenções coletivas, uma vez que os salários ali fixados seriam pagos, mas a administração ficaria obrigada a reduzir o tamanho do contrato, com a consequente redução do número de trabalhadores prestando o serviço.

O problema de diferenciação salarial tratado neste texto é apenas um dos muitos problemas que envolvem os contratos de terceirização e que minam a capacidade desse instrumento para reduzir custos e aumentar eficiência administrativa.

Entre outros problemas pode-se apontar o fato de que há um conjunto de grandes empresas de terceirização com significativo poder de mercado, que tende a gerar práticas de cartel (o que poderia ser objeto de análise pelas autoridades responsáveis pela preservação da concorrência).

Outro problema decorre da intensa interação das empresas de terceirização com administradores públicos. Isso acaba por gerar práticas de reciprocidade que, embora vetadas pela legislação e pelos normativos do Ministério do Planejamento, tornam-se comuns, como a indicação, pelos dirigentes públicos, das pessoas que serão contratadas pelas firmas de terceirização.

A convivência dos terceirizados com os corredores do poder lhes dá espaço para reivindicar a manutenção de seus empregos junto a dirigentes políticos. Isso significa que os gestores dos contratos de terceirização perdem mais uma ferramenta de barganha: a ameaça de reduzir o tamanho dos contratos em caso de reajustes muito elevados nos valores dos salários.

Para piorar a situação, a justiça do trabalho, em sua  jurisprudência,  coloca o contratante de serviços terceirizados como responsável solidário pelo pagamento de direitos trabalhistas. Isso, por um lado, protege o trabalhador  mas, por outro, cria incentivos para que as empresas se tornem inadimplentes com relação a essas obrigações, como forma de forçar a administração pública a pagá-las. Não é incomum a prática de deixar uma empresa de terceirização quebrar, depois de ter recebido a quase totalidade dos pagamentos  feitos pelo setor público, deixando-se o “mico” trabalhista nas mãos do erário.

Por fim, vale registrar que boa parte da simplificação administrativa esperada com a terceirização acaba não ocorrendo. As regras impostas pelo Ministério do Planejamento e o temor dos administradores públicos quanto à possibilidade de as firmas lhes empurrarem custos trabalhistas acabam induzindo a criação de um controle administrativo paralelo. Assim, a administração pública acaba tendo que alocar pessoal para controlar os pagamentos de salários e auxílios (transporte, alimentação, etc.) aos terceirizados que lhes prestam serviços.

O resultado é um custo de terceirização elevado e crescente, pela fixação de remunerações acima daquelas que as leis do mercado estabeleceriam, pela manutenção de pessoal terceirizado acima do nível ótimo e pela manutenção de uma aparato administrativo interno de monitoramento de contratos de terceirização do qual, em um modelo racional, a administração pública deveria prescindir.

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[1] Sobre a dificuldade do setor público para conter seus custos e manter atividades com relação custo-benefício negativo ver, neste site, o texto Por que a intervenção do governo pode gerar prejuízos à sociedade?

[2] Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social:

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XXVI – reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho;

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[3] Convenções coletivas entre o Sindicato dos empregados de empresas de asseio, conservação, trabalho temporário, prestação de serviço e serviços terceirizáveis do Distrito Federal (Sindiserviços) e o Sindicato de empresas de asseio, conservação, trabalhos temporários e serviços terceirizáveis do DF (SEAC). Disponível em www.seac-df.com.br

[4] Convenções coletivas entre a Federação do Comércio de Bens, Turismo e Serviço do Distrito Federal (FECOMERCIO) o o Sindicato dos Empregados no Comércio do DF (Sindicom). Disponível em www.fecomerciodf.com.br

[5] O técnico do Banco Central consultado a respeito adicionou, ainda, o argumento de que, eventualmente, um vigilante de prédio do Banco Central pode vir a ser requisitado a fazer escolta armada de valores e que, por isso, o Bacen paga ao vigilante de prédio remuneração igual à do vigilante de escolta armada, apesar da baixa probabilidade de que ele seja, efetivamente, requerido a fazer tal serviço.

[6] Convenção coletiva 2010/2011, SEAC-Sindbombeiros do DF, cláusula 3ª.

[7] Art. 65…………………………………………….

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1o O contratado fica obrigado a aceitar, nas mesmas condições contratuais, os acréscimos ou supressões que se fizerem nas obras, serviços ou compras, até 25% (vinte e cinco por cento) do valor inicial atualizado do contrato, e, no caso particular de reforma de edifício ou de equipamento, até o limite de 50% (cinqüenta por cento) para os seus acréscimos.

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