tarifas públicas – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 09 Feb 2015 10:31:41 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.1 CAESB: saneamento básico, preço de luxo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2384&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=caesb-saneamento-basico-preco-de-luxo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2384#comments Mon, 09 Feb 2015 10:31:41 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2384 Na revisão anual das tarifas de água e esgoto do Distrito Federal para 2015, que acaba de autorizar, a Agência Reguladora de Água, Energia e Saneamento Básico do DF– ADASA – não deixou por menos: 16,2%, quase 10 pontos percentuais acima da inflação. Enquanto isso, a SABESP, concessionária de São Paulo, foi autorizada a reajustar suas tarifas em 6,5%, índice compatível com a inflação do período de referência.

Conceder aumentos muito acima da inflação para esses serviços tem sido a prática da ADASA. Com isso, a agência tem chancelado o descontrole operacional e financeiro que caracteriza a gestão da Companhia de Saneamento do DF (CAESB) nos últimos anos. Exatamente o oposto do que deveria fazer: cobrar eficiência na gestão da concessionária pública, em obediência ao seu mandato de defender os interesses dos consumidores e preservar a viabilidade financeira da prestação dos serviços.

A observação de alguns poucos indicadores de desempenho da CAESB é suficiente para demonstrar que a empresa vem dissipando os generosos aumentos recebidos ao longo do último quinquênio, com visível queda na sua capacidade de geração de caixa livre.

Os dados do Gráfico 1 mostram que a folha de pagamentos da empresa vem crescendo a taxas significativamente maiores que as da receita operacional – que é a soma de todas as contas de consumidores ao longo do ano. Mesmo contando com um crescimento exuberante de 55% no faturamento no período, a CAESB não conseguiu manter estável a relação entre o faturamento e a folha. A despesa com pessoal mais que dobrou – um aumento de 105%, frente a uma inflação de 25,2% (IPCA anual julho a junho – base 2009). Isso significa que a folha teve um crescimento real de 63,6%.

Gráfico 1.

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O forte aumento real do faturamento da CAESB não se deu somente pela elevação de tarifas unitárias (por m3 cúbico de água e esgoto) e pela expansão do volume de serviços prestados. Parcela representativa do aumento da tarifa média é decorrente da extinção, na prática, da categoria “residencial popular”, como se vê no Gráfico 2. Os consumidores “residenciais normais”, que, em 2010, representavam 50,2% dos consumidores, agora representam 94,0%! O percentual de consumidores “residenciais populares” caiu de 44,4% para 0,1%. Isso quer dizer que apenas 1 em cada 1000 consumidores do DF é ainda enquadrado nessa categoria, quando em 2010 a proporção era de 444 para mil.

Gráfico 2.

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O aumento de preços ao consumidor causado por essa reclassificação é significativo: 33,7%. Para exemplificar, 1.000 litros de água na tarifação inicial da CAESB para as “residências populares” custariam hoje R$1,66 – caso o segmento não tivesse sido extinto; já para os consumidores “residenciais normais” a tarifa é de R$ 2,20. Como se vê, além de avançar nos preços bem acima da inflação, a política de preços do saneamento no DF é ainda mais abusiva contra os mais pobres.

Os subsídios nos sistemas de saneamento básico no Brasil são cruzados. Consumidores de maior poder aquisitivo pagam mais caro, porque níveis maiores de consumo têm tarifas unitárias maiores. Duas variáveis determinam o grau de subsídio: o nível do consumo (quanto menor o consumo, menor o preço unitário) e a classificação sócio-econômica. O subsídio por volume de consumo é bastante eficaz, no sentido em que é autorregulável. Se o consumidor passa a consumir mais, sua tarifa média sobe, sem necessidade de qualquer controle burocrático, pois faixas de consumo mais elevadas têm tarifa mais alta. Se houve redução dos beneficiários do subsídio pelo critério sócio-econômico, deveria ter havido queda concomitante nas tarifas mais altas, mantendo fixa a tarifa média.

Voltando ao Gráfico 1, a tarifa média faturada pela CAESB cresceu 40% no período de 2009 a 2013 – saindo de R$ 2,80 (por mil litros de água e esgoto) para R$ 3,89 – frente a uma inflação de 25,2%.

A disparada das tarifas unitárias explica a forte elevação do faturamento real da CAESB (descontada a inflação) de 23,8%, enquanto a produção cresceu menos da metade desse percentual: apenas 11,7%: saiu de 308 milhões de m3, em 2009, para 344 milhões de m3, em 2013, como mostra o Gráfico 3.

Gráfico 3.

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Outra tendência preocupante vista no Gráfico 1 é a compressão dos gastos com insumos de terceiros, que tiveram crescimento de 17,6% entre 2009 e 2013, inferior ao índice de inflação do período (de 25,2%). Isso pode ser um indício de possível canibalização da rede e dos equipamentos da empresa, embora sempre exista a possibilidade de que essa redução de custos esteja relacionada a ganhos de eficiência. Ao mesmo tempo, mostra a desproporção entre o aumento da folha de pagamento e os demais custos de operação. A título de comparação, a Sabesp gerou, em 2013, receita bruta de aproximadamente R$ 12,9 bilhões e gastou com pessoal 1,6 bilhão, uma percentagem de 12,4%. Já a CAESB faturou R$1,3 bilhão e despendeu R$ 556 milhões com folha de pagamento, uma proporção de 42%, o equivalente a 3,5 vezes o gasto relativo com pessoal da SABESP.

Existem outras anomalias flagrantes. O Gráfico 4 demonstra que o lucro líquido vem sendo erodido. A erosão do lucro e o encolhimento dos gastos com terceiros são indícios de que a empresa talvez se torne incapaz de manter e expandir sua rede nos níveis requeridos pelo consumo de uma população crescente. Também grave e anômala é a tendência de crescimento da parcela do lucro distribuída aos empregados, em detrimento do acionista majoritário – o GDF. Em 2011 se deu o caso mais alarmante dessa prática perdulária: apesar da queda expressiva no lucro, os empregados amealharam participação de R$ 9,5 milhões, mais do que o dobro do que restou ao acionista controlador, meros R$ 4 milhões. Em 2012, com aumento no lucro, a participação dos empregados foi de R$ 37,6 milhões, ou 70% do que foi destinado ao GDF. No caso da SABESP, a participação no lucro dos empregados, em 2013, foi de R$ 68,5 milhões, diante de um lucro líquido de R$ 1,9 bilhões, uma proporção de 3,6%.

Gráfico 4.

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Diante da atual crise hídrica de São Paulo, poder-se-ia argumentar que, apesar dos bons indicadores financeiros, a Sabesp não é um exemplo a ser seguido. Em relação a essa crítica, há duas réplicas possíveis. A primeira é que a situação no Distrito Federal é confortável somente em função de investimentos pesados feitos antes de 2009 e de uma hidrologia mais favorável que vem atingindo a região. De acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, no quadriênio 2010-2013, a Sabesp investiu R$ 9,6 bilhões, ante R$ 600 milhões da Caesb. Como proporção do faturamento, esses gastos correspondem a 26% e 13%, respectivamente. Assim, a crise hídrica de São Paulo se deve, muito provavelmente, a alguma falha de planejamento da estatal, mas não a insuficiência de investimento. Pelo nível dos investimentos da CAESB, se a situação hidrológica fosse igual, talvez os efeitos sobre o Distrito Federal fossem piores.

Em resumo, o que se vê na CAESB é a subordinação do interesse público às demandas salariais das corporações – em prejuízo da eficiência do serviço e dos consumidores e contribuintes, especialmente os mais pobres. O mesmo padrão de captura que levou a administração direta do Distrito Federal à falência. É preocupante que esse modus operandi venha contando com a prestimosa complacência da agência reguladora, que, assim, parece ter perdido a noção de sua finalidade.

É preciso que a ADASA explique seus critérios de tarifação. De outro modo, o saneamento básico no DF acabará se tornando artigo de luxo.

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Quanto custaria o passe livre estudantil em transporte público? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2230&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quanto-custaria-o-passe-livre-estudantil-em-transporte-publico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2230#comments Mon, 19 May 2014 13:43:21 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2230 Um tema central das marcantes manifestações populares de julho de 2013 foi o passe livre em transporte público, em especial o passe livre estudantil. Existem movimentos que reivindicam tal gratuidade espalhados por todo o país, bem como projetos de lei nos legislativos estaduais e federal. Poucos, contudo, se deram ao trabalho de fazer as contas para saber quanto custaria ao país tal gratuidade.

Não é fácil fazer essa conta, pois não há transparência nos dados de custos e tarifas nos transportes públicos. Os dados disponíveis, além de incompletos estão desatualizados. O presente texto tenta fazer uma estimativa aproximada, para que se tenha, pelo menos, ideia da ordem de grandeza dos custos envolvidos. A conclusão que se chega é de que o custo seria elevado, atingindo pelo menos R$ 10 bilhões por ano, mas podendo se aproximar dos R$ 30 bilhões, dependendo de como a demanda por transportes reagiria à gratuidade.

Supõe-se a hipótese de gratuidade no transporte público para todos os estudantes do ensino fundamental, médio e superior, tanto de escolas públicas quanto privadas. De acordo com o que tem sido reivindicado pelos grupos de defesa do passe livre estudantil, os estudantes poderiam usar o transporte público livremente, quantas vezes quiserem, em qualquer dia da semana, inclusive no período de férias escolares.

São usados dois métodos para fazer a estimativa. O primeiro método usa os dados de tarifas e passageiros transportados nas capitais do país em outubro de 2012. O segundo método usa dados de matrículas escolares e da composição etária da população brasileira, respectivamente levantados pelo MEC e pelo IBGE.

Método I

A Tabela 1, construída com dados da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) de 2012, estima uma despesa de R$ 9,7 bilhões anuais com o custeio do Programa Passe Livre Estudantil.

Tabela 1 – Estimativa da Perda de Receita do Sistema Público de Transportes das Capitais com a Concessão de Gratuidade aos Estudantes

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Fontes: NTU e IBGE. Elaborado pelo autor.
Notas: (1) considerando período letivo de nove meses em “H”; (2) considerando utilização ao longo de doze meses em “J”.

 

Essa estimativa é construída da seguinte forma. Em primeiro lugar, toma-se o valor da passagem em cada capital (coluna A). A coluna B informa a participação percentual dos estudantes no número total de passageiros. Multiplicando-se tal percentual pelo total de passageiros que utilizaram o sistema no mês de outubro de 2012 (coluna C), obtém-se o total de estudantes que utilizaram o sistema público de transporte naquele mês (coluna D).

A coluna E mostra qual seria a receita mensal obtida com o transporte de estudantes caso estes pagassem tarifa cheia. Esse seria o custo mensal do passe livre estudantil. Ela corresponde ao produto do valor da tarifa (coluna A) pelo total de estudantes transportados (coluna D).

Esse cálculo, a princípio, superestima o custo do programa, pois a introdução do passe livre, se financiado com recursos orçamentários, acabará com o subsídio cruzado, em que os passageiros pagantes de tarifa cheia arcam com o atual desconto concedido aos estudantes. Assim, as tarifas consideradas na coluna A deveriam ser menores que as atualmente praticadas. Porém, não temos informações suficientes que nos permitam calcular qual seria essa nova tarifa. Ademais, tal superestimação pode ser atenuada pelo fato de que, em muitos casos, as tarifas usadas na coluna A estão defasadas, tendo em vista que, em algumas cidades, reajustes que deveriam ter ocorrido foram postergados.

Supondo-se que o mês de outubro de 2012 (o único para o qual dispomos de dados) seja representativo e que os estudantes utilizam o transporte apenas nos meses de aula (9 meses por ano), chega-se ao total que o sistema de transportes arrecadaria com o transporte de estudantes caso praticasse tarifa cheia para esses passageiros (coluna F), equivalente a aproximadamente R$ 1,4 bilhão. Note-se que a indisponibilidade de dados para a participação dos estudantes no total de passageiros transportados em algumas capitais (coluna D) nos obrigou a usar, nesses casos, a média observada nas outras capitais.

A estimativa acima apresentada tende a ser subestimada porque:

1) restringe-se às capitais de estados, enquanto a gratuidade valerá para todos os municípios do País;

2) não considera que, com a gratuidade, haverá um natural aumento da demanda dos estudantes, que passarão a fazer mais viagens no sistema de transportes. Os passes estudantis atuais restringem o desconto aos trajetos de ida e volta da escola e ao período de aulas. Com o passe livre, estudantes poderão circular sem limite de viagens e durante todo o ano, o que amplia a perda potencial de receita e exige do sistema de transportes maior oferta de serviços.

Para superar o primeiro tipo de subestimação, supusemos que o passe livre será utilizado em todos os municípios com mais de 45 mil habitantes. Em municípios menores não costuma haver dificuldades para o estudante caminhar até a escola e muito desses municípios sequer têm sistema organizado regular de transporte público.

Na coluna G da Tabela 1 apresentamos um fator de expansão populacional, para que seja possível levar em conta o uso de transporte público pelos estudantes dos municípios que não são capital de estado e têm mais de 45 mil habitantes. Por exemplo, em Palmas, capital do Tocantins, a população é de 228 mil habitantes. Em todo o Estado do Tocantins, os municípios com mais de 45 mil habitantes (inclusive a capital) têm um total de 505 mil habitantes. O fator de expansão é dado por (505/228 = 2,21)1.

A coluna H multiplica o fator de expansão pelo custo estimado para as capitais (coluna F). Chega-se, então, a um custo de R$ 5,1 bilhões por ano.

Esse valor, porém, não leva em conta o fato de que os alunos passarão a circular mais vezes do que simplesmente a ida e volta para a escola. Se houver um aumento de, por exemplo, 30% na demanda total de viagens, o custo do programa aumentará proporcionalmente, chegando a R$ 9,7 bilhões (3,4 x 1,3), conforme mostrado na coluna I.

Método II

Uma forma alternativa de se buscar uma noção dos valores envolvidos na concessão do passe livre é através da utilização dos dados de matrículas escolares, levantados pelo INEP, e da composição populacional das cidades brasileiras, levantada pelo IBGE.

Tomamos como número total de estudantes com direito ao passe livre o total de matrículas em escolas públicas e privadas do ensino básico situadas em áreas urbanas, mais o total de matrículas no ensino superior no ano de 2011. Foram excluídos os alunos da educação infantil que, pela faixa de idade, já gozam de gratuidade. O total assim obtido é de 45,3 milhões de alunos (fonte: INEP – MEC).

Como estimativa do número de estudantes que efetivamente utilizariam o passe livre, mais uma vez supusemos que apenas aqueles residentes em cidades com mais de 45 mil habitantes utilizariam ônibus para se deslocar à escola. Tomando por base a população de cada município brasileiro, calculamos o percentual da população de cada estado que vive em cidades com mais de 45 mil habitantes. Isso gerou um número de potenciais usuários do passe livre equivalente a 31 milhões de pessoas (fonte: IBGE).

O custo médio da passagem em cada estado do País foi tomado a partir de dados da NTU, já mostrados na Tabela 1. Supusemos que a tarifa nos demais municípios fosse igual à da capital. Com relação ao número médio de dias que cada estudante utilizará o transporte, faremos duas hipóteses. Uma hipótese conservadora de que o transporte seja usado apenas em dias letivos (200 por ano) e uma hipótese alternativa de que os estudantes também usariam o transporte eventualmente no final de semana (250 dias por ano).

Quanto ao número de vezes em que um estudante usaria o transporte por dia, trabalharemos com uma hipótese conservadora de que ele faria apenas as viagens de ida e volta para a escola (2 viagens) e uma hipótese alternativa de que haveria um aumento de 30% nas viagens (2,6 viagens).

Quanto ao percentual de estudantes que efetivamente usaria o passe livre, trabalhamos com 4 hipóteses, que vão de 30% do total dos estudantes em cidades de mais de 45 mil habitantes até 60% desses estudantes.

A Tabela 2 apresenta estimativas para o caso em que os estudantes utilizem o passe livre apenas nos dias letivos.

Tabela 2 – Estimativas de custos para o caso em que os estudantes utilizem o passe livre apenas nos dias letivos (200 dias por ano) (em R$ bilhões)

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Se, por exemplo, os estudantes fizerem apenas duas viagens por dia e somente 30% dos estudantes elegíveis para o uso do passe efetivamente viajarem, o custo anual do passe livre será de R$ 10 bilhões. Por outro lado, se 60% dos estudantes elegíveis viajarem, em média, 2,6 vezes por dia, o custo atingirá R$ 26 bilhões.

As estimativas da Tabela 2 tendem a ser conservadoras, pois tendo a possibilidade de usar gratuitamente o transporte público quando quiserem, os estudantes tenderão a utilizar o benefício também nos finais de semana. Assim, a Tabela 3 apresenta estimativas para o caso de que eles viagem, em média, 250 dias no ano. Nesse caso, os custos variariam entre R$ 12,5 e R$ 32,5 bilhões.

Tabela 3 – Estimativas de custos para o caso em que os estudantes utilizem o passe livre 250 dias por ano (R$ bilhões)
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As estimativas aqui apresentadas devem ser tomadas com cautela. A baixa transparência e indisponibilidade dos dados relativos aos custos e à intensidade de uso do transporte público não permitem que se façam cálculos mais precisos. De qualquer forma, mesmo na estimativa mais otimista (R$ 9,7 bilhões por ano) já representa custo elevado.

Para se ter uma ideia de grandeza desse valor, considere que o setor público brasileiro (União, estados e municípios) gasta aproximadamente 3% do PIB, todo ano, com educação pública de 1º a 9º ano de ensino (ensino fundamental)2. Em 2013 isso representou algo como R$ 145 bilhões. Com o dinheiro do passe livre seria possível aumentar a despesa com aqueles níveis de ensino entre 6,8% (hipótese otimista de custo total de R$ 10 bilhões) e 22% (hipótese pessimista de custo total de R$ 32 bilhões). A sociedade brasileira precisa, então, decidir se quer subsidiar o transporte dos estudantes até a escola ou se quer melhorar a escola em si. Ambas as opções são legítimas, e precisam ser avaliadas com cuidado. Só é preciso ter em mente que o passe livre estudantil não é “de graça”, tem seu custo econômico e social.

Analisando a possibilidade de aplicação alternativa dos recursos para fins de melhoria da qualidade e aumento da oferta de  transporte, deve-se dizer que R$ 10 bilhões por ano fariam grande diferença. Com esse valor pode-se, por exemplo, construir, todos os anos, 20 km de linhas de metrô3 ou mais de 500 km de corredores de BRT (Bus Rapid Transit)4, o que elevaria a rapidez e conforto do transporte coletivo.

O investimento desses recursos na melhoria e maior eficiência do sistema de transporte (em vez do subsídio ao transporte de estudantes) aumentaria a velocidade média e reduziria os custos operacionais do sistema, gerando melhor serviço e maior produtividade econômica para todos. Além disso, a melhoria da qualidade tenderia a atrair novos passageiros pagantes, criando, assim, um ciclo virtuoso de maiores receitas e menores custos por viagem. Tal caminho parece ser bem mais promissor que o subsídio ao uso de um sistema ineficiente e sobrecarregado. Passagens gratuitas para estudantes sobrecarregarão um sistema que já não funciona adequadamente, reduzindo a velocidade média e elevando seus custos.

Por fim, cabe o alerta de que, frente à permanente escassez de recursos públicos, se opte pelo financiamento do passe livre por meio de subsídios cruzados. Ou seja, pela elevação da passagem cobrada dos demais usuários para financiar a gratuidade para os estudantes. Nesse caso, como na maioria dos casos de subsídios cruzados, haverá injustiça distributiva. Afinal, não é razoável que o trabalhador subsidie a passagem do estudante de classe média.

________________

1 Esse procedimento tende a superestimar o número de estudantes usuários, visto que na estatística das capitais já estão incluídos estudantes residentes em outros municípios que transitam pela capital. Mas não há como evitar tal superestimativa.

2 Fonte: INEP-MEC

3Tomando-se o custo de construção da linha 4 do metrô de São Paulo, conforme http://www.metro.sp.gov.br/noticias/acontecendo/governador-geraldo-alckmin-inicia-2a-fase-da-linha-4amarela.fss

4Tomando-se por referência os custos anunciados para os projetos de BRT no Distrito Federal. Vide http://www.brtbrasil.org.br/index.php/brt-brasil/cidades-com-sistema-brt/menubrasilia/expresso-df#.U3X_L1VdXjN

 

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Por que custa caro ligar de telefone fixo para celular? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2117&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-custa-caro-ligar-de-telefone-fixo-para-celular https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2117#comments Tue, 04 Feb 2014 12:02:24 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2117 A ampla difusão da telefonia celular levou a alguns comportamentos curiosos dos usuários. Muitos compram telefones que comportam chip  de várias operadoras. Profissionais liberais e prestadores de serviço costumam colocar, em seus cartões profissionais, vários números de telefone celular, cada um de uma operadora diferente.  É comum ver pessoas carregando mais de um aparelho celular, cada um deles com chip de uma operadora diferente. Tornou-se usual o uso da frase: “você tem um número fixo para o qual eu possa ligar?”. Parentes, namorados e amigos que fazem muitas ligações entre si, tendem a escolher a mesma operadora, para aproveitar ligações mais baratas ou promoções de ligação gratuita entre linhas daquela operadora.

Esse tipo de comportamento decorre da política de preços usada pelas operadoras de telefonia móvel, que fixam preços diferenciados, cujo padrão é:

  • Cobrar mais barato por ligações entre linhas móveis da mesma operadora;
  • Cobrar mais caro nas ligações originadas em telefones fixos com destino a telefones móveis;
  • Quando a operadora de telefonia móvel pertence a um grupo econômico que também é proprietário de empresa de telefonia fixa, cobra-se mais barato pelas ligações que provêm da operadora de telefone fixo pertencente ao mesmo grupo do que de ligações de telefone fixo geradas em operadora rival.

Não existe um modelo de custos que apure adequadamente qual a diferença de custos entre uma ligação entre linhas móveis daquela entre linha fixa e móvel; ou a diferença entre ligações dentro de uma mesma rede móvel e ligações entre redes distintas. Não obstante isso, as diferenças de preços cobrados ao consumidor, para esses distintos tipos de ligação telefônica, é bastante grande, na casa dos múltiplos de dez.

Tal diferenciação de preços não é apenas consequência de diferentes custos para viabilizar as chamadas; sendo, também, decorrente de estratégias das operadoras para maximizar lucro e  expandir participação de mercado.

Há, portanto, nessas estratégias de fixação de preços, possibilidade de conduta anticompetitiva e de lesão ao consumidor à qual as instituições reguladoras – ANATEL e Conselho Administrativo de Defesa Econômica – devem ficar atentos.

Para entender o fenômeno é preciso, em primeiro lugar, saber que o regime de tarifação no Brasil é baseado no princípio de que quem paga a ligação é o usuário que fez a chamada: “a parte que chama paga” (calling party pays-CPP).  Além disso, a operadora móvel que recebe uma chamada tem o direito de cobrar pelo uso da sua rede. Trata-se da chamada  “tarifa de interconexão” para a terminação de chamadas da telefonia móvel, o VU-M (Valor de Uso da Rede Móvel) que serve tanto para chamadas originadas em telefones fixos como celulares.

Suponha que João, usuário da operadora (fixa ou móvel) A faça uma ligação para Maria, que tem uma linha móvel da operadora B. No preço cobrado de João por essa ligação estará embutida a “tarifa de interconexão”, que irá para os cofres da operadora B.

Esse sistema de cobrança, usado em diversos países, gera incentivos para que a operadora B fixe uma elevada tarifa de interconexão, encarecendo as ligações feitas para seus usuários a partir de linhas de outras empresas. Isso aumentará a receita da operadora B. Parte dessa receita extra, a operadora pode repassar a seus usuários, sob a forma de descontos na compra de aparelhos,  ligações a baixo custo entre linhas da própria operadora B ou créditos para ligações futuras.

O usuário de uma linha da operadora B, recebedor da chamada, é insensível a preços que são pagos por quem faz a chamada. No momento de escolher a operadora, este não é um preço relevante para ele. Ele vai dar mais atenção aos custos que ele pagará ao fazer suas próprias ligações e ao custo de aquisição do aparelho celular, de modo que a operadora tem incentivos a cobrar barato por isso, para atrair o cliente.

Ao usar essa estratégia, a operadora B atrairá muitos usuários. Por outro lado, uma vez que a operadora B cobra barato por ligações entre linhas da sua própria rede, o consumidor vai se filiar a essa operadora sempre que as pessoas com quem conversa frequentemente também tiverem linhas da operadora B. Ou, então, se essa operadora tiver uma maior fatia de mercado, pois nesse caso será mais amplo o leque de ligações que o consumidor poderá fazer sem sair da própria rede  e, portanto, sem pagar a tarifa de interconexão.

Se todas as operadoras de telefonia móvel raciocinarem e agirem da mesma forma que a operadora B, o resultado será um equilíbrio de mercado no qual: (a) os usuários escolherão suas operadoras de acordo com a operadora usada pelos seus interlocutores frequentes (por exemplo, todos os membros de uma família usando a mesma operadora); (b) pessoas e firmas que usam intensamente o telefone (profissionais liberais, prestadores de serviço) terão celulares de vários chips ou vários aparelhos, para fazer a maioria das suas ligações dentro da rede de uma mesma operadora; (c) os consumidores evitarão as ligações de fixo para celular, pelo menos daqueles que pertencem a grupos econômicos distintos.

Esse equilíbrio, embora não induza à dominação do mercado por uma empresa em particular, preservando a concorrência, é ineficiente, pois gera custos desnecessários como o de adquirir um aparelho mais caro (para vários chips); ou adquirir mais de um aparelho; ou restringir o leque de escolhas de operadora de um indivíduo (eu posso achar que a qualidade das ligações da operadora A é melhor, mas fico na operadora B porque meus interlocutores frequentes estão nela); ou induzir a realização de mais de uma ligação (perco tempo e dinheiro fazendo uma primeira ligação, a partir do meu telefone fixo, para um número móvel, apenas para perguntar se a pessoa tem um número fixo para o qual eu possa ligar e ter uma conversa mais longa).

A cobrança da tarifa de interconexão também pode ser um indutor de comportamento cartelizado das operadoras de telefonia móvel. Elas podem combinar que todas cobrarão uma tarifa de alto valor, de modo que uma não roubará mercado da outra, mas todas as ligações que pagam tal tarifa ficarão caras, elevando as receitas de todos os membros do cartel.

No caso brasileiro existe também um problema de desigualdade de concorrência. Isso porque havendo grupos econômicos que possuem operadoras fixas e operadoras móveis, a estratégia pode ser estendida para induzir a conexão entre fixo e móvel do mesmo grupo. Assim, ligações de fixo para móvel de operadoras de um mesmo grupo econômico tendem a ser mais baratas (com descontos que compensem a tarifa de interconexão) que aquelas de fixo de um grupo para móvel de outro grupo.

As duas principais operadoras de telefonia fixa, Oi e Telefonica, têm seus próprios braços móveis, Oi e Vivo/TIM, respectivamente. A GVT, por outro lado, não tem um braço móvel. Por isso, se tornou a grande prejudicada nesse sistema de tarifação, pois seus usuários pagam altas tarifas de interconexão com as outras redes e ela própria não tem como contratacar, pois não tem operadora móvel para cobrar tarifa de interconexão das demais, nem pode dar desconto nas ligações dentro do próprio grupo.

A GVT reclamou do desequilíbrio à ANATEL e ao CADE. Apesar de a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE/MJ) 1 ter concluído que o valor elevado do VU-M constituía uma ação anticompetitiva de três operadoras de telefonia celular (Vivo, Claro e TIM) para elevar os custos das rivais, o Tribunal da Concorrência 2 entendeu não caber intervenção do órgão. Isto porque as tarifas de interconxão são reguladas pela ANATEL, e as operadoras não estavam desrespeitando os limites de valor impostos pela agência reguladora. Apenas estavam fixando tarifas de interconexão no limite máximo fixado pela ANATEL. Em função disso, como será mostrado adiante a ANATEL anunciou maior rigor no controle de tarifas de interconexão para a terminação de chamadas da telefonia móvel.

Note-se que no estágio inicial de implantação da telefonia móvel uma elevada tarifa de interconexão entre linhas fixas e móveis cumpria o importante papel de estimular a expansão da rede móvel. Imagine uma situação inicial em que poucas pessoas usam telefone celular e quase todo mundo usa telefone fixo. A imposição de uma VU-M encarece a ligação de fixo para móvel. Assim, se eu quero falar com uma das poucas pessoas que tem telefone móvel eu pagarei mais caro, o que me estimularia a ter uma linha móvel. Ao mesmo tempo, como visto acima, o VU-M é um poderoso instrumento para que as empresas de telefonia móvel ofereçam condições atrativas para atrair clientes a uma linha móvel (aparelhos baratos, ligações gratuitas entre linhas da mesma rede, etc.). Isso ajudou na rápida expansão da telefonia móvel, ao atrair um grande número de consumidores para essa modalidade de telefonia.

Todavia, o Brasil, assim como a grande maioria dos países, já ultrapassou essa fase inicial de consolidação da telefonia móvel, de modo que o ônus imposto à telefonia fixa, para incentivar a móvel, torna-se menos relevante. Em dezembro de 2013 havia 271,1 milhões de linhas móveis, representando 136,45 celulares por 100 habitantes3. Estes números sugerem que os benefícios dos subsídios cruzados entre linhas fixas e móveis seriam muito menores que no passado, quando era importante ampliar a rede móvel, gerando economias de escala e impondo concorrência à telefonia fixa.

Este problema está longe de ser exclusividade brasileira, tendo ocorrido em todos os países que usam o sistema de quem chama paga. Nesse sentido, os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) realizaram grandes esforços nos últimos anos para reduzir a tarifa de interconexão da telefonia móvel. A Australian Competition and Consumer Commission (ACCC) desde 1997 supervisiona as tarifas de terminação de chamadas em operadoras móveis. A Comissão Européia em fevereiro de 2003 incluiu a terminação de chamadas das móveis no rol de preços que as autoridades reguladoras nacionais européias deveriam regular.

Como resultado destes esforços, o Relatório da OCDE de 20124 indica que entre 2006 e 2011 houve uma queda média de 53% nas tarifas de terminação de móveis dos países da OCDE.

No Brasil, após uma década de pouco movimento da ANATEL no assunto, resolveu-se seguir a experiência dos países desenvolvidos e definir um cronograma mais significativo de queda da VU-M. Entre 2010 e 2015, prevê-se uma queda de cerca de 62% da VU-M. Na região I do Plano Geral de Outorgas, por exemplo, a VU-M média passaria de R$ 0,42285 por minuto em 2010 para R$ 0,160908 em 2015. O padrão de queda nas outras duas regiões é bem similar. A introdução de um modelo de custos em muito ajudaria a calibrar estas tarifas de forma adequada.

Em resumo, a tarifação de terminação de chamadas constitui um monopólio da operadora a qual o usuário chamado está conectado. Este usuário que recebe a chamada é em geral pouco elástico ao preço de terminação, gerando espaço para exercício de poder de mercado pela operadora. De fato, poucos indagam a operadora, quando escolhem seu plano de celular, qual a tarifa que quem chama paga.

A elevada tarifa de terminação de chamadas no Brasil, a VU-M, gerou várias distorções, entre elas um significativo diferencial entre o custo das chamadas realizadas dentro e fora de uma mesma rede. Isto distorce a concorrência em favor de operadoras grandes ou reduz a escolha dos consumidores, forçando-os a aderir à operadora usada por seus interlocutores frequentes.

Há várias formas de contornar o problema como adotar, pelo menos em parte, i) o regime de quem recebe paga (Receiving Party Pays-RPP) adotado nos EUA, ii) regime de Bill and Keep no qual as operadoras não pagam (ou pagam apenas a partir de certo percentual de diferença entre chamadas originadas e recebidas) interconexão entre si; iii) regular mais vigorosamente as tarifas de terminação em móveis, inclusive com base em uma metodologia de custos.

A ANATEL (2012) optou por uma combinação de ii e iii. Introduziu um bill and keep parcial temporário na relação de interconexão entre operadoras móveis com (Oi, Vivo, TIM e Claro) e sem (todas as outras) Poder de Mercado Significativo, inicialmente na proporção de tráfego de 80/20% e depois na proporção 60/40%. O Bill and Keep entre operadoras móveis com e sem PMS desapareceria após um período de transição. Ademais, a ANATEL definiu um cronograma de redução da VU-M até 2016, que vale para todas as relações de interconexão com terminação em móvel quando se prevê a adoção de uma metodologia de custos.

Acreditamos que o órgão regulador está na direção correta, sendo que o modelo de custos, se apropriadamente implantado, poderá representar grande avanço no tratamento desta importante questão regulatória em telecomunicações. Antes tarde do que nunca.

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1 Ver www.cade.gov.br/temp/D_D000000515371906.pdf
2 Processo Administrativo 08012.008501/2007-91Ver www.cade.gov.br/temp/D_D000000756991343.pdf
3 Os dados do Brasil foram extraídos do site da Telecom, www.teleco.com.br
4 New OECD Report released on developments in mobile termination rates.

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