subsídios – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 08 Sep 2014 16:55:28 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Qual o custo das políticas de desenvolvimento regional no Brasil? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2283&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=qual-o-custo-das-politicas-de-desenvolvimento-regional-no-brasil Mon, 08 Sep 2014 16:55:28 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2283 O elevado nível de desigualdades regionais no Brasil é amplamente reconhecido e tem sido discutido com relativa frequência pelo menos desde meados do século XX. Essas desigualdades – que têm se mostrado bastante resilientes ao longo do tempo – evidenciam-se, por exemplo, nos diferenciais de renda per capita entre as regiões. De acordo com os dados mais recentes, a região Nordeste, que concentra cerca de 28% da população do país, representa aproximadamente 13% do produto interno bruto (PIB). Isso significa que a renda per capita a região corresponde a menos de metade da média nacional.

PIB, população e PIB per capita, Brasil, unidades da federação e macrorregiões, 2011 e 2013

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Com base em diagnósticos dessa natureza, políticas de desenvolvimento com foco explícito em parcelas definidas do território nacional são adotadas no Brasil desde meados do século XX e foram consagradas na Constituição Federal de 1988. O fundamento para a adoção de políticas dessa natureza é que, na ausência de incentivos fiscais e financeiros e de investimentos em infraestrutura em regiões menos desenvolvidas, a atividade econômica tenderia a concentrar-se nas regiões onde a oferta de insumos e de mão de obra fosse mais abundante e o mercado de consumo fosse mais próximo e dinâmico. Esse processo circular e cumulativo pode ser interrompido se as políticas de desenvolvimento regional adotadas forem capazes de influenciar as decisões de investimentos para direcioná-los para as regiões menos desenvolvidas.

Apesar de se praticarem políticas de desenvolvimento regional no país há cerca de setenta anos, as estimativas de seus custos fiscais são escassas e dispersas. O objetivo deste texto é, portanto, estimar esses custos.

Os critérios adotados para que uma determinada rubrica de custo fosse incluída nos custos das políticas regionais adotadas no país foram:

  • Foco explícito em uma parcela predeterminada do território. Com isso, recursos destinados aos Fundos Constitucionais de Financiamento do Norte (FNO), do Nordeste (FNE) e do Centro-Oeste (FCO), por exemplo, são considerados custo da política regional, mas políticas sociais que não têm, entre os requisitos para o acesso a seus recursos, foco em uma parcela predeterminada do território não são consideradas políticas regionais, ainda que, na prática, acabem destinando a maior parte de seus recursos para as regiões menos desenvolvidas. Esse é o caso, por exemplo, do programa Bolsa Família, cujos recursos são majoritariamente destinados às regiões menos desenvolvidas, mas apenas porque essas regiões concentram seus beneficiários (e não porque ocupam uma parcela predeterminada do território nacional). No caso dos investimentos, que, ainda que tenham um caráter regional explícito, não necessariamente se dirigem às regiões menos desenvolvidas, consideraram-se apenas os valores mais do que proporcionais à participação das regiões menos desenvolvidas no PIB.
  • Aplicação por jurisdição territorialmente maior. Na prática, isso quer dizer que os recursos alocados pela União para reduzir as desigualdades regionais entre as unidades da federação compõem os custos das políticas de desenvolvimento regional, mas os recursos alocados por um determinado governo estadual para promover o seu desenvolvimento – por meio, por exemplo, de restituição do ICMS para a atração ou a fixação de investimentos –, não foram incluídos nesses custos.
  • Caráter orçamentário. Esse critério excluiu dos custos, por exemplo, os recursos alocados pelo Banco do Nordeste do Brasil (BNB) ao girar recursos de capitalizações feitas pelo Governo Federal no passado, mas permitiu a inclusão, por exemplo, dos desembolsos da União em favor de fundos voltados para a promoção do desenvolvimento regional.

Assim, as rubricas que compõem os custos das políticas de desenvolvimento regional adotadas no Brasil foram segmentadas em três grupos:

  • Incentivos fiscais, que incluem, por exemplo, os incentivos fiscais concedidos no âmbito da ZFM e para as empresas instaladas nas áreas de atuação das superintendências de desenvolvimento regional.
  • Incentivos financeiros, que envolvem os recursos orçamentários destinados aos fundos constitucionais de financiamento e aos fundos de desenvolvimento regional.
  • Investimentos, calculados com base no excedente dos investimentos dirigidos para as regiões menos desenvolvidas após se considerar a destinação “natural” (isto é, proporcional a sua participação no PIB) de recursos.

A tabela a seguir registra os custos fiscais das políticas de desenvolvimento regional adotadas no Brasil em milhões de reais correntes entre 2009 e 2013.

Custos fiscais das políticas de desenvolvimento regional adotadas no Brasil (R$ milhões correntes),
2009 – 2013

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Fonte: elaboração do autor. (clique na tabela para ampliar)

Conforme indicado na tabela, os custos fiscais das políticas de desenvolvimento regional adotadas no Brasil alcançaram R$ 53,8 bilhões em 2013. Nesse mesmo ano, os repasses para o Programa Bolsa Família e para o Benefício de Prestação Continuada (BPC) alcançaram R$ 24,9 bilhões e R$ 33,1 bilhões, respectivamente. Assim, a título de comparação, os custos fiscais das políticas de desenvolvimento regional correspondem a mais do que o dobro do custo do Programa Bolsa Família e a mais de 90% do somatório dos custos dos dois principais programas de transferência de renda e assistência social do Governo Federal.

Os custos totais das políticas de desenvolvimento regional em 2013 resultaram da soma de incentivos fiscais (R$ 31,7 bilhões), incentivos financeiros (R$ 14,2 bilhões) e investimentos (R$ 8,0 bilhões). Ao se examinar o período entre 2009 e 2013, é possível constatar que os incentivos fiscais representavam em média 58,2% dos custos das políticas de desenvolvimento regional; os incentivos financeiros responderam por 25,0% desses custos e o restante (16,8%) adveio dos investimentos diretos. Esses dados revelam que os investimentos diretos (por exemplo, em infraestrutura) são bem menos representativos do que os incentivos fiscais e financeiros. Contudo, conforme assinala Oliveira Júnior (2011), “teorias recentes da área de economia regional […] enfatizam a necessidade de combinar incentivos para atrair empresas para regiões periféricas e investimentos em infraestrutura para reduzir custos de transporte. Essa combinação daria mais eficiência às políticas de desenvolvimento regional”.

Ao longo dos últimos cinco anos, os custos fiscais das políticas de desenvolvimento regional mantiveram-se razoavelmente estáveis em relação ao PIB. A razoável estabilidade dessa relação indica, obviamente, que o crescimento real dos custos das políticas de desenvolvimento regional (deflacionadas pelo deflator implícito do PIB) tem acompanhado o crescimento real do PIB, que alcançou, no período entre 2009 e 2013, uma taxa média anual de 3,33%.

A região Norte concentra mais de 55% dos custos das políticas de desenvolvimento regional adotadas no país. Cerca de ¾ dos recursos destinados a essa região correspondem aos incentivos fiscais concedidos no âmbito da ZFM. A região Nordeste, por sua vez, absorve cerca de um terço dos recursos. Já a região Centro-Oeste recebeu pouco mais de 9% dos recursos. Uma vez que uma fração dos recursos destinados à região Nordeste atende também parte dos estados de Minas Gerais e do Espírito Santo, a região Sudeste recebeu um percentual inferior a 2% dos recursos destinados a financiar as políticas de desenvolvimento regional no Brasil.

______________

Esse texto corresponde a um extrato de CAVALCANTE, L. R. Políticas de Desenvolvimento Regional no Brasil: uma estimativa de custos. Brasília: Núcleo de Estudos e Pesquisas/CONLEG/ Senado, setembro/2014 (Texto para Discussão nº 154). Disponível em: http://www.senado.leg.br/estudos. Acesso em 2 set. 2014.

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Quanto custaria o passe livre estudantil em transporte público? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2230&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quanto-custaria-o-passe-livre-estudantil-em-transporte-publico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2230#comments Mon, 19 May 2014 13:43:21 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2230 Um tema central das marcantes manifestações populares de julho de 2013 foi o passe livre em transporte público, em especial o passe livre estudantil. Existem movimentos que reivindicam tal gratuidade espalhados por todo o país, bem como projetos de lei nos legislativos estaduais e federal. Poucos, contudo, se deram ao trabalho de fazer as contas para saber quanto custaria ao país tal gratuidade.

Não é fácil fazer essa conta, pois não há transparência nos dados de custos e tarifas nos transportes públicos. Os dados disponíveis, além de incompletos estão desatualizados. O presente texto tenta fazer uma estimativa aproximada, para que se tenha, pelo menos, ideia da ordem de grandeza dos custos envolvidos. A conclusão que se chega é de que o custo seria elevado, atingindo pelo menos R$ 10 bilhões por ano, mas podendo se aproximar dos R$ 30 bilhões, dependendo de como a demanda por transportes reagiria à gratuidade.

Supõe-se a hipótese de gratuidade no transporte público para todos os estudantes do ensino fundamental, médio e superior, tanto de escolas públicas quanto privadas. De acordo com o que tem sido reivindicado pelos grupos de defesa do passe livre estudantil, os estudantes poderiam usar o transporte público livremente, quantas vezes quiserem, em qualquer dia da semana, inclusive no período de férias escolares.

São usados dois métodos para fazer a estimativa. O primeiro método usa os dados de tarifas e passageiros transportados nas capitais do país em outubro de 2012. O segundo método usa dados de matrículas escolares e da composição etária da população brasileira, respectivamente levantados pelo MEC e pelo IBGE.

Método I

A Tabela 1, construída com dados da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) de 2012, estima uma despesa de R$ 9,7 bilhões anuais com o custeio do Programa Passe Livre Estudantil.

Tabela 1 – Estimativa da Perda de Receita do Sistema Público de Transportes das Capitais com a Concessão de Gratuidade aos Estudantes

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Fontes: NTU e IBGE. Elaborado pelo autor.
Notas: (1) considerando período letivo de nove meses em “H”; (2) considerando utilização ao longo de doze meses em “J”.

 

Essa estimativa é construída da seguinte forma. Em primeiro lugar, toma-se o valor da passagem em cada capital (coluna A). A coluna B informa a participação percentual dos estudantes no número total de passageiros. Multiplicando-se tal percentual pelo total de passageiros que utilizaram o sistema no mês de outubro de 2012 (coluna C), obtém-se o total de estudantes que utilizaram o sistema público de transporte naquele mês (coluna D).

A coluna E mostra qual seria a receita mensal obtida com o transporte de estudantes caso estes pagassem tarifa cheia. Esse seria o custo mensal do passe livre estudantil. Ela corresponde ao produto do valor da tarifa (coluna A) pelo total de estudantes transportados (coluna D).

Esse cálculo, a princípio, superestima o custo do programa, pois a introdução do passe livre, se financiado com recursos orçamentários, acabará com o subsídio cruzado, em que os passageiros pagantes de tarifa cheia arcam com o atual desconto concedido aos estudantes. Assim, as tarifas consideradas na coluna A deveriam ser menores que as atualmente praticadas. Porém, não temos informações suficientes que nos permitam calcular qual seria essa nova tarifa. Ademais, tal superestimação pode ser atenuada pelo fato de que, em muitos casos, as tarifas usadas na coluna A estão defasadas, tendo em vista que, em algumas cidades, reajustes que deveriam ter ocorrido foram postergados.

Supondo-se que o mês de outubro de 2012 (o único para o qual dispomos de dados) seja representativo e que os estudantes utilizam o transporte apenas nos meses de aula (9 meses por ano), chega-se ao total que o sistema de transportes arrecadaria com o transporte de estudantes caso praticasse tarifa cheia para esses passageiros (coluna F), equivalente a aproximadamente R$ 1,4 bilhão. Note-se que a indisponibilidade de dados para a participação dos estudantes no total de passageiros transportados em algumas capitais (coluna D) nos obrigou a usar, nesses casos, a média observada nas outras capitais.

A estimativa acima apresentada tende a ser subestimada porque:

1) restringe-se às capitais de estados, enquanto a gratuidade valerá para todos os municípios do País;

2) não considera que, com a gratuidade, haverá um natural aumento da demanda dos estudantes, que passarão a fazer mais viagens no sistema de transportes. Os passes estudantis atuais restringem o desconto aos trajetos de ida e volta da escola e ao período de aulas. Com o passe livre, estudantes poderão circular sem limite de viagens e durante todo o ano, o que amplia a perda potencial de receita e exige do sistema de transportes maior oferta de serviços.

Para superar o primeiro tipo de subestimação, supusemos que o passe livre será utilizado em todos os municípios com mais de 45 mil habitantes. Em municípios menores não costuma haver dificuldades para o estudante caminhar até a escola e muito desses municípios sequer têm sistema organizado regular de transporte público.

Na coluna G da Tabela 1 apresentamos um fator de expansão populacional, para que seja possível levar em conta o uso de transporte público pelos estudantes dos municípios que não são capital de estado e têm mais de 45 mil habitantes. Por exemplo, em Palmas, capital do Tocantins, a população é de 228 mil habitantes. Em todo o Estado do Tocantins, os municípios com mais de 45 mil habitantes (inclusive a capital) têm um total de 505 mil habitantes. O fator de expansão é dado por (505/228 = 2,21)1.

A coluna H multiplica o fator de expansão pelo custo estimado para as capitais (coluna F). Chega-se, então, a um custo de R$ 5,1 bilhões por ano.

Esse valor, porém, não leva em conta o fato de que os alunos passarão a circular mais vezes do que simplesmente a ida e volta para a escola. Se houver um aumento de, por exemplo, 30% na demanda total de viagens, o custo do programa aumentará proporcionalmente, chegando a R$ 9,7 bilhões (3,4 x 1,3), conforme mostrado na coluna I.

Método II

Uma forma alternativa de se buscar uma noção dos valores envolvidos na concessão do passe livre é através da utilização dos dados de matrículas escolares, levantados pelo INEP, e da composição populacional das cidades brasileiras, levantada pelo IBGE.

Tomamos como número total de estudantes com direito ao passe livre o total de matrículas em escolas públicas e privadas do ensino básico situadas em áreas urbanas, mais o total de matrículas no ensino superior no ano de 2011. Foram excluídos os alunos da educação infantil que, pela faixa de idade, já gozam de gratuidade. O total assim obtido é de 45,3 milhões de alunos (fonte: INEP – MEC).

Como estimativa do número de estudantes que efetivamente utilizariam o passe livre, mais uma vez supusemos que apenas aqueles residentes em cidades com mais de 45 mil habitantes utilizariam ônibus para se deslocar à escola. Tomando por base a população de cada município brasileiro, calculamos o percentual da população de cada estado que vive em cidades com mais de 45 mil habitantes. Isso gerou um número de potenciais usuários do passe livre equivalente a 31 milhões de pessoas (fonte: IBGE).

O custo médio da passagem em cada estado do País foi tomado a partir de dados da NTU, já mostrados na Tabela 1. Supusemos que a tarifa nos demais municípios fosse igual à da capital. Com relação ao número médio de dias que cada estudante utilizará o transporte, faremos duas hipóteses. Uma hipótese conservadora de que o transporte seja usado apenas em dias letivos (200 por ano) e uma hipótese alternativa de que os estudantes também usariam o transporte eventualmente no final de semana (250 dias por ano).

Quanto ao número de vezes em que um estudante usaria o transporte por dia, trabalharemos com uma hipótese conservadora de que ele faria apenas as viagens de ida e volta para a escola (2 viagens) e uma hipótese alternativa de que haveria um aumento de 30% nas viagens (2,6 viagens).

Quanto ao percentual de estudantes que efetivamente usaria o passe livre, trabalhamos com 4 hipóteses, que vão de 30% do total dos estudantes em cidades de mais de 45 mil habitantes até 60% desses estudantes.

A Tabela 2 apresenta estimativas para o caso em que os estudantes utilizem o passe livre apenas nos dias letivos.

Tabela 2 – Estimativas de custos para o caso em que os estudantes utilizem o passe livre apenas nos dias letivos (200 dias por ano) (em R$ bilhões)

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Se, por exemplo, os estudantes fizerem apenas duas viagens por dia e somente 30% dos estudantes elegíveis para o uso do passe efetivamente viajarem, o custo anual do passe livre será de R$ 10 bilhões. Por outro lado, se 60% dos estudantes elegíveis viajarem, em média, 2,6 vezes por dia, o custo atingirá R$ 26 bilhões.

As estimativas da Tabela 2 tendem a ser conservadoras, pois tendo a possibilidade de usar gratuitamente o transporte público quando quiserem, os estudantes tenderão a utilizar o benefício também nos finais de semana. Assim, a Tabela 3 apresenta estimativas para o caso de que eles viagem, em média, 250 dias no ano. Nesse caso, os custos variariam entre R$ 12,5 e R$ 32,5 bilhões.

Tabela 3 – Estimativas de custos para o caso em que os estudantes utilizem o passe livre 250 dias por ano (R$ bilhões)
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As estimativas aqui apresentadas devem ser tomadas com cautela. A baixa transparência e indisponibilidade dos dados relativos aos custos e à intensidade de uso do transporte público não permitem que se façam cálculos mais precisos. De qualquer forma, mesmo na estimativa mais otimista (R$ 9,7 bilhões por ano) já representa custo elevado.

Para se ter uma ideia de grandeza desse valor, considere que o setor público brasileiro (União, estados e municípios) gasta aproximadamente 3% do PIB, todo ano, com educação pública de 1º a 9º ano de ensino (ensino fundamental)2. Em 2013 isso representou algo como R$ 145 bilhões. Com o dinheiro do passe livre seria possível aumentar a despesa com aqueles níveis de ensino entre 6,8% (hipótese otimista de custo total de R$ 10 bilhões) e 22% (hipótese pessimista de custo total de R$ 32 bilhões). A sociedade brasileira precisa, então, decidir se quer subsidiar o transporte dos estudantes até a escola ou se quer melhorar a escola em si. Ambas as opções são legítimas, e precisam ser avaliadas com cuidado. Só é preciso ter em mente que o passe livre estudantil não é “de graça”, tem seu custo econômico e social.

Analisando a possibilidade de aplicação alternativa dos recursos para fins de melhoria da qualidade e aumento da oferta de  transporte, deve-se dizer que R$ 10 bilhões por ano fariam grande diferença. Com esse valor pode-se, por exemplo, construir, todos os anos, 20 km de linhas de metrô3 ou mais de 500 km de corredores de BRT (Bus Rapid Transit)4, o que elevaria a rapidez e conforto do transporte coletivo.

O investimento desses recursos na melhoria e maior eficiência do sistema de transporte (em vez do subsídio ao transporte de estudantes) aumentaria a velocidade média e reduziria os custos operacionais do sistema, gerando melhor serviço e maior produtividade econômica para todos. Além disso, a melhoria da qualidade tenderia a atrair novos passageiros pagantes, criando, assim, um ciclo virtuoso de maiores receitas e menores custos por viagem. Tal caminho parece ser bem mais promissor que o subsídio ao uso de um sistema ineficiente e sobrecarregado. Passagens gratuitas para estudantes sobrecarregarão um sistema que já não funciona adequadamente, reduzindo a velocidade média e elevando seus custos.

Por fim, cabe o alerta de que, frente à permanente escassez de recursos públicos, se opte pelo financiamento do passe livre por meio de subsídios cruzados. Ou seja, pela elevação da passagem cobrada dos demais usuários para financiar a gratuidade para os estudantes. Nesse caso, como na maioria dos casos de subsídios cruzados, haverá injustiça distributiva. Afinal, não é razoável que o trabalhador subsidie a passagem do estudante de classe média.

________________

1 Esse procedimento tende a superestimar o número de estudantes usuários, visto que na estatística das capitais já estão incluídos estudantes residentes em outros municípios que transitam pela capital. Mas não há como evitar tal superestimativa.

2 Fonte: INEP-MEC

3Tomando-se o custo de construção da linha 4 do metrô de São Paulo, conforme http://www.metro.sp.gov.br/noticias/acontecendo/governador-geraldo-alckmin-inicia-2a-fase-da-linha-4amarela.fss

4Tomando-se por referência os custos anunciados para os projetos de BRT no Distrito Federal. Vide http://www.brtbrasil.org.br/index.php/brt-brasil/cidades-com-sistema-brt/menubrasilia/expresso-df#.U3X_L1VdXjN

 

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Crescimento e desigualdade https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1872&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=crescimento-e-desigualdade https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1872#comments Wed, 05 Jun 2013 12:11:58 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1872 O Valor Econômico publicou recentemente caderno especial que discutiu os motivos do baixo crescimento do país. Os diagnósticos apontam, corretamente, para uma combinação de alto e crescente gasto público, tributação elevada e complexa, baixa escolaridade, economia excessivamente fechada, infraestrutura precária e juros elevados. Se essas causas do baixo crescimento estão claramente identificadas há bastante tempo, por que o país não foi capaz de encaminhar a solução dos problemas? Reclama-se há anos da infraestrutura e as estradas continuam no buraco; os economistas estão roucos de apontar os malefícios do gasto público excessivo, e ele continua a crescer. Reforma tributária simplesmente não acontece…

Essa aparente inércia decorre do fato de que as causas acima apontadas são, em grande medida, consequência de uma característica histórica da sociedade brasileira: a desigualdade de renda e de patrimônio. Uma sociedade desigual é tipicamente composta por uma grande maioria de pobres e um pequeno grupo muito rico. Após à transição para a democracia, em 1985, a classe política gradativamente percebeu que a maioria dos votos está entre os pobres: sem atender os interesses imediatos desse grupo não se ganha eleição. Daí a expansão do gasto público e a dificuldade em conter seu crescimento: aumentos reais para o salário-mínimo, expansão da aposentadoria rural, universalização da saúde, etc. Iniciou-se vigorosa “redistribuição para os pobres”.

Por outro lado, os muito ricos dispõem de poder financeiro para influenciar as decisões governamentais, de onde decorrem: proteção comercial para a indústria, crédito subsidiado para empresas escolhidas a dedo, políticas de desenvolvimento regional capturadas pelos ricos das regiões pobres, fundos de pensão de estatais prontos a financiar projetos “geniais” de pessoas bem conectadas, agências reguladoras frágeis que facilitam a vida dos grupos regulados. Essa “redistribuição para os ricos” também custa dinheiro e pressiona o gasto público e a dívida pública, além de impedir a livre concorrência e envenenar o ambiente de negócios.

Nos primeiros anos da nova era democrática, essas pressões redistributivas (em favor dos pobres e dos ricos) foram financiadas pela inflação. Quando o custo desta alternativa se tornou insuportável para a sociedade, foi possível fazer avanços institucionais que resultaram em maior controle fiscal e monetário. Mas a desigualdade continuou pressionando o gasto público. Para manter o equilíbrio fiscal foi preciso jogar a tributação para as alturas e abandonar os investimentos em infraestrutura (que geram ganhos para todos no longo prazo, mas não são prioridade de curto prazo para nenhum dos dois grupos situados nos extremos da distribuição de renda). Ainda assim persiste significativo déficit público, que drena a poupança da sociedade e pressiona a taxa de juros para cima.

As causas imediatas do baixo crescimento, listadas no primeiro parágrafo são, na verdade, as consequências do caminho que a sociedade brasileira encontrou para evitar que a

desigualdade levasse à instabilidade política: os pobres são atendidos e não se revoltam, os ricos são atendidos e deixam de sonhar com golpes de estado. E graças a isso já temos quase trinta anos de estabilidade democrática. A Constituição de 1988 é a segunda mais longeva da história da República, perdendo apenas para a Carta de 1891, que ficou 43 anos em vigor.

Porém, no meio do caminho há uma classe média que não se beneficia dos gastos direcionados para os ricos e para os pobres, e que está sufocada por impostos, má infraestrutura, juros elevados e por ambiente de negócios inóspito, sem espaço para empreender e prosperar.

As perspectivas de longo-prazo tornam-se medíocres, pois no longo-prazo só se muda de patamar de desenvolvimento através do crescimento da economia.

A notícia positiva é que a desigualdade aos poucos vem caindo, em boa medida devido às políticas de “redistribuição para os pobres”. É possível que em alguns anos a chamada nova classe média passe a pressionar menos por redistribuição pró-pobres; aumentando sua demanda por políticas que facilitem a prosperidade da iniciativa privada, o que criaria suporte político para o controle do gasto público, racionalização tributária, etc. Nesse caso, o baixo crescimento de hoje seria o preço a pagar pelo maior crescimento no futuro.

Há, contudo, o risco de que o redistributivismo atual (para ricos e pobres) persista por muito tempo, e que o país viva décadas de baixo crescimento, o que pode até mesmo romper a estabilidade política, pois muitos anos de estagnação fará o cobertor ficar curto para atender às demandas dos extremos da distribuição de renda, além de saturar a paciência da classe média, que paga a conta do atual modelo.

Para evitar esse cenário negativo, e facilitar o caminho do país em direção a maior crescimento e maior igualdade, é necessário dar prioridade a políticas redistributivas pró-pobres mais eficazes e de menor custo. Investimentos em saneamento básico e educação fundamental, por exemplo, são bons para os pobres e para o crescimento econômico ao mesmo tempo. Reajustes elevados para o salário-mínimo, por outro lado, reduzem a competitividade das empresas e pressionam os gastos públicos. É verdade que tais reajustes redistribuem renda para os mais pobres, mas a um custo muito mais alto do que outras políticas, como o Bolsa Família, que além de mais barata tem maior impacto redistributivo. Subsidiar universidades de qualidade duvidosa para os jovens pobres talvez não seja tão eficaz quanto gastar mais em ensino fundamental para crianças pobres.

Tão desafiador quanto reorientar a política de redistribuição para os pobres é conter a redistribuição para os ricos. Não é fácil extinguir privilégios e reformar instituições: justiça lenta e enviesada, feudos políticos dentro da administração pública, corporações viciadas em subsídios públicos. É preciso fortalecer a democracia e a transparência, para que tais políticas percam legitimidade. E continuar martelando a necessidade das reformas institucionais.

Os óbices que a desigualdade impõe ao desenvolvimento não são uma armadilha inescapável. O Chile tem uma história de desigualdade bastante semelhante à nossa, mas encontrou caminhos produtivos para lidar com ela e fortalecer conjuntamente a democracia e a economia. O Brasil precisa encontrar o seu próprio caminho.

(Texto originalmente publicado no jornal Valor Econômico de 3 de junho de 2013.)

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