sindicatos – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Thu, 22 Sep 2016 11:45:13 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Reduzir a jornada semanal vai recuperar empregos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2856&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=reduzir-a-jornada-semanal-vai-recuperar-empregos Mon, 19 Sep 2016 12:42:18 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2856 1. Introdução

A redução da jornada semanal de trabalho, sem redução dos salários, é bandeira antiga de atores tão diversos quanto o movimento sindical brasileiro e a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB)1. Previamente discutida neste blog, a redução de 44 para 40 horas é vista como uma maneira de gerar empregos: limitando o máximo de horas que um empregador pode contratar de um empregado, estaria se obrigando o patrão a contratar mais funcionários para dar conta do trabalho. O debate voltou à tona com o dramático aumento do desemprego e o prelúdio de mudanças na legislação trabalhista, e também com declarações públicas desastrosas que geraram falsos rumores de aumento da jornada diária para 12 horas e até da jornada semanal para 80 horas2. Outro boato falso das redes sociais que fomenta a questão é o de que países como a Suécia estariam reduzindo a jornada diária para apenas 6 horas3.

Este texto revisita o tema, introduzindo o histórico da discussão, os argumentos da teoria econômica e achados de evidências empíricas sobre a questão. Focamos no efeito da redução da jornada semanal sobre o nível de emprego, e não em outros importantes aspectos ligados ao tema, como saúde, segurança do trabalho, mobilidade urbana e qualidade de vida.

 

2. A redução da jornada como medida contra o desemprego

Como é proposta desde os anos 90 pelo movimento sindical brasileiro, existem várias estimativas sobre o aumento de vagas decorrente da redução da jornada semanal de 44 para 40 horas. Em 2004, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) apontou que a redução geraria 2,8 milhões de novos postos. Em 2007, a estimativa do órgão era de 2,5 milhões. Mais recentemente, em 2010, a estimativa do Dieese era de 1,7 milhões de novos empregos, enquanto a União Geral dos Trabalhadores (UGT) estimava o número de 2,2 milhões.

Reduções maiores na jornada tiveram efeitos estimados maiores: em 1997, a Força Sindical estimava 4,4 milhões de novos postos com uma redução de 44 para 30 horas, enquanto a Central Única dos Trabalhadores (CUT) previa 3,6 milhões para uma redução de 44 para 32 horas4.

De fato, a redução da jornada semanal é uma bandeira histórica da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Este foi o objeto da sua primeira Convenção, a nº 1, de 1919, que limitava a jornada da época para 48 horas. Com a Grande Depressão de 30, a OIT passa a recomendar a redução da jornada como estratégia contra o desemprego, quando a Convenção nº 47, de 1935, reduzia a jornada para 44 horas semanais.

A Convenção da OIT seguiu os passos do Acordo de Reemprego (PRA) do presidente americano Franklin Delano Roosevelt. Implantado a partir de 1933 no âmbito do New Deal, ele encorajava as empresas a reduzir a jornada de trabalho para 35 horas, com o objetivo de criar demanda por mais empregados, aliviando as consequências da Grande Depressão da década de 30.

 

3. A jornada semanal máxima em países desenvolvidos

Vários países desenvolvidos possuem atualmente jornadas semanais de 40 horas, ou menores, como a proposta para o Brasil (embora alguns mantenham a de 48 horas). Essas informações são apresentadas para países selecionados na Tabela 1, abaixo. Informações para países em desenvolvimento, que possuem jornadas mais longas, serão apresentadas mais adiante.

Tabela 1 – Jornada semanal de trabalho legal máxima – Países desenvolvidos selecionados

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Fonte: Travail Database da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Disponível em: http://www.ilo.org/dyn/travail/travmain.sectionChoice?p_structure=. Acesso em: fevereiro de 2016.

 

4. Evidências favoráveis à redução

Apresentamos a seguir algumas evidências que podem ser entendidas como favoráveis à proposta de redução da jornada semanal de 48 para 44 horas no Brasil. Estudo dos professores de economia Gustavo Gonzaga e José Márcio Camargo, da PUC-Rio, e Naércio Menezes-Filho, da USP, buscou isolar o efeito, no emprego, da redução da jornada de 48 para 44 horas e outras mudanças ocorridas com a Constituição de 19885. Contrariamente à previsão da teoria econômica, os pesquisadores não observaram aumento da probabilidade de desemprego por parte dos que estavam empregados, pelo menos em curto prazo. Eles ressaltam, porém, que outras mudanças da Constituição, como o aumento da hora extra, podem ter contribuído para este resultado, bem como o fato da economia brasileira ser na época significativamente mais fechada à competição internacional.

Já estudo de 2012 dos economistas americanos Lonnie Golden, da Universidade do Estado da Pensilvânia, e Stuart Glosser, da Universidade de Wisconsin, encontrou “efeitos positivos líquidos” da redução permanente da jornada no nível de emprego em países europeus6. Os pesquisadores também simularam os efeitos de uma redução na economia americana, concluindo que ela poderia ter “considerável efeito neutralizador” na perda de empregos ocorrida durante a crise econômica dos últimos anos (“Grande Recessão”).

O efeito no referido estudo existiria por “induzir” os empregadores a acelerar contratações previstas, mas que seriam feitas apenas quando a economia se recuperasse. Por isso, os pesquisadores defendem que a medida poderia não só evitar aumento do desemprego durante a crise, mas conseguir uma redução “modesta” da taxa.  O efeito seria mais forte para a manufatura de bens não duráveis (em oposição à manufatura de bens duráveis). Os pesquisadores são contrários a uma redução que gere perdas salariais (argumentando que perdas salariais poderiam reforçar uma contração macroeconômica), mas ressaltam que a reposição integral do salário por parte do empregador seria cara e danosa, subentendendo que deve haver uma perda parcial do salário, ou que a compensação integral deva ser feita pelo governo, e não pelo empregador. Esta é uma marcante diferença da proposta brasileira, que veda a redução salarial, completamente a custo do empregador.

Apresentamos a seguir agora o conjunto de evidências desfavoráveis à mudança.

 

5. Evidências desfavoráveis à redução

Aponta-se que uma redução da jornada por lei, valendo para todos os setores e sem redução salarial, por aumentar em 10% o custo da hora trabalhada, poderia ter os seguintes efeitos adversos:

  1. não gerar emprego na magnitude desejada, caso os empregadores optem por aumentar outros custos face à mudança na produção, em vez de fazer novas contratações (como aumentar horas extras ou investimento em maquinário);
  2. desestimular novas contratações, no médio e longo prazo, que teriam sido feitas caso a redução não ocorresse;
  3. afastar investimentos produtivos do país e contribuir para a desindustrialização, por ser o custo unitário do trabalho (indicador corrigido pela produtividade) significativamente menor em concorrentes do país a nível internacional;
  4. gerar pressão nos preços e comprimir o investimento, caso novas contratações sejam de fato feitas, ou caso outras medidas de aumento de custo sejam tomadas frente à mudança (como o aumento de horas extras); e
  5. provocar demissões, caso a produtividade de um trabalhador em 40 horas não compense remunerá-lo no mesmo nível de 44 horas.

 

Quais efeitos predominam dependeria de cada setor, já que existem diferenças significativas, por exemplo, nos níveis de produtividade; nas possibilidades de substituir o trabalho por maquinário/equipamento; ou no grau de competição externa enfrentada.

A própria Organização Internacional do Trabalho (OIT) − que não segue a composição de outros órgãos da ONU e possui uma organização tripartite, com forte tradição sindical – tem predileção por políticas como o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), em vez da redução universal da jornada sem redução de salários. Este tipo de política foi considerado “chave” para a OIT na crise mundial dos últimos anos, integrando o seu “Pacto Global para o Emprego”. Programas como PPE se proliferaram nos últimos anos com apoio entusiasmado da organização, inspirados no sucesso do alemão Kurzarbeit.

Ao contrário da redução legal da jornada, a redução de carga horária de programas como o PPE é considerada mais flexível (respeitando diferenças setoriais, por ser a adesão facultativa); menos custosa para quem contrata (já que reposições salariais são feitas pelo governo); e capaz de gerar maior aumento da produtividade (porque, em geral, dão concomitantemente oportunidade de qualificação ao trabalhador que teve a carga horária reduzida).

Entretanto, programas como o PPE objetivam, em verdade, frear as demissões em um período recessivo, e não gerar mais contratações (como a proposta de redução da jornada semanal), sendo temporários, e não permanentes (como a redução da jornada).

A redução da carga horária de 44 para 40 horas sem redução salarial, por implicar em um aumento de 10% no custo por hora trabalhada, tornaria ainda mais elevados os “custos unitários do trabalho” (CUT), que já vinham em alta7. Os CUT são entendidos como o custo médio da mão de obra por unidade produzida, e foram significativamente afetados pelos ganhos salariais reais dos últimos anos sem contrapartida de aumento de produtividade.  A elevação desses custos muito acima da de concorrentes internacionais prejudica setores que enfrentam competição externa.

Gráfico 1 – Custos unitários do trabalho no setor manufatureiro em diversos países – 2000-2015 – Em dólares

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Fonte: The Wall Street Journal, a partir de dados do Boston Consulting Group. Na escala à esquerda, a base 100é o custo nos Estados Unidos.

Legenda: Germany = Alemanha; U.K. = Reino Unido; U.S. = Estados Unidos; Czech Republic = República Tcheca; South Korea = Coreia do Sul; Poland = Polônia; Thailand = Tailândia.

 

Ilustrativamente, conforme o Gráfico 1, acima, os custos unitários do trabalho (CUT)8 dobraram no Brasil entre 2000 e 2015, e estariam, em 2015, no mesmo patamar da Alemanha, muito acima de países ricos como Estados Unidos, Japão, Reino Unido e Canadá. Mais importante, eles seriam o dobro dos de competidores emergentes como Polônia e China, o triplo dos da Rússia e quatro vezes os do México. Assim, a elevação dos CUT tornaria o emprego no Brasil ainda mais desvantajoso perante seus competidores internacionais, reforçando a tendência do gráfico. Entretanto, cabe observar que esses dados são antecedentes à forte depreciação do real ocorrida em 2015, que aliviou esta tendência.

Cabe ressaltar que a preocupação em relação às dificuldades de competitividade decorrentes dos grandes aumentos dos custos unitários do trabalho (CUT) (ou seja, aumento do custo da mão de obra sem contrapartida de produtividade) é externada inclusive por economistas heterodoxos atuantes no debate de política econômica, como os professores Luiz Gonzaga Belluzzo (Unicamp), Luiz Carlos Bresser-Pereira (FGV/EESP) e José Luis da Costa Oreiro (UFRJ/UnB).

A Tabela 2, abaixo, apresenta dados das jornadas para países em desenvolvimento, significativamente maiores dos que as dos países desenvolvidos apresentadas anteriormente e mesmo que as do Brasil. Ressaltamos que tal comparação não é aqui colocada por ser a jornada destes países, de alguma forma considerada ideal, mas porque se trata de países com renda per capita mais próxima da do Brasil e que competem com o país em vários setores, com custos unitários do trabalho menores, conforme apresentado anteriormente.

Tabela 2 – Jornada semanal de trabalho legal máxima – Países em desenvolvimento selecionados

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Fonte: Travail Database da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Disponível em: http://www.ilo.org/dyn/travail/travmain.sectionChoice?p_structure=. Acesso em: fevereiro de 2016.

 

Nesse sentido, dados de 2011 da OIT indicam que 44% dos países não adotam a carga horária de 40 horas, contra 41% que a adotam, o que vai de encontro a um argumento central da redução da jornada no Brasil, que é o de que “a grande maioria dos países adota as 40 horas. Consoante com a tabela anterior, a OIT aponta que a jornada de 40 horas é adotada predominantemente por países ricos: a taxa é de quase dois terços para os países desenvolvidos, mas de menos de 10% para a América Latina.  Cabe observar, ainda, que é notória a violação da legislação trabalhista em países emergentes, como os do Sudeste Asiático, trazendo dificuldades adicionais de competitividade para a redução da jornada no Brasil sem contrapartida de aumentos de produtividade.

Por fim, um último aspecto que costuma ser levantado em relação à competividade e à jornada de trabalho no Brasil se refere à jornada anual de trabalho. Não apenas os custos unitários do trabalho cresceram no país (custo da mão de obra ajustado pela produtividade), como o Brasil possuiria já uma jornada anual menor, em consequência de adotar mais dias de férias remuneradas em relação aos outros países, como também por possuir, ligeiramente, maior número de feriados pagos.

Complementarmente, o sociólogo José Pastore, especialista em mercado de trabalho, argumenta que os empregadores seriam induzidos a escolher alternativas antes de empregar um novo funcionário, diante dos custos envolvidos (salários, despesas de contratação, treinamento). Estes ajustes incluiriam alterações nos turnos, folgas e férias; na tecnologia; e no uso do capital.  A própria argumentação dos defensores da redução da jornada parece reconhecer este efeito, ao afirmar que jornadas mais reduzidas trariam aumento da produtividade.

Pastore alerta que, além de evitar novas contratações, tais ajustes poderiam ter como consequências adversas, em um segundo momento, o aumento da produtividade e da automação, que reduziriam os empregos diretos. Assim, os referidos ajustes não estariam previstos nas estimativas apresentadas anteriormente de entidades como o Dieese, que seriam demasiado otimistas.

Pastore aponta ainda que, caso de fato haja novas contratações − isto é, caso o empregador não adote as estratégias anteriores (ou elas tenham se exaurido) e também não opte por contratar um empregado informalmente −, pode haver repasses nos preços (alimentando a inflação) ou redução do investimento (que já está baixo, comprometendo o crescimento da economia, e do emprego, no futuro).

Adicionalmente, Pastore, aponta alguns empecilhos para esta hipótese (de que a proposta de redução da jornada tenha efeitos do nível de emprego): a invisibilidade do trabalho; a necessidade de qualificação do empregado adicional para fazer o trabalho antes executados por outros trabalhadores; e ajustes nas instalações.

Segundo o sociólogo, reduções da jornada na França, em 1982 (de 40 para 39 horas) e em 2000 (de 39 para 35), − que inspiraram propostas no Brasil – teriam sido seguidas por aumento de desemprego. As mudanças teriam sido seguidas ainda por alterações em turnos; remanejamentos e determinações rígidas de férias; e encurtamento de descanso, especialmente na indústria, o que tornou a alteração impopular entre os trabalhadores do setor. Finalmente, em janeiro de 2016, o governo do Partido Socialista começou a reverter a jornada de 35 horas por conta de dificuldades com a competitividade da economia9. Tal movimento também estaria ocorrendo em outros países da União Europeia, para evitar transferências de empreendimentos para o leste europeu.

 

6. Alternativas

Diante deste quadro, José Pastore sugere que a redução na jornada no Brasil siga exemplos bem-sucedidos pelo mundo, que permitem a redução da jornada por negociação, não por norma legal imposta a todos os setores. No Brasil, tal possibilidade decorre do art. 7º, inciso XIII da Constituição, que faculta a redução da jornada mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.

Para Pastore, investimento e educação continuam sendo as melhores políticas para emprego. Em se tratando de medidas legislativas de combate ao desemprego, o sociólogo argumenta que elas deveriam estar voltadas para a redução das despesas de encargos sobre a folha; contratos mais flexíveis e inovações (como contratos especiais para jovens, o SIMPLES trabalhista e a controversa terceirização).

Já os professores Gustavo Gonzaga e José Márcio Camargo (PUC-Rio) e Naércio Menezes-Filho (USP) propõem uma alternativa (no mesmo sentido da proposta aqui analisada) de aumentar o volume de emprego, reduzir a jornada, manter os mesmos salários, mas sem afetar o custo total do trabalho para o empregador. Tal alternativa consistiria em reduzir, concomitante à redução da jornada, o custo fixo do emprego (como número de dias pagos e não trabalhados) e aumentar o adicional pago por horas-extras.

O governo, por sua vez, tem demonstrado a intenção de ampliar o Programa de Proteção ao Emprego (PPE), estendendo seu prazo ou tornando-o permanente, permitindo sua adoção em todos os setores da economia.  Entretanto, como os custos da manutenção parcial do salário do empregado ficam por conta do governo, o aumento do PPE pressiona ainda mais as contas do Estado, em um momento em que o próprio governo prescreve o ajuste fiscal como solução para o crescimento da economia.

 

7. Considerações finais

A teoria econômica prevê que um aumento do custo do trabalho − como o da redução da jornada em 10% (de 44 para 40 horas) – seria prejudicial ao emprego. Dois efeitos se somariam: o “efeito substituição” (estímulo a troca de trabalhador por capital) e o “efeito escala” (aumento de custos que deprime a produção em um primeiro momento, e, por isso, o emprego em um segundo momento).

Reconhecendo que a redução da jornada sem redução salarial tem dificuldades em dar incentivos econômicos para o aumento do emprego, o presidente americano Franklin D. Roosevelt, quando adotou essa mesma medida durante a Grande Depressão dos anos 30, justificou a redução da jornada sob argumentos não-econômicos. Roosevelt fez um chamamento, pedindo “aos empregadores da nação” que participassem de “pacto em nome do patriotismo e da humanidade” para reduzir o desemprego e sair da crise. Trata-se certamente de tema sensível, que traz à superfície uma série de tensões da relação capital-trabalho, mas que terá de ser inevitavelmente debatido enquanto a sociedade busca saídas para a face mais cruel da crise: o desemprego.

______________

1 http://www.euquero40horas.org.br/.

2 Ver: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/09/1811894-ministerio-do-trabalho-faz-acao-em-redes-sociais-para-esclarecer-fala-de-ministro.shtml e http://www.portaldaindustria.com.br/cni/imprensa/2016/07/1,91848/presidente-da-cni-robson-braga-de-andrade-jamais-defendeu-aumento-da-jornada-de-trabalho.html.

3 Em verdade, o que existe por hora são experimentos, financiados pelo governo, ou iniciativas privadas, e não uma imposição legal valendo para todo o país. Segundo a OIT, a jornada semanal legal é de 40 horas, e não de 30. Ver, entre outros: http://www.nytimes.com/2016/05/21/business/international/in-sweden-an-experiment-turns-shorter-workdays-into-bigger-gains.html?_r=0

4 Não está claro, porém, se a metodologia dessas estimativas seguiram as melhores práticas estatísticas ou se apenas aplicam, linearmente, a percentagem de redução das horas no estoque de trabalhadores empregados.

5 GONZAGA, G.; MENEZES FILHO, N. A.; CAMARGO, J, M. Os efeitos da redução da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais em 1988. Revista Brasileira de Economia, v. 57, nº 2, 2003.

6 GOLDEN, L.; GLOSSER, S; Work Sharing as a Potential Policy Tool for Creating More and Better Employment: A Review of the Evidence. In: MESSENGER, J.; GHOSHEH, N. Work Sharing: New Developments during the Great Recession and Beyond. Edward Elgar Publishing e International Labour Organization (ILO), 2012. 

7 Em verdade, o aumento de custos seria superior a 10% porque há custos fixos na remuneração da mão de obra, como vale-transporte, auxílio alimentação, creches (por exemplo, o custo de manter uma creche é o mesmo se as funcionárias trabalharem 40 ou 44 horas semanais), além de alguns custos de monitoramento e de recursos humanos.

8 Especificamente, a medida aqui analisada é o “custo da hora trabalhada, controlado para produtividade na manufatura”, em dólares.

9 France reviews its 35-hour working week. The Telegraph, 25 de janeiro de 2016. Disponível em: http://www.telegraph.co.uk/news/worldnews/europe/france/12120927/France-reviews-its-35-hour-working-week.html.

 

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Quem tem medo da terceirização? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2527&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quem-tem-medo-da-terceirizacao https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2527#comments Mon, 25 May 2015 13:13:42 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2527 Para avaliar os impactos econômicos da regulamentação da terceirização, partiremos das críticas que são feitas ao projeto que ora tramita no Congresso, e as analisaremos ponto a ponto, verificando sua consistência.

Um resumo dessas críticas pode ser assim expresso:

“A terceirização vai ‘precarizar’ as relações de trabalho. Por ‘precarização’ entende-se: redução dos direitos dos trabalhadores (férias, décimo terceiro, assistência médica, etc) e redução da remuneração (trabalhadores terceirizados tendem a receber remuneração inferior à dos trabalhadores diretamente contratados). As empresas, sempre interessadas em reduzir custos, vão terceirizar o máximo possível as suas atividades. Por isso, a geração de empregos dentro das empresas será reduzida. Haverá, ainda, redução da segurança dos trabalhadores. Afinal, não sendo a contratante final do trabalhador, a empresa que terceirizar o serviço não se preocupará com as condições de segurança oferecidas. Também haverá redução na qualidade do serviço prestado e na segurança oferecida aos consumidores. Tome-se como exemplo o caso dos bancos. Se forem terceirizadas funções chave, como as de gerente de banco e de analista de crédito, as informações cadastrais dos correntistas passam a ficar vulneráveis. Há, por fim, o risco de perda de poder de negociação dos trabalhadores: a terceirização aumentará a divisão do trabalho e a especialização dos trabalhadores que, contratados de diversas firmas diferentes, não pertencerão a um sindicato unificado. O resultado seria a perda de poder de barganha sindical, com reflexo negativo na remuneração do trabalho e correspondente aumento da participação dos lucros na renda nacional. Se estendida ao serviço público, a terceirização será uma ameaça ao instituto do concurso público e um incentivo à distribuição demagógica e clientelista de empregos públicos”.

Quão próxima da realidade estaria essa avaliação? Como veremos, está bem distante!

 

  1. Aprovada a lei, não haverá uma corrida pela terceirização do máximo possível de atividades das empresas

É preciso, considerar, em primeiro lugar, os motivos pelos quais uma empresa toma a decisão de terceirizar uma atividade. Trata-se de decidir entre “fazer internamente” ou “comprar fora”. Em analogia com as decisões tomadas no âmbito de nossas casas, é algo similar a decidir entre contratar uma cozinheira ou preferir fazer as refeições cotidianas em restaurantes self-service. Diversas considerações são feitas para que se faça a escolha entre “fazer internamente” ou “comprar fora”. Além da comparação entre o custo de contratar a cozinheira (salários, impostos, direitos trabalhistas, etc.) e o custo da conta do restaurante, há outras considerações relevantes: qual a qualidade da comida de cada uma das opções; quão interessado eu estou em ter um cardápio preparado exatamente como eu gosto (em contraposição aos pratos padronizados do restaurante); quais os horários em que pretendo fazer a refeição (supondo que o restaurante não está sempre aberto e que posso negociar com a cozinheira os horários em que ela trabalhará); quais são as diferentes opções de preço e qualidade oferecidas pelos restaurantes das redondezas; quais os transtornos que terei se a cozinheira decidir deixar o emprego; quanto tempo e energia gastarei treinando e supervisionando o trabalho da cozinheira,  etc.

A escolha entre a cozinheira e o restaurante não é óbvia. Dizer que as empresas correrão em direção à terceirização é o mesmo que dizer que todas as famílias preferirão o self-service a ter uma cozinheira em casa. O fato de que milhares de lares do país têm empregadas domésticas que preparam as refeições diárias ilustra isso.

Após aprovada a regulamentação da terceirização, não necessariamente as empresas desencadearão intenso processo de terceirização, buscando reduzir custos. Deve-se lembrar, em primeiro lugar, que, embora as empresas sempre busquem reduzir custos (pois é da essência do capitalismo), o mercado impede que esses custos caiam arbitrariamente. Não é por menos que firmas pagam salários acima daqueles determinados em lei. Se, para reduzir custos, bastasse a empresa desejar fazê-lo, todos ganhariam salário mínimo (ou o mínimo da categoria). Não é isso que ocorre simplesmente porque, se oferecer salários incompatíveis com o mercado, a firma não conseguiria contratar a mão de obra na quantidade e com a qualificação de que necessita.

Voltando à análise da terceirização, há outros aspectos a serem considerados, além dos custos de produção. As empresas buscam decisões racionais, que permitam a sua sobrevivência e competitividade em um mercado concorrencial. Não raciocinam apenas na dimensão de redução de custos de produção. Precisam, também, cuidar da qualidade do produto, da preservação de suas informações estratégicas, dos incentivos para que os trabalhadores e fornecedores se esforcem o máximo possível, de se protegerem de uma posição de fragilidade nas negociações com fornecedores e consumidores, de evitarem a multiplicação de tarefas e a perda da especialização em seu negócio principal.

Tome-se o exemplo dos bancos, acima citado. É muito provável que as funções de gerente e de analista de crédito não venham a ser terceirizadas. Esses profissionais lidam com informações estratégicas para os bancos. Eles precisam pertencer à organização, estando vinculados a um código de ética e a um padrão de prestação de serviços (que pressupõe investimento prévio da empresa em treinamento). Logo, a empresa preferirá “fazer internamente” esses serviços em vez de “comprá-los fora”.

Outro exemplo interessante foi apresentado por Vinícius Carrasco, em artigo publicado na revista Exame1. Suponha uma empresa que explora minério em uma localidade isolada do território nacional. Não há portos por perto. Ela deve decidir se constrói o próprio porto (fazer internamente) ou se transporta suas mercadorias através de um porto construído e administrado por terceiros (comprar fora). Muito provavelmente a empresa optará por construir o próprio porto, por uma razão simples. Se ficar dependente de um porto gerido por outra empresa, essa empresa portuária poderá impor tarifas de transporte muito altas, pois não há outras opções de transporte para a mineradora, tendo em vista estar situada em local isolado no território nacional. Por outro lado, dificilmente haverá empresa interessada em construir e gerir o porto. Afinal, haverá somente um comprador para aquele serviço (a empresa de mineração) que, por isso, pode tentar pressionar para baixo o valor do frete. Haveria, portanto, nesse exemplo, dificuldade em prover o serviço de transporte de forma terceirizada.

Caso a mineração ocorresse em local próximo a instalações portuárias já existentes, havendo diversas possibilidades de escoamento, por diferentes portos, a firma de mineração teria a opção de terceirizar o transporte. Nesse caso, a terceirização  não a colocaria em uma posição fragilizada no mercado e, ao mesmo tempo, a permitiria se concentrar na sua função principal, que é a extração de minério.

Fica, então, estabelecido o primeiro ponto: a regulamentação da terceirização não desencadeará um intenso processo de terceirização em busca de redução de custos de produção. As empresas dependem de outros fatores na decisão entre “fazer internamente” ou “comprar fora”.

 

  1. Quando houver terceirização, ela ajudará a aumentar a produtividade da economia, o que é bom para todos, ainda que possa ser ruim para algumas categorias profissionais.

Em diversos casos em que a terceirização vier a ser adotada, ela poderá reduzir os custos de produção, elevar a qualidade dos produtos e, sobretudo, aumentar a produtividade da economia (o que significa produzir mais bens e serviços com uma mesma quantidade de trabalhadores, máquinas e insumos). Isso aumenta a produção e a renda do país, gerando mais empregos para todos. O custo disso, no entanto, pode ser a ocorrência de perdas para algumas categorias profissionais.

Tomemos como exemplo um marceneiro que trabalhe fazendo esquadrias de madeira para janelas e portais em uma empresa que constrói prédios de apartamentos. Sendo esta uma atividade fim no âmbito da empresa, a construtora não tem autorização legal para terceirizar o serviço de marceneiro.

Por isso, esse marceneiro tende a ficar ocioso em vários momentos da jornada de trabalho. Nem sempre está na hora de instalar as portas e janelas, e nem sempre a construtora tem obras suficientes para que esse profissional esteja em plena atividade. Isso significa que, nesses momentos de inatividade, ele representará um custo para a empresa sem, ao mesmo tempo, gerar produção. Diversas outras modalidades profissionais dentro do processo produtivo da empresa passarão por esses momentos de ociosidade. Esse custo será incorporado ao preço do apartamento, que por isso custará  mais caro. Menos pessoas terão condições de comprar o apartamento, devido ao preço alto.

Uma vez permitida a terceirização, a empresa tenderá a demitir o marceneiro e terceirizar a função. Esse profissional, que tinha um emprego fixo e uma rotina tranquila, com vários períodos de ociosidade, provavelmente se transformará em um autônomo, e prestará serviços a diversas empresas de construção. Acabarão seus períodos de ócio, e ele terá que ir de uma obra para outra, buscando serviço onde houver demanda.

Em um primeiro momento, a qualidade de vida desse marceneiro pode cair, pois passará a ter uma vida menos previsível, mudando de locais de trabalho com frequência, o que implica ter de se adaptar a novas rotas para o trabalho (com o risco de ter de ir trabalhar em locais mais distantes), novos colegas de profissão, etc. Por outro lado, sua renda tenderá a aumentar, pois a ociosidade que vivenciava no antigo emprego certamente era refletida em um salário mais baixo. Já para a sociedade como um todo, há uma melhora inequívoca: as empresas operarão com menor custo; os apartamentos custarão mais barato e serão mais acessíveis; a economia do país estará empregando os seus recursos produtivos (trabalho, insumos e capital) de forma mais eficiente e, portanto, gerando mais bens e serviços (sendo, pois, mais produtiva).

E não há nada que implique perda de qualidade na produção. Pelo contrário. A possibilidade de terceirização de diversas atividades que compõem o processo produtivo de um prédio de apartamentos induzirá a criação de empresas especializadas em cada aspecto desse processo. O nosso marceneiro, que em um primeiro momento perdeu o emprego fixo e virou autônomo pode, em breve, ser contratado por uma empresa especializada em fornecer os serviços de marcenaria para construtoras. Recuperará o seu emprego e, provavelmente, ganhará mais, pois será mais produtivo na nova função. Não só porque não terá mais períodos de ociosidade, como também porque estará dentro de uma organização especializada na produção de portas e janelas. Como se sabe, a especialização é a chave para o progresso tecnológico. Em breve essa empresa estará criando métodos mais modernos de produção e instalação de janelas e portas, estará experimentando novos materiais na confecção de seus produtos, otimizará a distribuição do material e profissionais entre as obras (possivelmente terceirizando o serviço de transportes para uma empresa especializada), etc.

Embora as empresas possam demitir alguns trabalhadores, substituindo-os por terceirizados, o nível total de emprego da economia não diminuirá. Pelo contrário. À medida que as empresas se tornem mais eficientes, em decorrência da terceirização, elas expandirão suas atividades, a economia crescerá e mais emprego será gerado em função dessa expansão.

É verdade que o nosso marceneiro passará por momentos de insegurança. Ninguém gosta de perder um emprego fixo e um salário certo ao final do mês. Porém, se a opção da sociedade brasileira for a de dar segurança ao marceneiro e aos demais profissionais que, no curto prazo, venham a ter sua estabilidade ameaçada pela terceirização, o nosso destino será a estagnação econômica. Imagine se, com o advento da iluminação elétrica, tivesse sido lançada uma legislação vedando as instalações de postes elétricos, com vistas a preservar a segurança do emprego do acendedor de lampiões!

Chega-se, então, a um segundo conjunto de conclusões: a curto prazo haverá, de fato, maior insegurança para algumas categorias de trabalhadores cujas atividades venham a ser terceirizadas, mas isso corresponderá a ganhos para a sociedade e a um rearranjo do mercado de trabalho que, no médio e longo prazo, poderão beneficiar até mesmo aqueles adversamente afetados em um primeiro momento.

 

  1. Haverá “precarização” das relações de trabalho?

Analisemos, agora, as diversas dimensões daquilo que tem sido chamado de “precarização” das relações de trabalho. A primeira dimensão já foi tratada na seção anterior. Diversas categorias de trabalhadores perderão o conforto do emprego fixo em uma determinada empresa, tendendo a se tornar empregados de empresas que prestam serviços terceirizados a outras empresas.

Ainda que isso tire esses trabalhadores da zona de conforto do emprego fixo ao qual estão acostumados, induzindo-os ao esforço adicional de buscar serviço como trabalhador autônomo ou a se encaixar em outra firma especializada em prestação de serviço terceirizado, não se pode dizer que esse trabalhador vai perder direitos legais.

O projeto em análise estende para os trabalhadores em regime terceirizado todas as garantias e vantagens dadas aos empregados das empresas contratantes dos serviços terceirizados. Também contém mecanismos que impedem as empresas de demitir seus empregados para, em seguida, contratá-los como terceirizados.

Tampouco é verdade que trabalhadores terceirizados recebem menos que os empregados diretamente pelas empresas. É importante aqui comentar sobre as conclusões de um estudo elaborado pela CUT intitulado “Terceirização e Desenvolvimento: uma conta que não fecha” e que se transformou nos debates e nas redes sociais em uma bíblia dos que criticam a terceirização. A Tabela 2 desse Estudo mostra que os trabalhadores em setores tipicamente terceirizados recebem 24,7% a menos do que aqueles que trabalham em setores tipicamente contratantes, trabalham 3 horas a mais por semana e possuem tempo médio de emprego 3,1 anos menor. Esses números seriam a prova cabal que a terceirização precariza o trabalho. Trata-se, entretanto, de uma interpretação absolutamente equivocada dos dados.

O que ocorre atualmente é que as áreas em que se permite a terceirização são aquelas que empregam trabalhadores de menor qualificação (vigilância e limpeza, por exemplo). Não faz sentido comparar a remuneração desse tipo de profissional, com a de empregados de outros setores de empresas que fazem tarefas mais sofisticadas (marketing, vendas, etc.). São profissionais diferentes, com nível de escolaridade diferente. O que determina a remuneração de cada um deles não é o tipo de contrato de trabalho (terceirizado ou direto), e sim suas qualificações e o tipo de trabalho que exercem.

É preciso lembrar, ainda, que a autorização para a terceirização de toda e qualquer atividade dentro de uma empresa levará à formação de empresas especializadas na provisão dos diversos aspectos do processo produtivo. Isso mudará completamente o perfil das empresas de terceirização hoje visto no país. As que hoje existem, concentradas nas áreas em que é permitida a terceirização, lidam com grandes contingentes de trabalhadores pouco qualificados e, portanto, pouco remunerados.

A tendência é que surjam empresas de provisão de serviços terceirizados de alta qualificação. E não haverá razões óbvias para se acreditar que a remuneração oferecida por elas venha a ser inferior ao que pagam as empresas diretamente contratantes.

Note-se, a esse respeito, que o país está encerrando o seu período de transição demográfica, o que significa dizer que a população em idade de trabalhar está encolhendo, e os indivíduos da terceira idade tornando-se mais numerosos. Em decorrência, a quantidade de pessoas ofertando trabalho diminuirá. Pela lei da oferta e da demanda, as remunerações no mercado de trabalho tendem a subir.

No que diz respeito à burla no pagamento e concessão de direitos trabalhistas, de fato existe, no atual quadro de empresas de terceirização de trabalho de baixa qualificação, abusos e empresas mal-intencionadas, que se aproveitam do baixo grau de informação de seus empregados para burlar a lei e lhes negar direitos trabalhistas. A nova legislação, contudo, cria mecanismos para coibir tais abusos. Há, por exemplo, o mecanismo em que a empresa contratante retém parte do pagamento à contratada para garantir o pagamento dos direitos trabalhistas dos empregados terceirizados. Além disso, caso se omita nesse processo de retenção de recursos e de fiscalização dos direitos trabalhistas dos terceirizados, a contratante passa a ser co-responsável pelas irregularidades, sendo obrigada a arcar com os custos de indenização dos trabalhadores.

Raciocínio similar pode ser feito em relação aos procedimentos de segurança no trabalho. Não há qualquer razão para que uma empresa contratante seja menos cuidadosa na proteção de um terceirizado do que o é em relação ao um contratado direto. Isso porque a Justiça do Trabalho brasileira é reconhecidamente enviesada a favor dos trabalhadores. Há, portanto, grande probabilidade de que uma empresa contratante seja condenada a pagar indenização a um terceirizado que venha a se acidentar durante a prestação de serviços.

A terceirização pode mesmo contribuir para aumentar a segurança do trabalho, ao reduzir os custos de prover essa segurança. Uma vez que cada empresa se especializará em um conjunto menor de atividades, será mais fácil implantar procedimentos de segurança adequados para aquele tipo de atividade. Ao mesmo tempo, os cursos de prevenção de acidentes, ao serem focados em atividades específicos, tornar-se-ão mais eficazes e mais baratos.

 

  1. O enfraquecimento dos sindicatos e a perda de poder de barganha dos trabalhadores

Se há perdedores certos com a regulamentação da terceirização, estes são os sindicatos de trabalhadores nos moldes hoje organizados. À medida que a terceirização permitirá ampla especialização das empresas, cada uma se concentrando em um aspecto específico do processo de produção, os trabalhadores serão igualmente fragmentados em diversas empresas. Ainda que trabalhem no mesmo espaço físico, não serão os mesmos trabalhadores atuando sempre nos mesmos lugares.

Daí decorrem diversas dificuldades para os sindicatos. Em primeiro lugar, tendem a surgir profissões mais especializadas e, consequentemente, um sindicato amplo se repartiria em diversos sindicatos específicos. Em vez de um sindicato geral dos metalúrgicos, haveria vários sindicatos dos trabalhadores em empresas de peças específicas que compõem os diversos processos produtivos dentro da metalurgia. Em segundo lugar, a mobilidade e rotatividade da mão de obra nos locais de trabalho dificultariam a organização da ação sindical.

Toda a renda e poder político auferidos pelos dirigentes sindicais fica ameaçada. Daí a forte reação à inovação legislativa.

O enfraquecimento dos sindicatos atuais não significa, contudo, o enfraquecimento da classe trabalhadora e do seu poder de barganha. Além do fato de que outros sindicatos surgirão, desafiando a hegemonia dos atuais; há a realidade inconteste de que outras profissões e vagas de trabalho surgirão. O aumento de produtividade viabilizado pela terceirização fará com que o poder da lei da oferta e da demanda por trabalho beneficie os trabalhadores muito mais do que conquistas sindicais. Uma economia mais produtiva pagará mais a empregados que geram mais valor agregado para as empresas.

Em suma: a estrutura sindical hoje existente certamente perderá, o que não significa que os trabalhadores em geral serão prejudicados; nem que a terceirização sancionará uma concentração de renda em favor do capital e em prejuízo do trabalho.

 

Haverá precarização dos serviços públicos, com desestruturação dos concursos públicos e politização nas contratações nos cargos públicos?

A esse respeito é preciso dizer, em primeiro lugar, que a versão do projeto aprovada na Câmara dos Deputados estipula que as regras ali inscritas não se aplicam à terceirização no âmbito da administração pública. O que na realidade é uma pena, pois o projeto ajudaria a resolver vários problemas hoje existentes nas terceirizações no setor público, como argumentado adiante.

Se o Senado vier a alterar esse dispositivo, permitindo que as regras valham para a administração pública, haverá mais ganhos do que perdas para o país.

Supondo que isso ocorra, como ficariam os concursos públicos? Não haveria uma generalizada terceirização de funções, com a contratação de apadrinhados políticos, em detrimento do mérito dos concursos?

Esse, de fato, é um problema. Se as empresas são forçadas a tomar decisões racionais para se manter vivas no mercado competitivo, o mesmo não é válido para os órgãos públicos. Estes não enfrentam nada similar a uma concorrência de mercado, não estão sob o risco de falência e, sobretudo, os seus dirigentes estão apenas de passagem, não tendo compromisso com a qualidade dos serviços prestados no longo prazo. Muitas vezes o interesse eleitoral de curto prazo induz a ações nocivas ao interesse público no âmbito da administração governamental.

Seria necessário, por isso, uma regulação específica para a terceirização no âmbito da administração pública. Tal regulamentação substituiria os limites que o mercado impõe às empresas privadas.

Por outro lado, vários ganhos poderiam ser obtidos na prestação de serviços terceirizados no âmbito da administração pública. Novas formas de gestão hospitalar e de escolas poderiam melhorar a qualidade do serviço prestado, criando-se, no âmbito da administração pública, um ambiente de concorrência e inovação entre prestadores e modos de gestão. Nem sempre a contratação por concurso público, associada à estabilidade no emprego, é a melhor forma de se ter mão de obra motivada e disposta a prestar bom serviço público. O espaço para terceirização poderia abrir espaço para inovações importantes.

Ademais, a administração pública sofre bastante com problemas nos serviços atualmente terceirizados em função da inexistência de mecanismos que estão sendo propostos no projeto em discussão. Por exemplo, é comum que prestadoras de serviço abandonem os contratos próximo ao final de sua vigência, deixando empregados sem pagamento. Também comum é o não recolhimento de contribuições à previdência, FGTS e outras. Quando isso ocorre, a administração pública torna-se imediatamente responsável por assumir tais encargos, em função de uma súmula editada pela Justiça do Trabalho. Por isso, os incentivos da legislação atual são para que as empresas ajam com desídia, pois sabem que os seus empregados não irão à Justiça contra elas, visto que os direitos serão imediatamente pagos pelo poder público.

A proposta em discussão cria vários mecanismos de depósitos prévios e de retenção de verbas que minoram esse incentivo incorreto. Ademais, deixa mais claros os limites da corresponsabilidade do contratante.

Assim, um eventual regramento em separado para a terceirização na administração pública deve aproveitar os mecanismos preventivos que venham a ser aprovados para o setor privado.

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1 Vinícius Carrasco. “Terceirização e Natureza da Firma”. Exame.com. Publicado em 12/05/2015.

 

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