segurança energética – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Wed, 23 Apr 2014 14:20:11 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Por que o Brasil está correndo risco de racionamento de energia elétrica? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2214&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-o-brasil-esta-correndo-risco-de-racionamento-de-energia-eletrica https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2214#comments Wed, 23 Apr 2014 14:20:11 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2214 Como é de conhecimento público, corremos o risco de ter problemas no abastecimento de energia elétrica. A palavra racionamento, empregada no título, é bom que se diga, cumpre apenas a função de buscar aderência ao nome que vem sendo dado pela imprensa ao fenômeno.

Tecnicamente, racionamento de energia elétrica é o desligamento regular e temporário de parte da carga, o que não precisa ocorrer e nem ocorreu, a bem da verdade, na crise de 2001. Não ocorreu porque medidas adequadas foram tomadas pelo Governo, e a população reduziu o consumo, adequando-o à capacidade de geração disponível na época. Houve, sim, o que se chama de racionalização do consumo, providência que caberia ao Governo tomar, neste momento, segundo numerosos especialistas, para evitar consequências mais danosas no futuro.

Embora se possa comparar de forma genérica a situação de 2001 com a atual, há muitas diferenças nas condicionantes do suprimento de energia elétrica, hoje e então. As de 2001 parecem ter sido suficientemente bem descritas no Relatório da Comissão Mista do Congresso, que estudou pormenorizadamente o problema1. Parece oportuno, quanto ao agora, entender por que chegamos à situação em que estamos.

Se eximirmos São Pedro de culpa, porque esse problema é, sem dúvida, terreno, há pelo menos quatro causas principais pelas quais temos dificuldades de abastecimento, dificuldades essas que podem resultar na necessidade de economia forçada de energia elétrica. A primeira delas está na construção de usinas hidrelétricas sem reservatórios onde isso é possível, em descumprimento, inclusive, da legislação vigente, que determina o chamado aproveitamento ótimo2 dos potenciais hídricos nacionais (acerca desse ponto ver, neste site, o texto “O que são usinas hidrelétricas a fio d’água e quais os custos inerentes a sua construção?”).

Para que se tenha ideia dos efeitos dessa política pública “de fato”, que vem sendo posta em prática há anos, em razão das pressões contra as usinas hidrelétricas, dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) mostram que de 42 empreendimentos leiloados de 2000 a 2012, que somam 28.834,74 MW de potência, apenas dez constituem usinas com reservatórios. Essas dez usinas agregam somente 1.940,6 MW de potência instalada ao sistema elétrico. Os outros 32 empreendimentos, num total de 26.894,14 MW, são de usinas a fio d’água, ou seja, sem qualquer capacidade de guardar água para geração de eletricidade nos períodos secos. Apenas 6,73% da capacidade de geração desses empreendimentos são, portanto, provenientes de usinas com reservatório.

O resultado é que a capacidade de reservação de água para o período seco nas usinas hidrelétricas brasileiras vem caindo em face do aumento da demanda. Essa capacidade, que já foi plurianual, no passado, e era de 5,6 meses, em 2012, cairá para cinco meses, em 20163, e para 3,24 meses, em 2022, de acordo com o Plano Decenal do Ministério de Minas e Energia.

Além de diminuir a segurança energética do País, a construção de usinas sem reservatórios, segundo a técnica recomendável, tem preço alto para o consumidor. Os reservatórios não construídos são necessariamente substituídos por térmicas, mais caras e poluentes, visto ser esta a única modalidade de geração em nossa matriz que compensa a falta de geração hidrelétrica de maneira segura. As demais – eólica e solar – são apenas complementares, por dependerem da natureza. A geração nuclear, apesar de bastante segura, sofre as restrições conhecidas, inclusive as que servem apenas a fins demagógicos.

Mas voltemos ao preço pago pelo consumidor. Tomemos o exemplo da usina de Belo Monte, para entender o custo financeiro da renúncia aos reservatórios. Na bacia do Xingu foram abandonados cerca de 5 mil MW de energia firme e eliminou-se o reservatório de Belo Monte, com a finalidade de reduzir a área de alagamento. Embora isso tenha viabilizado politicamente a usina, a diferença entre os custos de geração desses 5 mil MW médios (gerados nos projetos a montante, a estimados R$ 77,97/MWh, preço de Belo Monte, num valor total de R$ 3,37 bilhões/ano), e os mesmos 5 mil MW médios, gerados por térmicas a gás (a R$ 426,24/MWh, num total de R$ 18,6 bilhões/ano), montaria a R$ 15,3 bilhões/ano, isso sem computar os prejuízos ambientais das emissões de CO2 decorrentes da geração térmica.

Além disso, a Usina Belo Monte ficou mais cara por esse novo projeto. É que a solução escolhida, para proporcionar um ganho de energia firme da ordem de 20% (de 3.970 MW médios para 4.796 MW médios), elevou a potência instalada em quase 40% (de 8.009 MW para 11.181 MW), com consequente piora da relação custo/benefício do empreendimento. Esse assunto foi discutido recentemente, em detalhes, por Tancredi e Abbud (2013)4, em “Por que o Brasil está trocando as hidrelétricas e seus reservatórios por energia mais cara e poluente?”.

Outro fator que contribui fortemente para a insegurança energética que vivemos é o atraso na construção de novas usinas e linhas de transmissão. Há duas causas conhecidas para esses atrasos, ambas de responsabilidade do Governo Federal. A primeira é a ânsia com que as empresas estatais (Eletrobras e suas subsidiárias) se atiraram à conquista dos novos empreendimentos de geração e transmissão nos leilões promovidos após a reforma da legislação do setor, em 2003, incentivadas que foram nessa direção pelo Governo Federal, seu acionista majoritário. A segunda é a forma pela qual o Governo Federal tratou e vem tratando a questão do licenciamento ambiental, o que também ajudou a atrasar as obras de geração e transmissão.

Levantamento do jornal O Estado de S. Paulo, publicado em 13 de abril passado5, mostra que nesse período, quase três mil MW, relativos a cerca de 70 usinas, previstos para entrar em operação no primeiro trimestre deste ano, mesmo após inúmeras revisões de prazo, tiveram as suas datas de operação adiadas para os próximos meses. Isso representa quase 90% do total previsto. Essa geração nova seria suficiente, por exemplo, para abastecer uma cidade de cerca de oito milhões de habitantes, ou todo o Estado do Ceará, segundo o jornal.

Ainda de acordo com O Estado, o Ministério de Minas e Energia informou que “hoje são monitorados cerca de 520 empreendimentos de geração. Destes, mais da metade estão com o cronograma em dia.”. Essa afirmação permite inferir que metade desses empreendimentos, ou na verdade, um pouco menos, estão atrasados. Grande parte deles tem estatais à sua frente ou na condição de associados minoritários, mas com participações grandes, da ordem de 40%, como na Hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira, ou ainda superiores.

Na construção de linhas de transmissão, dados da Aneel, de 2013, mostram que 96 obras de transmissão da Chesf sofreram atrasos e chegaram a apresentar atraso médio de 495 dias. Havia, entre as obras, linhas com atrasos de até 2.294 dias. No total, a Chesf já havia sido multada pela Aneel – com 26 penalidades irrecorríveis em âmbito administrativo – em mais de R$ 25 milhões.

Furnas, por sua vez, chegou a ter, segundo a Aneel, 39 obras atrasadas, com um atraso médio de até 710 dias. Entre as obras não concluídas, havia atrasos de até 2.525 dias. Furnas tinha, até então, cinco infrações administrativas irrecorríveis, num total de mais de R$ 4,5 milhões.

A Eletronorte tinha cinco multas irrecorríveis. Chegou a ter 49 atrasos em obras, tendo alcançado a média de 344 dias de atraso. Houve obra com atraso de 1.736 dias em sua carteira. A estatal federal em melhor situação era a Eletrosul, que tinha apenas três infrações irrecorríveis, relativas a um atraso médio de apenas 51 dias.

Quais as causas desses atrasos? Problemas de gestão e de dificuldades de licenciamento ambiental. Empresas estatais no Brasil não conseguem apresentar a mesma agilidade e eficiência de operação que empresas privadas, o que é largamente sabido. Somem-se a isso as dificuldades de licenciamento ambiental e está pronta a receita para os atrasos dos empreendimentos.

Em breve, um novo e explosivo ingrediente será agregado a esses outros dois: a falta de recursos financeiros para as estatais do setor. Não podemos nos esquecer de que a Medida Provisória nº 579, de 2012, retirou dessas estatais grande parte da sua renda, descapitalizando-as, quando se apropriou dos seus lucros com a geração de energia elétrica para promover, de forma artificial, a redução tarifária para os consumidores. Elas só não enfrentam ainda o efeito pleno dessas dificuldades em virtude das indenizações que estão recebendo, em decorrência das regras estabelecidas na MP. Mas essa não é uma fonte inesgotável, e a Eletrobras terá que conseguir recursos para dar prosseguimento às muitas obras que contratou.

Examinemos agora o tema do licenciamento ambiental, que de longa data dificulta o cumprimento de prazos de obras de hidrelétricas e de linhas de transmissão. Inicialmente, é preciso mencionar que as usinas termelétricas a combustível fóssil são facilmente licenciadas. Não há pressões, nem campanhas contra essa modalidade de geração, de característica notoriamente poluente. A restrição mais relevante à concessão de licenças ambientais para termelétricas foi a edição, em 2009, da Instrução Normativa nº 7, do IBAMA, que criou contrapartidas mitigatórias, mas foi embargada por determinação da Justiça.

O Comitê de Revitalização do Modelo do Setor Elétrico, criado pela Câmara de Gestão da Crise de Energia (GCE), em 2001, promoveu um amplo debate com todos os agentes do setor elétrico e com a sociedade, com o objetivo de “encaminhar propostas para corrigir as disfuncionalidades correntes e propor aperfeiçoamentos para o modelo” de gestão do setor. Ao final de seus trabalhos, dentre as várias medidas propostas estava a de agilização do processo de licenciamento ambiental.

A recomendação era no sentido de que todos os empreendimentos já fossem licitados com a Licença Ambiental Prévia obtida. A MP nº 145, um dos instrumentos da reformulação da legislação feita em 2003, acatou apenas parcialmente essa recomendação, dando à EPE a possibilidade de escolher para quais empreendimentos ela buscaria obter as licenças ambientais. Os licenciamentos dos demais empreendimentos ficariam a cargo dos concessionários.

Seja como for, segue muito lento o processo de licenciamento ambiental de hidrelétricas e de linhas de transmissão. Exemplo disso é que há, atualmente, na Aneel, algo entre seis e sete mil MW de outorgas de Pequenas Centrais Hidrelétricas (PCHs) que não podem ser expedidas pela Agência sem a emissão da Licença Ambiental Prévia. PCHs, por definição legal, não podem alagar mais que três quilômetros quadrados. Ainda assim, demoram, às vezes, nove anos para obter sua Licença de Instalação, como aconteceu com uma PCH de Mato Grosso, que só recentemente foi licenciada.

De qualquer modo, com o licenciamento a cargo de órgãos governamentais ou de empreendedores privados, a questão não está suficientemente bem solucionada. Demora muito para que as licenças sejam concedidas. Ademais, a legislação sobre o assunto é insuficiente e faltam critérios claros a serem seguidos por empreendedores e licenciadores. Sobre esse assunto, Ivan Dutra Faria escreveu mais detalhadamente, aqui mesmo no Brasil, Economia e Governo, uma série de três artigos intitulados “Por que o licenciamento ambiental no Brasil é tão complicado?”.

Por último, mas não menos importante, a presença recente de empreendedores sem experiência no setor causou problemas ainda não inteiramente solucionados e que resultaram na frustração de obras de geração, que hoje tanta falta fazem ao País.

O setor elétrico é complexo e seus investidores são operadores tradicionais, em geral com larga experiência. Com exigência de grandes aportes de capital e empreendimentos com longos prazos de maturação, o setor é próprio, sem dúvida, para investidores experientes.

O exemplo mais conhecido de frustração de obras é o do Grupo Bertin. Tradicional no ramo de frigoríficos, o Grupo desembarcou do ramo de carnes para adentrar o setor elétrico, sem ter conhecimento específico prévio, e não conseguiu cumprir as obrigações que contratou. Chegou até a participar do consórcio vencedor de Belo Monte, do qual foi excluído por não apresentar as garantias necessárias. O fracasso do Bertin levou, inclusive, a mudanças na avaliação da capacidade financeira dos candidatos nos leilões de geração.

Para se ter ideia do preço desse equívoco, na avaliação do presidente da CMU Comercializadora, Walter Froes, citado na mencionada edição d’O Estado de S. Paulo, se as térmicas do Grupo Bertin, com capacidade de 5.000 MW, tivessem entrado em operação, o nível dos reservatórios estaria hoje 25 pontos porcentuais acima do atualmente verificado.

Finalmente, cabe lembrar que uma das acusações dirigidas à política adotada para o setor elétrico, a partir de 1995, era de que o planejamento havia sido abolido. Assim, na reforma da legislação empreendida em 2003, foi criada a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), com a finalidade de suprir essa lacuna. Cabe à EPE “prestar serviços na área de estudos e pesquisas destinadas a subsidiar o planejamento do setor energético, tais como energia elétrica, petróleo e gás natural e seus derivados, carvão mineral, fontes energéticas renováveis e eficiência energética, dentre outras”.

Parece que agora, mais que nunca, faltou planejamento e acompanhamento governamental firme dos empreendimentos do setor, notadamente daqueles a cargo de suas empresas. Pode haver – e certamente há – outras causas, mas as aqui apontadas são, sem dúvida, as principais razões das dificuldades de abastecimento de energia elétrica que o Brasil terá pela frente. Se elas forem devidamente equacionadas e resolvidas, e, principalmente, se a EPE cumprir as suas funções de planejadora e a Aneel as suas de fiscalizadora, São Pedro poderá, no futuro, ser poupado de responsabilidades que, com certeza, não são dele.

__________________

1 A Crise de Abastecimento de Energia Elétrica, Relatório, 2002, Senado Federal, disponível em http://www.senado.gov.br/atividade/materia/getPDF.asp?t=57728.
2 Art. 5º, § 3º, da Lei nº 9.075, de 1995.
3 Dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico, ONS.
4 TANCREDI, Márcio e Abbud, Omar. Por que o Brasil está trocando as hidrelétricas e seus reservatórios por energia mais cara e poluente?, Texto para Discussão nº 128 do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado. Brasília, DF. maio/2013, disponível em http://www12.senado.gov.br/publicacoes/estudos-legislativos/tipos-de-estudos/textos-para-discussao/td-128-por-que-o-brasil-esta-trocando-as-hidreletricas-e-seus-reservatorios-por-energia-mais-cara-e-poluente
5 O jornal baseou-se em documentos do Comitê de Monitoramento do Setor Elétrico (CMSE), de janeiro de 2013 até a data da publicação da edição do jornal, e em relatório da Aneel, referente a março de 2014.

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O Brasil deve desistir da energia nuclear? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1141&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-brasil-deve-desistir-da-energia-nuclear https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1141#comments Mon, 26 Mar 2012 16:51:32 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1141 Em março de 2011, um forte terremoto gerou um acidente nuclear na usina de Fukushima, no Japão. Reabriu-se, a partir daí, o debate sobre os riscos da energia nuclear e a conveniência ou não de utilizá-la. A Alemanha optou pelo banimento das usinas nucleares em seu território. Já a França, sua vizinha, tem 80% de sua matriz de energia elétrica em base termonuclear e tende a aumentar essa proporção. E o Brasil, deve abrir mão de construir novas usinas nucleares?

A matriz de energia elétrica brasileira tem evoluído sempre no sentido de se garantir um perfil renovável. As principais fontes renováveis são as usinas hidroelétricas, que propiciam energia abundante e barata.

A energia nuclear, apesar de não renovável, tem uma enorme vantagem sobre as fontes fósseis de energia, já que não emite gases de efeito estufa. Desse modo, a combinação de fontes renováveis com fonte nuclear tem recebido o apoio de vários ambientalistas de renome, que vêem na energia nuclear um risco muito menor aos biomas globais do que a energia de origem fóssil. Assim, do ponto de vista ambiental, a energia nuclear parece ser uma opção positiva.

Como se observa no gráfico abaixo, o Plano Decenal de Expansão do Setor Elétrico (PDE) 2011-2020 prevê um aumento da participação de renováveis e de energia termonuclear na potência instalada e a consequente redução das fontes fósseis (Usinas Termoelétricas – UTE). Trata-se do esforço brasileiro para reduzir a emissão dos gases de efeito estufa (GEE).

Do ponto de vista do abastecimento de energia, a geração nuclear também pode dar contribuição positiva. O consumo de energia elétrica acompanha, às vezes, até mais que proporcionalmente, o crescimento da renda per capita. Atualmente, cada brasileiro consome cerca de cinco vezes menos do que o consumidor dos EUA e três vezes menos do que o consumidor europeu. O Brasil necessita ampliar sua oferta, para atender o crescimento da população e do seu poder aquisitivo.

Atualmente, o País necessita de aproximadamente 6.000 MW por ano de acréscimo de potência instalada para suprir suas necessidades. Ao final da década de 2010, esse acréscimo anual será de 10.000 MW, quase uma Itaipu por ano. Por isso, abrir mão da possibilidade de geração de energia nuclear significará maior esforço na construção de hidroelétricas e termoelétricas.

Outro aspecto muito importante é a segurança energética, que só é assegurada por fontes passíveis de armazenamento. É crucial que a energia seja armazenada para uso em momentos de carência periódica de fontes de energia ou em face do caráter aleatório da demanda. Atualmente, só as fontes convencionais oferecem essa segurança. Seus “combustíveis” – água, carvão, derivados de petróleo, gás natural, pastilhas de urânio – podem ser armazenados, a custo baixo, em torno das plantas de produção de energia.

Derivados de petróleo, carvão e gás natural podem todos ser estocados ao lado das usinas termoelétricas, para produzir energia sempre que os consumidores demandarem. As hidroelétricas produzem energia renovável, e sua forma de armazenar energia – água em seus reservatórios – é, de longe, a mais barata. Quanto maiores os reservatórios, mais energia pode ser armazenada (a esse respeito ver, neste site, o texto O que são usinas hidrelétricas a fio d’água e quais os custos inerentes à sua construção?). O combustível nuclear pode ser armazenado sob a forma de pastilhas e usado no momento requerido, nas usinas termonucleares.

O Brasil é um dos três únicos países do mundo que dominam o ciclo de enriquecimento do urânio e, ao mesmo tempo, têm reservas de urânio em seu território[1]. Os outros dois são Estados Unidos e Rússia. Este é um ponto muito importante para a segurança energética: dispor das usinas, deter o conhecimento tecnológico e ter a matéria-prima básica dentro do território nacional. A Alemanha, por exemplo, precisa importar o urânio para suas usinas, de modo que, ao abandonar a energia nuclear, irá importar energia de outras fontes. Sua decisão não altera o status de sua segurança energética. Já o Brasil, se tomar atitude similar, abrirá mão de uma fonte de geração para a qual tem precondições muito favoráveis.

Em caso de o Brasil desistir da energia nuclear, é preciso considerar quais seriam as fontes energéticas substitutas. Uma opção sempre lembrada está nas fontes alternativas (eólica, solar, etc.). Porém não é economicamente viável estocar a energia gerada por essas fontes. Os governos em todo o mundo têm prudentemente mesclado as fontes convencionais com as fontes alternativas de energia. Estas têm uma modesta participação na matriz de energia, mediante incentivos específicos, mas não são utilizadas para prover o crescimento estrutural da oferta. As fontes alternativas ainda são muito mais caras do que as convencionais. As baterias são o único meio de armazenagem disponível, e elas são extremamente caras. Só para dar um exemplo, um veículo elétrico com potência equivalente ao de um carro popular custa cerca de US$ 30.000 no Japão. Só a bateria responde por 70% do custo do veículo. Portanto, impor o uso de fontes alternativas para prover o crescimento estrutural da oferta de energia, com segurança energética, no momento atual, significaria impor aos consumidores um enorme salto nas tarifas de energia.

Se o Brasil só produzisse energia elétrica a partir de fontes alternativas, haveria um aumento acentuado das tarifas, o que provocaria uma desarticulação da indústria e uma maciça onda de desemprego, em face da enorme perda de competitividade de nossas indústrias no mercado internacional. Deve-se lembrar que o Brasil já possui uma das tarifas mais altas do planeta (a esse respeito ver, neste site, o texto Faz sentido impor tributação tão elevada sobre a energia elétrica?). É preciso dar o devido tempo para que a ciência dê respostas para os problemas ambientais de nosso tempo, sem desarticular as economias.

As estimativas oficiais indicam o esgotamento dos potenciais de energia hidráulica após 2020. Caso o Brasil renunciasse ao uso da energia nuclear para geração de eletricidade, não restaria outra opção senão as poluentes termelétricas a carvão ou gás natural.

Duas premissas guiam a escolha da matriz de energia do Brasil:

  1. a manutenção do perfil renovável da matriz e a redução das emissões de GEE. Isso impõe o aproveitamento dos potenciais hidráulicos, das fontes eólicas, biomassa, solar, bem como a construção de usinas termoelétricas complementares para garantir a segurança energética;
  2. a diversificação da matriz de energia, privilegiando o aproveitamento de todas as fontes de energia disponíveis. Isso implica o uso de fontes hidráulicas, fontes térmicas a carvão mineral, gás natural, pastilhas de urânio levemente enriquecido, fontes eólica, maremotriz, biomassa, resíduos sólidos urbanos.

A evolução da matriz de energia primária[2] (e não apenas a matriz de geração de eletricidade)  até 2030 está mostrada na tabela abaixo. Nota-se a previsão de expansão das fontes termonucleares. Seriam oito usinas nucleares em vários pontos do País, para atender a crescente demanda por energia elétrica. Observa-se a manutenção do perfil atual, de 46,6% de fontes renováveis. Somados aos 3% de energia nuclear, prevê-se que, em 2030, a matriz de energia brasileira terá 49,6% de fontes que não emitem GEE.

Estrutura da Oferta Interna de Energia

Em %

2005 2010 2020 2030
Energia não renovável 55,5 57,0 54,2 53,4
Petróleo 38,7 34,8 29,9 28,0
Gás natural 9,4 13,4 14,2 15,5
Carvão mineral e derivados 6,3 7,2 7,6 6,9
Urânio (U3O8) e derivados 1,2 1,7 2,5 3,0
Energia renovável 44,5 43,0 45,8 46,6
Hidráulica e eletricidade 14,8 13,5 13,7 13,5
Lenha e carvão vegetal 13,0 10,1 7,0 5,5
Cana-de-açúcar e derivados 13,8 14,1 17,4 18,5
Outras fontes primária renováveis 2,9 5,3 7,6 9,1
Total 100,0 100,0 100,0 100,0

Fonte: Ministério das Minas e Energia.

Resta, por fim, enfrentar a grande questão: não será essa fonte de energia uma fonte potencial de acidente nuclear de alta proporção, capaz de afetar a saúde de seguidas gerações? Vale a pena correr esse risco? Esse debate não deve desconsiderar os fatos objetivos, a evolução da tecnologia nuclear e a posição científica sobre os riscos efetivos representados por essas usinas.

Em primeiro lugar, vale a pena deixar claro dois pontos importantes:

  1. A radiação produzida pela fissão nuclear no coração dos reatores é potencialmente letal para a vida. Mas ainda não há consenso científico que dimensione as reais consequências da radiação ionizante[3] a longo prazo. Pesquisas mais profundas sugerem que elas podem ser bem menos graves do que se costuma propalar.
  2. As usinas nucleares jamais se transformarão numa bomba atômica. Enquanto as bombas atômicas têm uma concentração de urânio 235 (físsil) de 90%, a concentração do mesmo átomo nas usinas nucleares é de apenas 3% (misturado em 97% de urânio 238, não físsil). Uma usina nuclear nunca produzirá uma reação nuclear em cadeia instável, como nas bombas atômicas. Podem até ocorrer explosões nas usinas nucleares, mas elas são devidas à produção de hidrogênio no interior do núcleo, que é um gás altamente combustível. O impacto dessa explosão é local; o perigo (ainda não corretamente dimensionado pela ciência) reside no espalhamento da radiação liberada, que pode ser levada pelas águas ou pelos ventos.

Os três mais graves acidentes da história das usinas nucleares (Three Mile Island – EUA, Fukushima –Japão e Chernobyl – Ucrânia) resultaram de uma combinação de premissas de projeto equivocadas, falha humana, irresponsabilidade política, e ocorreram devido a problemas aos quais as usinas de nova geração não estão mais sujeitas.

Em 28 de março de 1979, um erro operacional e uma falha num equipamento de refrigeração provocaram a fusão parcial do núcleo da usina nuclear de Three Mile Island. A manutenção preventiva havia sido prejudicada por cortes de custos e materiais de qualidade inferior haviam sido usados. Mas a causa principal do acidente foram as decisões erradas tomadas por operadores despreparados. A temperatura do núcleo subiu demais e a pressão aumentou. Uma válvula de redução de pressão abriu-se, mas não se fechou, ao contrário do que estava indicado. Isso provocou a liberação de enorme quantidade de água radioativa no rio Susquehanna. Gases radioativos também escaparam para a atmosfera. O Governador do estado da Pensilvânia, onde se encontra a usina, demorou dois dias para iniciar a evacuação em um raio de 8 km ao redor da instalação nuclear.

Fukushima é uma usina de água fervente (BWR), atualmente em desuso. Foi dimensionada para suportar um terremoto de 8,1 na escala Richter, numa área notoriamente suscetível a terremotos de grandes proporções. Foi dimensionada para suportar maremotos de até 5,7 metros de altura.

O maior terremoto da história do Japão, ocorrido em 11 de março de 2011, teve intensidade de 9,2 na escala Richter e gerou um maremoto de mais de 14 metros de altura. A usina de Fukushima, equivocadamente, não havia sido dimensionada para suportar desastres naturais dessa intensidade. O maremoto encobriu e inundou as instalações nucleares e provocou o desligamento do sistema de resfriamento do núcleo. Os reatores 1, 2 e 3 sofreram fusão parcial, com liberação de hidrogênio – gás altamente combustível – pela oxidação das varetas, seguida de implosão dos edifícios onde estão os reatores nucleares pela queima do hidrogênio. Houve vazamento de água radioativa para o mar e liberação de gás radioativo na atmosfera.

Em Chernobyl, no início da madrugada do dia 26 de abril de 1986, aproveitando um desligamento de rotina da usina, foram realizados alguns testes para observar o funcionamento do reator a baixa energia. Os técnicos encarregados desses testes não seguiram as normas de segurança e, pelo fato de o moderador de neutrons ser à base de grafite (em desuso no mundo), o reator poderia apresentar instabilidade num curto período de tempo. E foi o que ocorreu.

As pessoas foram alertadas 30 horas depois do acidente. Até então, tudo foi mantido em segredo. Apenas cinco trabalhadores da usina sobreviveram ao acidente.

Ainda que falha humana, erros de planejamento, politização e irresponsabilidade governamental sejam fatores que sempre existirão em maior ou menor grau, os progressos técnicos levaram à construção de usinas bem mais seguras, o que permite afirmar que em uma planta moderna os acidentes acima descritos dificilmente ocorreriam.

Os três maiores acidentes da história da indústria nuclear não teriam ocorrido se estivessem disponíveis as tecnologias dos novos reatores. Estes têm dispositivos passivos para resfriamento do núcleo, que independem de eletricidade ou da intervenção humana. São reatores com vida útil mais longa, com maior eficiência térmica e com maior robustez.

No que concerne aos efeitos dos acidentes nucleares, há uma tendência a se superestimar o número de mortos e os efeitos da radiação ao longo do tempo. No 20º aniversário do acidente nuclear de Chernobyl, em 2006, novas fontes de informação liberaram dados desencontrados sobre as consequências do acidente nuclear. Só na contagem de mortos, havia quatro diferentes dados publicados: 1) 95.500; 2) 70.000; 3) 4.000, e 4) 31.

Ronald K. Chesser e Robert J. Baker são renomados cientistas que produziram diversos estudos sobre os efeitos do acidente de Chernobyl[4]. Os autores passaram 12 anos na área de Chernobyl, tentando identificar os efeitos do ambiente radioativo sobre a vida selvagem. Realizaram uma série de estudos e experimentos na zona de exclusão.

Suas primeiras conclusões foram a favor da tese de que animais estariam sujeitos a mutações genéticas decorrentes da exposição à radiação. Contudo, o uso de instrumentos mais precisos e o aperfeiçoamento de suas pesquisas acabou apontando na direção contrária: não havia evidências de efeitos continuados da radiação sobre a vida animal. Pelo contrário, a vida selvagem prosperava na região de Chernobyl.

O forte impacto dos acidentes, a cobertura emocional da imprensa, a reação igualmente emotiva dos legisladores acaba dando o tom dos debates, restando pouco espaço para a avaliação científica isenta.

Tal avaliação é fundamental para estabelecer normas de segurança que equilibrem o controle do risco com os benefícios sociais da geração energética, e que evitem procedimentos preventivos com impacto restrito sobre a segurança a custos excessivamente elevados.

Tem havido propostas no Congresso Nacional para uma moratória na construção de usinas nucleares no Brasil e para o fechamento imediato das usinas termonucleares de Angra dos Reis. Mas, em face de tudo o que foi dito, é fundamental que não se limite voluntariamente as opções energéticas do Brasil, por meio de uma moratória unilateral.

As usinas nucleares existentes de Angra estão na base do sistema elétrico e são imprescindíveis para a segurança energética do País. Não deveriam, portanto, ser desativadas. Elas passam por contínuos melhoramentos em sua segurança. Aliás, os países detentores de usinas nucleares estão em constante contato para trocarem informações e procedimentos que melhorem continuamente a segurança de todas as instalações nucleares do mundo.

O Brasil precisará, na próxima década, da opção nuclear para garantir a segurança energética em relação ao seu sistema elétrico e ao fornecimento de combustíveis. Precisará também dessa fonte de energia para garantir a modicidade tarifária. A renúncia a esse enorme potencial energético deixaria o País dependente de fontes fósseis, mais caras, mais poluentes e finitas.

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Para saber mais:

Montalvão, Edmundo. Energia Nuclear: Risco ou Oportunidade. NEPSF, Texto para Discussão nº 108, fev/2012. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm


[1] O Brasil tem, provisoriamente, a sexta maior reserva mundial de urânio. Faltam ainda 75% do território nacional para ser prospectado em busca de novas reservas.

[2] Produtos energéticos providos pela natureza na sua forma direta, como petróleo, gás natural,  carvão mineral, resíduos vegetais e animais, energia solar, eólica etc.

[3] É a radiação com energia suficiente para ionizar átomos e moléculas. Por essa razão, pode danificar células de seres vivos e afetar o material genético, com potencial para causar doenças graves, como câncer.

[4] Está disponível um sumário dessas pesquisas na revista Scientific American Brasil nº 42, Edição Especial, Os Riscos e as Soluções da Energia Nuclear.

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