resultado primário – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 29 Feb 2016 12:44:21 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Contas públicas estaduais em 2015: melhora do resultado primário, mas piora do perfil fiscal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2730&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=contas-publicas-estaduais-em-2015-melhora-do-resultado-primario-mas-piora-do-perfil-fiscal Mon, 29 Feb 2016 12:44:21 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2730 Introdução

A crise econômica iniciada em 2014 agravou sobremaneira o equilíbrio das contas dos estados brasileiros. Muitos estão com dificuldades para pagar despesas básicas, como folha de pagamento e manutenção. Este texto busca avaliar a evolução deste quadro, utilizando os dados mais recentes disponíveis.

Trata-se de analisar o comportamento das finanças públicas estaduais pelo resultado fiscal na metodologia “acima da linha”, com base nos Relatórios Resumidos de Execução Orçamentária (RREO). Essa metodologia permite avaliarmos os principais componentes do resultado primário, como os tipos de receitas e as despesas pública. O critério da apuração das despesas foi a liquidação, com objetivo de aproximar os resultados à ótica de caixa.

São as seguintes as principais conclusões da análise:

  • O ano de 2015 foi caracterizado pela melhora do resultado primário dos estados, fruto da forte restrição financeira que sofreram, dada sua incapacidade de elevar seu endividamento.
  •  Nenhum estado conseguiu apresentar crescimento real positivo nas receitas primárias, ocasionado pelo baixo dinamismo econômico e queda das transferências legais e voluntárias.
  • Piora do perfil fiscal dos estados: incapacidade de segurar o aumento das despesas de pessoal, cujo crescimento foi acima da inflação para a maioria dos entes, e forte retração dos investimentos.

 

É importante registrar que não existe uma metodologia uniforme para a contabilização das receitas e despesas primárias. Assim, a comparação entre estados pode não refletir, necessariamente,uma situação fiscal melhor ou pior, mas simplesmente formas diferentes de contabilização.

Em 2015, observa-se maior esforço fiscal dos entes estaduais, medido pelo resultado primário reportado, em relação ao ano anterior. Na maioria dos estados, a barra azul (resultado primário de 2015) é superior a barra amarela (resultado primário de 2014). Dos 25 estados analisados (cujos dados estão disponíveis), 19 apresentaram melhora no seu resultado primário, enquanto 6 pioraram. Os estados que reportaram pior resultado, em termos proporcionais às suas receitas primárias, foram o Distrito Federal, Rio de Janeiro, Ceará, Rio Grande do Sul, Acre e Bahia. Entanto Roraima, Amapá, Mato Grosso, Alagoas e Rondônia reportaram os melhores.

Gráfico 1: Superávit primário reportado em 2015 e 2014, em % das Receitas Primárias

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É importante fazer algumas observações sobre o resultado apresentado. Houve o mapeamento da utilização dos depósitos judiciais para o financiamento de despesas por pelo menos três estados. O Rio de Janeiro utilizou R$ 6,7 bilhões, Minas Gerais R$ 2 bilhões e o Rio Grande do Sul R$ 1,8 bilhão. Apesar da utilização dos depósitos judiciais terem características muito semelhantes a uma operação de crédito, uma vez que os estados devem ressarcir em algum dia e também pagam juros sobre o saldo utilizado, os estados classificaram como receitas primárias, o que melhorou o resultado do ano. Se fosse o ajuste do resultado retirando esses depósitos, o Rio de Janeiro passaria um resultado de -20% das receitas primárias em 2015.

Assim como ocorre com os depósitos judiciais, pode fazer outras formas “criativas” de registrar as receitas e despesas que podem distorcer o resultado apresentado. Os estados do Mato Grosso do Sul e do Rio Grande do Norte ainda não divulgaram o RREO do 6º bimestre, por isso foram retirados da análise. O Paraná e a Paraíba ainda não tiveram seu balanço homologado pelo Tesouro Nacional, podendo ainda sofrer alterações nos números. O Distrito Federal teve mudança de classificação das receitas e despesas das transferências do FCDF, de forma que foram feitos ajustes para manter a base comparável.

O resultado primário é um indicador de esforço fiscal, porém não mensura a perda ou melhora da qualidade (ou perfil) das finanças públicas. Dessa forma, foi avaliada a poupança corrente dos estados, calculada pela subtração das receitas correntes menos as despesas correntes dos entes (não são computados os investimentos). Ou seja, é o montante de recursos arrecadado pelo estado (sem se endividar) que não está alocado para despesas de manutenção da máquina pública (correntes). Trata-se de mensurar o quanto sobra para utilizar em despesas de forma discricionária dos recursos próprios dos entes.

Gráfico 2: Poupança Corrente em 2015 e 2014, em % das Receitas Primárias

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Dos 25 estados analisados, 18 pioraram sua situação, contra 7 de melhora. Da mesma forma que os resultados anteriores, a utilização dos depósitos judiciais melhorou artificialmente os resultados dos estados que os utilizaram. O que podemos diagnosticar é que a melhora do resultado primário dos estados em 2015 está associada a uma piora do perfil do gasto público. Este trabalho enumera 3 motivos para esse comportamento das finanças públicas em 2015.

Motivo 1: Menor dinamismo das receitas

O ano de 2015 foi caracterizado por uma forte retração econômica. O indicador de atividade do Banco Central registrou uma retração de 4,1% da economia no ano. Essa recessão provocou efeitos negativos sobre a arrecadação em todos os níveis de governo, uma vez que a base tributária se reduziu. A inflação no ano, calculada em 10,7% a.a. pelo IPCA, contribui para reduzir esses efeitos, porém 6 estados ainda apresentaram variação nominal negativa entre 2014 e 2015, no que tange às receitas.

O Gráfico 3 apresenta a variação das receitas primárias de 2015 em relação a 2014, em termos nominais. Observa-se que, em todos os estados (sem exceção), o crescimento das receitas não foi suficiente para recompor a inflação. Ou seja, observou-se um crescimento real negativo das receitas primárias dos estados. O estado do Rio de Janeiro foi o que apresentou o pior resultado, motivado, majoritariamente, pela queda das rendas e da atividade do setor do petróleo e gás.

Gráfico 3: Receitas Primárias em 2015, variação nominal anual, em %

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Motivo 2: Incapacidade dos governos em cortar despesas obrigatórias, notadamente pessoal

O Gráfico 4 apresenta a variação das despesas de pessoal de 2015 em relação a 2014, em termos nominais. Pode-se observar que a maioria dos estados apresentaram crescimento real positivo das despesas de pessoal, acima de 10% neste ano.

Gráfico 4: Despesas de Pessoal em 2015, variação nominal anual, em %

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Parte dos novos governantes receberam uma conta amarga do seu antecessor, os reajustes salariais parcelados com repercussão financeira no mandato seguinte. Trata-se de uma brecha ainda existente na LRF que provoca efeitos nefastos sobre as finanças públicas. Há o Projeto de Lei do Senado nº 389/2015, de autoria do Sen. Ricardo Ferraço, que tramita no Congresso e objetiva fechar essa lacuna na LRF.

Motivo 3: Ajuste fiscal pelo corte dos investimentos

Com a piora da arrecadação e aumento das despesas obrigatórias, a restrição financeira fez com que os estados fizessem o ajuste nas despesas discricionárias, notadamente nos investimentos. Infelizmente é o componente do gasto que gera maior efeito de longo prazo por ampliar a infraestrutura, além de promover maior efeito multiplicador na atividade econômica e ajudar o país a sair da recessão.

Um problema adicional em cortar investimentos se deve a paralisação de obras. Quando isso ocorre, os projetos passam necessariamente por uma revisão (para cima) nos preços, pelos custos associados à desmobilização de pessoal e equipamentos das obras. Trata-se de algo muito perverso do ponto de vista econômico e social. Os investimentos são as despesas que mais precisam de previsibilidade e são as que mais sofrem flutuações, não é à toa que a qualidade do gasto público é baixíssima no Brasil.

Observa-se que, em termos médios, os estados cortaram em mais de 50% os investimentos neste ano, se comparado com o ano anterior. Assim, o corte das despesas no investimento explica a melhora no resultado primário dos governos estaduais ao mesmo tempo que a poupança corrente piorasse, já que se observou menor crescimento das receitas e maior gasto com despesas corrente.

Gráfico 5: Despesas com investimentos em 2015, variação nominal anual, em %

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Resultados e Conclusões

Podemos observar que os estados passam por um forte processo de ajuste fiscal em relação ao ano anterior. Esse resultado está consistente com os dados apurados pela metodologia “abaixo da linha” do Banco Central. No entanto, devido a rigidez legal e orçamentária do setor público brasileiro, o ajuste fiscal foi de baixa qualidade com menor dinamismo da arrecadação, maior comprometimento com despesas obrigatórias (notadamente pessoal) e corte drástico nos investimentos públicos. Dessa forma, os estados atuam de forma pró-cíclica e agravam os efeitos recessivos da crise econômica sobre a atividade local.

Já passou da hora de revisitarmos as regras que regem o setor público objetivando garantir capacidade de reduzir as despesas obrigatórias e melhorar a qualidade do gasto por meio da flexibilização gerencial. Caso contrário, estaremos fadados a conviver com uma carga tributária cada vez maior e revivendo momentos de crise como o atual.

 

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Capacidade de investir com recursos próprios dos estados https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2696&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=capacidade-de-investir-com-recursos-proprios-dos-estados https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2696#comments Mon, 07 Dec 2015 11:32:27 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2696 O presente trabalho tem o objetivo de mensurar a capacidade fiscal dos estados brasileiros de investir com recursos próprios. A ideia desse indicador é complementar a informação trazida pelo resultado primário, adicionando na avaliação um critério qualitativo do perfil da receita e do gasto público.

O resultado primário é definido como a diferença entre as receitas e as despesas não financeiras do governo. De uma forma simplificada, ele indica o quanto sobra das receitas fruto do esforço fiscal (ex. tributárias) após o pagamento das despesas não financeiras (ex. pessoal, custeio e investimentos) com o objetivo de honrar os compromissos de pagamento da dívida (veja mais nesse site sobre o conceito de resultado primário clicando aqui).

Para melhorar o resultado primário, por exemplo, tanto faz o governo cortar despesas de pessoal ou de investimentos. O impacto fiscal será o mesmo, porém, o impacto econômico é completamente diferente. Boa parte dos investimentos serve para ampliar e modernizar a infraestrutura, elevando a capacidade de crescimento futuro do país por meio da redução dos custos de congestionamento e do aumento da competitividade e da produtividade da economia como um todo.

Ademais, é importante estimar um indicador fiscal que consiga captar, de alguma forma, a “margem de manobra” que os governos têm para honrar suas obrigações financeiras. Uma característica peculiar do Brasil em relação a outros países é o nível de rigidez orçamentária. Quando o governo decide ampliar o tamanho do estado no período de “vacas gordas”, dificilmente ele consegue reduzir quando “as vacas estão magras”, pelas várias regras inflexíveis que regem o setor público brasileiro.

Dessa forma, este trabalho sugere um indicador para medir qualitativamente como está a situação fiscal a partir da capacidade de investir dos entes. Além disso, esse indicador revela o grau de discricionariedade que o ente dispõe para gerenciar as contas públicas.

Para a estimativa desse indicador, parte-se das informações da classificação econômica das receitas e despesas constantes no Relatório Resumido de Execução Orçamentária dos estados. Porém, é necessário fazer uma ressalva importante. Ainda não existe uma padronização bem estabelecida no registro contábil dos entes subnacionais. Trata-se de uma lacuna na legislação para aplicação dos limites estabelecidos na LRF de forma apropriada. Observa-se, para alguns entes e para algumas situações, o registro inapropriado de algumas operações que ajudam a melhorar artificialmente os indicadores fiscais. Este trabalho utilizou a informação oficial constante nos balanços.

Para explicar o cálculo do indicador, é necessário entender alguns conceitos da classificação econômica das receitas e despesas (Manual Técnico de Orçamento 2015, MPOG).

Do lado das receitas:

Receitas Correntes: são as receitas que aumentam as disponibilidades financeiras do Estado, em geral com efeito positivo sobre o Patrimônio Líquido, e constituem instrumento para financiar as políticas públicas. Classificam-se como correntes as receitas provenientes de tributos; de contribuições; da exploração do patrimônio estatal (Patrimonial); da exploração de atividades econômicas, etc.

Receitas de Capital: são as provenientes da realização de recursos financeiros oriundos da constituição de dívidas; conversão, em espécie, de bens e direitos; recebimento de recursos de outras pessoas de direito público ou privado.

Do ponto de vista da sustentabilidade fiscal, é mais importante o ente ter mais receitas correntes que de capital, uma vez que as correntes estão sob controle da administração estadual e não geram obrigação futura. Boa parte das receitas de capital são fruto do endividamento ou da venda de ativos, algo que não é sustentável se utilizado em excesso.

Do lado das despesas:

Despesas Correntes: são aquelas que não contribuem, diretamente, para a formação ou aquisição de um bem de capital. Exemplo: pessoal, juros e encargos e custeio.

Despesas de Capital: são aquelas que contribuem, diretamente, para a formação ou aquisição de um bem de capital. Exemplo: investimentos, inversões financeiras ou amortizações da dívida.

Em relação ao perfil do gasto, de maneira geral, é interessante ter uma participação maior das despesas de capital que das despesas correntes já que as despesas de capital estão associadas à criação ou aquisição de ativos para a sociedade (investimentos ou inversões financeiras) ou para amortizar dívidas e reduzir suas obrigações financeiras. Uma exceção a essa lógica são as despesas em educação, que em grande parte é com pessoal e promove efeitos econômicos importantíssimos de longo prazo.

Figura 1: Classificação Econômica das Receitas e Despesas

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A capacidade de investir com recursos próprios é calculada da seguinte forma:

Capacidade de  Investir com  Recursos Próprios =  Rec. Correntes (-) Desp correntes (-) Amortizações (-) Inv. Financeiras (Finc.)1 (-) Restos a pagar inscritos para despesas correntes (+) Restos a pagar cancelados para despesas correntes

 

Ou seja, o indicador mede o que sobra da arrecadação própria (sem depender do endividamento, alienação de ativos ou transferências para investimentos do governo federal), após o pagamento das obrigações correntes e das amortizações da dívida, para realizar despesas de investimentos e inversões financeiras primárias (aquisição de ativos). Trata-se de uma aproximação do grau de discricionariedade (“margem de manobra”) que o governo dispõe para honrar seus compromissos e realizar despesas de acordo com suas prioridades.

Ademais, é importante que esse indicador capte as restrições financeiras que os entes passam. Ao contrário do governo federal, que tem capacidade mais frouxa de elevar seu endividamento, os estados e municípios precisam de autorização da união para se endividar e, dessa forma, qualquer eventual necessidade de caixa inviabiliza a execução da despesa. Assim, o indicador também incluiu os compromissos da execução orçamentária de exercícios anteriores que ainda precisam ser pagos neste ano, os chamados restos a pagar.

 

Figura 1: Capacidade de Investir com Recursos Próprios, em % da Rec. Primárias (Dados acumulados até o 4º Bimestre)

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As estimativas revelam que a capacidade dos estados em investir com recursos próprios está negativa em 2%, no total até o 4º bimestre deste ano. Trata-se de uma situação de “stress financeiro” grave. Dos 27 estados, apenas 3 estados possuem o indicador de capacidade de investir com recursos próprios acima de 10%, nível minimamente razoável. Dessa forma, pode-se esperar a tendência de atraso no pagamento das obrigações dos entes em pior situação financeira, não apenas para fornecedores, mas até para a folha de pagamento.

Revela-se que a situação fiscal é complexa e necessita de uma ampla agenda de reformas para seu equacionamento:

1º) Reforço do marco legal existente: restrição dos limites de endividamento, de concessão de garantias do governo federal, de permissão das excepcionalidades das garantias dos empréstimos e brecha legal que permite a concessão de aumentos salariais com repercussões no mandato posterior.

2º) Falta de padronização dos critérios para aplicação dos limites da LRF: cada estado interpreta a lei e seus limites de uma forma diferente e, por vezes, oportunista. Deve-se dar especial atenção ao limite de despesa dos poderes e órgãos com autonomia orçamentária, como o Judiciário, o Ministério Público, a Defensoria Pública e o Legislativo.

3º) Reformas estruturais do gasto público: reduzindo o comprometimento das despesas de pessoal por meio da melhor aplicabilidade dos critérios de exoneração (CF e LRF), redução da jornada de trabalho, normatização do direito de greve dos servidores, critérios de reajuste salarial. Ademais, é necessário revisar as regras de aposentadorias dos servidores, de forma a estabelecer idade mínima de 65 para homens e mulheres, revisão de aposentadorias especiais para algumas categorias e revisão do sistema de pensões. Flexibilizar os critérios de aplicação mínima das despesas de custeio para torna-la mais flexível e permitir a adoção do caráter anticíclico da política fiscal.

4º) Reforma nas regras orçamentárias (Relatório do PLS 229/2009): buscar o realismo orçamentário, elevar a capacidade de planejamento do espaço fiscal de médio prazo, estabelecer fundamentação técnica para a elaboração de projetos de investimentos, limitação das despesas de restos a pagar para a disponibilidade financeira em todos os anos do mandato, reforço técnico dos instrumentos de avaliação dos programas (ex-ante e ex-post) e convergência da contabilidade aos padrões internacionais.

5º) Reformas gerenciais: focar nas atividades essenciais do estado, focar no atendimento ao cidadão (front office), integrar melhor a formulação e a execução, fusão de órgão públicos, controle e avaliação por meio do diálogo permanente, compartilhamento dos serviços de suporte, adotar novas tecnologias nos sistemas de compras e melhorar coordenação entre órgãos do governo.

Não há dúvidas que os desafios são grandes e a agenda de reformas necessárias envolve paradigmas consolidados na sociedade brasileira. Dado que nossa carga tributária se aproxima de 40% do PIB, o caminho fácil da elevação de tributos mostra-se cada vez mais restrito. O tamanho do setor público e sua ineficiência está chegando ao limite. Se não adotarmos medidas estruturais para resolvermos os problemas, estaremos em uma tendência crescente de elevação da carga tributária ou estarmos sempre fadados a reviver momentos de crise como o atual.

______________

1 Inversões financeiras são despesas que abrangem os gastos com aquisição de imóveis em utilização, aquisição de bens para revenda, aquisição de títulos de crédito de títulos representativos de capital já integralizado, constituição ou aumento de capital de empresas concessão de empréstimos, entre outros.

 

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Qual é o valor jurídico das metas fiscais? O caso da LDO 2014 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2380&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=qual-e-o-valor-juridico-das-metas-fiscais-o-caso-da-ldo-2014 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2380#comments Mon, 02 Feb 2015 11:48:10 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2380 1. Introdução

A Lei de Responsabilidade Fiscal exige que as Leis de Diretrizes Orçamentárias contenham um anexo com uma série de metas de natureza fiscal para os três anos subsequentes.

No final de 2014, a constatação de que a meta de resultado primário não seria cumprida gerou grande controvérsia no meio político e na sociedade quanto à caracterização ou não de crime de responsabilidade da Presidente de República na hipótese de descumprimento da meta. Isso levou o Poder Executivo a propor e o Congresso Nacional a aprovar a Lei nº 13.053, 15 de dezembro de 2014, que altera a LDO 2014, para eliminar o limite de abatimento da meta de superávit primário originalmente previsto.

A LDO 2014 (Lei nº 12.919, de 24 de dezembro de 2013) fixara a meta de superávit primário em R$ 116,07 bilhões, admitindo um abatimento de até R$ 67 bilhões para despesas relacionadas ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e a desonerações de tributos. A Lei 13.053 limita-se a suprimir a referência aos R$ 67 bilhões, permitindo o abatimento de despesas sem limite de valor.

Segundo a justificação do projeto que resultou na Lei, a medida seria necessária em virtude de a economia brasileira ter crescido em 2014 em ritmo inferior ao previsto no início de 2013, quando foi elaborado o projeto da LDO 2014, o que teria afetado as receitas previstas. Transcorrido o ano de 2014, constatou-se que não houve superávit, mas déficit primário de R$ 17,24 bilhões.

Um adequado esclarecimento do tema não pode prescindir de uma análise jurídica das metas macroeconômicas constantes das LDOs.

2. As finanças públicas na Constituição Federal

A lei de diretrizes orçamentárias (LDO) foi instituída pela Constituição de 1988 e compõe, ao lado do plano plurianual (PPA) e da lei orçamentária anual (LOA), o sistema orçamentário. A estruturação do sistema orçamentário obedece a uma hierarquia e a um calendário. A LOA deve ser compatível com a LDO, que deve ser compatível com o PPA. O PPA deve ser aprovado no 1º ano de mandato e tem prazo de vigência de quatro anos; a LDO deve ser aprovada no primeiro semestre de cada ano, para orientar a elaboração do orçamento relativo ao ano subsequente. Para assegurar que esse calendário seja cumprido, a Constituição proíbe a interrupção da sessão legislativa para o recesso de meio de ano enquanto a LDO não for aprovada (art. 57, § 2º).

Segundo a Carta Magna, “a lei de diretrizes orçamentárias compreenderá as metas e prioridades da administração pública federal, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente, orientará a elaboração da lei orçamentária anual, disporá sobre as alterações na legislação tributária e estabelecerá a política de aplicação das agências financeiras oficiais de fomento” (art. 165, § 2º). A lei orçamentária, por sua vez, “não conterá dispositivo estranho à previsão da receita e à fixação da despesa” (§ 8º).

A disciplina das finanças públicas foi reservada a lei complementar (art. 163, I), que deverá “dispor sobre o exercício financeiro, a vigência, os prazos, a elaboração e a organização do plano plurianual, da lei de diretrizes orçamentárias e da lei orçamentária anual” e “estabelecer normas de gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta bem como condições para a instituição e funcionamento de fundos” (art. 165, § 9º).

Os atos do Presidente da República que atentem contra a lei orçamentária são considerados crimes de responsabilidade (art. 85, VI), dispositivo regulamentado pelo art. 10 da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1960, (que define os crimes de responsabilidade), alterada pela Lei nº 10.028, de 2000.

3. A instituição das metas fiscais pela Lei de Responsabilidade Fiscal

Em atendimento à determinação constitucional, foi editada a Lei Complementar nº 101, de 4 de maio de 2000, que “estabelece normas de finanças públicas voltadas para a responsabilidade na gestão fiscal”, conhecida como “Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF)”. Em conjunto com a Lei nº 4.320, de 17 de março de 1964, que “estatui normas gerais de direito financeiro”, recepcionada como lei complementar, a LRF contém a disciplina básica das finanças públicas.

As metas fiscais compõem o conteúdo obrigatório da LDO determinado pela LRF:

“Integrará o projeto de lei de diretrizes orçamentárias Anexo de Metas Fiscais, em que serão estabelecidas metas anuais, em valores correntes e constantes, relativas a receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública, para o exercício a que se referirem e para os dois seguintes” (art. 4º, § 1º).

“O Anexo conterá, ainda:

I – avaliação do cumprimento das metas relativas ao ano anterior;

II – demonstrativo das metas anuais, instruído com memória e metodologia de cálculo que justifiquem os resultados pretendidos, comparando-as com as fixadas nos três exercícios anteriores, e evidenciando a consistência delas com as premissas e os objetivos da política econômica nacional; (…)” (art. 4º, § 2º)

A metodologia de elaboração dos anexos da LDO consta do Manual de Demonstrativos Fiscais, em 6ª edição, aprovado pela Portaria nº 553, de 22 de dezembro de 2014, da Secretaria do Tesouro Nacional (STN) do Ministério da Fazenda (MF), que é o órgão central do Sistema de Contabilidade Federal, instituído pela Lei nº 10.180, de 6 de fevereiro de 2001.

Não integram a LDO, mas devem compor a mensagem do Executivo que encaminhe seu projeto os “objetivos das políticas monetária, creditícia e cambial, bem como os parâmetros e as projeções para seus principais agregados e variáveis, a ainda as metas de inflação para o exercício subsequente” (art. 4º, § 4º).

O projeto de lei orçamentária, por sua vez, deve conter anexo com “demonstrativo da compatibilidade da programação dos orçamentos com os objetivos e metas” da LDO (art. 5º, I).

Ao exigir que a LDO contenha um Anexo de Metas Fiscais, a LRF pretende induzir os entes públicos a adotarem um planejamento financeiro de longo prazo, a ser apresentado e monitorado perante a opinião pública e o Congresso Nacional. Tão importante quando as metas em si, é a sua fundamentação, que deve avaliar o cumprimento das metas no ano anterior e apresentar memória de cálculo que evidencie sua consistência com os objetivos da política econômica nacional.

Na seção denominada “Da Execução Orçamentária e do Cumprimento das Metas”, a LRF determina ao Poder Executivo que demonstre e avalie quadrimestralmente perante o Congresso Nacional o cumprimento das metas fiscais (art. 9º, § 4º). Além disso, determina a fiscalização do atingimento das metas fiscais pelos sistemas de controle interno de cada Poder e pelo Poder Legislativo, diretamente ou com o auxílio do Tribunal de Contas (art. 59, I), que deverá emitir um alerta sempre que constatar a possibilidade de insuficiência da receita que coloque em risco o cumprimento das metas (§ 1º, I).

A vinculação entre as metas fiscais e a gestão financeira do dia-a-dia é feita por dois mecanismos.

Preventivamente, exige-se a demonstração de compatibilidade com as metas fiscais como condição de validade dos atos que importem em renúncia de receita (art. 14, I); criação, expansão ou aperfeiçoamento de ação governamental que acarrete aumento da despesa (art. 16, § 1º, II); ou criação ou aumento de despesa obrigatória de caráter continuado (art. 17, § 2º).

Na hipótese de se constatar ao final de um bimestre que a receita poderá “não comportar o cumprimento das metas de resultado primário ou nominal” deve ser promovida a “limitação de empenho e movimentação financeira (contingenciamento), segundo os critérios fixados pela lei de diretrizes orçamentárias” (art. 9º, caput).

Na sequência da LRF, editou-se a Lei nº 10.028, de 19 de outubro de 2000, que tipificou diversos crimes comuns e de responsabilidade e infrações administrativas contra as finanças públicas. Foi tipificada como infração administrativa contra as leis de finanças públicas “propor lei de diretrizes orçamentárias anual que não contenha as metas fiscais na forma da lei”, a ser processada e julgada pelo Tribunal de Contas e punida com “multa de trinta por cento dos vencimentos anuais do agente que lhe der causa” (art. 5º, II).

4. As metas como instrumento de responsabilidade fiscal

As metas fiscais têm uma estreita relação com o conceito de responsabilidade fiscal, que é o valor maior perseguido pela LRF:

“A responsabilidade na gestão fiscal pressupõe a ação planejada e transparente, em que se previnem riscos e corrigem desvios capazes de afetar o equilíbrio das contas públicas, mediante o cumprimento de metas de resultados entre receitas e despesas e a obediência a limites e condições no que tange a renúncia de receita, geração de despesas com pessoal, da seguridade social e outras, dívidas consolidada e mobiliária, operações de crédito, inclusive por antecipação de receita, concessão de garantia e inscrição em Restos a Pagar” (art. 1º, § 1º, da LRF).

O objetivo último da responsabilidade fiscal é alcançar o “equilíbrio das contas públicas”, por meio da prevenção de riscos e da correção de desvios.

A LRF estabelece dois instrumentos paralelos de promoção da responsabilidade fiscal: os limites e as metas. Os limites são parâmetros estruturais, que não devem ser desrespeitados em nenhuma hipótese. Sua violação indica comprometimento direto da responsabilidade fiscal. As metas, em contraposição, apontam níveis ótimos a serem perseguidos de acordo com a conjuntura. Seu não cumprimento sinaliza um risco de comprometimento da responsabilidade fiscal, a ser considerado na execução do orçamento vigente e na elaboração da lei orçamentária para o ano subsequente. Por serem conjunturais, as metas são revistas anualmente e constam da LDO, enquanto os limites são fixados diretamente pela LRF ou por leis ordinárias e resoluções do Senado Federal, que vigoram por prazo indeterminado.

A LRF prevê limites para despesa total com pessoal (art. 19); dívidas consolidada e mobiliária (art. 30); operações de crédito (art. 32) e concessão de garantias (art. 40).

No que diz respeito ao endividamento, a Constituição prevê a existência de limites para os montantes da dívida consolidada de todos os entes federados (art. 52, VI), para a dívida dos entes subnacionais (art. 52, IX) e para a dívida federal (art. 48, XIV), estipulação reiterada pela LRF (art. 30, I e II). A Resolução nº 40, de 2001, do Senado Federal estabeleceu os limites de 200% da receita corrente líquida para o Distrito Federal e os Estados e de 120% para os municípios, a serem gradualmente atingidos ao longo dos quinze anos subsequentes. Complementarmente, a Resolução nº 43, de 2001, estabeleceu outras restrições adicionais ao endividamento subnacional.

Para a dívida federal, no entanto, ainda não foram fixados limites. A matéria é objeto do Projeto de Resolução do Senado nº 84, de 2007, e do Projeto de Lei nº 3.431, de 2000, que tramita no Senado Federal como Projeto de Lei da Câmara nº 54, de 2009. Na ausência de limites para o endividamento federal o sistema de metas torna-se ainda mais relevante, pois ele passa a ser o único mecanismo de controle da responsabilidade fiscal da União.

Há diversos indicadores de equilíbrio fiscal adotados internacionalmente. Os principais procuram avaliar a capacidade do ente público de pagar sua dívida. A relação dívida/PIB é o índice que vem sendo adotado pelo Poder Executivo na definição das metas fiscais. Quanto maior for esse indicador, maior será o risco de não pagamento incorrido pelos investidores nos títulos públicos e consequentemente maior será a taxa de juros que terá que ser oferecida. A taxa de juros dos títulos públicos, por sua vez, influencia a taxa de juros cobrada pelos bancos nos empréstimos para o setor privado. Quanto menor for a relação dívida/PIB, portanto, menor será a taxa de juros da economia e maior será o investimento privado, que é o principal fator de crescimento da economia. É fundamental, portanto, que o País tenha sempre uma meta de relação dívida/PIB de longo prazo, que deve orientar a fixação das metas anuais de superávit primário.

O nível desejado de relação dívida/PIB pode ser considerado um dos “objetivos da política econômica nacional” a que se refere a LRF. Embora não seja fixado pela LDO, ele deve constar da memória de cálculo das metas fiscais, que integra o anexo da lei.

No sistema de metas adotado pela LRF, meta de “montante da dívida pública” corresponde ao valor absoluto da dívida a ser perseguido a cada ano, que deve indicar uma trajetória tendente a alcançar a relação dívida/PIB desejada.

A meta de resultado primário, por sua vez, representa os recursos a serem reservados para o pagamento da dívida. Segundo o Manual de Demonstrativos Fiscais da STN,

“O resultado primário representa a diferença entre as receitas e as despesas primárias (não financeiras). Sua apuração fornece uma melhor avaliação do impacto da política fiscal em execução pelo ente da Federação. Superávits primários, que são direcionados para o pagamento de serviços da dívida, contribuem para a redução do estoque total da dívida líquida. Em contrapartida, déficits primários indicam a parcela do aumento da dívida, resultante do financiamento de gastos não financeiros que ultrapassam as receitas não financeiras.” (p. 218)

A memória de cálculo da meta de resultado primário deve indicar, portanto, o patamar de endividamento que se pretende alcançar e em que prazo. Esse patamar, por sua vez, deve ser compatível como a capacidade de pagamento do País, que é medida pelo tamanho do PIB.

5. As metas fiscais na LDO 2014

Apesar de a LRF exigir que as metas fiscais constem do Anexo respectivo da LDO, criou-se ao longo dos anos a praxe de se repetir no texto da lei a meta de superávit primário. No caso da LDO 2014, o art. 2º estabeleceu as metas de R$ 116,072 bilhões para o resultado primário e de R$ 167,36 bilhões para o resultado do setor público consolidado não financeiro. O art. 3º autorizou o já citado abatimento da meta de superávit em até R$ 67 bilhões. O Anexo IV apresenta, sob a forma de tabela, as metas de receita primária, despesa primária, resultado primário, resultado nominal e dívida líquida para os anos de 2014 a 2016.

Há, no entanto, uma contradição interna ao texto original da LDO, uma vez que, subtraindo-se o abatimento autorizado, ter-se-ia como meta de superávit propriamente dita o valor de R$ 49,072 bilhões. Apesar disso, a meta constante do Anexo é de R$ 116, 072 bilhões, revelando desconsideração, portanto, do abatimento.

A memória de cálculo constante do Anexo indica que a meta de superávit para o setor público consolidado não financeiro (que abrange União e entes subnacionais), de R$ 167,36 bilhões, corresponde a 3,1% do PIB, percentual a ser mantido nos dois anos subsequentes, o que permitiria alcançar uma relação dívida/PIB de 26,4% ao final de 2016, e permitiria gerar “déficit próximo a zero no resultado nominal de 2016”. Isso significa que o objetivo maior buscado pelo governo seria o de estabilizar a relação dívida/PIB em 26,4% no ano de 2016.

Percebe-se, no entanto, que essa fundamentação é insatisfatória, pois não levou em consideração o abatimento de R$ 67 bilhões, que resultaria em uma meta de R$ 100,36 bilhões, correspondente a 1,86 % do PIB. Nesse patamar de superávit, não se alcançaria o citado déficit zero em 2016. Além disso, o “resultado do setor público consolidado não financeiro” não integra o Anexo da lei; apenas o resultado primário do governo federal.

Além dessas inconsistências, é preciso registrar que a LDO 2014 foi aprovada em 24 de dezembro de 2013, quando a Constituição determina o prazo de 17 de julho. O Projeto de Lei Orçamentária para 2014, foi apresentado em 29 de agosto de 2013, antes, portanto, da lei que deveria orientar a sua elaboração. O orçamento para 2014, que deveria ter sido aprovado até 31 de dezembro de 2013, veio a ser aprovado em 20 de janeiro de 2014, por meio da Lei nº 12.952. Tais atrasos tornaram-se rotineiros nos últimos anos e revelam a fragilidade institucional ainda presente na gestão financeira do País.

6. A alteração da meta de resultado primário da LDO 2014

Se a LDO 2014 já apresentava as impropriedades citadas, a Lei 13.053, de 2014, conseguiu torná-la ainda pior, descumprindo praticamente todas as exigências do Anexo de Metas Fiscais constantes da LRF. Ao eliminar o limite de abatimento da meta, na prática ela deixa de fixar qualquer meta de resultado primário.

Esse fato é agravado pela não alteração do Anexo de Metas Fiscais, que permanece com os números da LDO original. O mínimo que se poderia esperar de uma alteração dessa natureza seria uma revisão global do Anexo, contemplando novos valores para as metas de receita, despesa, resultados primário e nominal e dívida líquida. Essa revisão certamente teria que abarcar também os valores previstos para 2015 e 2016, que se supõe tenham sido afetados pelos mesmos fatos que justificariam a alteração da meta de superávit primário para 2014.

O desrespeito pela LRF e pela cidadania é evidenciado, ainda, pela ausência de qualquer memória de cálculo que fundamente a alteração realizada e esclareça quais são os atuais “objetivos da política econômica nacional”. Mais precisamente, fica a questão: qual é o novo objetivo da política fiscal da União, em substituição ao de estabilização do endividamento em 26,4 % do PIB no ano de 2016, que consta da LDO original?

7. Consequências jurídicas do descumprimento das metas fiscais

As metas fiscais não são regras jurídicas propriamente ditas, a serem cumpridas em quaisquer circunstâncias. São parâmetros de planejamento e transparência, a serem observados na elaboração da lei orçamentária anual e na execução orçamentária.

Esse entendimento fica evidenciado quando a LRF determina que o Anexo da LDO contenha avaliação do cumprimento das metas relativas ao ano anterior e a demonstração e avaliação do cumprimento das metas de cada quadrimestre perante o Congresso Nacional. Se seu cumprimento deve ser avaliado, presume-se aceitável que a meta não seja alcançada.

Tanto é assim que nem a Constituição (art. 85, VI) nem a Lei 10.028 tipificaram como crime comum ou de responsabilidade o descumprimento das metas fiscais da LDO. Todos os crimes dizem respeito exclusivamente à violação da lei orçamentária.

Outro não pode ser o raciocínio quando se considera a natureza das metas a serem fixadas: “receitas, despesas, resultados nominal e primário e montante da dívida pública”. Desses itens, apenas as despesas estão sob o controle do poder público. Ainda assim, não se trata de um controle absoluto, pois há despesas obrigatórias (art. 17 da LRF), cuja não realização seria ilegal. As receitas dependem da conjuntura econômica, que é influenciada por fatores alheios ao controle do Estado, como o desempenho da economia mundial e intempéries climáticas. O mais adequado seria falar-se em “previsão de receita”, como faz a Constituição Federal (art. 165, § 8º), em lugar de meta de receitas, como consta da LRF. Os resultados nominal e primário, por sua vez, dependem das receitas e despesas e o montante da dívida pública depende do resultado nominal.

O alcance das metas é influenciado, portanto, apenas parcialmente pelo governo, não se podendo responsabilizá-lo automaticamente por eventual descumprimento. O que se exige é que o cumprimento das metas seja avaliado no Anexo de Metas Fiscais da LDO subsequente, mediante indicação dos fatores que impediram seu atingimento e a fixação de novas metas compatíveis com a nova conjuntura econômica. Conclui-se daí que a alteração da LDO 2014 era desnecessária, bastando ao Poder Executivo apresentar perante o Congresso Nacional os motivos que levaram ao não atingimento da meta de superávit primário.

As metas são indispensáveis, por outro lado, para dar racionalidade ao orçamento, vinculando-o a um planejamento fiscal de longo prazo. Elas evidenciam a análise que deve orientar a elaboração da lei orçamentária, que “fixa a despesa” (art. 165, § 8º, da Constituição), ou seja, autoriza o gasto público. Essa é a regra jurídica propriamente dita, cuja violação caracteriza crime de responsabilidade (art. 85, VI, da Constituição Federal). Na ausência dessa vinculação, a dívida pública pode sair do controle, o que comprometeria não apenas a credibilidade do País no mercado financeiro internacional, mas principalmente a capacidade de manutenção dos serviços e investimentos públicos nos anos subsequentes.

A inexistência de Anexo de Metas Fiscais na forma da LRF é indício de pelo menos uma entre duas condutas inadmissíveis: ou não há planejamento fiscal ou ele existe, mas está sendo ocultado da opinião pública. No primeiro caso, viola-se o princípio da responsabilidade fiscal; no segundo, o da publicidade da administração pública.

É por esse motivo que a Lei 10.028, de 2000, tipifica como infração administrativa a apresentação de lei de diretrizes orçamentárias anual que não contenha as metas fiscais na forma da lei (art. 5º, II). Não basta meramente preencher uma tabela de metas com números quaisquer.  É preciso fundamentá-los com todos os elementos tornados obrigatórios pela LRF.

O mero encaminhamento ao Congresso Nacional do Projeto de Lei nº 36, de 2014, que resultou na Lei nº 13.053, de 2014, já caracterizou, portanto, a infração administrativa apontada. É importante que o TCU processe e julgue os responsáveis pela apresentação do projeto e que o STF declare a inconstitucionalidade da lei, a fim de que esse triste episódio não se transforme em um precedente capaz de comprometer o sistema de responsabilidade fiscal em todas as esferas da federação.

Mais grave que descumprir uma meta fiscal é não ter metas ou escondê-las da sociedade, situação que representa um risco não apenas para a estabilidade da economia, mas para a própria a democracia.

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O que é “contabilidade criativa”? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2132&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-e-contabilidade-criativa https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2132#comments Mon, 17 Feb 2014 14:05:26 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2132 Ao longo de 2013 muito se falou que o Governo Federal estaria lançando mão de procedimentos de “contabilidade criativa” para esconder a expansão da despesa pública, do déficit e da dívida governamental. Esse texto procura explicar como funcionam os procedimentos dessa natureza.

Para tanto, é preciso, em primeiro lugar, conhecer dois conceitos importantes: “resultado primário” e “dívida líquida do setor público”; bem como entender quais são as entidades incluídas no conceito de “setor público”. É no uso e manipulação desses conceitos que se abrem brechas para a contabilidade criativa.

“Resultado primário” é um indicador que mede as receitas não financeiras do governo deduzidas das despesas não financeiras. Ou seja, somam-se todas as receitas não financeiras (de tributos, de venda de patrimônio público, de aluguéis recebidos pelo setor público, etc.) e delas deduzem-se as despesas não financeiras (pagamento de pessoal, construção de estradas, compra de material de consumo, etc.). Os juros recebidos e pagos pelo governo não entram nem nas receitas nem nas despesas.

A ideia por trás desse conceito é verificar qual é o saldo em dinheiro que o governo consegue acumular ao longo de um período para pagar os juros de sua dívida (já descontados os juros que ele eventualmente recebe de empréstimos feitos a terceiros,  tais como financiamento a estudantes, empréstimos a outros países, etc). Fazendo um paralelo com o orçamento doméstico, é como se eu precisasse calcular tudo o que eu recebo de salário em um mês, menos as despesas de manutenção da casa (aluguel, escola das crianças, supermercado), para ver quanto sobra para pagar os juros de uma  dívida bancária que fiz no passado.

A dívida é um compromisso rígido, que foi assumido no passado, e que precisa ser pago. As despesas do dia a dia devem ser controladas para que haja sobras para o pagamento da dívida. Na prática, o governo costuma renovar a sua dívida vincenda. Para que ela não cresça indefinidamente, é preciso pagar os juros e renovar apenas o principal. O resultado primário é uma forma de medir quanto consigo economizar em despesas que podem ser controladas, e quanto consigo ampliar a minha receita, de modo a ter capacidade de honrar os juros que devo.

Por isso, o resultado primário funciona como um sinalizador da saúde financeira do setor público (você encontra um texto mais detalhado sobre resultado primário neste site, no post O que é e para que serve o “Resultado Primário”?). Se o superávit primário for menor que os juros a pagar, o governo terá que aumentar sua dívida para pagar parte dos juros não cobertos pelo superávit. Logo, a consequência de baixos superávits é o crescimento da dívida pública ao longo do tempo.

Chegamos, então, ao segundo conceito importante: dívida pública. Um governo que tem uma dívida alta e crescente está em apuros. Em algum momento não terá dinheiro para pagar os juros e a amortização dessa dívida. Investidores que compram títulos desse país não vão querer renovar os empréstimos, quando esses vencerem. Aumentará a necessidade de caixa do governo, para poder quitar os empréstimos não renovados. A taxa de juros paga por esse governo terá que aumentar, para atrair investidores dispostos a correr mais risco para ganhar mais dinheiro. Juros mais altos vão acelerar a dinâmica do endividamento e, além disso, vão desestimular o investimento e o crescimento econômico. Com menor crescimento haverá menor arrecadação de impostos, piorando a situação financeira do governo. Daí a importância de se monitorar a evolução da dívida pública.

O detalhe importante é que habitualmente o indicador de dívida relevante utilizado no Brasil é o de “dívida líquida”: tudo o que o governo deve menos os créditos que ele tem a receber. Um governo que deve muito, mas também tem muitos créditos, não estará em má situação, desde que seus credores paguem em dia. Os governos habitualmente têm créditos a receber de contribuintes que parcelaram impostos atrasados, de empréstimos feitos a outros governos, etc. Também costuma ter algum dinheiro em caixa, que também deve ser descontado da dívida total de forma a se apurar o montante líquido devido (neste site há dois textos analisando o conceito e a evolução da dívida líquida: “Dívida líquida do setor público decrescente significa política fiscal sob controle?” e “Dívida bruta e ativo do setor público: são imprescindíveis para se avaliar o equilíbrio fiscal?”).

O terceiro conceito importante é o de abrangência do conceito de “setor público”. Como se sabe, o setor público é formado não apenas pela administração pública direta (órgãos públicos, autarquias, fundações), mas também por empresas que pertencem ao governo. Elas podem ser empresas públicas (100% de propriedade do governo) ou de economia mista (o governo é o acionista majoritário). Entre as empresas públicas e de economia mista estão vários bancos (Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, BNDES, Banco do Nordeste, etc.).

Na apuração do resultado primário o conceito de “setor público” utilizado é o de “setor público não financeiro”. Como a ideia do resultado primário é medir quanto o governo deve ao setor financeiro; e como parte dessa dívida é com bancos nos quais o governo tem participação ou é dono, os bancos do governo ficam de fora do conceito de “setor público”, justamente para que se possa apurar o total da dívida do governo com o setor financeiro da economia, seja ele público ou privado.

Também são excluídos do conceito de “setor público” aquelas empresas nas quais o governo tem participação, mas que são financeiramente independentes. A ideia, nesse caso, é de que empresas do governo que são dependentes de verbas públicas (por exemplo, a Embrapa, a Empresa Brasileira de Comunicações ou a Companhia Nacional de Abastecimento) funcionam, para fins de apuração do resultado primário, como se fossem um órgão de governo. Como elas não têm capacidade de gerar receita em montante suficiente para custear suas despesas, elas são dependentes de aportes do governo para, regularmente, pagar sua folha de pessoal, comprar insumos, etc. Por isso, a despesa dessas empresas deve ser monitorada e controlada, porque elas afetam a capacidade financeira do governo.

Já no caso de empresas do governo que têm grande capacidade de gerar receitas, como a Petrobras ou a Eletrobras, é possível deixá-las de fora do controle de despesas. Afinal, elas têm capacidade para financiar os próprios gastos. Ademais, submetê-las a um regime de controle de despesas pode afetar a eficiência de suas operações. Imagine, por exemplo, impedir que a Petrobras compre uma nova sonda para explorar petróleo com vistas a ampliar o resultado primário. Certamente isso reduzirá o espaço para gestão eficiente da empresa, tolhendo suas oportunidades de negócio, como também  impedirá a realização de investimentos relevantes ao crescimento econômico. Observe-se que as melhores práticas internacionais recomendam a exclusão de bancos públicos e de empresas estatais não dependentes do conceito de setor público.

Chegamos, então, ao ponto em que podemos apontar onde estão as oportunidades para a contabilidade criativa. Os fatos de:

(a) haver empresas (financeiras e não financeiras), nas quais o governo tem poder de mando, e que estão fora do conceito de “setor público” para fins de apuração do resultado primário e da dívida; e

(b) o conceito de dívida mais utilizado para avaliar a solvência do governo ser o de “dívida líquida”;

permitem que o governo crie relações financeiras com as empresas que estão fora do conceito de setor público de modo a expandir suas despesas e sua dívida bruta sem, contudo, afetar o resultado primário e a dívida líquida.

Com tais operações, o governo consegue expandir seus gastos e sua dívida total sem que isso apareça no resultado primário ou na dívida líquida. Seria uma forma de gastar mais fingindo ser financeiramente responsável.

A seguir são descritas algumas operações de contabilidade criativa utilizadas nos últimos anos, pelo Governo Federal, ressaltando-se os mecanismos que permitem a expansão dos gastos e da dívida sem que se afete o resultado primário e a dívida líquida.

1 – Pagamento de dividendos ao Tesouro por empresas que estão fora do conceito de setor público

Empresas que têm ações em mercado (as chamadas sociedades de capital aberto) usualmente remuneram seus acionistas por meio de pagamento de dividendos. O governo, como acionista de algumas empresas, também tem direito a dividendos. A decisão de pagar ou não dividendos, e do montante do pagamento, é usualmente tomada pelo conselho de administração da empresa. No caso de empresas em que o governo tem a maioria das ações com direito a voto, ele tem grande poder discricionário para decidir quando a empresa pagará dividendos e qual o valor a ser pago. Quanto maior o volume de dividendos pagos, menos recursos sobram para a empresa investir em seus projetos e fazer frente a suas obrigações.

Se o governo estiver gastando muito e, por isso, estiver enfrentando dificuldades para atingir o resultado primário necessário ao pagamento dos juros da dívida, ele pode pressionar as empresas que estão fora do conceito de setor público (empresas financeiras e empresas não dependentes do Tesouro) a pagar dividendos elevados. Com isso, entra no “setor público” dinheiro vindo de fora do “setor público”, o que aumenta o resultado primário.

Isso é feito às custas da descapitalização das empresas que foram induzidas a pagar dividendos excessivos. Tivessem elas autonomia para definir o montante de dividendos a pagar, provavelmente fariam pagamentos menores, utilizando os recursos para outras finalidades.

Do ponto de vista do equilíbrio fiscal, a receita de dividendos é uma receita eventual. Ela não decorre da capacidade regular do governo para arrecadar tributos, e não se pode esperar que, todo ano, o governo receba dividendos elevados das empresas das quais é acionista. Seja porque em alguns anos as empresas terão resultados ruins, seja porque não se pode extrair dividendos excessivos ano após ano, sob pena de fazer a empresa encolher devido à baixa capitalização e insuficiência de recursos para investir. No caso de empresas mistas, o problema se torna ainda mais grave ao longo do tempo, pois a interferência excessiva do governo nessas empresas desestimula novos aportes de capital por parte do setor privado.

Assim, embora reforce o caixa do governo no curto prazo, aumentando o resultado primário, a receita de dividendos não assegura que o governo esteja em uma situação confortável no longo prazo.

Para garantir transparência e boa conduta no trato dos dividendos das empresas controladas pelo poder público, seriam necessárias duas providências: (1) contabilizar em separado a receita de dividendos (e as demais receitas eventuais, tratadas adiante), apurando-se e divulgando-se um resultado primário com receitas eventuais, e outro sem essas receitas; (2) definir procedimentos padrão para o cálculo e a periodicidade de pagamento de dividendos por empresas controladas pelo setor público.

 2 – Venda de patrimônio público a empresas estatais que estão fora do conceito de setor público

Outra forma de obter uma receita eventual e reforçar o resultado primário é vender patrimônio público para uma empresa estatal que esteja fora do conceito de setor público. Por exemplo, em 2010 o Tesouro vendeu à Petrobras o direito de explorar cinco bilhões de barris de petróleo na camada pré-sal. Como a Petrobras não é considerada “setor público”, a contabilidade registrou a entrada de dinheiro para o setor público, o que elevou o resultado primário.

Há que se observar, aqui, uma outra característica da contabilidade pública que facilita o uso de práticas criativas: o patrimônio público (reservas de recursos naturais, estradas, prédios públicos, ações, etc.) não é integralmente contabilizado como ativo do governo ao qual pertence, nem aparece como item de dedução no cálculo da dívida líquida.

Com isso, sempre que se vende um desses ativos não contabilizados, com a consequente entrada de recursos nos cofres públicos, há um aumento no resultado primário sem que haja o registro da correspondente redução patrimonial. Tudo se passa como se eu vendesse minha casa, colocasse o dinheiro da venda no banco, e não deduzisse da minha lista de propriedades a casa vendida. Estaria mais rico com isso? Obviamente não: apesar de minha conta bancária ter engordado, não teria mais a casa. Transferindo o raciocínio para o setor público, a venda de ativos do governo, da forma como é atualmente contabilizada,  tem como consequência o aumento do resultado primário. Já a dívida líquida diminui, quando o correto seria que ela ficasse constante, pois a redução do ativo físico de propriedade do governo é exatamente compensada pela entrada de caixa.

Assim como no caso do pagamento de dividendos, a venda de patrimônio público gera uma receita eventual, e deve ser tratada em separado na contabilização do resultado primário, para que fique transparente qual é o superávit que se consegue obter com base nas receitas regulares e quanto do superávit se deve a uma receita extraordinária.

Diga-se de passagem, foi esse o procedimento adotado pelo Banco Central nos anos 90, quando o programa de privatizações vendeu diversas empresas que pertenciam ao patrimônio público.

Se a venda de patrimônio público for feita para empresas privadas ou governos estrangeiros, em condições de mercado, o governo vendedor terá pouca influência na definição do preço de venda do ativo. O preço de venda será aquele que os compradores estiverem dispostos a pagar. Porém, quando o governo vende um ativo para uma empresa de sua propriedade, como no caso da Petrobras, ele pode influenciar na definição do preço. Pode, então, vender patrimônio a um preço mais alto do que seria obtido em mercado, o que infla o resultado primário e prejudica a empresa. Ou pode sacrificar o resultado primário, fixando um preço favorável à empresa.

3 – Antecipação de receitas futuras

Os governos, além dos impostos que recolhem, têm diversos outros tipos de receitas que entram regularmente nos cofres públicos. Por exemplo, o Governo Federal construiu a usina de Itaipu em sociedade com o Paraguai. A empresa Itaipu Binacional paga ao governo brasileiro, regularmente, royalties pelo uso das águas do Rio Paraná na geração de energia.

Quando está com as contas apertadas, o governo pode antecipar o recebimento dessas receitas. Para tanto, o governo vende a terceiros o direito de receber essa receita. Em 2012 o Governo Federal vendeu R$ 6 bilhões desses créditos ao BNDES.

A antecipação de receitas aumenta o resultado primário de hoje às custas do resultado primário futuro. Isso significa que se está pagando despesas públicas de hoje com dinheiro que entraria no futuro. O político que está no governo hoje está gastando dinheiro que deveria entrar nos cofres públicos somente durante o mandato do seu sucessor.

O efeito é o de gerar um resultado primário pouco sustentável ao longo do tempo. Por isso, esse tipo de receita também deveria ser contabilizado em separado, explicitando-se o resultado primário com e sem essa receita eventual.

Assim como no caso da venda de patrimônio, analisada no item (2), se a venda das receitas futuras do governo for feita a uma empresa pública, o governo pode vender tais direitos acima de seu valor de mercado, o que infla o resultado primário.

4 – Empréstimos a empresas públicas que estão fora do conceito de setor público por meio de emissão de títulos

O governo pode ter o interesse de fazer empréstimos a determinados grupos de empresas privadas, seja para financiar exportações, para estimular o crescimento econômico ou para impulsionar o desenvolvimento de novas tecnologias. Para fazê-lo de forma transparente, através de um banco público, o governo deve fazer um aumento de capital desse banco. Dispondo de um capital mais elevado, o banco pode expandir seus empréstimos, seguindo as orientações do governo.

Ao injetar dinheiro no banco público, o governo terá feito uma “despesa de capital”, conhecida na contabilidade pública como “inversão financeira”. Essa despesa será considerada no cálculo do resultado primário, reduzindo-o, porque o governo fez um gasto a favor de uma entidade (o banco, que está fora do conceito de setor público): a decisão do governo em gastar com a capitalização do banco público terá sido contabilizado como uma despesa, de forma correta e transparente.

Para fazer a mesma operação de capitalização de um banco público, sem que haja reflexo na despesa governamental (e, portanto, sem afetar o resultado primário) o governo pode emitir títulos públicos e entregá-los, a título de empréstimo, para o banco público.

Nesse caso, não houve uma despesa do governo, logo o resultado primário não será afetado. A dívida líquida do governo tampouco será afetada, porque ao mesmo tempo em que a dívida total (ou dívida bruta) – aquela na qual não são deduzidos os créditos do governo junto a terceiros – cresceu, também aumentou, na mesma proporção, o crédito do setor público frente ao restante da economia (o banco público ficou devendo ao Tesouro o valor dos títulos que recebeu por empréstimo).

O banco público, por sua vez, pode vender a terceiros os títulos que recebeu do Tesouro, e usar o dinheiro levantado dessa forma para fazer empréstimos às empresas que o governo quer beneficiar.

Está feita a mágica: sem desembolsar um tostão, sem reduzir o resultado primário e sem aumentar a dívida líquida, o governo conseguiu fazer com que os empréstimos chegassem às empresas.

Esse procedimento foi diversas vezes usado pelo Governo Federal, que já emprestou mais de R$ 300 bilhões ao BNDES. Em operação similar, o Tesouro capitalizou a Caixa Econômica Federal no ano de 2012, entregando-lhe títulos públicos e privados de propriedade do Governo Federal.

Contudo, a despesa que não aparece acaba impactando as contas públicas de outras formas, quais sejam:

(a)    como afirmado acima, a dívida líquida não se altera, porque no momento da emissão e transferência dos títulos para o banco, a dívida e os haveres do Tesouro variam no mesmo montante. Porém, a qualidade da dívida líquida piora, porque o crédito que o governo tem com o BNDES pode não ser pago no futuro. Dado que se trata de uma instituição controlada pelo setor público, se os empréstimos feitos pelo BNDES (com o dinheiro repassado pelo Tesouro) vierem a sofrer inadimplência ou, se por outro motivo, o banco tiver resultados ruins, haverá uma tendência a cancelar o crédito do Tesouro, como uma forma indireta de capitalizar o banco;

(b)   como a intenção final do Tesouro era fazer empréstimos a juros baixos para empresas, o empréstimo feito ao BNDES foi a juros menores que aqueles que o próprio Tesouro paga sobre a sua dívida. Por exemplo, o Tesouro emite R$ 100 milhões em títulos que pagam juros de 10% ao ano, e os entrega ao BNDES, que se compromete a pagar o empréstimo em 30 anos, com juros de 5% ao ano. Assim, a cada ano, o Tesouro pagará R$10 milhões em juros, e receberá do BNDES apenas R$ 5 milhões. Em consequência, a dívida líquida do Tesouro irá subir, ano após ano, na razão de R$ 5 milhões por ano. Ou seja, a dívida líquida não se altera no momento da operação, mas depois cresce, ano após ano, em função do diferencial de juros. Para o diferencial atual, em torno de 5% ao ano, e considerando o montante de empréstimos da ordem de R$ 300 bilhões, a operação de crédito a bancos públicos deve custar ao Tesouro o equivalente a R$ 15 bilhões por ano;

5 – Fabricação de receita primária fictícia

Existe uma variação da operação descrita no item anterior que resulta na criação de receita primária fictícia. Assim como descrito no item 4, o Tesouro emite títulos e os entrega a um banco público, cobrando uma taxa de juros pelo empréstimo que é menor que a taxa paga pelo título público.

O banco público, em vez de ir ao mercado vender esses títulos, simplesmente os coloca em seu ativo. Suponha, como no exemplo anterior, que esses títulos rendam 10% ao ano, e que a dívida do banco público com o Tesouro custe 5% ao ano. Se o banco simplesmente fica sem fazer nada, mantendo os títulos em carteira, ele obterá lucros de 5% ao ano nessa operação, somente em função desse diferencial de taxas de juros.

Com o seu lucro engordado, ele paga dividendos mais elevados ao Tesouro. Essa receita de dividendos será contabilizada como receita primária do Tesouro (vide item 1 acima). Mais uma vez surge uma mágica: a partir de um aumento da sua dívida bruta, o governo passa a ter um resultado primário maior, tudo isso sem impacto imediato na dívida líquida!

Mais uma vez, os efeitos negativos vêm a médio e longo prazo: (a) piora o perfil da dívida líquida do Tesouro; (b) a dívida líquida cresce gradativamente devido ao diferencial de juros.

O uso repetido desse tipo de procedimento faz com que a dívida líquida deixe de ser um indicador relevante para a solvência do setor público. Se a maioria dos créditos ali listados, que abatem o valor da dívida bruta, são créditos “podres” ou que podem ser cancelados no futuro, então torna-se melhor medir a situação financeira do Tesouro olhando a sua dívida bruta, pois há pouca perspectiva de recuperar os haveres do governo.

6 – Pagamento de despesas com a entrega de títulos públicos

Para evitar fazer uma despesa que reduza o resultado primário, o governo pode simplesmente emitir um título público e entregá-lo para pagar a despesa. Nesse caso, como não houve desembolso de recursos que caracterize despesa, o resultado primário não é afetado.

Ao contrário dos dois casos anteriores, contudo, haverá aumento da dívida líquida, pois agora ocorreu apenas a emissão de título, sem a criação de um crédito para o Tesouro.

Essa operação, portanto, só consegue esconder uma das partes (a piora do resultado primário) sem esconder a outra (a elevação da dívida líquida).

A MP 615, de 2013, convertida na Lei 12.865, de 2013, por exemplo, autorizou, em seu art. 16, que a União emitisse títulos da dívida pública para cobrir os gastos do Tesouro com subvenções para redução nas tarifas de energia elétrica. Ou seja, em vez de desembolsar o subsídio à conta de luz, reduzindo o resultado primário e, posteriormente, emitir títulos para financiar essa despesa; o Governo Federal optou por fazer a “ligação direta”, já emitindo o título e depositando-o na conta responsável pelo pagamento das subvenções.

Posteriormente, em função da repercussão negativa da medida, o governo voltou atrás e fez o pagamento da forma usual, em dinheiro, impactando o resultado primário.

 7 – Adiamento de desembolsos, criando-se “restos a pagar”

Um detalhe importante do cálculo do resultado primário é o de que ele é feito no “conceito de caixa”. São considerados nos cálculos apenas os despesas efetivamente pagas e as receitas efetivamente recebidas dentro do intervalo de tempo para o qual se está calculando o resultado. Se, por exemplo, o governo comprar material de escritório no mês de dezembro de 2013, e o pagamento desse material for realizado apenas no mês de janeiro de 2014, essa despesa não entra no cálculo do resultado primário de 2013, e sim no cálculo para 2014.

Esse método é utilizado por facilitar o cálculo (muitas vezes feito a partir da variação do saldo bancário do Tesouro) e porque os juros da dívida pública a serem pagos com os recursos do resultado primário também são contabilizados da mesma forma.

Isso cria o incentivo para se “empurrar” despesa de um ano para outro, de modo a aumentar o resultado primário de um ano às custas do resultado primário do ano seguinte. Uma despesa feita em um exercício, cujo pagamento fica para o exercício seguinte, é registrada na contabilidade pública como “restos a pagar”.

Se o procedimento de empurrar despesa de um ano para outro for adotado ano após ano, a tendência é que os restos a pagar cresçam. E, de fato, é isso que tem ocorrido. O Orçamento da União de 2013 fechou com R$ 176 bilhões em restos a pagar. Esse é um valor muito grande, equivalente a nada menos que 80% do custo da folha de pagamento do Governo Federal em 2013.

 Considerações finais

Os conceitos de dívida e resultado primário têm duas finalidades básicas. Uma delas é medir o equilíbrio financeiro do governo, aferindo se ele está gastando demais, se ele é capaz de pagar a sua dívida, se esta dívida está crescendo de forma muito acelerada, etc. O uso da contabilidade criativa mascara a real situação financeira do governo. Como já afirmado acima, há situações em que a dívida líquida não cresce, mas perde qualidade, sinalizando que, no futuro, o governo não possa receber os créditos que está contabilizando na dedução da dívida bruta. Uma receita primária criada na base de pagamentos de dividendos insustentáveis pode sinalizar que, no futuro, o banco ou empresa pública que pagou o dividendo em excesso venha a precisar de uma capitalização do Tesouro, implicando aumento de despesa primária.

Ou seja, em algum momento a mágica é desfeita, e a real situação financeira do Tesouro se revela. A contabilidade criativa é, portanto, uma forma de obscurecer a real situação das contas públicas. A consequência disso é que os agentes econômicos (empresas, investidores, trabalhadores, etc.) perdem confiança nos números apresentados pelo governo, passam a ter maior incerteza quanto à real situação das finanças públicas, e passam a temer que o Governo tome alguma medida drástica no futuro, quando as despesas e dívidas empurradas para debaixo do tapete tiverem que ser pagas e não houver recursos para tanto (default da dívida, drástico ajuste fiscal com interrupção de serviços públicos essenciais, etc.).

A segunda finalidade das medidas de resultado primário é apurar o impulso que o governo está dando no consumo total da economia. Quanto maior o déficit primário, maior é a quantidade de bens e serviços que o governo está comprando da economia sem, ao mesmo tempo, reduzir o poder de compra dos outros consumidores via tributação de suas rendas. Mascarando-se o resultado primário, o governo apresenta um impulso dos gastos públicos sobre a demanda agregada que é menor do que o impulso real. O termômetro que mede a influência do setor público sobre o nível de atividade econômica e sobre a inflação para de funcionar adequadamente. Mais uma vez surge o problema de incerteza, falta de informação e temor de guinada na política econômica quando os desequilíbrios macroeconômicos provocarem seus efeitos reais sobre a renda das pessoas e das empresas.

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Dívida líquida do setor público decrescente significa política fiscal sob controle? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2002&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=divida-liquida-do-setor-publico-decrescente-significa-politica-fiscal-sob-controle https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2002#comments Mon, 14 Oct 2013 14:05:51 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2002 A dívida líquida do setor público (DLSP) como proporção do PIB prossegue em sua longa trajetória de queda, ainda que com momentos de estabilidade ou aumento. Isso significa que a política fiscal está sob controle e que não há necessidade de correção? A resposta é negativa. A DLSP não está caindo por causa da política fiscal. Na verdade, há pelo menos dois anos que a política fiscal é fator de pressão de alta sobre a DLSP. O indicador só continua caindo por conta da ação de outros fatores os quais mais que compensam o efeito da política fiscal.

A afirmação acima pode ser comprovada recorrendo-se à trajetória de outro indicador de endividamento público. Trata-se da dívida fiscal líquida (DFL), como proporção do PIB. Esse indicador mostra qual seria a trajetória da dívida líquida do setor público caso ela fosse afetada apenas pela política fiscal. A expressão quantitativa da política fiscal é o déficit público, entendido como as despesas menos as receitas do setor público. A variação da DFL em certo período corresponde ao déficit público desse período, pois exclui qualquer outro fator que não tenha relação com a condução da política fiscal, mas afeta o endividamento público. Aferida em relação ao PIB, a DFL depende ainda da evolução do produto da economia. Caso o crescimento da economia seja positivo, a estabilidade do indicador é compatível com algum déficit público, mas quanto menor o crescimento, menor esse déficit.

O Gráfico I abaixo mostra a evolução da DLSP e da DFL desde dezembro de 2010, ambas como proporção do PIB. Os números são do Bacen (http://www.bcb.gov.br/?COMPDLSP). Conforme visto, a DLSP manteve a trajetória de queda em todo o período considerado, ainda que intermediada por momentos de estabilidade ou aumento. Já a DFL atingiu o seu menor número em julho de 2011, com 31,6% do PIB. Daí em diante deixou de cair e, a partir de maio de 2012, ingressou em clara tendência de aumento, chegando a 33,4% do PIB em agosto de 2013, último dado disponível.

Qual a razão da trajetória oposta dos dois indicadores? A resposta no caso da DFL só pode ser uma, tendo em vista a definição dada acima: a evolução do déficit do setor público.

Essa variável costuma ser dividida em duas partes: juros líquidos devidos e superávit primário (receitas não financeiras menos despesas não financeiras). Dado o tamanho da dívida líquida e o nível de taxa de juros, o esforço fiscal representado pelo superávit primário costuma ser inferior aos juros líquidos devidos pelo setor público, resultando em déficit público. Ocorre que nos últimos dois anos, o esforço fiscal como proporção do PIB vem caindo, sem que os juros devidos caiam na mesma proporção. O resultado é o aumento da dívida. O Gráfico II mostra as três variáveis no acumulado dos últimos doze meses, como proporção do PIB. O superávit primário aparece como número negativo.

Em julho de 2011, o déficit público estava em cerca de 1,9% do PIB, resultado de superávit primário de 3,7% do PIB e de juros líquidos devidos de 5,6% do PIB, situação que pode ser considerada satisfatória. Entretanto, em agosto de 2011, houve uma guinada da política fiscal e monetária sem razões aparentes. No âmbito da política fiscal, o superávit primário passou a cair (no Gráfico II, tornou-se menos negativo), ainda que com algumas interrupções.

Como parte relevante da dívida pública é corrigida pela taxa Selic, os juros líquidos devidos acompanham em boa medida os ajustes promovidos na referida taxa no âmbito da execução da política monetária. Em agosto de 2011, teve início um período de sucessivas reduções na taxa Selic, que caiu de 12,5% ao ano para o piso histórico de 7,25% ao ano, em outubro de 2012. A evolução dos juros líquidos devidos no Gráfico II reflete com clareza essa mudança na política monetária.

Assim, o déficit público subiu, acompanhando o superávit primário, mas amortecido pela trajetória dos juros líquidos devidos. O problema é que a taxa Selic voltou a subir em abril de 2013, como resposta ao recrudescimento da inflação. Em consequência, a evolução dos juros líquidos deixou de compensar parte da redução do superávit primário, podendo inclusive se somar a esse como fator de aumento do déficit público.

A situação em agosto de 2013, último mês com dado disponível, é de déficit público de 3,12% do PIB, aumento de 1,26 ponto percentual do PIB em relação a julho de 2011, fruto da redução de 1,91 ponto do superávit primário e da queda de 0,65 ponto percentual dos juros líquidos devidos.

A DFL subiu, acompanhando esse movimento do déficit público. Conforme visto, esse indicador alcançou o seu menor nível em julho de 2011 e, com a guinada da política econômica no mês seguinte, ingressou em trajetória de elevação daí em diante.

Mas o que explica que a DLSP tenha continuado a cair, mesmo dois anos após a mudança da política econômica? É que a DLSP, além de influenciada pela política fiscal, depende também de outros fatores, notadamente eventos patrimoniais e cambiais.

Os chamados fatores patrimoniais incluem, por exemplo, a venda de um ativo ou o reconhecimento de uma dívida. Quando o setor público amortiza dívida com a venda de um ativo ou então quando a dívida sobe porque o setor público reconhece certo passivo, a dívida líquida muda, mas não por razões estritamente fiscais.

Já os fatores cambiais refletem os efeitos de alterações na taxa de câmbio na parcela do passivo e do ativo do setor público denominada em moeda estrangeira, notadamente o dólar. Quando, por exemplo, um ente deve ao exterior, em dólar, a sua dívida em reais aumenta quando há desvalorização cambial (aumento do preço do dólar). Já quando o ente é credor em dólar, como ocorre no caso da União, em função do excesso de reservas internacionais em relação à sua dívida externa, o valor em reais do ativo aumenta quando há desvalorização cambial. Nesse último caso, a dívida líquida cai, pois corresponde à dívida bruta deduzida do ativo. No caso de valorização cambial, há o movimento inverso. Assim, as variações cambiais afetam a dívida líquida não por razões estritamente fiscais, tal como ocorre com os ajustes patrimoniais.

O Gráfico III mostra a variação acumulada da DLSP em pontos percentuais do PIB, desde dezembro de 2010 até agosto de 2013, em três situações: 1) a situação que de fato ocorreu; 2) a situação caso não tivesse sofrido a ação das mudanças cambiais; e 3) a situação caso não tivesse sofrido a ação das mudanças cambiais, nem dos ajustes patrimoniais. Essa terceira situação retrata, na verdade, a evolução da DFL, pois esse indicador corresponde justamente à DLSP sem a ação dos dois fatores.

O Gráfico III mostra que, sem o efeito das mudanças cambiais, a trajetória da DLSP teria sido muito próxima da trajetória da DFL. No período considerado, a DLSP teria subido 0,6 ponto e não caído 5,3 pontos, como de fato ocorreu. Já a DFL subiu 0,9 ponto percentual. Dito de outro modo, as mudanças cambiais explicam 5,9 pontos da diferença de 6,2 pontos entre a variação da DLSP e a variação da DFL.

O que explica a importância da variação cambial como fator determinante da trajetória da DLSP nos últimos dois anos? A presença de uma situação inédita: grande volume de reservas internacionais e desvalorização do real frente ao dólar. As reservas passaram de US$ 37 bilhões em dezembro de 2002 para um saldo cerca de dez vezes maior dez anos depois. Na maior parte do período, entretanto, houve valorização cambial. A tendência de desvalorização do real começou em setembro de 2011, o que, ao elevar o valor em real das reservas internacionais, diminuiu a dívida líquida. No Gráfico III, pode-se ver que no referido mês as trajetórias da DFL e da DLSP começaram a se distanciar.

É claro que a dívida externa do setor público, mensurada em reais, aumenta com a desvalorização cambial, mas o aumento das reservas foi de tal monta que o setor público passou a ser credor externo em termos líquidos já em setembro de 2006.

Em síntese, a partir da guinada em agosto de 2011, a política fiscal tem atuado para elevar a DLSP, e não reduzi-la. Esse indicador, contudo, continua caindo por conta do efeito da desvalorização cambial sobre o valor em real das reservas externas. Ao mesmo tempo, a DFL sobe, por retratar apenas o efeito da política fiscal sobre o endividamento público.

O efeito da desvalorização cambial sobre a DLSP não é ruim. Trata-se de algo similar a um ganho de capital que eleva o valor do ativo frente ao passivo existente. Mas o tamanho do ganho depende do nível em que a taxa de câmbio se acomodará no Brasil, o que é muito difícil de prever. É possível que ela fique bem acima dos atuais R$ 2,20 ou que fique nesse patamar por um bom tempo. Nesse último caso, a manutenção da atual política fiscal elevará a DLSP, a exemplo do que já faz com a DFL.

De qualquer modo, não parece razoável que a trajetória do endividamento público fique a mercê de uma variável tão fora do controle como a taxa de câmbio. O superávit primário é o instrumento adequado para controlar o endividamento público, em que pese a resistência política em utilizá-lo. Ademais, além de contribuir para a sustentabilidade das contas públicas, a política fiscal atua sobre a demanda agregada da economia e, por esse meio, ajuda a controlar a inflação e o déficit nas transações com o exterior.

Pode-se argumentar que o efeito da política fiscal sobre o aumento do endividamento nos últimos dois anos não foi elevado, já que a DFL subiu 1,8 ponto percentual do PIB desde julho de 2011. É preciso observar, entretanto, os acontecimentos nos últimos meses. A taxa Selic voltou a subir e ainda não está claro onde chegará frente aos desequilíbrios macroeconômicos do país. Um novo período na trajetória do déficit público pode estar se iniciando, de coexistência entre superávit primário decrescente e juros líquidos devidos crescentes, algo pouco comum na série disponível.

As expectativas quanto ao futuro da economia brasileira estão sendo negativamente afetadas por conta de inflação elevada, baixo crescimento econômico e déficit crescente nas transações correntes. O pessimismo aumentaria ainda mais se a esses indicadores se juntasse a reversão da tendência de queda da DLSP, o que não acontece desde o final de 2002.

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Como evoluiu a dívida estadual nos últimos dez anos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1154&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-evoluiu-a-divida-estadual-nos-ultimos-dez-anos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1154#comments Sun, 01 Apr 2012 22:00:47 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1154 O tema da dívida estadual adquiriu grandes proporções na década de noventa, quando o passivo dos Estados subiu rapidamente. Após a renegociação com a União nos anos finais da referida década, a atenção dada ao tema arrefeceu, mas reascende recorrentemente, em geral em meio a discussões sobre a partilha de receitas entre os entes federados. Depois de mais de uma década desde que a renegociação foi concluída, é preciso avaliar como evoluiu a dívida estadual nesse período. Antes, porém, cabe um histórico para situar o tema.

A atual situação da dívida estadual retrata importantes acontecimentos verificados na década de noventa, quando o passivo estadual subiu acentuadamente. Segundo Rigolon e Giambiagi (1999, p. 117), a dívida líquida dos Estados e Municípios aumentou de 5,8% do PIB, em 1989, para 14,4% do PIB, em 1998. A participação desse passivo na dívida líquida do setor público passou de 15%, em 1989, para 39%, na média do período 1995 a 1998, a despeito de renegociações realizadas nesse período.

O rápido aumento da dívida estadual levou a União a renegociá-la, o que se deu com base na Lei nº 9.496, de 1997. Antes dela, já haviam ocorrido outras renegociações com a União, mas que não foram suficientes para conter o crescente endividamento.

A renegociação de 1997 resultou em contratos firmados entre este ano e 1999 pela União e cada um dos Estados, a exceção do Amapá e de Tocantins. Como o mercado era credor de parte significativa da dívida estadual, a renegociação envolveu a assunção pela União desse passivo, tornando-se, em contrapartida, credora dos Estados nos termos negociados.

De acordo com Rigolon e Giambiagi (1999, p. 129), a renegociação envolveu 77,9% da dívida líquida dos Estados e Municípios ao final de 1998, cerca de 11,3% do PIB. Nesse montante não estão incluídos os valores negociados no âmbito do Proes, programa por meio do qual se processou a alienação ou liquidação dos bancos estaduais. As maiores dívidas renegociadas foram a dos Estados mais ricos da Federação, especialmente São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Rio Grande do Sul. Mora (2002, p. 27) informa que esses Estados foram responsáveis por cerca de 90% da dívida renegociada.

Os termos da renegociação serão analisados adiante. Vale agora destacar que esses termos não se restringiram a um ajuste financeiro, mas também fiscal e patrimonial, na medida em que os contratos firmados entre a União e cada um dos Estados contemplaram também metas, garantias e incentivos para a geração de superávits primários (receitas não financeiras deduzidas de despesas não financeiras) e venda de ativos.

Esses superávits eram necessários para viabilizar a adimplência dos encargos (juros e amortização) da dívida renegociada, ao longo do período da vigência dos contratos. A União foi também autorizada a utilizar as transferências constitucionais no pagamento dos encargos da dívida em caso de inadimplência. Como resultado da renegociação, os déficits primários dos Estados, vigentes até 1998, foram revertidos e tenderam a superávits nos anos seguintes. Esse ajuste mostrou-se muito importante por conta da grave crise econômica então vivida pelo Brasil, e que só foi debelada com o ajuste fiscal do setor público, entre outras providências.

Feito esse histórico, cabe avaliar como evolui a dívida estadual no transcurso de vigência da renegociação firmada entre Estados e União. Utiliza-se aqui os dados da dívida líquida do setor público, aferida pelo Bacen, disponível desde dezembro de 2001[1]. Esse é o indicador normalmente utilizado quando se quer retratar a situação do endividamento público no Brasil.

A dívida líquida dos Estados ao final de 2011 era de R$ 434 bilhões, o que correspondia a 10,5% do PIB. Em dezembro de 2001, o saldo era de 18,1% do PIB. Portanto, em dez anos, houve queda de 42,2%, ou de 7,2 pontos percentuais do PIB. No mesmo período, a dívida líquida da União caiu 23,7%, o que reduziu a participação da dívida estadual no total da dívida líquida do setor público de 31,7% para 27,3%. Em que pese essa participação inferior a 1/3, os Estados foram responsáveis por 48,7% da queda da dívida líquida do setor público nos dez anos em questão.

Trata-se de evolução bastante distinta do descontrole verificado na década de noventa. Mesmo assim, são recorrentes as tensões entre Estados e União em torno do tema. Para entender essa situação é preciso analisar a composição da dívida bruta dos governos estaduais, sem considerar as estatais e os haveres. Do total de R$ 453,5 bilhões do saldo desse passivo em dezembro de 2011, os compromissos junto à União representavam R$ 407,8 bilhões ou 89,9%. São os passivos renegociados na década de noventa, especialmente a renegociação feita com base na Lei nº 9.496, de 1997, e que atualmente corresponde a 90,6% da dívida dos governos estaduais junto à União.

O passivo junto à União também caiu de forma expressiva de dezembro de 2001 a dezembro de 2011, tal qual a dívida líquida dos Estados. Nesse período, aquele passivo passou de 16,2% do PIB para 9,8% do PIB, queda de 39,2% ou 6,4 pontos percentuais do PIB. Entretanto, é preciso qualificar essa queda.

Em primeiro lugar, a queda ocorreu, em boa medida, em virtude dos aumentos do PIB. Na média do período de 2002 a 2011, o produto aumentou 12,3%. Quando a dívida dos governos estaduais junto à União é medida em termos reais, utilizando-se como índice de preços o IGP-DI, a queda real durante os dez anos foi de apenas 11,11%.

Em segundo lugar, mesmo em relação ao PIB, a queda de 6,4 pontos percentuais não é tão expressiva quanto parece. Vale observar que se trata de passivo que está há anos sendo amortizado, sem que novos empréstimos sejam feitos. Se o ritmo da queda verificado até aqui se reproduzir nos próximos anos (0,64 ponto de PIB por ano), serão ainda necessários mais quinze anos aproximadamente para que a dívida dos governos estaduais junto à União seja quitada, partindo-se do saldo atual de 9,8% do PIB. Esse prazo se transforma em dezenove ou em treze anos se o ritmo de queda reproduzir o período 2002-2006 ou o período 2007-2011, respectivamente.

Em quaisquer desses cenários está implícita a continuidade do esforço fiscal dos Estados. Em 2011, o superávit primário dos governos estaduais foi de 0,72% do PIB, mesmo número da média do período de 2002 a 2011. Possivelmente, o descontentamento dos Estados decorra do esforço fiscal requerido para manter a trajetória de queda da dívida e do tempo que ainda será necessário mantê-lo.

Mas porque razão a dívida dos governos estaduais junto à União não está caindo mais rapidamente, a despeito dos superávits primários gerados? A razão está nas condições dos contratos firmados com base na Lei nº 9.496, de 1997, que, conforme visto, rege grande parte do passivo estadual. Entre os termos firmados com cada Estado, destacam-se o pagamento em 360 prestações (30 anos), nas quais se incluem os juros e as amortizações; taxa de juros de 6% ao ano (7,5% em alguns casos); correção do saldo devedor pelo IGP-DI; e limite aos desembolsos feitos pelos Estados, dado por um percentual da receita estadual.

Esse último item merece um exemplo. Suponha que os desembolsos relativos aos encargos do passivo junto à União de um determinado Estado estejam limitados a 13,5% de sua receita. Caso a prestação, em um certo momento, corresponda a 16,5% da receita, essa diferença de três pontos percentuais deixa de ser paga imediatamente, e se junta ao saldo devedor, igualmente sujeita ao IGP-DI e à taxa de juros.

Dados esses termos, notadamente o limite para os desembolsos e a correção do passivo pelo IGP-DI, somado ainda ao cenário macroeconômico que determinou a evolução desse índice, os pagamentos feitos pelos Estados corresponderam basicamente aos juros reais (dados pelos 6% ou 7,5% ao ano), enquanto a amortização da dívida e a sua correção pelo IGP-DI se somaram ao saldo devedor, ao ultrapassarem o limite dos desembolsos.

Esses traços gerais dos fluxos financeiros da dívida renegociada com base na Lei nº 9.497, de 1996, podem ser observados a partir da análise dos usos e fontes da dívida líquida dos governos estaduais, divulgados pelo Bacen. Apesar de contemplarem a integridade dessa dívida, esses números são fortemente condicionados pelo amplamente majoritário passivo renegociado com base na referida lei.

Observa-se que, de 2002 a 2011, o superávit primário gerado pelos governos estaduais ou, em outros termos, os desembolsos feitos por conta dos encargos da dívida (juros e amortizações), foi de R$ 186,6 bilhões. Trata-se de montante elevado, mas muito próximo dos R$ 177,4 bilhões relativos aos juros líquidos da dívida interna, os quais incluem, majoritariamente, o pagamento da taxa de juros de 6% ao ano (ou de 7,5% para alguns Estados). Já a correção monetária da dívida líquida dos governos estaduais, que contempla basicamente a correção pelo IGP-DI, totalizou R$ 207,5 bilhões no período, em grande parte refinanciada por meio da sua incorporação ao principal da dívida.

Enfim, intencionalmente ou não, percebe-se que os superávits primários dos governos estaduais, calibrados pelo limite dado como percentual da receita estadual, são suficientes para pagar os juros reais da dívida, enquanto a amortização e a correção do passivo são automaticamente refinanciadas. Desse modo, não é de se estranhar que o saldo da dívida dos governos estaduais junto à União tenha caído apenas 11,11% de dezembro de 2001 a dezembro de 2011, em termos reais, corrigido pelo próprio indexador majoritário do passivo que é o IGP-DI. Note-se uma vez mais que, durante esses dez anos, houve apenas desembolsos, sem qualquer novo empréstimo da União aos Estados.

Um aspecto negligenciado até agora, mas que não pode deixar de ser considerado, são as especificidades de cada Estado, já que a situação de endividamento é bastante heterogênea entre eles. Isso pode ser constatado pelos dados da relação entre dívida consolidada líquida e de receita corrente líquida apresentados por Estado, para os anos de 2000 a 2010, pela Secretaria do Tesouro Nacional[2].  Esses dados constam da tabela abaixo.

Dívida consolidada líquida em relação à

receita corrente líquida por Estado

Estados dez./

2010

dez./

2000*

Variação

(%)

Estados dez./

2010

dez./

2000

Variação

(%)

RIO GRANDE DO SUL 2,14 2,66 -19,7 BAHIA 0,52 1,64 -68,2
MINAS GERAIS 1,82 2,34 -22,1 PERNAMBUCO 0,38 0,86 -55,3
ALAGOAS 1,62 2,23 -27,6 PARAÍBA 0,36 1,53 -76,6
RIO DE JANEIRO 1,56 2,07 -24,5 SERGIPE 0,33 0,88 -62,2
SÃO PAULO 1,53 1,93 -20,8 PARÁ 0,29 0,57 -49,6
GOIÁS 1,30 3,13 -58,5 CEARÁ 0,28 0,87 -68,3
MATO GRASSO DO SUL 1,20 3,10 -61,3 AMAZONAS 0,27 1,00 -72,9
PARANÁ 0,89 1,29 -30,8 RIO GRANDE DO NORTE 0,20 0,71 -71,4
MARANHÃO 0,64 2,58 -75,3 DISTRITO FEDERAL 0,18 0,36 -49,6
SANTA CATARINA 0,63 1,83 -65,6 AMAPÁ 0,18 0,05 294,4
MATO GROSSO 0,55 2,50 -77,9 ESPÍRITO SANTO 0,17 0,98 -82,4
PIAUÍ 0,54 1,73 -68,8 TOCANTINS 0,16 0,35 -53,3
RONDÔNIA 0,54 1,11 -51,3 RORAIMA 0,04 0,31 -86,7
ACRE 0,54 1,04 -48,5 TOTAL 1,12 1,70 -34,1

Fonte primária: STN.

* 2001, no caso de Minas Gerais.

Percebe-se que há um grupo de Estados cuja situação do endividamento é menos favorável. São eles: Rio Grande do Sul, Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. Esses quatro Estados respondem por 76,8% da dívida estadual e ocupam, juntamente com Alagoas, as cinco primeiras posições na classificação por ordem decrescente de relação entre dívida e receita, para o ano de 2010. A situação menos confortável é a do Rio Grande do Sul com relação de 2,14. Somente mais dois Estados, Goiás e Mato Grosso do Sul, possuem relação superior à unidade. Ocorre que, nesses dois casos, a relação caiu de forma expressiva de 2000 a 2010, ao contrário do que se constada com os quatro grandes Estados, cuja queda oscilou entre 19,7% e 24,5%, muito abaixo dos 60,9% relativos a todos os demais Estados.

Não existem informações detalhadas sobre o endividamento de cada Estado. O desempenho dos quatro Estados pode estar associado a vários fatores, mas um elemento que parece decisivo é o peso da dívida renegociada com base na Lei nº 9.496, de 1997. O Bacen divulga a composição da dívida por Região, somando-se Estados e Municípios[3]. O peso dessa dívida no total do passivo dos entes da Região Sudeste e Sul ao final de 2010 é de 88% e 83%, respectivamente[4]. Reflexo disso é a similaridade entre a queda de 19,7% a 24,5%, de 2000 a 2010, da relação entre dívida e receita desses quatro Estados, e a queda de 24,7%, de 2001 a 2011, da dívida renegociada com base na referida lei, aferida em relação ao PIB.

Assim, constata-se que os traços gerais da dinâmica da dívida dos governos estaduais perante a União, considerando-se os Estados conjuntamente, retratam mais fielmente a situação financeira dos quatro maiores Estados do Brasil, responsáveis por grande parte do passivo estadual.

Conforme visto, a continuidade desse arranjo, superávits primários inclusive, juntamente com um cenário macroeconômico que não seja pior do que a média dos últimos dez anos, tornará a dívida dos governos estaduais junto à União irrelevante ao longo dos próximos quinze anos, aferida em relação ao PIB. A questão em aberto é qual o grau de disposição dos Estados em aceitar a continuidade das linhas gerais desse arranjo por esse tempo extra. O descontentamento se expressa em demandas pela alteração dos contratos firmados com base na Lei nº 9.496, de 1997, notadamente quanto ao indexador e/ou à taxa de juros empregados.

Existem importantes obstáculos a uma nova renegociação da dívida dos governos estaduais junto à União. Há a proibição imposta pelo art. 35 da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei complementar nº 101, de 2000). Entretanto, mesmo que esse dispositivo seja alterado, os contratos firmados são atos jurídicos perfeitos, o que significa que a revisão dos contratos depende da concordância da União.

É justamente na disposição da União onde reside a maior dificuldade. As alterações que possam ser relevantes representam, em última instância, transferências de recursos da União para os Estados, a serem financiados de algum modo por aquele ente. Suponha-se que a taxa de juros de 6% ao ano ou o limite de desembolsos seja diminuído. Tal mudança reduziria o superávit primário dos Estados, pois os recursos liberados provavelmente financiariam despesas primárias, como gastos correntes ou investimentos. Se a União pretendesse manter o superávit e a trajetória da dívida do setor público, teria que elevar compensatoriamente seu próprio superávit, com cortes de gastos e/ou elevação de receitas federais.

Existem ainda outras dificuldades a serem suplantadas para rever os contratos. Cabe referência a duas delas. Quanto à primeira, costuma-se sugerir a troca do IGP-DI pelo IPCA como indexador da dívida estadual junto à União. De fato, no transcurso dos contratos, o acumulado do primeiro índice subiu mais rapidamente que o segundo. Ocorre que não há qualquer garantia de que o padrão se mantenha no futuro. Aliás, não se observa tendência de afastamento entre os índices desde 2003. O problema do IGP-DI é a sua correlação com a taxa de câmbio e, enquanto não houver desvalorizações acentuadas do real, a referida tendência deverá ser mantida.

Certamente, a situação é bastante distinta se a revisão do índice for retroativa ao período anterior a 2003. A resistência da União em abrir a negociação decorre em boa medida do receio das demandas retroativas.

Quanto à segunda dificuldade, diz respeito à já comentada heterogeneidade da situação de endividamento dos Estados. Os termos da dívida renegociada com base na Lei nº 9.496, de 1997, afetam os Estados de modo muito distinto. Os mais beneficiados por uma eventual renegociação tendem a ser os maiores da Federação. Provavelmente, os outros Estados fariam demandas compensatórias no próprio âmbito da discussão da dívida ou em qualquer outro tema dentre as várias opções propiciadas pelo complexo federalismo fiscal brasileiro, a exemplo da distribuição dos recursos do Fundo de Participação dos Estados ou dos royalties relativos à exploração do petróleo.

Em meio às tensões entre os entes federados, o resultado poderá ser a flexibilização dos controles sobre novos empréstimos dos Estados junto aos bancos públicos ou privados ou junto aos credores externos. De certo modo, isso já vem ocorrendo nos últimos anos, ainda que timidamente. Cabe discernir as consequências caso esse financiamento seja ou não condicionado ao uso na amortização da dívida junto à União.

Caso a autorização para novos financiamentos seja condicionada ao uso na amortização da dívida junto à União, os Estados só terão interesse se o custo desse novo financiamento for mais baixo que o custo da dívida junto à União. Isso possivelmente só ocorrerá para o financiamento externo. Dois problemas advirão, então. Os Estados estarão mais sujeitos ao risco cambial e as operações de crédito externo serão um fator a mais a reduzir o preço do dólar no mercado cambial, uma tendência macroeconômica contra a qual o Governo Federal vem lutando, a fim de proteger a indústria nacional da concorrência dos produtos importados.

Se os Estados aderirem à estratégia de reestruturação do passivo, é claro que a União terá que utilizar os recursos extras, decorrentes da amortização mais rápida do crédito junto aos Estados, no resgate da sua própria dívida. De outro modo, a dívida líquida federal subirá, pois a redução do crédito não será compensada por equivalente redução do passivo.

Quanto à outra alternativa, a não obrigatoriedade do uso dos novos financiamentos no resgate do passivo junto à União, o resultado provavelmente será o aumento da dívida estadual e, por consequência, da dívida do setor público, aferida em relação ao PIB, eventualmente revertendo a tendência de queda verificada nos últimos anos. Isso só não ocorrerá se a própria União agir para que a dinâmica do seu passivo compense o aumento da dívida estadual.

Em qualquer hipótese, a flexibilização das restrições ao aumento do financiamento estadual terá que levar em conta as diferentes situações de endividamento dos Estados, de modo a não reiniciar as condições que levaram à dolorosa experiência da década de noventa.

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Referências bibliográficas:

MORA, Mônica. Federalismo e Dívida Estadual no Brasil. Texto para Discussão do IPEA nº 866, de março de 2002.

(http://www.ipea.gov.br/pub/td/2002/td_0866.pdf)

RIGOLON, Francisco e GIAMBIAGI, Fábio. A renegociação das dívidas e o regime fiscal dos Estados. In Giambiagi, Fábio e Moreira, Maurício Mesquita (orgs.): A economia brasileira nos anos 90. Rio de Janeiro: BNDES, 1999.


[1] Notas para a Imprensa – Política Fiscal (http://www.bcb.gov.br/?ECOIMPOLFISC). Como a série começou em 2001, não necessariamente é compatível com os dados relativos ao período anterior.

[2] Esses conceitos foram introduzidos pela Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar nº 101, de 2000), com o intuito de estabelecer parâmetros legais de desempenho fiscal para os Entes Federados. A série completa dessas duas variáveis para o período 2000 a 2010 pode  ser encontrada em http://www.tesouro.fazenda.gov.br/lrf/downloads/financas_estaduais_divida_liquida.pdf

[3] Http://www.bcb.gov.br/ESTATISTICADLSP.

[4] Vale observar que, no caso da Região Sul, o passivo dos Municípios é inexpressivo, e o Rio Grande do Sul responde por 64,2% da dívida estadual dessa Região.

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O que é e para que serve a desvinculação de receitas da União (DRU)? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=906&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-e-e-para-que-serve-a-desvinculacao-de-receitas-da-uniao-dru https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=906#comments Mon, 05 Dec 2011 14:19:28 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=906 A desvinculação de receitas da União (DRU) foi adotada em 1994, quando da implementação do Plano Real. Os seus objetivos principais são:

a)     aumentar a flexibilidade para que o governo use os recursos do orçamento nas despesas que considerar de maior prioridade;

b)    permitir a geração de superávit nas contas do governo, elemento fundamental para ajudar a controlar a inflação.

A necessidade de criação da DRU decorre de algumas regras estipuladas pela Constituição. A primeira delas é a divisão do orçamento do Governo Federal em duas partes: o orçamento fiscal e o orçamento da seguridade social. A seguridade social compreende as atividades do governo nas áreas de saúde, assistência social e previdência social. As demais áreas têm seus gastos programados no orçamento fiscal.

Além de segmentar o orçamento em duas partes, a Constituição também segmentou as receitas que deveriam financiar cada um dos orçamentos. Para o orçamento da seguridade foram reservadas as chamadas “contribuições sociais”, que são tributos que incidem, principalmente, sobre a folha de pagamento das empresas, o lucro, o faturamento ou a receita[1]. São exemplos dessas contribuições: as contribuições para a previdência social, COFINS, CSLL e a extinta CPMF.

Para o orçamento fiscal ficaram os impostos tradicionais, como os impostos sobre renda, sobre produtos industrializados, sobre exportação e importação, as taxas e as contribuições econômicas como a Cide-combustíveis.

Ocorre que a Constituição também determinou que a maioria dos impostos deve ter sua receita repartida com os estados e municípios, enquanto as contribuições não estão sujeitas a tal partilha.

Quando o Governo Federal se viu na necessidade de elevar a arrecadação para promover uma redução do déficit público e poder pagar a elevada dívida pública, ele percebeu que estava em um beco sem saída.

Se elevasse os impostos, parte da receita arrecadada teria que ser dividida com estados e municípios, de modo que restaria apenas em torno de 50% da receita adicional nos cofres da União. Se elevasse as contribuições sociais, estas teriam que ser direcionadas para os gastos com saúde, assistência social e previdência, não havendo a possibilidade de se carrear a nova receita para o pagamento da dívida pública.

Foi aí que se criou a DRU, que nada mais é do que uma regra que estipula que 20% das receitas da União ficariam provisoriamente desvinculadas das destinações fixadas na Constituição. Com essa regra, 20% das receitas de contribuições sociais não precisariam ser gastas nas áreas de saúde, assistência social ou previdência social.

Isso abriu um caminho para que o Governo Federal promovesse forte elevação da tributação via contribuições sociais, que não precisavam ser divididas com estados e municípios e, graças à DRU, poderiam ser usadas para pagamento da dívida pública ou pagamento de outras despesas fora do orçamento da seguridade social.

De fato, a partir da introdução da DRU em 1994, podemos notar um crescimento da carga tributária, em sua maior parte decorrente da criação ou majoração das contribuições sociais, como mostrado no Gráfico 1.

A receita de impostos e taxas, integrante do orçamento fiscal, manteve-se no patamar de 6 a 8% do Produto Interno Bruto (PIB); já a receita de contribuições, em sua maior parte integrante do orçamento da seguridade social, passou de 8,1% do PIB, em 1995, para 12,9% em 2010.

A DRU trazia também outra vantagem. A Constituição não criou apenas a vinculação entre as receitas de contribuição e o orçamento da seguridade. Existe um grande número de outras vinculações. Por exemplo: os recursos arrecadados pelo PIS/PASEP devem ser entregues ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), 18% da receita de impostos devem ser gastas em manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), as taxas cobradas por órgãos públicos em geral são vinculadas ao financiamento das despesas desses órgãos (por exemplo: taxa de serviços aeroportuários devem financiar o custeio da Infraero[2]).

As vinculações de receitas, somadas a gastos em boa medida incompressíveis – despesas com pessoal, benefícios previdenciários, serviço da dívida etc. –, dificultam a capacidade de o governo federal alocar recursos de acordo com suas prioridades sem trazer endividamento adicional para a União.

Com a DRU, 20% das vinculações caía por terra e o Governo ganhava mais flexibilidade para usar os recursos nas finalidades que considerasse necessárias.

O mecanismo, que era para ser provisório, foi renovado diversas vezes.

Contudo, como veremos adiante, a sua importância foi se reduzindo ao longo do tempo. Primeiro, porque as despesas da seguridade social, em especial da saúde e da previdência, cresceram fortemente. As despesas da previdência aumentaram muito devido aos seguidos reajustes do salário mínimo acima da inflação. Como o salário mínimo é referência para os benefícios previdenciários, a despesa da previdência cresceu muito[3].

As despesas com saúde cresceram devido à regra instituída pela Emenda Constitucional nº 29, de 2000, que determinou que o gasto da saúde deve crescer no mesmo ritmo de crescimento do PIB. Como o PIB cresce acima da inflação, as despesas com saúde acompanham esse ritmo.

Se esses dois setores passaram a demandar cada vez mais dinheiro, passaram a sobrar menos recursos de contribuições sociais para serem remanejados para o pagamento de outras despesas e a amortização da dívida pública.

Outro fator que enfraqueceu o poder da DRU de gerar recursos para livre alocação é o exercício de pressão por parte dos grupos que se consideram prejudicados pelo mecanismo. A cada renovação da DRU a sua abrangência torna-se mais restrita.

FUNDAMENTO LEGAL

O mecanismo foi criado em 1994, com o nome de Fundo Social de Emergência (FSE). Desde então, esse instrumento foi prorrogado, com algumas alterações, com o nome de Fundo de Estabilização Fiscal (FEF) e, atualmente, Desvinculação de Receitas da União (DRU). Em 2007, foi aprovada pelo Congresso Nacional sua prorrogação, até 31 de dezembro de 2011, pela Emenda Constitucional (EC) nº 56, de 20 de dezembro de 2007.

O fundamento legal da DRU, atualmente em vigor, é a Emenda Constitucional nº 56, de 2007, que a prorrogou nos mesmos termos da EC nº 42, de 2003. O dispositivo desvinculou de órgão, fundo ou despesa, até 31 de dezembro de 2011, 20% da arrecadação de impostos, contribuições sociais e de intervenção no domínio econômico, já instituídos ou que vierem a ser criados, seus adicionais e respectivos acréscimos legais.

Em 2011 o Poder Executivo encaminhou a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 61, de 8 de junho de 2011, prorrogando mais uma vez a DRU, desta vez até 31 de dezembro de 2015. A proposta mantém a atual redação do art. 76 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, apenas prorrogando o seu prazo e atualizando a sua redação.

Comparando-se o texto atual da DRU com aquele vigente na sua primeira versão (FSE de 1994) percebe-se que foram excluídos do alcance da DRU as transferências aos estados, ao Distrito Federal (DF) e aos municípios previstas na Constituição Federal[4] (ou seja, a desvinculação não afeta essas transferências constitucionais, de forma que estados, DF e municípios, nesses casos, não sofrem perdas com a DRU como sofriam com o FSE).

Por outro lado, foram incluídas as contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDE) entre as receitas sujeitas à desvinculação. Com isso, a contribuição incidente sobre combustíveis (CIDE-Combustíveis) foi desvinculada, resultando em perdas para os estados e municípios[5]. Essa perda foi contornada com o aumento da participação dos governos subnacionais de 25% para 29% da receita da CIDE, por força da Emenda Constitucional nº 44, de 2004[6].

A versão atual da DRU também exclui da desvinculação a contribuição social do salário-educação, devida pelas empresas, ao financiamento do ensino fundamental público.

Em relação à desvinculação de recursos para a manutenção e desenvolvimento do ensino (MDE), a Emenda Constitucional nº 59, de 11 de novembro de 2009, determinou a redução progressiva do percentual da DRU incidente sobre esses recursos. Assim, para efeito do cálculo dos recursos para MDE, o percentual de desvinculação passou para 12,5%, em 2009, 5%, em 2010, e nulo no exercício de 2011. Portanto, a partir deste ano, a DRU deixará de afetar as vinculações para MDE e, portanto, não mais implicará aumento dos recursos de livre alocação decorrente da desvinculação de impostos.

Por fim, as leis de diretrizes orçamentárias têm ressalvado da desvinculação as contribuições sociais do trabalhador e do empregador ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) e ao Plano de Seguridade Social dos Servidores Públicos, em observância ao disposto no inciso XI do art. 167 da Constituição Federal.

GASTOS SOCIAIS

A principal controvérsia suscitada pela desvinculação de recursos refere-se a seu possível efeito de reduzir os gastos sociais. Desde a aprovação do FSE, em 1994, essa polêmica é renovada a cada proposta de prorrogação do mecanismo. De um lado, a oposição em geral critica a desvinculação[7], pois defende o aumento dos gastos ditos sociais[8]. De outro, o governo federal, pelos motivos já apontados, defende a desvinculação.

Esse último busca negar o impacto negativo da DRU sobre os gastos da área social. Argumenta que não há redução de recursos destinados à previdência social, porque o gasto com aposentadorias e pensões é incompressível. Para responder a suspeitas de que a DRU desvia recursos de suas finalidades sociais, demonstra que, desde 1996 até 2010, as despesas nas áreas de saúde e educação vêm crescendo. Por fim, afirma que a DRU não implica elevação no montante de receitas disponíveis para o governo federal em detrimento dos estados e municípios.

De fato, as despesas com determinadas funções sociais do governo não deixaram de ser atendidas em decorrência da existência DRU, em especial, as despesas obrigatórias da seguridade social.

No entanto, a DRU evita que a disponibilidade de recursos vinculada ao orçamento da seguridade, em valores superiores àqueles necessários para cobrir os gastos determinados pelo reajuste do salário mínimo ou pelo crescimento do PIB, venha a gerar pressão política para expansão ainda mais acelerada dos gastos da seguridade. Com isso, a DRU impede a aceleração dos gastos e gera excedentes para a redução do déficit público e a amortização da dívida.

Impacto da DRU sobre o orçamento da seguridade social

Do ponto de vista do orçamento da seguridade social, a maior parte dos recursos desvinculados de contribuições sociais acaba voltando para esse orçamento. Portanto, com o crescimento das despesas da seguridade, atualmente o Tesouro Nacional realiza aportes significativos, de forma que não se pode afirmar que a DRU implique perdas significativas para a seguridade social.

TABELA 1
SEGURIDADE SOCIAL – DESPESA¹ POR FONTE – 2010
R$ milhões
Fontes Valor
INSS 206.843
Cofins 107.974
Recursos Livres (Fonte 100) 37.626
CSLL 33.967
PIS-Pasep 17.179
CPSS – Patronal 12.681
Royalties do Petróleo 11.614
Recursos Próprios Financeiros 9.776
Outras 37.417
Total 475.075
Fonte: SIAFI/Prodasen.
1: Despesa liquidada.

Dos R$ 46,6 bilhões desvinculados das contribuições sociais (vide Tabela 1), em sua quase totalidade receitas do orçamento da seguridade social, R$ 37,6 bilhões retornam como recursos de livre alocação (Fonte 100) para pagamento de despesas desse orçamento. Ou seja, a área da seguridade social cede recursos líquidos de cerca de R$ 8,9 bilhões, que poderiam expandir suas despesas.

TABELA 2
SEGURIDADE SOCIAL – DESVINCULAÇÕES E APORTES
R$ milhões
2006 2007 2008 2009 2010
1 Desvinculação de Contribuições Sociais¹ 34.175 38.908 39.570 39.176 46.557
2 Aporte de Recursos Livres (Fonte 100)² 14.532 20.395 31.208 37.132 37.626
3 Líquido (1-2) 19.643 18.513 8.362 2.045 8.931
4 Percentual (2/1) 43% 52% 79% 95% 81%
Fonte: Balanço Geral da União e SIAFI/Prodasen.
1: Não inclui multas, juros e dívida ativa.
2: Despesa liquidada.

Vemos na Tabela 2 que o aporte de recursos ordinários do Tesouro Nacional ao orçamento da seguridade social tem aumentado nos últimos anos. Esses aportes passaram de R$ 14,5 bilhões, em 2006, para R$ 37,6 bilhões, em 2010, correspondentes a 43% e 81% da desvinculação de contribuições sociais. Isso mostra que os recursos desvinculados pela DRU, atualmente, retornam em sua maior parte para o orçamento da seguridade social. Esse fato é explicado pela expansão das despesas com benefícios previdenciários e assistenciais (especialmente devido a aumentos reais do salário mínimo), e pelo aumento dos gastos na área de saúde (vinculados ao crescimento do PIB).

Em 2009, especificamente, o menor crescimento do PIB e das receitas tributárias levou a que o Tesouro Nacional realizasse aporte de recursos ordinários quase equivalente à desvinculação de contribuições sociais.

Impacto da DRU sobre as despesas com educação

Cabe esclarecer que não existe maneira inquestionável de aferir até que ponto a desvinculação impõe diminuição de recursos a órgão, fundo ou despesa. Isso só seria possível se apenas uma fonte de recursos financiasse cada ação de governo ou órgão. Se, ao contrário, retiram-se recursos de fontes vinculadas, mas se aportam montantes de outras fontes, como dizer se essas outras fontes estariam presentes caso não tivesse havido a desvinculação?

Para efeito do cálculo dos recursos para MDE, por força da Emenda Constitucional nº 59, de 2009, o percentual de desvinculação passou para 12,5%, em 2009, 5%, em 2010, e nulo no exercício de 2011. A tabela abaixo mostra o efeito da DRU sobre os recursos destinados à MDE:

TABELA 3
REDUÇÃO DE RECURSOS VINCULADOS A MDE – 2008 a 2011
R$ milhões
2008 2009 2010 2011¹
Percentual de Desvinculação (A) 20,0% 12,5% 5,0% 0,0%
Receita de Impostos (B) 256.147 244.071 280.141 347.713
Desvinculação (C) = (B)*(A) 51.229 30.509 14.007 0
Redução de Recursos de MDE (D)=18%*(C) 9.221 5.492 2.521 0
Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.
1: Lei Orçamentária para 2011

Vê-se que a redução de recursos destinados à MDE decresce de R$ 9,2 bilhões, em 2008, quando o percentual de desvinculação era de 20%, e passa a ser nulo a partir de 2011. Cabe considerar que a PEC nº 61, de 2011, que propõe nova prorrogação da DRU, mantém explicitamente o fim da desvinculação desses recursos, em consonância com a EC nº 59, de 2009.

No entanto, a área de educação como um todo é custeada por diversas fontes de recursos. Assim, um aumento dos recursos vinculados para MDE poderia ser simplesmente compensado pela diminuição de recursos livres e outros. Portanto, a conclusão de que a área de educação perde com a desvinculação (ou ganha com o fim desta), embora aparentemente evidente, não é necessariamente correta.

TABELA 4
FUNÇÃO EDUCAÇÃO – DESPESA¹ POR FONTE – 2010
R$ milhões
Fontes Valor
Recursos Vinculados a MDE 26.911
Recursos Livres (Fonte 100) 10.791
Salário-Educação 4.725
Outras 6.018
Total 48.446
Fonte: SIAFI/Prodasen.
1: Despesa liquidada.

Em 2010, por exemplo, foram alocados recursos do Tesouro Nacional de R$ 10,8 bilhões na área de educação, face à redução de recursos destinados à MDE de apenas R$ 2,5 bilhões.

Impacto da DRU sobre o FAT

No caso do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), ao contrário dos recursos da MDE, há efetivamente uma perda de recursos com a DRU. Isso ocorre porque o FAT é custeado, quase integralmente, por recursos próprios:

TABELA 5
FAT – DESPESA¹ POR FONTE – 2010
R$ milhões
Fontes Valor
PIS/Pasep 28.765
Recursos Próprios Financeiros 11.088
Recursos Livres (Fonte 100) 1.133
Outras 212
Total 41.198
Fonte: SIAFI/Prodasen.
1: Despesa liquidada.

As fontes de recursos do FAT são a arrecadação do PIS/Pasep e recursos financeiros próprios, constituídos pelo retorno dos financiamentos do BNDES. Esses recursos só podem ser aplicados no FAT. Ademais, o aporte de recursos ordinários do Tesouro Nacional é pouco significativo, no valor de R$ 1,1 bilhão, bem inferior ao valor desvinculado da arrecadação do PIS/PASEP de R$ 8,0 bilhões.

Assim, a DRU efetivamente retira recursos que poderiam ser aplicados em ações do FAT ou em financiamentos do BNDES. Também cabe notar que parte das receitas do PIS/Pasep alimenta saldo positivo na conta única do Tesouro Nacional, não sendo efetivamente despendida.

CONCLUSÕES

São válidas as seguintes conclusões: (1) atualmente, a maior parte dos recursos desvinculados de contribuições sociais retorna ao orçamento da seguridade social, de forma que a redução de seus recursos é hoje muito menos relevante que no passado; (2) não se pode afirmar que a área de educação tenha perdas de recursos e, a partir de 2011, não haverá mais desvinculação de recursos de MDE; (3) o FAT abre mão de recursos para gastos com o seguro-desemprego e outras ações a seu encargo e de seu patrimônio aplicado no BNDES.

A possibilidade de troca de fontes de recursos enfraquece o argumento de que a DRU reduz os gastos sociais: o que se retira por meio da DRU pode voltar para aquela área por meio de alocação de recursos orçamentários livres.

Ademais, cabe observar que os gastos da seguridade social não são determinados pela disponibilidade de recursos vinculados e, sim, pelas decisões de criação ou aumento de despesas públicas. Na área de educação, a criação de cargos e o aumento de sua remuneração determinam parte substancial da despesa. Em relação ao FAT, suas despesas dependem do valor do salário mínimo e das regras de concessão do seguro-desemprego.

Por outro lado, se não houvesse a DRU, a diferença entre a arrecadação total de contribuições sociais e a despesa total da seguridade geraria a impressão de que estaria “sobrando” dinheiro na seguridade, o que estimularia o aumento de gastos na área.

Esse raciocínio, contudo, não é correto. Como visto acima, o Governo Federal elevou fortemente a tributação por meio de contribuições sociais para gerar recursos não só para a seguridade, mas também para o financiamento do orçamento fiscal. O foco no aumento de contribuições, em vez de impostos, foi para evitar partilhar as receitas com estados e municípios.

Se a DRU for simplesmente extinta, e toda a receita de contribuições tiver que ser alocada no orçamento da seguridade, os R$ 9 bilhões que atualmente são transferidos liquidamente do orçamento da seguridade para o orçamento fiscal (vide Tabela 1) se converterão em gastos públicos, aumentando o déficit público e exigindo a elevação de impostos para o custeio das despesas do orçamento fiscal.

O mesmo ocorrerá com os R$ 7 bilhões líquidos que a DRU retira do FAT.

A extinção da DRU também retira do Governo a possibilidade de promover novas elevações de tributação via contribuições sociais nos momentos em que desejar reforçar o caixa da União.

Podemos concluir que a DRU ainda é necessária, embora talvez menos que no passado, devido à progressiva redução de sua base de cálculo.

As sucessivas prorrogações da DRU mostram a necessidade desse mecanismo, ainda que como alternativa a uma ampla reforma nas finanças públicas brasileiras. A Constituição Federal de 1988 incorporou inúmeras demandas da sociedade, especialmente nas áreas de saúde, assistência e previdência social. Muitas dessas demandas assumiram a forma de vinculações de receitas a órgão, fundo ou despesa. A DRU surge como uma forma de reduzir essas vinculações, dada a dificuldade política de realizar uma reforma fiscal abrangente. Em visão mais ampla, a desvinculação representa um mecanismo para compatibilizar o arcabouço da Constituição de 1988 com a bem-sucedida estabilização econômica de 1994.

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Para ler mais sobre o tema:

Dias, F.A.C.(2011) Desvinculações de receitas da União, ainda necessárias? Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado Federal. Texto para Discussão nº 103. Disponivel em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm


[1] Vide art. 195 da Constituição.

[2] A respeito da arrecadação e despesas da Infraero ver, neste site, o texto As receitas da Infraero são suficientes para garantir aeroportos de boa qualidade?

[3] Para uma análise do impacto do salário mínimo sobre as despesas da previdência, ver neste site o texto O aumento do salário mínimo e dos benefícios a ele vinculados favorece ou dificulta a eliminação da miséria no Brasil?

[4] Conforme o § 1º do art. 76 do ADCT.

[5] Com essa alteração, também há perdas referentes a vinculações de menor importância, como a Cota-Parte Adicional do Frete para Renovação da Marinha Mercante e outras.

[6] Equivalente a 23,2% da receita integral.

[7] Não toda a oposição ou somente ela. Há membros da bancada da saúde e da educação tanto na oposição quanto na situação.

[8] Deve-se observar que nem sempre os gastos nas áreas de educação e previdência social favorecem as camadas mais pobres da população, o que torna o termo “gasto social” um tanto impreciso.

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A redução dos juros pelo Banco Central diminuirá no mesmo ritmo o custo da dívida do governo? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=831&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-reducao-dos-juros-pelo-banco-central-diminuira-no-mesmo-ritmo-o-custo-da-divida-do-governo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=831#comments Thu, 10 Nov 2011 04:00:27 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=831 Há um mito de que a taxa de juros básica fixada pelo Banco Central (BC), a famosa taxa Sistema Especial de Liquidação e de Custódia (SELIC), seria o grande referencial do custo da dívida do setor público brasileiro, de modo que reduções nessa taxa de juros implicariam imediata queda do custo dessa dívida.

Isso deixou de ser verdade há alguns anos. Tanto é que, de 2003 até 2010, a SELIC caiu em ritmo muito mais rápido do que diminuição dos gastos governamentais com juros. Similarmente, os gastos com juros em 2011 cresceram mais rápido do que o aumento da taxa SELIC ocorrido entre abril de 2010 e setembro de 2011.

Por isso, é preciso cuidado para não cair na tentação ou na fácil leitura de que, com o mais recente ciclo de corte de taxas, iniciado na segunda metade de 2011, os gastos governamentais com juros cairão nos próximos meses na mesma velocidade da queda da taxa SELIC, o que permitiria abrir um espaço fiscal, inclusive para maiores gastos ou para menor superávit.

Destaque-se que, mesmo admitindo que a SELIC tenha atualmente um impacto mais limitado sobre os gastos com juros do setor público, isso não significa que devemos condenar o seu corte ou defender sua manutenção em patamar elevado. O juro real no Brasil continua (lamentavelmente) na liderança mundial, apesar do dito ousado ciclo de baixa iniciado pelo BC. Porém, são questões diferentes: uma é sobre a política monetária, seus caminhos ou sua correção, outra diz respeito ao impacto dessa política sobre a política fiscal.

O objetivo deste breve texto não é, portanto, discutir se a taxa SELIC deve ou não cair, mas as consequências de uma eventual queda, antecipando a conclusão de que não se deve esperar que um corte na SELIC produza direta e proporcionalmente igual redução no gasto governamental com juros.

O impacto de variações da SELIC sobre os gastos com juros dependerão de dois fatores importantes:

i) proporção da dívida indexada à SELIC, sendo que, quanto maior for essa proporção, maior será o impacto;

ii) composição da Dívida Líquida do Setor Público (DLSP), que corresponde à diferença entre a dívida bruta e os ativos financeiros do governo. Quanto maior for essa diferença entre estes estoques e também a distância entre a remuneração de um e de outro, menor será o impacto da SELIC sobre os gastos com juros do setor público.

No passado distante, a maior parte da dívida mobiliária era indexada à taxa SELIC. Adicionalmente, a diferença entre a dívida bruta e os créditos do governo não era grande e as taxas de remuneração e prazos de vencimento tampouco eram tão díspares como hoje. Naquele cenário, variações da SELIC impactavam bem mais forte e diretamente os gastos com juros.

A seguir detalharemos um pouco mais o comportamento da taxa SELIC e dos gastos com juros. Mostraremos que esse deslocamento ocorreu tanto durante o longo ciclo de baixa da SELIC, entre 2003 e 2010, como no mais recente ciclo de alta, entre 2010 e 2011.

Evidências: longo ciclo de baixa (até 2010)

Antes do recente e curto ciclo de alta da SELIC, a taxa registrou uma longa trajetória de redução – desde a sua maior taxa acumulada no período de doze meses, em setembro de 2003 (24,25%), e a mais baixa, em maio de 2010 (8,92%). Ainda que tenha apresentado pequenas oscilações ao longo desse período, a tendência foi obviamente decrescente.

Considerando os valores extremos da série, a SELIC caiu de 23,36% a.a. em 2003 para 9,75% a.a. em 2010, ou seja, um recuo de 13,6 pontos ou de 58%, em termos relativos. Já o setor público gastou com juros nominais 8,51% e 5,3% do PIB, respectivamente, nos dois citados anos, com uma redução em 3,1 pontos do produto ou de 36% em termos proporcionais. Comportamento semelhante pode ser observado em subperíodos da amostra. Por exemplo, entre 2008 e 2010, a taxa SELIC caiu 22%, enquanto os gastos com juros como proporção do PIB reduziram-se somente em 5%.

Ao analisar a evolução comparada de taxa e gasto nos últimos anos, também se evidenciou um descasamento cada vez maior no período mais recente, e isso dá pistas para se compreender quais foram as mudanças na política fiscal que mais contribuíram para explicar esse fenômeno.

Por princípio, se fosse levado em contas apenas o que o governo deve, e ainda mais se for computado tão somente o que deve por conta da emissão de títulos, é fácil depreender que a diminuição da proporção daqueles indexados à SELIC (caso das Letras Financeiras do Tesouro – LFTs) constitui a razão direta para que a evolução de sua taxa perdesse poder de influência no custo total da dívida mobiliária, ou melhor, na sua evolução real. A menor participação de títulos indexados à SELIC na dívida pública, por sua vez, decorreu da redução da inflação e do alongamento dos prazos, que permitiram ao Tesouro Nacional colocar cada vez mais papéis prefixados a vencerem no longo prazo e títulos indexados a índices de preço.

Pode-se argumentar que as tendências ou direções da SELIC acabam se refletindo, ainda que com alguma defasagem, nas taxas pré-fixadas (o próprio Tesouro pode forçar isso ao aceitar ou rejeitar as condições pedidas pelos investidores desses papéis) e no próprio índice de inflação.

Sem entrar na discussão se a SELIC continua apresentando qualidade ou potência como instrumento de gestão da política monetária, o fato é que essa taxa perdeu poder de influência sobre os gastos públicos com juros. E uma forma mais direta para tirar tal conclusão é comparar a dimensão e a evolução entre duas taxas de juros: a SELIC, já comentada, e a chamada taxa implícita da DLSP, apurada pelo BC pela razão entre os gastos com juros e o montante da dívida líquida de cada período de referência. O gráfico a seguir mostra a evolução das duas taxas.

Na fase inicial, de 2002 a 2005, a taxa da SELIC superou a implícita. Desde 2006, contudo, a curva da SELIC passou a correr sempre por baixo da taxa implícita, indicando que os custos de outras dívidas foram mais altos que a SELIC e/ou que os créditos do governo renderam menos que esta. Observe-se também que a trajetória da taxa SELIC oscilou bem mais que da taxa implícita de juros. Essa última ficou relativamente constante em torno de 15%.

As razões dessas trajetórias distintas tem menos relação com a mudança no perfil da dívida mobiliária (ou seja, na redução da participação de títulos indexados à SELIC) e com a alteração no volume dos componentes da DSLP. Como já mostrado neste site, no artigo Dívida bruta e ativo do setor público: são imprescindíveis para se avaliar o equilíbrio fiscal? , a dívida líquida corresponde à diferença entre a dívida bruta (que passou a ser concentrada na dívida mobiliária interna federal) e dos créditos (composta tanto por disponibilidades, desde o caixa interno dos governos até as reservas internacionais, bem como por haveres financeiros, que compreendem, sobretudo, empréstimos concedidos a fundos, a instituições financeiras e até mesmo a empresas e a outros países).

O total de créditos internos, abatidos da dívida bruta, mal alcançava 20% do PIB, da primeira metade da década passada até 2008; depois, saltaram para patamar superior a 25% do PIB desde 2009. Se computadas as reservas internacionais (13,5% do PIB em meados de 2011), o total dos ativos do governo, que era inferior a 20% do PIB em 2006, chegou a mais de 30% do PIB em meados de 2011. Em sua grande parte, os ativos do governo aumentaram no período devido ao acúmulo de reservas cambiais e à concessão de empréstimos ao BNDES. Esses ativos apresentaram rendimento bastante inferior à taxa SELIC no período. Em 2010, segundo avaliação do BC em uma nota especial sobre a evolução dos juros,[1] consideradas apenas as taxas implícitas anuais, os 14,9% de toda a dívida resultou do contraste de 10,1% só nos débitos contra 4,3% nos créditos. Isto é, o setor público, na média, se endivida a uma taxa 2,3 vezes maior do que a que empresta e, se não ter ativos tão pouco rentáveis, seu gasto com juros seria cerca de um terço inferior ao realizado.

As reservas são aplicadas no exterior, preponderantemente em títulos do governo norte-americano, cujas taxas foram drasticamente reduzidas no combate à crise financeira internacional pelo Banco Central norte-americano. Tais ativos mal têm rendido 1% ao ano, muito menos que a SELIC, que, direta ou indiretamente, acaba por remunerar a maior os títulos utilizados para esterilizar o impacto monetário da entrada das reservas. Somente quando há episódios de desvalorização do real frente ao dólar é que as reservas internacionais se tornam mais rentáveis, ainda assim em termos nominais.

Quando o País passou a acumular crescentes reservas internacionais (o que aumenta o ativo), o BC procurou compensar a expansão monetária colocando mais títulos públicos no mercado. Ou seja, com uma mão, ele entrega reais aos exportadores e investidores que trazem cada vez mais dólares; com outra mão, ele tira reais da economia ao firmar operações compromissadas com títulos do Tesouro e ao aumentar os depósitos compulsórios dos bancos. O efeito final é aumentar o gasto com juros, tendo em vista que os títulos do Tesouro pagam taxas mais altas do que recebe como remuneração das reservas.

Quanto aos créditos para instituições oficiais, na virada da década houve súbito aumento dos empréstimos extraordinários concedidos pelo Tesouro Nacional (chega próximo a R$ 300 bilhões o cedido ao BNDES), quase sempre remunerados à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), que tem sido arbitrada na casa de 6% ao ano. Tais operações começaram com o pretexto de combater a crise, mas prosseguiram mesmo depois da retomada da economia. Nota-se que não se trata aqui do subsídio creditício direto, no qual o Tesouro Nacional arca com a diferença entre a TJLP e a taxa de juros cobrada pelo BNDES em projetos considerados prioritários[2].

Evidência: último ciclo de alta (2010/11)

Uma simples comparação da SELIC e dos encargos financeiros dos governos nos primeiros oito meses de 2011 vis-à-vis igual período de 2010 constitui a evidência mais recente do descolamento entre taxa e gasto. Vale lembrar que em abril de 2010 aquela taxa iniciou um ciclo de alta que só veio a ser interrompido em setembro de 2011.

A SELIC apresentou uma média simples da taxa anual apurada diariamente até agosto de 2011 de 11,84 pontos.[3] Em igual período de 2010, a média foi de 9,48 pontos. A variação foi de 24,9%.  Já os juros nominais pagos pelo setor público consolidado aumentaram de R$ 125 bilhões para R$ 160,2 bilhões no mesmo período, um aumento de 28,1%.

A diferença, contudo, torna-se mais acentuada quando se limitam os dados ao governo central. Os juros nominais saltaram de R$ 83,9 para 125 bilhões entre os oito primeiros meses de 2010 e de 2011, uma variação de 49%. Ou seja, isolados apenas os encargos do governo central, estes cresceram ao dobro da velocidade do aumento da taxa básica de juros.

Em síntese, alguns analistas acreditam que se a taxa básica de juros paga pelos títulos da dívida pública federal (conhecida como SELIC) cair, o governo gastaria menos com juros e assim economizaria recursos. Esses recursos tanto poderiam ser aplicados em melhores gastos, como na ampliação dos investimentos fixos e de serviços sociais básicos, como poderiam permitir um esforço fiscal menos severo, até mesmo abrindo caminho para reduzir a carga tributária. Como as autoridades monetárias decidiram reduzir a SELIC desde agosto de 2011, tornou-se predominante a ideia de que o governo gastará proporcionalmente menos com juros.

Infelizmente, isso não passa de mais um mito que paira sobre as finanças públicas brasileiras, inegavelmente complexas. No passado recente, houve um crescente divórcio entre taxa e gasto. Quando a SELIC recuou, anos atrás, o gasto não caiu no mesmo ritmo. Depois, quando a taxa voltou a subir, o referido gasto cresceu à frente. Dois motivos explicam esse divórcio.

Em primeiro lugar, porque nem todos os títulos públicos são indexados à SELIC. Com a maior estabilização da economia, aumentou a proporção de títulos pré-fixados, cuja remuneração não é afetada pelas decisões das autoridades monetárias; pelo menos no curto prazo.

Em segundo lugar, porque a dívida líquida corresponde à diferença entre a dívida bruta e os ativos financeiros do governo, constituídos majoritariamente pelas reservas internacionais e créditos contra instituições financeiras federais. Quanto maior for a taxa SELIC em relação à taxa que remunera os ativos financeiros do governo, maior será a discrepância entre a SELIC e taxa implícita de juros incidente sobre a dívida pública.

Downloads:

  • veja este artigo também em versã o pdf (clique aqui).

[1] Ver “Análise Evolutiva dos Juros Nominais Apropriados sobre a DLSP”, Relatório de Inflação, Março de 2011: http://www.bcb.gov.br/htms/relinf/port/2011/03/ri201103b4p.pdf

[2] Sobre esses créditos, pode-se acessar vários artigos em: http://mansueto.wordpress.com/

[3] Médias calculadas por Vivian Almeida a partir de série do IPEADATA. A variação é praticamente a mesma que se chega em um cálculo mais refinado, ponderando as médias diárias da SELIC, se chega a uma taxa acumulada no ano de 7,74% e de 6,21%, até agosto de 2010 e de 2011, respectivamente, o que resulta numa variação de 24,6% – veja várias séries ponderadas em: http://www.portalbrasil.net/indices_selic.htm

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