regulação – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Tue, 06 Apr 2021 23:35:31 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Wi-Fi 6: mais um aliado na modernização das comunicações https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3431&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=3431 Tue, 06 Apr 2021 23:28:47 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3431 Wi-Fi 6: mais um aliado na modernização das comunicações

Por Carlos Baigorri* e José Borges da Silva Neto**

 Os recentes avanços tecnológicos ampliam a capacidade e a qualidade de transmissão de dados em redes locais, fenômeno que dará maior flexibilidade na comunicação de múltiplos dispositivos e intensificará a digitalização de diversos setores da economia. Dentre tais avanços tecnológicos, não se pode esquecer aqueles  associados ao Wi-Fi 6.

Introdução

No primeiro trimestre de 2021, a Anatel avançou em discussões de temas que intensificarão o processo de digitalização da sociedade brasileira, como a aprovação do edital do 5G e os atributos técnicos para o “Wi-Fi 6”.

Grande atenção tem sido direcionada para a quinta geração de sistemas móveis de banda larga, o chamado “5G”, que logo será implantado no Brasil. De forma complementar às tecnologias associadas ao 5G, devemos assinalar que o Wi-Fi 6 (padrão IEEE 802.1ax), que também é um padrão da família de tecnologias sem fio, mas com um alcance mais restrito para redes privadas, surge como mais um vetor para complementar as possibilidades de novos arranjos e de serviços no contexto de uma sociedade mais intensiva em soluções digitais.

Sobre a aprovação do 5G, tivemos a oportunidade de expor seus contornos em artigo anterior – link. Então, aqui dedicaremos especial destaque ao papel do WIFI 6 e como esse padrão tecnológico, em conjunto com o 5G, contribuirá como mais um vetor possível para a difusão de novas tecnologias em todos os setores da economia. 

Por que um padrão tecnológico é tão importante?

Grosso modo, em telecomunicações, a definição de padrões é fundamental para garantir a interoperabilidade de equipamentos dentro de uma rede e também entre redes distintas.  Há uma vasta literatura sobre a importância dos padrões tecnológicos e a competição para a definição de um padrão “vencedor”. Resumidamente, pode-se dizer que a opção de uma indústria pela definição de padrões tecnológicos busca a uniformidade de produção, a compatibilidade de tecnologias, a objetividade na medição e a definição de protocolos para interconexão entre equipamentos.

Assim, a definição de padrões tecnológicos viabiliza a criação de novas possibilidades de usos e serviços, bem como o desenvolvimento de novos terminais e equipamentos. Mas, como isso funciona? O estabelecimento de padrões define características operacionais para o funcionamento em uma rede de telecomunicações. Tais características serão utilizadas por uma série de equipamentos e terminais, tornando possível a integração e a interoperabilidade de diversos dispositivos de fornecedores distintos, além de instigar novas funcionalidades e, assim, novas utilidades para os usuários finais.

Por trás disso, há um fenômeno econômico interessante: quanto mais exitosa em integrar equipamentos e proporcionar novas utilidades para os usuários, mais fornecedores terão incentivo para seguir o padrão e desenvolver equipamentos. Além disso, o padrão tecnológico reduz o “custo de transação” para os usuários. Por exemplo, ao comprar uma impressora ou um telefone celular, ao pesquisar seus atributos, o usuário poderá identificar que esses dois equipamentos podem se conectar por meio das especificações do padrão popularmente conhecido como bluetooth. Nesse exemplo, o padrão citado reduz os custos de transação de pesquisa e de avaliação do usuário, que tem a garantia de que um produto, independente de sua origem, pode ser incorporado com sucesso em um sistema (sua rede pessoal ou uma rede telecomunicações maior). Isso também reforça o efeito rede, pois os usuários também identificam mais valor quanto mais usuários utilizam o mesmo padrão.

Tendo isso em mente, num contexto de rápida evolução tecnológica, de conectividade global e de adensamento de equipamentos que precisam se interoperar, um insumo fundamental é a disponibilização de espectro eletromagnético. Como o padrão bluetooth, o Wi-Fi também precisa de uma porção do espectro para funcionar. Contudo, esses dois padrões citados funcionam com faixas destinadas em que não exige um licenciamento para uso. Assim, cabe à Anatel, da forma mais transparente e neutra, estabelecer os requisitos técnicos para avaliação de conformidade de equipamentos de radiocomunicação de radiação restrita para o uso em sistemas de comunicações sem fio, entre os quais está o Wi-Fi. 

O padrão Wi-Fi 6

O padrão Wi-Fi teve sua primeira especificação (IEEE 802.11-1997) em 1997. Nessa trajetória, o Wi-Fi transformou-se em importante solução para acesso à Internet em áreas locais. De acordo com a pesquisa TIC Domicílios 2019, conduzida pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br), em 2019, cerca de 71% (setenta e um por cento) dos domicílios brasileiros, urbanos ou rurais, dispunham de acesso à Internet, ao passo que quase 80% (oitenta por cento) destes possuíam Wi-Fi disponível.

Nota-se que o Wi-Fi é predominantemente usado para prover cobertura doméstica, mas se tem observado seu crescente emprego em redes locais sem fio mais amplas para a conexão de clientes em áreas que não dispõem de cobertura móvel, sobretudo em regiões de baixa atratividade econômica, e para o provimento de soluções tecnológicas mais recentes, tais como dispositivos smart home e soluções de internet das coisas (IoT) em geral.

Assim, espera-se que o padrão Wi-Fi se torne cada vez mais essencial às comunicações no Brasil e no mundo. Com efeito, as novas padronizações ampliaram o potencial de uso do Wi-Fi, que se tornará cada vez mais complementar à rede celular.

Em 2019, foi publicada a sexta especificação do Wi-Fi, formalmente denominada 802.11ax e cujo nome comercial foi definido como “Wi-Fi 6”. O novo padrão é capaz de utilizar as faixas de 2,4 GHz e 5 GHz, já em uso pelas versões anteriores, e também a nova faixa de 6 GHz, fazendo uso de canais de até 160 MHz e podendo alcançar taxas de transmissão de até 9,6 Gbps. Em outras palavras, amplia consideravelmente a capacidade de transmissão de dados do Wi-Fi.

Nos Estados Unidos, há a destinação de 1.200 MHz (5,925-7,125 GHz) para o Wi-Fi 6, com determinadas restrições a partes da faixa, especialmente nos 250 MHz finais, recebendo o novo nome comercial “Wi-Fi 6E”.

À semelhança da discussão do 5G, há uma importante discussão sobre a destinação de uso do espectro eletromagnético, recurso escasso por definição. A Anatel já destinou, em 2004, a faixa de 5 GHz para o uso não licenciado, viabilizando o emprego de soluções como o Wi-Fi, e, em 2020, ampliou para incluir a chamada faixa de 6 GHz.

Contudo, para o efetivo uso não licenciado, devem-se respeitar os requisitos técnicos definidos pela Anatel (restrição de alcance e potência dos equipamentos, por exemplo), condição necessária para o efetivo emprego da faixa em questão para o Wi-Fi 6.

De um lado, há as operadoras de rede de telefonia móvel que apontam o potencial de uso da faixa de 6 GHz para emprego nas redes móveis de quinta geração, defendendo o estabelecimento de condições de uso para 500 MHz entre a faixa de 5,925-7,125 GHz. De outro, um conjunto de empresas fornecedoras de equipamentos, empresas nativas da internet, operadoras de telecomunicações de pequeno porte e provedores de internet e associações favoráveis ao estabelecimento de condições para uso não licenciado de toda a faixa, ou seja, para 1.200 MHz.

O Colegiado da Anatel deliberou que a destinação de uso dos 1.200 MHz disponíveis não afasta a possibilidade de que essa faixa venha a ser usada futuramente para o provimento de 5G. Isso porque o 3GPP já expediu padronização para a operação do 5G por meio de uso de faixas não licenciadas (5G NR-U), de modo que a proposição formulada não restringe o uso da faixa, mas o amplia. Assim, disponibiliza-se a maior quantidade de espectro possível para dar uso econômico a esse bem público e permite que o mercado brasileiro usufrua das melhores possibilidades de transmissão de dados e conectividade.

Conforme Raul Katz, a destinação de 1.200 GHz pode destravar um valor econômico equivalente a R$ 925 bilhões, sendo a maior parte dele, US$ 112,14 bilhões (R$ 635 bilhões) em potencial aumento do PIB no período, como consequência da ampliação da cobertura, preços mais acessíveis, maiores velocidades, desenvolvimento mais acelerado da internet das coisas, e no suporte aos mercados de realidade aumentada e realidade virtual. Além disso, outros US$ 30,3 bilhões (R$ 170 bilhões) poderão ser gerados em economia no custo do tráfego para empreendimentos, além de US$ 21,19 bilhões (R$ 120 bilhões) na propensão dos consumidores a pagarem mais por velocidades ainda maiores[1].

Além disso, os requisitos definidos foram pensados para proteger sistemas de alta precisão de interferências, tais como a tecnologia de sistema inteligente de transporte, (do inglês, Intelligent Transport System – ITS). Tal serviço promete ampliar a conectividade de veículos, provendo maior autonomia e segurança na gestão de tráfego. Ou seja, os requisitos técnicos aprovados pela Anatel consideraram parâmetros que mitigam a geração de interferências espúrias por meio de equipamentos avançados.

Assim, o Wi-Fi 6 promete aliar as evoluções em técnicas de múltiplo acesso e modulação à nova faixa de radiofrequências, trazendo nova perspectiva às redes locais de banda larga sem fio. Inegável, portanto, o potencial benefício para usuários e setor de telecomunicações, ao passo que usufruirão de maior capacidade e flexibilidade em dispositivos Wi-Fi de nova geração. 

Implicações regulatórias

A Anatel deve sempre buscar o uso eficiente do espectro, aliado ao interesse público, em suas decisões regulatórias. Permitir aos usuários o usufruto da nova tecnologia de Wi-Fi, em sua plenitude, atende aos preceitos básicos regulatórios da Agência e alinha-se ao crescimento da demanda por acessos de alta capacidade de dados.

Adicionalmente, novas tecnologias ampliam o escopo de possibilidades para a implantação de políticas públicas. Tradicionalmente, as políticas de massificação de acesso às comunicações concentram suas apostas na difusão de acessos fixos por meio do Serviço Telefônico Fixo Comutado – STFC e posteriormente por meio da cobertura de redes móveis por meio do Serviço Móvel Pessoal – SMP. Ambas, guardadas as devidas especificidades, permitiram a difusão da voz em todo o território e, mais recentemente, a difusão da transmissão de dados que tem popularizado o acesso aos serviços da internet.

O desenvolvimento de novas tecnologias, como o aprimoramento do Wi-Fi, dá mais opções para a implementação de políticas de massificação do acesso, bem como a flexibilidade para o operador de rede para gerir seus elementos de rede para alcançar o ideal de integrar mais brasileiro a um mundo cada vez mais digitalizado. 

Comparativo entre Wi-Fi 6 e o 5G

As tecnologias inseridas nos padrões 5G e Wi-Fi 6 pretendem entregar transmissão de dados em alta velocidade com melhor desempenho. Assim, os dois padrões tecnológicos fornecem taxas de dados mais altas para suportar novas aplicações e conectar mais usuários e dispositivos. Logo, colocam-se como elementos importantes dentro do ferramental disponível para incluir mais pessoas e para catalisar a intensificação da Internet das Coisas e de comunicações máquina a máquina.

Por enquanto, o 5G continuará sendo a tecnologia preferida para cobertura de grandes áreas e o Wi-Fi 6 permanece a tecnologia preferida para uso interno ou local, graças aos seus custos de implantação muito mais baixos. Dessa forma, as duas opções poderão atuar de forma complementar para expandir as oportunidades de usos e de soluções, facilitando a digitalização de diversos setores econômicos. No entanto, os limites tradicionais que diferenciavam as gerações anteriores de celular e de Wi-Fi estão se confundindo. Os defensores de uma tecnologia podem argumentar que os benefícios da tecnologia escolhida poderão substituir a outra.

Porém, conforme Oughton et. Al (2021), é esperado que a economia de custos e a conveniência de implantação desempenhem um papel importante. Considerando o efeito path dependence, demarcados pelos sunk costs na infraestrutura legada, é improvável que uma tecnologia seja capaz de substituir a outra totalmente devido aos custos adicionais de transição.

Certamente, a economia de custos será um fator importante que afetará o design de dispositivos sem fio, mas o comportamento do consumidor também é fundamental para “selecionar” a tecnologia mais apropriada para determinado contexto, indoor ou outdoor. Assim, cabe ao mercado realizar a seleção das melhores alternativas tecnológicas. Quanto mais inovações e opções, melhor será para a sociedade brasileira. As duas tecnologias têm papéis importantes a desempenhar no mercado, tendo em vista as possibilidades tão heterogêneas de uso, inclusive combinadas! A pluralidade de tecnologias deve contribuir para fornecer preços acessíveis, confiáveis e conectividade de banda larga sem fio de alta capacidade, disponível em todos os lugares, facilitando a digitalização de todos os segmentos da sociedade contemporânea.

 

Referências

OUGHTON, Edward J. et al. Revisiting wireless internet connectivity: 5G vs Wi-Fi 6. Telecommunications Policy, v. 45, n. 5, p. 102127, 2021.

ANATEL. Acórdão nº 61, de 26 de fevereiro de 2021. Requisitos Técnicos para a Avaliação da Conformidade de Equipamentos de Radiocomunicação de Radiação Restrita que operem na faixa de 5.925 MHz a 7.125MHz. 

 

[1] Raul Katz é professor da Columbia University e as estimativas foram apresentadas em Workshop promovido pela Anatel em outubro de 2020.

 

*Carlos Baigorri é conselheiro-diretor na Anatel e relator do Edital do 5G e dos requisitos de técnicos de conformidade para equipamentos de radiação restrita em comunicações sem fio que operam na faixa de 5.925 MHz a 7.125 MHz.

**José Borges da Silva Neto é mestre em Economia e especialista em regulação na Anatel.

 

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O novo marco do saneamento e a remoção da barreira aos investimentos privados https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3391&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-novo-marco-do-saneamento-e-a-remocao-da-barreira-aos-investimentos-privados Mon, 18 Jan 2021 19:57:49 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3391 Por Cíntia Leal Marinho de Araújo, Gabriel Godofredo Fiuza de Bragança & Diogo Mac Cord de Faria

A aprovação da Lei 14.026/2020 (Novo Marco Legal) é um divisor de águas no saneamento básico brasileiro. Ela traz inúmeras inovações liberalizantes no aparato legal do mercado e estabelece obrigações para a universalização dos serviços de água e esgoto até 2033[1]. Os investimentos necessários para a consecução dessa universalização são estimados em R$ 753 bilhões de reais[2]. Trata-se de um montante vultoso que demandará uma participação significativa de recursos privados. Dada a magnitude desse desafio, concentraremos o presente artigo em analisar a contribuição do atual marco legal para a remoção de barreiras históricas ao investimento privado nos setores de abastecimento de água e esgotamento sanitário. Por conta disso, a análise do setor de saneamento básico neste artigo terá como foco esses dois segmentos[3].

Os setores de água e esgotamento sanitário quando pensados conjuntamente, além de tratarem da provisão de um bem essencial e sem substitutos, possuem peculiaridades como economia de escala e elevado custo dos investimentos que os caracterizam como um caso clássico de Monopólio Natural em que não é economicamente eficiente ter mais do que uma firma provendo os serviços. Essa característica faz com que seja economicamente eficiente que a prestação desse serviço seja estruturada de forma que uma localidade seja atendida por apenas um prestador. Por outro lado, para evitar que haja abuso de poder de mercado, capturar ganhos de eficiência e maximizar o bem estar social, monopólios naturais demandam uma regulação apropriada e ainda mais cuidados para garantir que haja concorrência pelo direito de oferta do serviço de partida. Em outras palavras, é primordial que se promova no saneamento básico uma concorrência efetiva pela prestação do serviço (competição pelo mercado) ainda que não seja salutar que haja concorrência na prestação do serviço (competição no mercado).

Apesar de se tratar de um princípio econômico plenamente consolidado, o aparato normativo do setor de saneamento básico brasileiro escolheu ignorá-lo até a sanção do Novo Marco Legal. A legislação que vigorava até a edição da Lei 14.026/2020 inviabilizava a devida competição pelo serviço através de um processo licitatório, criando barreiras quase intransponíveis para que o prestador privado concorresse pela prestação do serviço. Na prática, a estrutura normativa posta impossibilitava que ganhos de eficiência fossem exauridos no início da operação em benefício da sociedade.

O mais curioso é que essa incongruência econômica se dava também ao arrepio de comandos constitucionais. O art. 175[4] da Constituição Federal é bastante claro com a necessidade de que esse tipo de prestação seja submetido a um procedimento licitatório, havendo inclusive manifestação pela irregularidade de contrato de prestação de serviço por contrariar a regra constitucional[5].

O que se verificou na prática foi a utilização de artifícios jurídicos engenhosos para não submeter a prestação desse serviço a um procedimento competitivo e delegar a prestação do serviço à Companhia de Saneamento do Estado. Esses subterfúgios, além de violarem o preceito constitucional, também se caracterizam como uma barreira à entrada para que o privado dispute essa prestação de serviço público.

O preço pago pela sociedade é alto. Essa situação tem óbvia relação com o atual cenário do saneamento básico, em que quase 100 milhões de brasileiros não possuem acesso a esgotamento sanitário, e mais de 30 milhões ainda não possuem abastecimento de água[6].

1           A situação de atendimento do setor e a necessidade de endereçar

Atualmente, o setor de saneamento básico conta, majoritariamente, com a operação das companhias estaduais de saneamento básico – CESBs, que estão presentes em 72% dos municípios. Por outro lado, o setor privado atende apenas 5,2% dos municípios e 25,7% são atendidos pelos serviços municipais (ABCON, 2020). Nota-se que a somatória[7] ultrapassa 100%, isto se deve ao fato de que em muitos municípios o operador público presta apenas o serviço de abastecimento de água, cabendo ao privado o serviço de coleta e tratamento de esgoto.

A prestação do serviço de abastecimento de água e de esgotamento sanitário por diferentes operadores não tende a ser eficiente por não se beneficiar das economias de escopo pela prestação concomitante desses serviços pelo mesmo operador (NAUGES; VAN DEN BERG, 2008). Todavia, a prestação desses serviços por diferentes operadores está entre uma das inúmeras ineficiências observadas no setor.

Muitas vezes isso ocorre pela falta de capacidade do público em prestar o serviço de esgotamento sanitário, que muito se deve pela indisponibilidade de capacidade econômica financeira para realizar os investimentos necessários para o serviço. Assim, esse serviço é subdelegado a um prestador privado com capacidade para tal, o que explica a diferença entre o número total de prestadores e o número de municípios.

Apesar de estar presente em apenas 5,2% dos municípios, dados da Abcon (2020) mostram que o setor privado foi responsável por mais de 20% dos investimentos direcionados ao setor em 2018.

Segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS, em 2018, o total de investimentos realizados por todos os prestadores de serviços no setor correspondeu a R$ 10,959 bilhões. Esses valores estão muito aquém do necessário para universalizar o saneamento no Brasil. Conforme mencionado anteriormente, serão necessários R$ 753 bilhões em investimentos para que a universalização do setor seja possível até o ano de 2033, conforme meta do Plano Nacional de Saneamento Básico – Plansab.

Para se atingir essa meta nos próximos anos, serão necessários muito mais investimentos do que o montante investido atualmente no setor. A grande necessidade de investimentos ocorre pois além dos investimentos necessários para a expansão do atendimento, também sendo preciso realizar investimentos para compensar a depreciação.

Segundo destacou o estudo da Abcon, do montante total estimado de investimentos, R$ 255 bilhões serão necessários apenas para repor a depreciação do estoque de capital, enquanto para a expansão da rede para a universalização do serviço serão necessários mais R$ 144 bilhões para abastecimento de água e R$ 354 bilhões para esgotamento sanitário, totalizando R$ 498 bilhões.

Esses investimentos na melhoria, manutenção e recomposição dos sistemas de saneamento básico se fazem extremamente necessários, especialmente quando se avalia os dados de perdas de água na distribuição. A Tabela 1 abaixo apresenta os dados de perdas por região no país.

Tabela 1: Índice de perdas na distribuição (IN049) – SNIS2018

Macrorregião IN049
Norte 55.50%
Nordeste 46.00%
Centro-Oeste 35.70%
Sudeste 34.40%
Sul 37.10%
Brasil 38.50%

Observa-se que o Brasil ainda apresenta índices altos de perdas na distribuição de água, o que contribui para onerar o serviço, além de significar um prejuízo à conservação dos recursos hídricos. O destaque negativo está nas regiões mais pobres. A região Norte tem uma perda superior a 50% de seus insumos. Já a região nordeste, onde a escassez hídrica é um tema extremamente sensível, possui uma perda de água próxima a 50%, demostrando que apenas programas na região para aumento da oferta hídrica precisam ser aliados a uma melhoria desse índice e redução dos níveis de perdas.

1.1         Despesas operacionais no saneamento: público x privado

Com o objetivo de se avaliar a eficiência dos gastos pelos operadores no setor, Araújo (2020) busca decompor as despesas de exploração do serviço de saneamento básico para comparar os componentes de despesa operacional das companhias públicas de saneamento básico – CESBs, representativas da operação pública, com os componentes de despesa operacional das empresas privadas. O objetivo do exercício é comparar cada item que compõe as despesas de operação, de forma que seja possível identificar quais seriam os maiores gastos, verificando a diferença entre os componentes da função entre operadores públicos e privados. Essa comparação busca, inclusive, incentivar uma melhor gestão de recursos, para que seja possível aumentar o percentual destinado aos investimentos no setor na busca da universalização da prestação do serviço.

Araújo (2020) considera ainda que a despesa operacional da exploração do serviço de abastecimento de água e esgotamento sanitário seria dada pelo somatório das despesas de pessoal, produtos químicos, despesa de energia elétrica, despesa com água bruta importada, despesa de esgoto exportado, impostos e outras despesas de exploração. Os dados foram extraídos do SNIS (2018) e para a definição do tipo de prestador aplicou-se o filtro por natureza jurídica, sendo selecionadas apenas “empresa privada” e “sociedade de economia mista com administração pública”. Esta última equivale à natureza jurídica das companhias estaduais de saneamento básico.

Com base nesse exercício, a autora observou que o componente que apresenta maior discrepância entre prestadores é o gasto com despesa de pessoal. O estudo verificou que o prestador público possui um gasto com salário de 42,73% em relação ao total das despesas de exploração, enquanto o valor dos gastos com salários proporcionalmente à despesa de exploração do prestador privado é de 24,82%.Avaliando-se esses montantes despendidos com despesa de pessoal por tipo de prestador, verifica-se ainda que os valores médios gastos pelas CESBs é quase três vezes o valor médio gasto pelo privado. Enquanto as CESBs possuem uma média salarial de R$ 158 mil anual, a média salarial do operador privado é de R$ 66 mil (SNIS 2018).

Conforme apresentado por Araujo, C.L.M; Bragança, G.G.F e Faria, D.M.C., em POZZO, 2020, no gráfico 1 abaixo de investimentos potenciais, caso os salários médios pagos pelos prestadores públicos fossem equivalentes aos pagos aos empregados das empresas privadas, R$ 78 bilhões a mais poderiam ter sido investidos no período de 2007 a 2018.

Gráfico 1: Investimentos Potenciais

Fonte: Pozzo (2020)

Os dados apresentados indicam uma eficiência significativamente maior na operação pelo prestador privado, gerando ganhos de eficiência para o setor, que poderão ser revertidos para a sociedade na forma de investimentos para universalizar a prestação do serviço.

2           Alterações propostas pela Lei nº 14.026/2020

A Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020, atualiza o marco legal do saneamento básico e altera outras sete leis que regulamentam o setor, conforme discriminado a seguir:

  • Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas competência para editar normas de referência nacionais sobre o serviço de saneamento;
  • Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos;
  • Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal;
  • Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País;
  • Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar dos prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos;
  • Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplicação às microrregiões;
  • Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados.

Cada um desses dispositivos legais versa sobre um aspecto do setor de saneamento básico. A figura abaixo apresenta a forma como esses aspectos se integram na lei, trazendo uma reforma completa para o setor.

Figura 1: Integração dos Componentes de Reforma Estrutural do Setor de Saneamento Básico

Fonte: Elaboração Própria

A figura 1 apresenta a forma como os componentes estruturais se relacionam, entre eles e com os temas de abastecimento de água e esgotamento sanitário, que para fins de simplificação estão representados pelo saneamento, e resíduos sólidos. Observa-se que o componente institucional regulatório possui um destaque pela transparência, segurança jurídica e estabilidade que trará ao setor. O outro componente de destaque é o organizacional geográfico, que trata de um elemento central abordado na lei e essencial na busca da universalização.

No centro, a figura apresenta os temas mais impactados pelo novo marco, água, esgoto e resíduos. O abastecimento de água e esgotamento sanitário têm um destaque pois as alterações legais foram desenhadas com o objetivo principal de solucionar os déficits no setor. O tema de resíduos sólidos também teve pontos importantes endereçados pelo marco, como a obrigatoriedade de instituição da cobrança pelo serviço ao usuário final, o que trará sustentabilidade para o setor. O tema de drenagem também é um aspecto importante de saneamento básico, mas por não se tratar do foco principal das mudanças do marco, não está retratado na figura.

Por último os últimos dois componentes, o elemento contratual representa um dos instrumentos utilizados para viabilizar as alterações no setor para atingir a universalização. Na outra ponta, as fontes de financiamento público também são utilizadas como um instrumento para possibilitar e garantir que essas novas regras sejam implementadas.

Abaixo esses elementos serão descritos individualmente, bem como as alterações legais específicas as quais estão relacionados.

O componente institucional-regulatório da figura 1 representa, principalmente, as primeiras duas alterações legais do novo marco legal. Ao atribuir à Agência Nacional de Águas – ANA a competência de editar normas de referência nacionais sobre o serviço de saneamento e possibilitar aos servidores da agência o respaldo legal para exercer esse papel, se buscou estabelecer um ambiente regulatório mais seguro, aperfeiçoando a legislação de gestão de recursos hídricos e saneamento básico.

Essa nova atribuição proporcionará uma maior uniformização das normas do setor, que hoje possui mais de sessenta agencias subnacionais, com diferentes normas e níveis de maturidade institucional.

Entre as regras que deverão ser tratadas pela ANA, estão:

  • Governança das agências reguladoras subnacionais, para que a regulação seja desempenhada por entidade autárquica, com independência decisória e autonomia administrativa, orçamentária e financeira, atendendo os princípios de transparência, tecnicidade, celeridade e objetividade das decisões (art. 21 Lei 11.445/2007);
  • Regulação Econômica com normas de regulação tarifária, contabilidade regulatória e indenização de ativos;
  • Regulação Técnica, estabelecendo padrões de qualidade e eficiência para a prestação do serviço; metas de universalização e formas de avaliar o cumprimento dessas metas; regras para redução e controle de perdas; medidas de segurança, emergência, contingenciamento e racionamento; regras para reuso da água; e regras de substituição do sistema unitário para o sistema separador absoluto;
  • Regulação Contratual, buscando a padronização dos modelos de contrato; estabelecer parâmetros de determinação de caducidade contratual; conteúdo mínimo para a prestação regionalizada[8]; e procedimentos de fiscalização e sanções contratuais.

Com relação ao componente Contratual apresentado na Figura 1, ele possui o aspecto formal de padronização de instrumentos a ser elaborada pela ANA, mas também se refere a um dos maiores benefícios trazidos pelo novo marco: a retirada de barreiras à entrada do prestador privado. As alterações sobre a forma de contratar o serviço de saneamento, ratificadas no art. 10 da Lei nº 11.445/2007, reforçam a necessidade de se cumprir o art. 175 da Constituição Federal, obrigando que a prestação do serviço, quando não prestada diretamente, seja precedida de licitação.

Assim, as alterações na Lei 11.445/2007 trazem grandes contribuições sobre a forma de contratar o serviço, especialmente do art. 10 ao art. 11-B, em que são elencadas as regras contratuais para aprimoramento da prestação do serviço.

Outro ponto que o novo marco vem esclarecer no art. 10-A, diz respeito à importância de que os contratos de pactuação do serviço contenham as cláusulas previstas no art. 23 da Lei nº 8.987/1995, equiparando em exigência e regra de atendimento a prestação por “contrato de concessão” e “contrato de programa”.

A prestação atual do serviço se saneamento muitas vezes é pactuada pelos chamados “contratos de programa”. Esses contratos são pactuados entre as empresas públicas e os municípios, sem licitação prévia. Esse formato de contratação representava uma vantagem do prestador público sobre o privado, além de constituir um descumprimento da Constituição, conforme mencionado anteriormente.

Outro ponto que representava uma grande barreira ao prestador privado era o fato de a lei prever que em caso de privatização, esses contratos de programa seriam automaticamente extintos[9], fazendo com que a empresa perdesse todo o valor.

Ainda sobre os “contratos de programa”, o que se verifica no setor é a falta de padronização desses instrumentos, sendo a prestação do serviço feita muitas vezes de forma precária, sem contrato, quando existem esses contratos não possuem metas de universalização do serviço, muito menos estão vinculados a regras regulatórias pactuadas no início da operação.

O objetivo do novo marco é uniformizar os contratos de prestação do serviço, equiparando em exigências os contratos de programa aos contratos de concessão, com a inclusão das cláusulas essenciais dos contratos de concessão para os contratos de programa. que não possuem metas ou regras regulatórias. A inclusão dessas exigências busca mensurar o esforço necessário para a expansão do serviço e universalização no prazo definido na Lei.

Além das regras da Lei nº 8.987/1995, os contratos de prestação do serviço de saneamento também precisarão conter:

  • Metas de expansão e eficiência dos serviços;
  • Possíveis fontes de receitas alternativas, complementares ou acessórias;
  • Metodologia de cálculo de eventual indenização relativa aos bens reversíveis não amortizados por ocasião de extinção do contrato;
  • Repartição de riscos entre as partes.

As metas de universalização que precisam ser perseguidas nesses contratos estão estabelecidas no art. 11-B, que define que essas metas de universalização precisam garantir o atendimento de 99% da população com água potável e de 90% da população com coleta e tratamento de esgotos até 31 de dezembro de 2033.

Dessa forma, a lei inclui a obrigatoriedade de metas de universalização do serviço, o que busca mensurar o esforço necessário para a expansão do serviço e universalização no prazo definido na Lei.

Além disso, para possibilitar que os contratos atuais que não possuam essas metas sejam ajustados, se estabeleceu um prazo até 31 de março de 2022 para que seja feito esse ajuste. Destacando ainda que, contratos licitados com metas diversas deverão ser mantidos, permanecendo inalterados. Nesse caso, as metas de universalização deverão ser buscadas de três formas:

  1. pela prestação direta da parcela que não está incluída no contrato de prestação de serviço;
  2. com uma licitação complementar dessa parcela não atendida pelo contrato original; ou
  3. por meio de um aditivo no contrato original licitado, com o devido reequilíbrio econômico-financeiro para inclusão das metas, com a condição que o prestador desse contrato concorde com esse ajuste.

O art. 10-B complementa os anteriores ao prever a necessidade de avaliação da capacidade econômico-financeira da contratada. Dessa forma, se garante que a empresa que prestará o serviço de saneamento terá capacidade financeira para realizar os investimentos necessários para a universalização da prestação do serviço em determinada localidade. Essa exigência é mais uma forma de equiparar os atuais contratos de prestadores públicos ao contrato do privado, já que este último passa por essa avaliação de capacidade no momento da licitação.

Para a aferição do cumprimento dessas metas, serão utilizados os seguintes critérios:

  • O cumprimento das metas deverá ser verificado anualmente pela agência reguladora;
  • O critério de aferição considera que para cada intervalo dos últimos cinco anos, as metas deverão ter sido cumpridas em, pelo menos, três anos;
  • A primeira fiscalização deverá ser realizada apenas após o término do quinto ano de vigência do contrato;

Caso a agência reguladora verifique que as metas não estão sendo cumpridas, deverá iniciar procedimento administrativo com o objetivo de avaliar as ações a serem adotadas, incluídas medidas sancionatórias, com eventual declaração de caducidade da concessão.

O terceiro componente trata do aspecto Organizacional/Geográfico também necessário para que se atinja a universalização de forma completa no território brasileiro. Para que seja possível atender a todos os municípios do nosso país, é importante que se avalie a região de uma forma completa. Para isso, os requisitos de prestação regionalizada preveem três possibilidades de regionalização: A “Região Metropolitana”, de caráter compulsório, as Unidades Regionais de Saneamento Básico – URSB, em que o Estado desenha o agrupamento no qual o município se insere de forma voluntária; e por último, o “Bloco de referência”, no qual a União proporá o desenho para que os municípios se agrupem, caso a URSB não tenha sido estabelecida.

A agregação desses municípios é essencial para que se estabeleçam ganhos de escala que possibilitem a universalização do serviço de saneamento. Além disso, o agrupamento de municípios também possibilita o melhor gerenciamento de recursos hídricos sob o ponto de vista da Bacia Hidrográfica, possibilitando a internalização de externalidades ambientais.

Além disso, conforme destaca KINDGOM (2005),  a associação entre municípios pode aumentar a capacidade de endividamento do grupo, e melhorar o acesso a financiamentos. Verifica-se dessa forma, que o componente geográfico tem sinergia com o quarto componente que trata das fontes de financiamento. Dessa forma, a Lei prevê a regionalização como um condicionante para a disponibilização de recursos pela União para saneamento básico.

O quarto componente trata das fontes de financiamento, elemento essencial para viabilizar os investimentos e também instrumento utilizado pelo marco como enforcement para adoção das diretrizes estabelecidas pela ANA e como forma de incentivar a prestação regionalizada, já que esses pois pontos são condicionantes para o acesso às fontes públicas de financiamento.

As regras das fontes de financiamento apresentadas na Lei estão previstas no art. 50 da Lei nº 11.445/2007 e no art. 13 da Lei nº 14.026/2020, bem como na Lei 13.529/2017. Todos esses dispositivos buscam adequar o serviço ao Novo Marco, disponibilizando recursos da União para esses ajustes.

Por fim, verifica-se que a figura 1 busca apresentar a percepção de que esses componentes possuem sinergias importantes entre si e se influenciam mutuamente.

A Lei prevê ainda que as normas de referência devem ser orientadas para estimular a concorrência, a cooperação entre os entes federativos, a regionalização e assegurar a prestação concomitante dos serviços de água e esgotamento sanitário.

Estudos do setor ressaltam que a agregação dos serviços proporcionam maior eficiência por meio de economias de escala e compartilhamento de custos, bem como maior capacidade humana, ressaltando que economias de escala na agregação e regionalização estão relacionadas a despesas gerais de gestão, custos operacionais e faturamento, maior capacidade profissional e troca de conhecimento, gestão integrada de recursos hídricos, maior acesso a financiamento e capacidade de atrair investimentos do setor privado (FERRO, 2017).

Observa-se assim que o novo marco legal do setor de saneamento buscou estabelecer regras que propiciam a entrada do parceiro privado, retirando barreiras à entrada, garantindo tratamento igualitário com o prestador público, e estabelecendo regras regulatórias mais uniformes para o setor, como forma de garantir a estabilidade jurídica.

3           Conclusão

Barreiras legais e artificiais vigentes durante décadas prejudicaram o serviço de saneamento básico em nosso país. O novo marco do setor mapeou essas barreiras e procurou removê-las, estabelecendo regras que permitam aos prestadores privados competir nas mesmas condições que o prestador público. Além disso, o Novo Marco Legal estabeleceu regras claras para a universalização do serviço, com metas de atendimento a 99% da população com serviço de abastecimento de água e 90% da população com coleta de esgoto até o ano de 2033.

Para que seja possível atingir esses objetivos é fundamental que os regulamentos infralegais previstos sejam publicados e que garantam a efetiva aplicação da Lei (enforcement).

Também é importante que a ANA publique as normas de referência previstas para o setor e que a adoção dessas normas, bem como as alterações contratuais previstas, seja realizada com transparência para que a universalização do serviço chegue a todos os cidadãos.

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BAUMOL, W. J.; WILLIG, R. D. Fixed Costs , Sunk Costs , Entry Barriers , and Sustainability of Monopoly. The Quarterly Journal of Economics, v. 96, n. 3, p. 405–431, 1981.

BRASIL. Lei nº 14.026, de 15 de julho de 2020. Atualiza o marco legal do saneamento básico. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 158, n. 135, p. 1-91, 16 jul. 2020.

Dados SNIS acessado em 10/08/2020: http://app4.mdr.gov.br/serieHistorica/.

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FERRO, G. Literature Review : global study on the aggregation of water supply and sanitation utilities. n. August, p. 1–35, 2017.

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NAUGES, C.; VAN DEN BERG, C. Economies of density, scale and scope in the water supply and sewerage sector: A study of four developing and transition economies. Journal of Regulatory Economics, v. 34, n. 2, p. 144–163, 2008.

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WEIZÄCKER, V. Barriers to Entry: A Theoretical Treatment. [s.l: s.n.].

[1] O §9º do Art. 11-B dispõe sobre condições excepcionais em que o prazo dessa universalização pode ser estendido até no máximo 2040.

[2] KPMG/ABCON (2020) disponível em https://assets.kpmg/content/dam/kpmg/br/pdf/2020/07/kpmg-quanto-custa-universalizar-o-saneamento-no-brasil.pdf (04/01/2021).

[3] Isso não desmerece a importância econômica e social dos segmentos de resíduos sólidos e drenagem pluvial que também fazem parte do setor de saneamento básico. Estes subsetores ficaram de fora da análise mais pormenorizada por guardar características bastante particulares e distintas dos segmentos de água e esgoto.

[4] Art. 175. Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos

[5] A decisão do TJRJ na Apelação Cível nº 0004772-52.2013.8.19.0064, é um exemplo deste caso, o desembargador Camilo Rulière destacou em seu parecer:

Fosse intenção dos demandados firmar convênio, providência inarredável seria a abertura de certame licitatório, pena de ferimento ao artigo 175 da Constituição Federal.

Tanto o Convênio de Cooperação firmado entre o Munícipio de Valença com o Estado do Rio de Janeiro e a CEDAE, como o Contrato de Programa celebrado, na sequência, entre o Ente Municipal e a CEDAE, são inequivocamente inválidos, por violação aos requisitos de validade da delegação dos serviços de saneamento básico previstos na Lei 11.445/2007.

Na mesma medida, afronta regras da Lei de Licitações, da Lei de Concessões e Permissões e da Lei de Contratação de Consórcios Públicos.

Mais que isso. Afeta os princípios gerais da atividade econômica, mais precisamente, os artigos 170, inciso IV e 175 da Carta Política Nacional.

Arremate-se que, nada obstante a roupagem dada pelos réus à avença em comento, nominando-a de convênio, disso não se trata, posto que se cuida de verdadeiro contrato, certo que a delegação dos serviços de fornecimento de água e tratamento de esgoto sanitário deve ser formalizada através de contrato, vedada a disciplina por convênio, contrato de programa ou termos de parceria.

Tudo bem expendido, restou evidente que o Convênio de Cooperação e o Contrato de Programa firmado pelos réus foram uma manobra engendrada, um subterfúgio para mascarar a necessidade de delegação dos serviços através de prévio procedimento licitatório, a implicar a invalidade dos ajustes, como bem delineado na Sentença.

[6] Cálculo feito a partir de dados do SNIS2018 que informa que o déficit de coleta de esgoto é de 46,80% e de abastecimento de água de 16,40%.

[7] O SNIS 2020 apresenta dados referentes a 5.627 prestadores.

[8] O conceito de prestação regionalizada em saneamento será devidamente explicado adiante no texto.

[9] §6º, art. 13 da Lei 11.107/2005 – Revogado

Cíntia Leal Marinho de Araújo é economista de carreira da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico, onde atualmente ocupa o cargo de assessora da Diretoria. Possui graduação e mestrado em Economia e pós-graduação em Defesa da Concorrência e Direito Econômico – FGV/CADE.

Gabriel Godofredo Fiuza de Bragança é servidor de carreira do IPEA e atualmente ocupa o cargo de subsecretário de Regulação e Mercado da Secretaria de Desenvolvimento da Infraestrutura do Ministério da Economia. É PhD em Economia pela Victoria University of Wellington (VUW), mestre em Economia pela EPGE/FGV e mestre em Métodos Matemáticos em Finanças pelo IMPA.

Diogo Mac Cord de Faria é secretário Especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia. Engenheiro mecânico, mestre em Administração Pública pela Harvard University e doutor em Sistemas de Potência pela USP.

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Criminalização da homofobia: é a melhor alternativa? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3229&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=criminalizacao-da-homofobia-e-a-melhor-alternativa Thu, 21 Nov 2019 20:04:03 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3229 Tiago Ivo Odon é Consultor Legislativo do Senado Federal. Publicado em 21 de novembro de 2019.

 

O objetivo deste artigo é oferecer reflexões sobre a criminalização da homofobia usando o ferramental da análise econômica do direito. O plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu, em junho de 2019, que houve omissão inconstitucional do Congresso Nacional por não editar lei que criminalize atos de homofobia e de transfobia (Mandado de Injunção no 4733).

 

Preconceito e discriminação são problemas sociais graves. Mais do que isso, não são nada inteligentes! O ideal numa sociedade, para que ela enriqueça, é que os bens e os cérebros terminem nas mãos de quem os valora mais (via sistema de preços e salários). Se há bloqueios a isso, por motivos irracionais (cor de pele, religião etc.), a sociedade impõe barreiras ao seu próprio enriquecimento, desperdiçando recursos. Simples assim.

 

Mas o que gostaríamos de discutir aqui é: qual é a melhor forma de resolver esse problema? É via criminalização? A lei dos crimes de racismo (Lei nº 7.716/89) é uma boa estratégia legislativa? A Constituição exige que o racismo seja crime inafiançável sujeito à reclusão. A sanção é alta! No início, constavam da lei apenas crimes de raça ou cor (1989). Depois o rol aumentou para etnia, religião e procedência geográfica (1997). Agora minorias querem incluir a opção sexual. Amanhã nada impede que outras categorias entrem, como ideologia política, compleição corporal, inteligência (o “nerd”) etc. Isso tudo significa mais custo social.

 

A sociedade tem que custear a pessoa presa, tem que investir na sua capacitação para retornar ao mercado (pois enquanto reclusa seu capital humano deprecia), tem que investir na cela para que ela não morra de tuberculose, tem que evitar que seja recrutada ou morta por facções criminosas prisionais etc. Então a sociedade tem que se perguntar se o benefício social advindo com a lei compensa todos esses custos.

 

O caso do confeiteiro dos Estados Unidos ficou famoso em 2018. Jack Phillips, que cria obras-primas personalizadas na sua confeitaria Masterpiece Cakeshop, no Colorado, se recusou a fazer um bolo de casamento para um casamento gay, alegando incompatibilidade com sua religião. O governo local, por meio de uma comissão encarregada de assessorar o governador e propor medidas em casos de discriminação, considerou a visão religiosa do confeiteiro “desprezível” e uma desculpa para justificar discriminação. O caso chegou à Corte Suprema, que considerou, em junho de 2018, que chamar tais crenças pessoais de desprezíveis era, isso sim, discriminatório, e deu ganho de causa ao confeiteiro.

 

A Suprema Corte não quis ir adiante na discussão sobre “liberdade de expressão”. Parou por aí. Ao não aproveitar a oportunidade para responder perguntas importantes (por exemplo, os empresários podem decidir livremente para quem negar produtos e serviços, em razão de suas convicções, mesmo na vigência de leis que proíbem a discriminação?), a Suprema Corte meio que indiretamente deixou que o mercado se virasse com tais problemas.

 

Uma discussão semelhante foi recentemente apresentada à Suprema Corte brasileira (STF). Trata-se do Mandado de Injunção (MI) nº 4733 impetrado pela Associação Brasileira de Gays, Lésbicas e Transgêneros (ABGLT) contra o Congresso Nacional, a fim de “obter a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia”, em razão do quadro vigente de “alto grau de discriminação” no País, que “tem tornado faticamente inviável o exercício dos direitos fundamentais à livre orientação sexual e à livre identidade de gênero”. A peça demanda pela “atuação estatal por intermédio do Direito Penal”. Assim, a ABGLT alegou haver mora inconstitucional por parte do Parlamento, razão pela qual pugnou para que o STF fixasse um prazo de até um ano para a elaboração da lei criminalizadora. Findo o prazo e não havendo lei, requereu que o Tribunal, alternativamente, incluísse “a criminalização específica de todas as formas de homofobia e transfobia” na Lei do Racismo (Lei nº 7.716/89) (ou seja, desse à lei interpretação extensiva).

A Lei do Racismo trata de situações parecidas com a do confeiteiro do Colorado: prevê como crimes recusar atendimento ou acesso a consumidor numa loja, a aluno numa escola ou a pessoa que queira se hospedar num hotel, concorrer a uma vaga de emprego ou ser promovida, entrar num estádio de futebol ou num ônibus etc.

 

O caso é: uma minoria vulnerável, que merece voz numa democracia como toda minoria, exige o uso do direito penal para que não haja discriminação por orientação sexual no mercado. O Parlamento é o lugar adequado para dar voz a esses grupos. Mas essa minoria afirma estar o Parlamento em mora, atrasado. Uma primeira indagação seria: não é a omissão do Parlamento também uma decisão política? Por que essa decisão deve ser desprezada e o Legislativo ser pressionado pelo Judiciário para que escreva uma determinada lei em determinado sentido?

 

A Constituição abriu essa possibilidade criando o instituto do Mandado de Injunção (art. 5º, inciso LXXI – “conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania”). Sim, é verdade, casos como o do confeiteiro impõem limites ao exercício da cidadania. Mas o direito penal é o melhor mecanismo para enfrentar o problema? E porque um segmento da sociedade exigiu o direito penal, deve ser o direito penal?

 

Quando usamos o direito penal?

 

O direito penal, conforme a tradição iluminista, é um direito de último recurso. O Estado deve lançar mão dele quando os outros ramos do direito não oferecem resposta suficiente para o problema que se quer enfrentar. Numa linguagem econômica, é quando os outros ramos não conseguem fazer com que o agressor internalize os custos do ilícito. Aí entra a criminalização. Há 3 razões básicas para optarmos por ela: 1) quando a compensação perfeita não é possível; b) quando se quer proteger liberdade (direitos), e não interesses (bens); e c) quando se quer gerar dissuasão (intimidar a sociedade e prevenir novas condutas) com o alto preço da sanção (estigma de “criminoso”, algemas, delegacia, prisão).

 

Vamos falar de compensação perfeita. Após uma corrida de rua, comprar uma garrafa de água a R$ 5 ou duas garrafas a R$ 8 me trará igual satisfação (dada a combinação produto/preço). Sou indiferente entre uma e outra opção. Ou seja, maximizo utilidade (compro o máximo de quantidade gastando o máximo que estou disposto a gastar com aquilo). Se todos têm oportunidade de fazer isso na vida, então a sociedade ganha; maximiza-se bem-estar social.

Se alguém esbarrar em mim e derrubar a minha garrafa e inutilizar a minha água, me sentirei compensado se essa pessoa me pagar R$ 5.

 

Ou seja, a compensação perfeita se dá quando as vítimas em potencial são indiferentes entre a situação em que sofrem um dano e recebem uma indenização que cobre o prejuízo e a situação em que não sofrem dano nem recebem indenização. Se uma pessoa reclama uma indenização X pelo dano, entende-se que aquele montante a recoloca no estado em que se encontrava antes do evento, e a vida segue. Às vezes a compensação perfeita não é possível. Por exemplo, quando a pessoa perde um braço ou um filho. Aí o direito penal pode ser acionado para fazer o ofensor internalizar os custos que o direito civil não consegue.

 

Então vamos pensar numa indenização civil…

 

A sociedade administra as liberdades atribuindo preços ao seu uso via lei. Há choques, obviamente. A demanda por mais liberdade de mercado pelo homossexual às vezes esbarrará na demanda por liberdade de expressão de um confeiteiro. O Estado aumenta o escopo de um direito reduzindo o escopo de outro, o que significa colocar os direitos numa balança e avaliar o custo de oportunidade de um em relação ao outro.

 

Podemos pensar a questão da compensação em termos da extensão de liberdades (por exemplo, mais ou menos liberdade de comprar o que quiser e escolher o emprego que quiser, sem discriminação – “liberdade de mercado”, chamemos assim) e do preço dela para as pessoas, conforme a Figura 1.

 

Figura 1 – Liberdade

 

O valor é retratado pelo declive de curvas de indiferença de indivíduos, e a Figura mostra a proporção em que um indivíduo troca um bem por outro. Tudo o mais constante, a curva de indiferença é uma curva de utilidade, que representa no curso de sua linha a proporção com que a pessoa troca riqueza por liberdade enquanto permanece indiferente. Por exemplo, o ponto (l1, r3) está sobre a mesma curva de indiferença que o ponto (l2, r2), então a pessoa trocará r3 – r2 em riqueza por um aumento de liberdade de l1 para l2.

 

A pessoa em U3 (o cônjuge homossexual do Colorado, por exemplo) está disposta a pagar mais pela extensão da liberdade (l2) do que a pessoa em U1 (que pode ser o confeiteiro).

Um aumento de riqueza de r2 para r3 compensaria para ela uma perda de liberdade de l2 para l1. Ou seja, ela se sentiria compensada nesse valor ao ter a recusa da confeitaria em confeccionar o seu bolo em razão de sua opção sexual. A indenização civil resolveria o problema. A liberdade termina na mão de quem a valora mais, o que aumenta o bem-estar social.

 

A liberdade tem um preço para cada um, assim como um custo. O custo de exercício de um direito (como a liberdade de adquirir bens e ser contratado sem discriminação) é sempre a perda sofrida em algum outro lugar ou por alguém em consequência desse exercício de direito (fazer o bolo que não quer fazer, ter que contratar alguém que não quer contratar). O mercado pode reagir se recusando a respeitar a liberdade do outro e pagando um preço por isso. Pode ainda reduzir salários ou aumentar preços ou reduzir a qualidade de produtos, para minimizar o custo. Empresários com convicções fortes podem ainda optar por fechar o seu negócio. Também tem o custo do Estado para fiscalizar e garantir a liberdade (polícia, tribunais, prisões etc.).

 

Sendo a curva de utilidade uma curva de demanda, podemos traçar uma curva de oferta que incorpore esses custos (Figura 2). A curva de oferta O sobe, o que significa que o custo de mais liberdade aumenta enquanto a extensão da liberdade aumenta.

 

Figura 2 – Preço e custo da liberdade

 

 

Aplicando uma análise padrão de custo-benefício, o ponto ótimo ocorre quando a oferta se iguala à demanda, o que se dá quando a quantidade de liberdade é l e o preço da liberdade é p.

 

Se o Parlamento ou o Tribunal aplicarem esse método para decidir o grau de liberdade de mercado a ser dada aos cidadãos pela lei, encontrariam a quantidade ótima de liberdade comparando a demanda por ela (de minorias) e o custo do aumento de sua oferta (como o fechamento de negócios, aumento de demandas judiciais com recusas, demissões sem justa causa, prisões etc.).

 

O ponto ótimo é um maximizador do bem-estar social (ou ótimo social), pois a sociedade oferece a extensão máxima de liberdade que a sociedade está disposta a bancar, descontados os custos. Passado esse ponto, estender mais a liberdade (por exemplo, incluindo novas categorias na Lei de Racismo) poderia empobrecer a sociedade.

 

Cada sociedade tem o seu ponto ótimo, o que depende de seus valores dominantes (sim, Max Weber estava certo: sociedade é uma “ideia moral sobre as vontades e os sentimentos humanos”!).

 

Pensando numa multa administrativa…

 

Agora podemos adicionar outro complicador à análise (Figura 3). Direitos são bens públicos e a extensão da liberdade é potencialmente igual para todos. Mais liberdade na lei para mim significa ao mesmo tempo mais liberdade para todos. O confeiteiro pode não gostar dessa extensão da liberdade, mas ele mesmo poderá gozar dela sempre.

 

Imaginando uma cidade com duas pessoas, uma com utilidade D1 (confeiteiro) e outra com utilidade D2 (homossexual), se a lei fornece uma quantidade de liberdade de mercado ll, ela vale p1 para o confeiteiro e p2 para o homossexual. O valor agregado do direito ll é igual a p1 + p2. O valor da liberdade medido pela análise de custo-benefício se iguala à soma do que as duas pessoas pagarão por ela. A curva D1 + D2 indica a demanda agregada por liberdade. A liberdade ótima corresponde ao ponto ll, onde a demanda agregada se intersecciona com a curva de custo O.

 

 

 

Figura 3 – Liberdade como bem público

 

Se o Parlamento ou o Tribunal aplicarem esse método para decidirem o grau de liberdade de mercado a ser dado aos cidadãos pela lei, encontrariam a quantidade ótima de liberdade comparando a demanda agregada da sociedade e o custo do aumento de sua oferta na sociedade.

 

Essa sociedade aceita trocar l1 por p1 + p2 (é o preço que a empresa que recusa a liberdade ao homossexual terá que pagar). Poderia ser uma multa administrativa.

 

Oportuno fazer uma analogia com a multa eleitoral para o eleitor que não justifica a sua ausência nas urnas. O voto é obrigatório, mas a sociedade aceita o exercício da liberdade de não votar em troca de um preço, até o ponto em que isso passará a colocar o regime democrático em risco (custo).

 

O Estado então cobra um preço pela escolha do mercado que quer desincentivar. As empresas pagariam uma multa ou um seguro (como o DPVAT para veículos), que seriam revertidos aos prejudicados com base em p1 + p2. Outras medidas poderiam ser interdição temporária do estabelecimento, cassação de licença etc.

 

Não! Tem que ser crime!

Talvez as pessoas alvo de preconceito não queiram que seus interesses sejam protegidos (riqueza), mas que seu direito (liberdade) de comprar como qualquer um, ser contratado e promovido como qualquer um, sem discriminação, em qualquer lugar, seja garantido. Assim, mesmo que a compensação perfeita seja possível, talvez o Estado queira proteger a liberdade em si, direitos, e não apenas interesses (riqueza). Para isso, poderá usar o direito penal para intimidar o ofensor e colocar um alto preço pelo não respeito ao direito (como ameaça de prisão), fazendo assim que o mercado evite o comportamento, por não compensar, diante do novo preço.

 

Aqui o Estado estará atribuindo um valor social ao exercício da liberdade de mercado sem discriminação, ignorando os valores individuais que as pessoas lhe atribuem. Ele quer reduzir o seu uso. Ao usar a força do direito penal, e ameaçar com uma sanção como a prisão, significa que se a sociedade atribui p1 + p2, o Estado atribui (p1 + p2) + n. Aqui já não é mais o que a pessoa está disposta a pagar que dita o valor do bem.

 

Em outras palavras, a sociedade estará comprando mais liberdade de mercado para os discriminados. Isso significa mais custo de proteção da liberdade. Mais fiscalização, mais demanda do trabalho policial, talvez crimes violentos deixem de ser atendidos por causa da nova demanda (o que é um custo indireto), necessidade de abertura de novas vagas nas prisões, custeio do preso etc.

 

Se os políticos ou o tribunal aplicarem esse método para decidirem o grau de liberdade a ser dada aos cidadãos pela lei, encontrariam a quantidade ótima de liberdade comparando o custo para o Estado aumentar a sua oferta e o seu valor social. Aqui o Estado não estaria mais respondendo às preferências dos indivíduos.

 

Não se trataria mais de uma questão de preferências individuais, mas de responsabilidade política, em que o agente público se preocupa com resultados e o rumo da sociedade. Aqui ele aponta o que as pessoas devem fazer, e não o que preferem fazer, justificando que esse dever fazer agrega mais bem-estar social do que o preferir fazer.

 

Então, qual é a sanção ótima?

 

Escolhido o direito penal, qual é a pena? Podemos usar a fórmula geral S = D/p para pensar sobre a sanção a ser imposta (a sanção é igual ao dano dividido pela probabilidade de pegar o ofensor). A teoria econômica do crime ensina que dano alto e probabilidade de detecção baixa se traduz em necessidade de sanção maior, para gerar dissuasão. Probabilidade de detecção alta significa possibilidade de imposição de sanção menor, visando à minimização do custo social.

 

Há duas razões para a sanção ser baixa no caso de racismo. Uma, o crime de racismo é de p alto (a vítima identifica com facilidade o ofensor, pode filmar ou gravar o áudio, se servir de testemunhas etc.), então a sanção pode ser baixa. Duas, o ofensor que comete o ato tomado por crenças fortes é menos sensível à dissuasão da lei. Portanto, a sociedade não deveria gastar muito com a sua punição – salvo se D for alto.

 

Entre todas as opções sobre a mesa, quem deve decidir qual é a melhor para maximizar bem-estar social? As minorias via Mandado de Injunção? Olhando para a Lei de Racismo, é possível compensação perfeita. E ainda que se queira proteger a liberdade, o direito penal geraria pouca dissuasão nesses casos. Em teoria, o seu uso apenas contribuiria para empobrecer a sociedade.

Se uma sociedade se preocupa em maximizar bem-estar total, também tenho dúvidas da utilidade de um instituto como o Mandado de Injunção. Se não for bem dosado, pode ser um tiro no pé!

 

Como já exposto, a Lei de Racismo é uma opção legislativa ruim, apesar de o texto constitucional assim exigir. O fato é que não devemos usar o direito penal para civilizar. Há opções jurídicas melhores. Famílias e escolas também podem fazer isso a um custo social menor.

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Transporte público pode ser transporte privado? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3186&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=transporte-publico-pode-ser-transporte-privado Thu, 28 Jun 2018 20:48:01 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3186 São comuns os entendimentos de que o mercado privado é ineficiente no provimento de bens públicos e que o Estado tem o dever de prover transporte público não somente a fim de maximizar suas as externalidades positivas na economia, mas também garantir a maior inclusão social dos segmentos que não possuem meios próprios de locomoção1. Embora verdadeiras as premissas, elas não conduzem à conclusão de que apenas o Estado deve prover o transporte público, muito pelo contrário.

Inicialmente é preciso reconhecer que transporte público não é necessariamente um bem público. Bem público é aquele que tem de ser fornecido na mesma quantidade para todos os consumidores envolvidos. Uma vez ofertado um bem público, não é possível restringir o consumo, nem o consumir em diferentes quantidades. Exemplos clássicos de bens públicos são o meio ambiente e a defesa nacional. Não é possível a um determinado cidadão obter mais ou menos defesa nacional. Independentemente de sua propensão a pagar mais ou menos tributos para evitar uma invasão estrangeira, todo cidadão recebe a mesma quantidade de defesa nacional. Da mesma forma, o ar puro, o mar limpo são bens que não podem ser consumidos de forma individualizada, independentemente da utilidade que os consumidores precificam esses bens2,3.

Algumas infraestruturas de transportes como calçadas, ruas, estradas e rodovias podem ter comportamento de bens públicos. Entretanto, há exceções. Quando a demanda é muito maior que a oferta ou quando os sistemas são fechados desaparece o comportamento de bens públicos em sistemas de transportes. Estradas congestionadas e sistemas metroferroviários, em geral, não têm comportamento de bens públicos. Essas infraestruturas são aptas a serem providas pelo mercado privado, pois têm efeito carona negligenciável. Aliás, esse é um fenômeno econômico antigo que vem se tornando cada vez mais contemporâneo nos países desenvolvidos.

A Inglaterra foi a nação precursora dos investimentos privados na provisão de infraestrutura de transportes terrestres. Em 1695, o mercado obteve segurança jurídica para investir na construção e manutenção de estradas pavimentadas, por meio de Acts of Parliament, que autorizavam a cobrança privada de tarifas sobre o tráfego ao longo de certa extensão das estradas. No século XVIII, os Turnpike Acts, do Parlamento inglês, revolucionaram a provisão de infraestrutura rodoviária. Naquele século, cresceu a malha e reduziram-se, substancialmente, os tempos de viagem, pois o interesse econômico era predominante na definição dos traçados das novas estradas pavimentadas4.

A partir dos anos 1820, com o desenvolvimento da ferrovia e da locomotiva a vapor, diversas firmas privadas prosperaram na provisão de infraestruturas ferroviárias de transportes, tanto no transporte de cargas – que até hoje vigora nos Estados Unidos da América –, quanto no transporte de passageiros. Em 1933, seis firmas privadas distintas operavam em Londres no que hoje é conhecido como Underground ou Tube.

Naquela época – e ainda hoje – o transporte ferroviário privado se viabilizava em função de dois motivos: a alternativa mais econômica para o usuário e a alternativa mais rentável para o investidor.

O primeiro motivo vem do fato de o usuário em geral pagar o preço mais barato pelo transporte. Em São Paulo, por exemplo, o transporte de café por ferrovias privadas poderia ser seis vezes mais barato que o transporte convencional por estradas carroçáveis no fim do século XIX5. Nos EUA, a ausência de barreiras a entradas e vantajosidade da ferrovia em relação as alternativas fomentaram a construção de uma rede de mais de 400 mil km de trilhos. A rede ferroviária américa reduziu-se ao longo dos últimos cem anos, paulatinamente, à medida que o preço do frete ferroviário foi se tornando mais caro que sua alternativa: o aquaviário a partir de 1914, com a abertura do canal do Panamá; o rodoviário a partir dos anos 1930, com a construção de rodovias pavimentadas pelo poder público; e o aéreo a partir dos anos 1950, com a entrada da aviação civil comercial. Mesmo assim, ainda hoje, as firmas ferroviárias privadas que exploram mais de 200 mil km de trilhos sobrevivem sem subsídios no competitivo mercado de transporte americano porque têm o preço mais barato na longa distância no interior do país.

O segundo motivo tem relação com a primeira lição de Manheim em seu clássico Fundamentals of Transportation Systems Analysis (1979). “O sistema de transporte de uma região interage com o sistema socioeconômico alterando a demanda de origens, destinos, rotas, volumes de bens e de pessoas transportadas no sistema”6. Sempre que a firma de transporte pode se aproveitar dos ganhos econômicos dessa interação acumulando receitas não apenas de tarifas de transportes, mas de atividades socioeconômicas afetadas pelo transporte que provê, então são criados fortes incentivos para que o sistema de transporte se expanda naturalmente. Este foi exatamente o caso das ferrovias americanas e inglesas que promoveram os primeiros metrôs em Nova Iorque e em Londres. As firmas agiram nesses territórios como firmas de desenvolvimento urbanístico, comprando terras a preços mais baixos na periferia, provendo infraestruturas de transportes a partir do centro, e depois revendendo e alugando imóveis a preços competitivos, suficientes para gerar lucros, e, ainda assim, a preços menores que os praticados nos centros da cidade. Um negócio em que todos ganham.

O mesmo expediente ainda hoje é praticado na Ásia. No Japão, somente no entorno de Tóquio cerca de 50 firmas privadas construíram e operam trens de passageiros, além de, também, hotéis, residenciais, escritórios e shopping centers. Na Ásia, as empresas metroferroviárias arrecadam aproximadamente entre 30% e 60% de seu faturamento das receitas advindas das atividades socioeconômicas afetadas pelo transporte que oferecem7.

Aliás, essa prática foi recentemente retomada nos EUA, especificamente na Flórida, onde um grupo privado de exploração imobiliária8 construiu e está operando desde maio deste ano um trem de média velocidade, entre Miami, Fort Lauderdale e West Palm Beach, ao custo de U$ 20 (vinte dólares americanos) por pessoa, por uma viagem de cerca de 112 km em um tempo de 1h e 15min. Novamente, o negócio se viabiliza para o usuário pelo custo de oportunidade, mais conveniente que as alternativas, e, para o investidor, pelos ganhos com receitas assessórias vinculadas ao negócio de transportes, como os imóveis de escritório, lojas e residenciais sobre a estação central em Miami e no entorno nas demais estações em Fort Lauderdale e West Palm Beach.

O caso da Brightline9 é um exemplo concreto e atual de que o transporte público pode ser integralmente idealizado, financiado, construído e operado pelo mercado privado, sem a necessidade de subsídios, burocracia, ou despesas do contribuinte. Ao custo de U$ 3,6 bi esse projeto não foi planejado em Washington-DC, nem licitado pela agência reguladora, nem teve o preço das tarifas fixado pelo poder público. É integralmente privado10.

Se as barreiras jurídicas a entradas e saídas no mercado de transportes são baixas, firmas privadas terão interesse em investir por diferentes abordagens, desde aquelas com baixa criação de infraestruturas, como, por exemplo, o Uber, 99, Cabify, até aquelas com intensiva criação de infraestruturas e custos afundados, como Brightline, Keio11, MTR12.

Todas essas firmas atuam onde a demanda, a rentabilidade e os riscos são compatíveis com seus modelos de negócio. A diferença entre elas está nos efeitos socioeconômicos que provocam nas cidades. Enquanto as primeiras contribuem para a diminuição da demanda pelo transporte coletivo e de forma indireta fomentam o espraiamento do tecido urbano, as últimas contribuem para o aumento da demanda pelo transporte coletivo e de forma direta fomentam a densificação do tecido urbano, pois, são remuneradas não apenas pelo preço da viagem, mas pelas receitas assessórias do maior fluxo de passageiros que transitam a pé pelo entorno das estações, frequentando suas lojas, escritórios e residenciais.

Com a introdução das firmas metroferroviárias privadas no mercado, o Estado ganha de três maneiras: arrecada mais tributos, deixa de gastar com a provisão direta dos serviços, e, além disso, também economiza na provisão otimizada de bens públicos, como vias, escolas, delegacias, prontos-socorros, etc que podem ser localizados em posições mais eficientes do tecido urbano.

Toda essa economia pública poderá ser aplicada em transporte de cunho social, aquele em que o mercado não tem interesse de prover por ser antieconômico, mas que o Estado tem dever de garantir aos mais pobres. Novamente, todos ganham.

A discussão sobre o modelo de ferrovias privadas autorizadas é necessária não apenas no transporte de passageiros, mas também no mercado de cargas, em complementação ao atual modelo brasileiro de concessões. Nos Estados Unidos o modelo de ferrovias autorizadas tem sido bastante exitoso. Lá, por exemplo, existem 546 ferrovias locais (short lines) administrando uma rede de 52.800 km, i.e., com extensão média de 96,7 km por ferrovia.13 Somente essas ferrovias locais têm uma extensão superior a toda malha ferroviária brasileira de 29.075 km de ferrovias em concessão.

Essa discussão é crucial para o futuro do desenvolvimento econômico e social do Brasil, não apenas porque a realidade fiscal do Estado não permitirá a concretização dos investimentos públicos necessários em transportes, mas porque em países desenvolvidos não se discute mais se a iniciativa privada pode ou não pode prover infraestruturas de transportes, o que se discute lá é qual será a tecnologia que a iniciativa privada irá construir e operar, se a tradicional ferrovia ou a disruptiva tecnologia hyperloop.

Hyperloop é uma modalidade conceitual de transporte em que pessoas ou cargas são transportadas em um tubo de baixa pressão impulsionadas por um trilho eletromagnético. Devido à redução do atrito com o ar rarefeito dentro do tubo o veículo poderia, em teoria, alcançar velocidades de cruzeiro superiores a 1.000km/h, tornando-se mais competitivo que o transporte aéreo. Atualmente diversas firmas privadas competem internacionalmente no desenvolvimento dessa nova tecnologia já tendo sido autorizadas a prospectar soluções em Chicago14, Pittsburg15, Dubai16, entre outras.

Firmas privadas sempre realizaram transporte aberto ao público. Entretanto, no Brasil, o transporte mormente o ferroviário é de forma equivocada compreendido pela legislação ordinária como um serviço público, outorgado apenas pelo Estado, após morosos processos de licitação, que às vezes sequer ocorrem, às vezes resultam desertos, como foi o já esquecido trem-bala entre o Rio de Janeiro e Campinas.

As evidências da história, no entanto, ensinam que não existe razão econômica suficiente a recomendar que todos os ovos do transporte sejam colocados exclusivamente na cesta do Estado, muito pelo contrário. Quanto mais aberto o País e as cidades estiverem para o livre interesse do mercado em construir por sua conta e risco infraestruturas de transportes, melhor para a sociedade, para os contribuintes, e, principalmente, para os mais pobres.

____________

1 Justificação PEC nº 74, de 2013 (Emenda Constitucional nº90, de 2015)

2 VARIAN, H. (1947) Microeconomia: conceitos básicos. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006 – 6ª reimpressão.

3 FELIX, M. K. R (2018) Exploração de infraestrutura ferroviária: lições de extremos para o Brasil.

4 BLANNING, T. C. (2007) The pursuit of glory: Europe, 1648-1815. Penguin.

5 SILVA, C. P. (1904). Política e Legislação de Estradas de Ferro. Volume I. São Paulo. Typ. Laemmert & Comp.

6 Tradução livre.

7 SUZUKI, H., MURAKAMI, J., HONG, Y. H., & TAMAYOSE, B. (2015) Financing transit–oriented development with land values: Adapting land value capture in developing countries. World Bank Publications

8 Florida East Coast Industries. http://www.feci.com/companies.html

9 https://gobrightline.com/

10 KENTON, M. M., & GIFFORD, J. (2015). Comparing Financing Models for US Intercity Passenger Rail Development. http://malcolmkenton.info/wp–content/uploads/2017/08/Kenton_PUBP–714_TermPaper.pdf

11 https://www.keio.co.jp/english/

12 http://www.mtr.com.hk/en/customer/tourist/index.php

13 Federal Railroad Administration (2014) Summary of Class II and Class III Railroad Capital Needs and Funding Sources.

14 https://www.bloomberg.com/news/articles/2018-06-14/how-musk-s-hyperloop-became-just-a-loop-in-chicago-quicktake

15 https://www.daytondailynews.com/news/hyperloop-ohio-two-firms-study-feasibility/BlZkziMTFoZsZ4cySOxxWJ/

16 https://www.economist.com/special-report/2018/06/23/how-dubai-became-a-model-for-free-trade-openness-and-ambition

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Análise alternativa de fusões: indicadores de preços x definição de mercado relevante https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3114&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=analise-alternativa-de-fusoes-indicadores-de-precos-x-definicao-de-mercado-relevante Wed, 29 Nov 2017 18:27:22 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3114 1. Introdução

A análise de fusões e aquisições representa uma grande parte do trabalho do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), autarquia responsável pela preservação da concorrência no país. Em 2016, 389 atos de concentração foram notificados, isto é, processos de fusão entre duas ou mais empresas ou de aquisição de controle de uma pela outra1. Entre todos os casos julgados pelo Conselho, 55% corresponderam aos atos de concentração.

Os números acima ressaltam a importância da utilização de métodos eficazes para a análise de tais casos. A Lei 12.529/11 inovou no sistema de concorrência brasileiro ao exigir que os atos de concentração sejam previamente notificados antes de consumados, ao contrário do que ocorria no passado2. Dessa forma, o Cade possui 240 dias para aprovar ou não as propostas de aquisição de empresas. Essa análise pode ser resolvida em até 30 dias se elas forem enquadradas como procedimento sumário, ou seja, com menor potencial ofensivo à concorrência. Entre as possíveis condições para esse enquadramento, a mais comum é a baixa participação de mercado (menor que 20%, nos casos das fusões horizontais3).

A hipótese de que a combinação entre empresas com baixa participação de mercado é menos lesiva à concorrência parte do paradigma estrutura-conduta-performance da economia industrial cujo pressuposto é que indústrias muito concentradas têm menor incentivo à inovação e maior probabilidade de aumento de preços4. Todavia, em uma indústria na qual há produtos diferenciados, isto é, com características específicas que tornem um produto preferível a um similar, essa hipótese não é necessariamente verdadeira. Mesmo que uma empresa detenha grande poder de mercado, é possível que sua participação em um nicho específico seja menor, não significando que a fusão irá resultar em aumentos de preços (e vice-versa).

Diante desse desafio, acadêmicos como Farrel e Shapiro (2010)5 e Salop e Moresi (2009)6 desenvolveram indicadores informativos que vêm sendo adotado por autoridades da concorrência da União Europeia e dos Estados Unidos. Estes visam estimar os possíveis efeitos unilaterais de aumentos de preços de uma fusão sem a necessidade de utilização de modelos econométricos sofisticados. Os autores, ambos antigos servidores do sistema de concorrência americano, ressaltam que a análise de um ato de concentração precisa considerar dois efeitos opostos: a perda de competição direta entre duas empresas, que cria uma pressão positiva sobre os preços; e as reduções de custo marginal que, por sua vez, geram eficiências e possível diminuição dos mesmos. Em alguns casos, a hipótese de que a fusão irá criar uma concentração requer uma definição de qual é o mercado em questão. A tarefa de encontrar esse mercado específico, não sendo trivial7, acaba por tomar muito tempo dos técnicos de concorrência, o que pode ser minimizado com o uso dos indicadores de pressão de preços (do inglês index of pricing pressure ou IPP).

Na revisão do Guia para análise de atos de concentração horizontal (o “Guia H”)8, o Cade incluiu conceitos como elasticidade de preços cruzadas e taxas de desvio, que fazem parte da ideia por trás desses índices. Grande parte dos operadores do direito e da economia da concorrência, no entanto, ainda desconhece esses indicadores. O objetivo deste artigo, portanto, é apresenta-los de forma resumida, de modo a facilitar a vida dos interessados em política da concorrência e promover um debate mais qualificado.

2. Primeiros conceitos: elasticidade-cruzada e taxa de desvio

A dificuldade em se analisar o efeito de uma fusão com base apenas nas suas participações de mercado (market share) pode ser vista com o seguinte problema: suponha que haja quatro redes de supermercados em um município, cada um com participação de 25%. A compra de uma rede pela outra automaticamente gera uma concentração de 50%, índice moderadamente preocupante sob a ótica da análise clássica da concorrência9.

Todavia, supomos que esses mercados estão espacialmente distribuídos na cidade, sendo que os supermercados A e B estão a menos de 1 quilômetro de distância; já entre os mercados B e C ou B e D (ou A e C e A e D) há uma distância maior a ser considerada pelo consumidor, cerca de 5 quilômetros.

Fica claro que, mesmo possuindo um market share de 25% cada, a fusão entre os supermercados A e B tem maior probabilidade de gerar prejuízos à concorrência que uma fusão entre os mercados B e C, por exemplo. Isso porque é necessário considerar a preferência do consumidor pelas quatro lojas. No caso acima, a chance de o cliente migrar para o mercado B no caso de um aumento de preços no supermercado A é maior que para o mercado C. Mas não se pode descartar a hipótese de que o mercado C esteja no caminho de um consumidor cativo de A, que pode aproveitar para comparar os preços entre as duas lojas. A essa preferência de um produto sobre o outro chamamos de elasticidade-preço cruzada. No caso, o efeito sobre a demanda na loja B quando a loja A aumenta seu preço é positivo quando elas são substitutas.

Portanto, um supermercado, ao planejar um aumento de preços, considera a clientela que irá perder para a loja concorrente, de modo que o incentivo que ele tem para aumentar os preços é denominado taxa de desvio. Ela representa a proporção de clientes da loja A que migrariam para a loja B caso a primeira promovesse um aumento os preços.

Em fórmula matemática, a taxa de desvio (do inglês, diversion ratio ou DR) é a razão entre a elasticidade cruzada do produto B em relação aos preços de A e a elasticidade-preço do produto A (ou a sensibilidade da demanda de A face um aumento de preços):

No exemplo acima, vamos assumir que, diante de um aumento de 10% nos preços de A, a taxa de desvio do supermercado A para o B é de 40%, de A para C de 10% e de A para D de 4%.

3. O índice positivo de pressão de preços (UPP)

No exemplo acima, caso os supermercados A e B sejam objetos de fusão, A vende apenas o produto 1 e B vende apenas o produto 2, sendo 1 e 2 muito semelhantes, mas diferenciados pelo custo que o consumidor tem de ir de uma loja para a outra. Cada loja, individualmente antes da fusão, uma possui uma função lucro (π) que depende das quantidades (q) e dos preços (p), deduzidas dos custos (c) de se obter cada produto:

A corporação que coordenará as duas empresas após a fusão pode controlar a quantidade vendida de A ou B para maximizar o lucro final colocando uma “taxa” interna em cada supermercado. Essa taxa, na verdade, é o custo de oportunidade de vender mais de um produto em detrimento do outro. Supondo a empresa A é a primeira a ter o lucro maximizado:

Logo, para maximizar o lucro da firma B, sendo que agora elas fazem parte da mesma corporação, ela será “taxada” ao equivalente à maximização de lucro da firma A:

O termo  (dq2/dq1) é a taxa de desvio da loja A para B, isto é, o quanto do produto 2 deixa de ser produzido quando existe a opção de aumentar a produção de 1. O termo (p2-c2 ) é a margem de lucro da firma 2. Da mesma forma:

Como explicam Farrel e Shapiro (2010), essas “taxas” são o efeito de canibalização de uma empresa pela outra, com vistas a reduzir o custo de produção da firma fusionada e manter os lucros elevados. Dessa forma, uma fusão pode gerar pressão sobre os preços se o termo de canibalização T1 for maior que as reduções de custo (ou ganhos de eficiência):

As fusões podem reduzir o custo da corporação final reduzindo essa “taxa interna”, isto é, com a criação de eficiências (equivalente ao termo E1C1 ). Essa expressão é a força contrária que pressiona os preços para baixo. Dessa forma, o índice de pressão de preços é equivalente à:

Considerando a taxa de desvio do supermercado A para o B de 40% e uma margem  (P2 – C2) de 20%, há uma pressão de preços positiva de 8%. Essa pressão pode ser compensada por uma redução de custos equivalente, ou seja, seria necessário um ganho de eficiência de, pelo menos, 8% para que essa fusão não gerasse aumento de preços. No caso de uma fusão entre A e C, cuja taxa de desvio é de 10%, a pressão de preços é seria bem menor (2%, considerando a mesma margem de 20%).

4. GUPPI

Diante das dificuldades em se definir ou calcular as eficiências oriundas de uma fusão, Salop e Moresi (2009) sugerem, seguindo o mesmo raciocínio teórico acima, um índice bruto de pressão positiva sobre os preços (GUPPI). O GUPPI tem como objetivo avaliar a pressão sobre os preços considerando apenas a proximidade de substituição entre os produtos das empresas fusionadas. Formalmente:

No exemplo dos supermercados, supondo que os preços antes da fusão são idênticos, vemos que o GUPPI equivale à primeira parte do UPP, gerando uma pressão bruta de preços de 8% na fusão de A e B; e de 2% na fusão de A e C, apesar de as participações de mercado serem idênticas (25%).

5. Exemplo recente: aquisição do HSBC pelo Bradesco

Em 2016, o Cade avaliou a compra do HSBC, então o sexto maior banco do Brasil em ativos totais, pelo Bradesco, o quarto colocado. A Superintendência-Geral do Cade, considerando os índices de concentração baseados em participação de mercado, concluiu que o percentual de market share representado pelo HSBC era relativamente baixo. Para se ter uma ideia, em depósitos totais10, o Bradesco possuía apenas 11,44% do mercado, e o HSBC, 3,11% (podendo mesmo ser enquadrado como rito sumário). Considerando apenas os precedentes do Conselho em análise de concentrações no setor bancário, o acréscimo de participação decorrente da operação estaria aquém daquele capaz de gerar uma piora do quadro geral do setor. Dito de outra forma, não foi encontrado nexo de causalidade entre a operação e os problemas concorrenciais identificados no setor bancário11.

O Departamento de Estudos Econômicos (DEE) do Cade, todavia, apontou que, a despeito da participação inferior a 20%, haveria uma pressão potencial por aumento de preços dos produtos ofertados pelo Bradesco e pelo HSBC. Essa conclusão foi obtida por meio da análise do UPP e do GUPPI para uma simulação de 7 cestas de serviços a serem oferecidas pelos bancos, na qual foram simulados cenários com margens (a fórmula  (P2 – C2) acima) de 25% e 50%. No primeiro cenário, apenas duas cestas indicaram a possibilidade de aumento de preços após a operação, visto que a operação ainda traria uma eficiência hipotética de 5%. No cenário com margem de 50%, todas as simulações apontaram para a possibilidade de aumento de preços, em até 6%, na cesta de produtos. Sem as eficiências de 5%, essa pressão seria ainda maior.

Diante da discussão metodológica entre o Departamento e as partes, o Conselheiro João Paulo Resende, relator do caso, repetiu o cálculo dos indicadores considerando os produtos bancários de forma individualizada12. Além disso, utilizou uma margem de 30%, obtida pela decomposição do spread bancário informado pelo Banco Central, para subsidiar parte das hipóteses do modelo e que foram objeto de questionamento pelos advogados. De maneira preocupante, o Conselheiro observou possíveis pressões de preço em 67% do total de produtos bancários.

Por fim, a operação foi aprovada com várias condicionantes, como o incentivo à portabilidade bancária e a obrigação de não adquirir o controle, por meio de fusões ou aquisições, de qualquer outra instituição financeira e/ou administradora de consórcio no Brasil.

6. Conclusão

Fica claro que o objetivo dos indicadores de pressão de preço não é o de dificultar a análise, mas sim o de promover, como instrumento adicional, a averiguação de casos com potenciais riscos lesivos à concorrência não captados por indicadores de concentração de mercado. Servem como indicadores preliminares para identificar, de forma rápida e com poucos dados, qual o risco de aumento de preços em uma fusão. As informações a serem obtidas para a análise também são poucas, como margem e taxa de desvio. Ressalta-se que esta última, para além da complexidade das elasticidades cruzadas, pode ser obtida por meio de pesquisas de mercado e do market share das empresas, como explicam Farrel e Shapiro (2010).

Por fim, no caso Bradesco/HSBC, argumentou-se que por trás dos indicadores haveria a hipótese de competição de Bertrand13 com produtos diferenciados, não sendo possível sua aplicação generalizada. Como apresentado nesse artigo, esse argumento é falacioso. O modelo teórico parte da maximização de lucros entre firmas que, de forma dinâmica, interagem no longo prazo, resultando na probabilidade de gerar pressão sobre os preços a depender do custo de oportunidade de se produzir mais em uma firma que em outra, o chamado efeito canibalização. Os próprios autores afirmam a mesma fórmula dos indicadores pode ser aplicada em situações onde há competição do tipo Cournot14, com uma adaptação da taxa de desvio, que é assumida como unitária. Ou seja, o fator a ser considerado como pressão de preços se torna apenas as diferenças entre as margens das duas firmas15.

 

_______________

1 A Lei 12.529/11, nos artigos 88 e 90, explica com maiores detalhes os tipos de acordo entre empresas que são objeto do escrutínio do Cade. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm

2 Um exemplo clássico de análise posterior de fusão reprovada foi a compra da Garoto pela Nestlé. A empresa chegou a investir US$250 milhões na Garoto em 2002; todavia, com a reprovação pelo Cade, o caso se arrastou até 2016, quando as empresas resolveram firmar um acordo com o Cade (vide https://exame.abril.com.br/negocios/os-15-anos-de-vaivem-entre-cade-garoto-e-nestle/).

3 De maneira geral, fusão que envolvem empresas concorrentes.

4 Vide LYRA, M. e PIRES-ALVES, C. Inovação e Efeitos de Fusões e Aquisições: contribuições da teoria econômica e da prática internacional. Anais do II Encontro Nacional de Economia Industrial e Inovação. Setembro de 2014. Disponível em < https://www.proceedings.blucher.com.br/article-details/inovao-e-efeitos-de-fuses-e-aquisies-contribuies-da-teoria-econmica-e-da-prtica-internacional-26635>.

5 Farrell, J. e Shapiro, C., Antitrust Evaluation of Horizontal Mergers: An Economic Alternative to Market Definition. Fevereiro de 2010. Disponível em:<https://ssrn.com/abstract=1313782>.

6 Salop, S.  e Moresi, S., Updating the Merger Guidelines: Comments. Georgetown Law Faculty Publications and Other Works. 1662. 2009. Disponível em: <http://scholarship.law.georgetown.edu/facpub/1662>.

 

7 No jargão da economia e direito da concorrência, requer-se a definição do mercado relevante

8 <http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guia-para-analise-de-atos-de-concentracao-horizontal.pdf>.

9 Para maiores detalhes sobre como as agências estrangeiras definem os limites para esses índices vide SCHMIDT, C. e LIMA, M. Índices de Concentração. SEAE/MF Documento de Trabalho nº 13. 2002. Disponível em <http://seae.fazenda.gov.br/central-de-documentos/documentos-de-trabalho/documentos-de-trabalho-2002/DocTrab13.pdf>.

10 Depósitos totais incluem os depósitos à vista, poupança, interfinanceiros, à prazos e outros, segundo metodologia do BACEN. O depósito à vista é um produto destinado a pessoas físicas e jurídicas que consiste na captação de recursos não remunerados, que podem permanecer no banco por tempo indeterminado e são de livre utilização pelo consumidor (conta corrente). Para mais referências vide

11 Anexo ao Parecer Técnico n.º 12/2016/CGAA02/SGA1/SG/CADE. Disponível em: <http://sei.cade.gov.br/sei/institucional/pesquisa/documento_consulta_externa.php?8b7ordf_KdjqNE7xXQyIT8ywVE20IstN0KvraVhk2Pdu0JmyScJG7yscsiknowgJxvnI3g2qMrUOm3H4HELqKw,,>.

12 RESENDE, J.P. Voto no Ato de Concentração nº 08700.010790/2015-41. Disponível em:

<http://sei.cade.gov.br/sei/institucional/pesquisa/documento_consulta_externa.php?sY3Y6Kk8PGKsGxQqCopAgPCCfsR0K5CR0wQwvPBHl-vSQ28xf6Zs_mcUQJu9WucVGtvF0d0wqbRqT8ZlqIQhQQ,,

13 Empresas que competem à la Bertrand adaptam seus preços em função dos preços das empresas rivais.

14 Nesse cenário, as empresas adaptam as quantidades a serem ofertadas a depender das quantidades a serem oferecidas pelas outras empresas.

15 Maiores informações vide a nota de rodapé na pág. 16 em Farrel e Shapiro (2010).

 

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Aperte os cintos: a passagem aérea subiu https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3091&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=aperte-os-cintos-a-passagem-aerea-subiu https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3091#comments Wed, 08 Nov 2017 13:33:56 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3091 Desde junho deste ano, as empresas de aviação estão cobrando pela primeira bagagem despachada nos voos nacionais, conforme autorização concedida pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Além disso, as passagens sem direito a bagagem despachada não dão direito a qualquer reembolso, em caso de não utilização. Assim, quem opta por não pagar a bagagem, abre mão de eventual restituição.

Considerando o modelo de cobrança da tarifa de despacho adotado pelas empresas aéreas e a extinção do reembolso, tudo indica que a medida resulta em aumento da receita média por passageiros e não, como alega a ANAC, a extinção do subsídio cruzado que existiria dos passageiros que não despacham bagagem em benefício dos que despacham.

Segundo a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR), a média mensal de passageiros pagantes em 2017 está em 7,4 milhões, até setembro, e dois terços desses passageiros estão adquirindo bilhetes sem direito a bagagem despachada, após a vigência da cobrança. As empresas estão cobrando um valor fixo de R$ 30 por bagagem. A receita anual decorrente desta cobrança será, portanto, de aproximadamente R$ 900 milhões, valor pouco maior que o prejuízo operacional de R$ 700 milhões absorvido pelas companhias nacionais em 2016.

As empresas argumentam que a cobrança não significa um aumento de preços médios, mas apenas a eliminação do subsídio cruzado, em que os passageiros que não despachavam bagagem arcavam com parte dos custos dos que utilizavam o serviço. A ABEAR assim se pronunciou oficialmente: “Defendemos justiça tarifária. (…) A bagagem nunca foi gratuita – sempre esteve diluída no preço dos bilhetes. Não concordamos que esses custos tenham que ser divididos entre todos os passageiros”.

Os preços de passagens são voláteis. Há variações incríveis de preço de acordo com a data do voo, o período do dia, a antecedência da compra, os custos do combustível, a cotação do dólar e a intensidade da atividade econômica. É muito difícil, apenas 4 meses depois da mudança, estimar com grau aceitável de confiança se o valor médio das passagens sem direito a bagagem realmente teve queda suficiente para compensar a cobrança da tarifa nos demais bilhetes. Como alertou Maurício Schwartsman neste blog, o próprio aumento dos preços médios das passagens nacionais apurados nos índices do IBGE e da FGV (de 36% e 17%) entre junho e setembro não pode levar automaticamente à conclusão de que tenha havido elevação sistemática dos ganhos das empresas: o aumento da média pode ter ocorrido por variação sazonal, aumento da atividade econômica ou elevação do preço do combustível – ou uma combinação das três hipóteses.

Há ainda dúvidas sobre se as mudanças no critério de apuração do preço das passagens – que passou a incorporar o custo da remessa de bagagem – não estariam superestimando a elevação de preços médios.

De fato, estudos mais robustos e confiáveis só poderão ser feitos dentro de alguns meses, quando haverá dados suficientes para se avaliar se as variações nos preços das passagens não são decorrentes de outros fatores de oferta e demanda. A expectativa é que, isolados outros efeitos, seja possível estimar com precisão se a nova regra terá efetivamente baixado os preços das passagens sem direito à franquia de bagagem.

Por outro lado, já é possível julgar se o modelo de tarifação da bagagem despachada adotado pelas empresas é consistente com a argumentação de que a medida não tem por finalidade expandir seu lucro, mas apenas eliminar o subsídio cruzado do serviço, imputando os custos incorridos com o serviço apenas aos usuários que o utilizam.

Nessa perspectiva, o que se espera é que o modelo de cobrança de tarifas onere os usuários que despacham bagagens em montante equivalente ao custo do serviço. Isso não está ocorrendo. As maiores empresas estão cobrando uma tarifa fixa de R$ 30, que independe dos custos variáveis, como a distância do voo, o peso da bagagem e o número de conexões previstas. O passageiro que despacha uma mala de 10 quilos de Brasília a Goiânia em um voo direto está pagando o mesmo que um passageiro que despache 23 quilos de Manaus a Porto Alegre, em voo com uma conexão.

Talvez a explicação esteja então nos custos fixos? Também não. Os custos fixos são aqueles necessários à construção e à manutenção da estrutura física de despacho de bagagens (guichês de recepção, balanças, esteiras, espaço na aeronave, estrutura de desembarque e entrega no aeroporto de destino) e à manutenção de uma equipe mínima de funcionários.

Os custos fixos são decorrentes da escala prevista de operação. Se a escala adotada é suficiente para atender, digamos, 60% dos passageiros, o custo dessa infraestrutura irá se manter durante toda a sua vida útil, ainda que nem metade desse percentual demande o serviço após a cobrança. É como o caso do Estádio Mané Garrincha, em Brasília: ainda que não haja um só espectador, as despesas anuais de manutenção e de pagamento do custo financeiro da obra continuarão a ser pagos. Nem se o estádio fosse implodido, os custos do endividamento desapareceriam. Na verdade, é possível demonstrar que, para uma empresa, é racional, no curto prazo, não cobrar ou cobrar apenas parcialmente os custos fixos, se essa for a condição necessária para obter alguma receita líquida de custos variáveis.

Assim, ainda que haja redução imediata do número de bagagens, isso não reduzirá os custos fixos de operação e, portanto, não haverá benefícios para os que não despacham ou deixarem de despachar bagagens.

Se, segundo o modelo adotado, os custos variáveis não estão afetando a tarifa e se os custos fixos não podem afetá-la no curto e no médio prazo, pode-se afirmar com certeza que o modelo de cobrança adotado não se presta a eliminar o subsídio cruzado – o motivo alegado pela ANAC e pela ABEAR para introdução da cobrança.

Aperte os cintos: a passagem aérea subiu.

 

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https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=3091 2
Quanto custa uma empresa estatal administrando aeroportos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3053&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quanto-custa-uma-empresa-estatal-administrando-aeroportos Mon, 02 Oct 2017 20:21:01 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3053 A administração de aeroportos públicos no Brasil é atualmente compartilhada entre uma estatal federal (a Infraero com 56 aeroportos e 49% do tráfego), concessões federais à iniciativa privada (6 aeroportos e 46% do tráfego) e demais aeroportos sob responsabilidade de Estados e Municípios (508 aeroportos e 5% do tráfego), mediante convênio de delegação da União.

As concessões federais tiveram início no ano de 2011, com o leilão do aeroporto de Natal. Após o sucesso da licitação, nos anos seguintes foram concedidos cinco dos maiores aeroportos do país: Guarulhos, Brasília, Viracopos, Galeão e Confins.

Os números de investimentos realizados e de satisfação da qualidade do serviço denotam que as concessões trouxeram novo padrão ao transporte aéreo no país.

De 2012 a 2015, foram investidos pelos concessionários privados nas 6 concessões federais o montante de R$ 12 bilhões, a preços de janeiro de 2016. Além dos ganhos para o setor, esses investimentos aliviaram o orçamento da União, permitindo que mais recursos fossem utilizados para atender outras necessidades da população. Para efeito de comparação, de 2003 a 2011, o montante investido pela Infraero em todos os aeroportos federais totalizou R$ 9,1 bilhões (também a preços de janeiro de 2016). São ganhos significativos e apontam para um elevado interesse público na continuação do processo de concessões aeroportuárias.

Todavia, se de um lado tais investimentos se mostram muito significativos, tanto do ponto de vista econômico como do ponto de vista social, por outro são limitados (apenas nos aeroportos concedidos) e não endereçam apropriadamente duas importantes questões em aberto do sistema aeroportuário brasileiro: (i) ainda há uma flagrante necessidade de realização de investimentos em expansão de capacidade dessas infraestruturas em diversas outras localidades e (ii) existe uma urgência de desenvolvimento de uma solução integrada e sustentável para os aeroportos de médio porte (abaixo de 1 milhão de passageiros), que, muitas vezes, não conseguem gerar recursos financeiros suficientes para pagar os investimentos necessários a sua expansão e modernização, e de pequeno porte (abaixo de 100 mil passageiros), que apresentam déficits operacionais estruturais.

Assim, considerando as características sistêmicas do problema, e tendo em vista a dificuldade de disponibilidade de recurso e de execução de investimentos diretamente pelo poder público, realizamos estudo a fim de analisar a viabilidade econômica de se conceder toda a rede de 56 aeroportos atualmente sob administração da Infraero, incluindo tanto aeroportos com tráfego acima de 1 milhão de passageiros por ano, como aeroportos muito pequenos, como Ponta Porã (3.100 pax/ano) e Bagé (1.700 pax/ano).

Em vista do baixo potencial de geração de valor de aeroportos de médio e pequeno porte, adotamos um modelo de concessões em blocos, em que grandes aeroportos são agrupados com aeroportos menores, realizando um subsídio cruzado entre ativos.

A alternativa de conceder em blocos apresenta-se mais conveniente e oportuna que a alternativa de conceder cada aeroporto individualmente, sobretudo em razão de menores riscos e custos de execução dos processos licitatórios e de regulação de contratos. As concessões patrocinadas, com contrapartidas financeiras pelo poder público (as chamadas Parcerias Público Privadas – PPP), se aplicariam para a concessão individual de dezenas de aeroportos menores, ensejando maiores riscos para o setor privado e custos de execução e planejamento para o setor público, motivo pelo qual se defende o modelo de concessão em blocos.

Ressalta-se que a escolha por um subsídio cruzado interno ao contrato (concessão em blocos) não é algo novo no país, podendo-se citar as concessões de distribuição de energia elétrica e saneamento básico (rede de água e esgoto): o custo da prestação do serviço em uma área rural ou afastada do núcleo urbano é subsidiado pelo consumidor de baixo custo de atendimento, por exemplo, a residência em um prédio de muitos andares.

Para além das fronteiras internas, é possível citar concessões para a iniciativa privada de aeroportos em blocos em países como Colômbia, Argentina, México, Portugal, Inglaterra, com diferentes modelagens e resultados.

Assim, além das premissas acima descritas, adotamos a formação de blocos de aeroportos que tenham áreas contíguas, a fim de facilitar a gestão por um administrador central1, e que em cada concessão haja pelo menos um grande aeroporto (acima de 3 milhões de passageiros ao ano), de forma a garantir atratividade para investidores e geração de valor suficiente para suportar o déficit operacional de aeroportos menores, assim como pagar os investimentos estimados para todos os aeroportos do bloco.

Para estimativa de investimentos, adotamos para os aeroportos de capitais os parâmetros de capacidade de infraestrutura adotados nos estudos de viabilidade econômica, técnica e ambiental (EVTEA) das concessões federais já realizadas, amplamente disponíveis no endereço eletrônico da Agência Nacional de Aviação Civil – ANAC.

Por exemplo, um dos parâmetros para tamanho de terminal de passageiros é a referência de nível ótimo de área e tempo de filas adotados Airport Development Reference Manual – ADRM da International Air Transport Association2. Com base na comparação entre a infraestrutura necessária (para a demanda projetada) e a infraestrutura existente, alcança-se a infraestrutura a ser ampliada (em metros quadrados de terminal de passageiros, por exemplo) e, com base nos preços utilizados nas concessões anteriores, estimamos o valor dos investimentos ao longo da concessão de 30 anos de cada aeroporto do bloco.

Além da previsão de investimentos para cada aeroporto, consideramos referências de custos operacionais e receitas comerciais levantadas para os estudos de viabilidade das 6 concessões federais existentes, de operadores privados regionais e a carga tributária aplicada a aeroportos sob administração privada3. Ressalta-se que as tarifas aeroportuárias são definidas pela Agência Reguladora, constam em tabela fixada nos contratos de concessão e não são influenciadas pela oferta apresentada no leilão da concessão (diferentemente das concessões de rodovias). Portanto, a estimativa de receitas aeroportuárias (que não incluem as receitas comerciais) decorrem diretamente da projeção de crescimento da demanda de passageiros, aeronaves e cargas.

Para a projeção de demanda de passageiros, aeronaves e cargas, adotamos como premissa, e por simplificação, um crescimento igual para todos os blocos, a partir de 2018, equivalente à expectativa média do Brasil de 4% ao ano considerada nos EVTEAs apresentados pela Secretaria de Aviação Civil do Ministério dos Transportes, Portos e Aviação Civil – SAC/MTPA para a concessão dos aeroportos de Salvador, Porto Alegre, Fortaleza e Florianópolis4.

Tendo em mãos o fluxo de receitas, despesas operacionais, investimentos e tributos, a modelagem financeira adotada calcula o valor de outorga necessário para que o Valor Presente Líquido do fluxo do projeto seja igual a zero5. Para o desconto do fluxo, utilizamos a taxa de 9% ao ano, líquido de tributos e em termos reais, que se mostra acima da taxa de 8,5% considerada nos EVTEAs dos aeroportos da União em processo de concessão e em linha com a taxa utilizada em outros setores em leilões recentes.

O mapa dos blocos para concessão desenhados conforme os parâmetros acima descritos teria a seguinte configuração:

Nessa perspectiva, estimamos que os 56 aeroportos atualmente sob administração da Infraero necessitam de R$ 17,6 bilhões em investimentos pelos próximos 30 anos para que seja possível atender à demanda esperada a um nível compatível com a qualidade de serviço hoje ofertada nos aeroportos concedidos.

Nesse cenário, encontramos farta viabilidade econômica na concessão dos blocos que contemplam todos os 56 aeroportos. Além dos R$ 17,6 bilhões em investimentos, que teria o efeito de desonerar o orçamento da União, o concessionário privado pagaria um outorga mínima de R$ 14 bilhões (R$ 2 bilhões à vista) ao longo do período da concessão (30 anos).

Ademais, há tributos que, ao contrário do concessionário privado, a Infraero não recolhe, em razão da imunidade tributária atualmente reconhecida pelo Poder Judiciário. Tais tributos somariam pelo período da concessão o montante de R$ 16,5 bilhões, sendo R$ 3,4 bilhões recolhidos diretamente pelos municípios onde se localizam o aeroporto, e R$ 13,1 bi à União.

Assim, quando consideramos o total de recursos que a União deixaria de gastar (investimentos), juntamente com o montante que passaria a receber (outorga e tributos), o valor chega R$ 48 bilhões em um período de 30 anos, a preços de 2016. Esse valor representa a diferença entre conceder para a iniciativa privada ou manter os 56 aeroportos atualmente em operação com a Infraero, sem levar em consideração, ainda, o ganho de bem-estar a ser experimentado diretamente pelos usuários e os novos negócios que poderão surgir nas localidades atendidas.

Além disso, o montante de R$ 48 bilhões considera, como cenário contrafactual, que a Infraero estaria em situação de equilíbrio financeiro pelos próximos 30 anos caso não houvesse a concessão dos aeroportos, ou seja, com lucro/prejuízo operacional igual a zero, antes de depreciação e resultado financeiro. Tendo em vista que essa linha da demonstração financeira se encontra negativa desde 2012, com a estatal acumulando centenas de milhões de reais de prejuízo, é possível afirmar que o montante envolvido na decisão de conceder a rede de aeroporto (R$ 48 bilhões) seja conservador.

Em que pese as incertezas naturalmente envolvidas em um estudo que busque estimar a evolução do setor nos próximos 30 anos, não nos parece haver dúvidas de que a concessão em blocos dos aeroportos da Infraero é uma alternativa socialmente e economicamente superior à operação desses ativos por uma empresa pública.

Numa época em que o Estado enfrenta dificuldades fiscais consideráveis e a população reclama serviços de melhor qualidade, é necessário avançar em soluções que promovam a melhoria das condições de desenvolvimento do país e gerem recursos para o enfrentamento dos grandes desafios que temos pela frente.

 

________________

1 Por conservadorismo, não foi considerado na modelagem financeira dos blocos ganhos de escala de custos administrativos com a concessão conjunta de aeroportos. No entanto, a modelagem captura ganhos tributários da apuração agregada de impostos sobre a renda.

2 Disponível em: http://www.iata.org/publications/store/Pages/airport-development-reference-manual.aspx

3 Por conservadorismo, não foram considerados possíveis benefícios tributários, como isenções em impostos sobre a renda reconhecidas pela SUDENE e SUDAM, e tampouco isenções relativas ao PIS e Cofins concedidos no âmbito do REIDI.

4 Aeroportos em processo de concessão, com leilão agendado para dia 16 de março de 2017. Estudos de Viabilidade disponíveis em: http://www.aviacao.gov.br/assuntos/concessoes-de-aeroportos/novas-concessoes/pmi

5 Cabe destacar que a forma como a outorga será paga influencia no montante da própria outorga. Caso se pague 100% à vista, a outorga será equivalente ao próprio VPL do projeto. Na modelagem de blocos simulada, adotamos o perfil de pagamento semelhante ao utilizado na concessão dos aeroportos de Salvador, Porto Alegre, Fortaleza e Florianópolis: 25% à vista, 5 anos de carência e outorga e pagamentos anuais até o final da concessão.

 

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Quem ganha com a proibição dos aplicativos de transporte? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3050&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quem-ganha-com-a-proibicao-dos-aplicativos-de-transporte https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3050#comments Fri, 29 Sep 2017 13:57:38 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3050 Economistas que defendem o mercado costumam argumentar que o mesmo é capaz de maximizar o bem-estar quando este é dito competitivo. Todavia, para que se atinja tal objetivo é necessário que o mercado possua algumas características que nem sempre são encontradas na realidade. A primeira característica é que devem existir um número grande de consumidores e produtores tal que estes não sejam capazes de influenciar sozinhos o preço do produto. A segunda é que o produto deva ser homogêneo de forma que seja impossível distinguir o produto de um produtor ou outro. E por último, mas, não menos importante, deve haver livre entrada de consumidores e produtores. Poucos mercados conseguem satisfazer estas três condições, no entanto, a tecnologia e suas plataformas com dois lados estão nos aproximando do que chamamos de um verdadeiro mercado competitivo. Este é o caso dos aplicativos de transporte por veículos.

Durante muito tempo para ter acesso a um serviço de transporte seguro foi necessário a intervenção estatal selecionando veículos e motoristas aptos a prestar o serviço de transporte que convencionamos chamar de táxi. A chancela estatal era a garantia de que o serviço era prestado com segurança e por um preço capaz de garantir a sustentabilidade econômica do serviço, ou seja, capaz de atender a todas exigências impostas pela regulação do serviço e ainda capaz de remunerar o motorista de forma satisfatória. Entretanto, na prática o que se observou é que este modelo apresenta vários problemas. Em primeiro lugar, a remuneração satisfatória foi garantida através de restrições à entrada de novos veículos. Isto fez com que surgisse um mercado de licenças e os “empresários ” do setor, isto porque estas licenças passaram a valer fortunas de forma que seus proprietários não mais precisassem trabalhar no transporte de passageiros. Os ganhos com o aluguel da licença eram o suficiente para garantir um negócio rentável. Em segundo lugar, como as licenças e a determinação de preços são um monopólio estatal que determina a lucratividade do setor e a existência dos tais empresários, se abriu a possibilidade de haver ganhos por parte do próprio regulador que passaram a ser cooptados. O resultado deste jogo de interesses é de conhecimento de todos: um serviço caro e insatisfatório para consumidores.

Até bem pouco tempo atrás pouco podia ser feito para mudar este cenário, uma vez que, a alternativa era um serviço desregulado cujos resultados são tão ou mais insatisfatórios do que o modelo regulado. Eis que surgiram os aplicativos de transporte como uma alternativa aos até então únicos modelos possíveis. Se engana quem acredita que os aplicativos sejam substitutos ao serviço de táxi. Na verdade, estes são os substitutos da regulação estatal e por esta razão não deveriam ser regulados, pois a sua regulação implica na eliminação das razões para a sua existência. A regulação proposta pelos aplicativos tem pelo menos duas vantagens evidentes com relação ao modelo de regulação estatal vigente.

A primeira vantagem é seu critério para entrada, muitas vezes criticado. Embora se diga que qualquer um possa ser um motorista e que isto pode gerar risco para passageiros, este argumento ignora o fato de que a entrada é o menos importante, pois na verdade o que importa é quem fica. E neste ponto os aplicativos mostram ser muito superiores a regulação estatal, uma vez que, o julgamento de quem irá permanecer oferecendo o serviço pelo aplicativo é feita pelos próprios consumidores, que atribuem notas a cada serviço prestado. Motoristas com notas persistentemente ruins são excluídos. Isto cria incentivos para que o serviço seja prestado com o maior esmero por parte dos motoristas. No modelo estatal, esta decisão é tomada por um burocrata que muito provavelmente nem utiliza o serviço e cuja ação depende de denúncias feitas por consumidores. Denúncias estas que não são feitas sem custos. É necessário saber a quem encaminhar uma reclamação. Não é necessário ir muito adiante neste argumento para mostra que o modelo estatal é completamente ineficiente este ponto. Basta imaginar como seria a situação de um estrangeiro cujo motorista de táxi resolveu estender a sua corrida por mais alguns quilômetros. Desta forma, motoristas amparados em uma quase inabalável estabilidade, não tem qualquer incentivo a prestar um bom serviço.

A segunda vantagem se dá na forma como os preços dos serviços são estabelecidos. No modelo estatal, os preços são estabelecidos de forma a acomodar os interesses dos grupos organizados (donos de licenças e reguladores) em detrimento aos não organizados (consumidores). Por sua vez, os aplicativos são capazes de estabelecer preços dinâmicos capazes de manter equilibrados a oferta e a demanda pelo serviço. Os preços devem ser satisfatórios tanto para motoristas quanto para consumidores. Eis aqui um ponto que merece um comentário. Motoristas de aplicativos costumam reclamar dos baixos valores recebidos por corridas, todavia estes ignoram os efeitos que um aumento de preços tem na entrada de novos motoristas. Preços mais altos implicam em mais motoristas dispostos a ofertar o serviço que implicam em menos corridas por motorista o que pode implicar em rendimentos totais menores para os motoristas. Ganhos maiores somente estariam garantidos com um número fixo de motoristas.

Estas duas características, livre entrada e saída de motoristas e consumidores e preços dinâmicos, somadas a um serviço homogêneo  (em que o veículo e o motoristas prestam um serviço com poucas diferenças observáveis) e a concorrência entre os próprios aplicativos  geram um mercado próximo ao mercado competitivo teórico proposto pelos economistas em que os aplicativos substituem a famosa mão invisível proposta por Adam Smith (mediante um custo, é claro), enquanto o modelo atual se aproxima a um monopólio regulado. Nesse sentido, o Projeto de Lei 28/2017 que deve ser votado nesta semana representa um retrocesso. O projeto estabelece a responsabilidade exclusiva os municípios de regulamentar e fiscalizar o serviço de transporte de passageiros e estabelece diretrizes para a habilitação de veículos e motoristas. De forma que retira o poder de fiscalização dos consumidores e retira a capacidade dos aplicativos selecionar motoristas de acordo com seus critérios. Ou seja, o projeto inviabiliza os aplicativos e estabelece diretrizes que restringem ainda mais a entrada de novos veículos e motoristas.

Em princípio poderia se imaginar que tal Lei protegerá os consumidores e garantirá os ganhos dos motoristas de táxi.  No entanto, isto não é verdade. Isto porque as evidencias empíricas disponíveis mostram que atualmente estes trabalham com consumidores e fatias de mercados distintas. Os táxis fornecem serviços para consumidores com maior renda e tem sua participação no mercado garantida pelos pontos de táxi, tais como, saídas de aeroportos, rodoviárias, etc… Enquanto os aplicativos trabalham com consumidores de menor renda, que substituem os outros tipos de transporte público, tais como trens e ônibus.  Portanto, ambos podem coexistir sem que haja prejuízo mutuo. Quem ganha com isto é o consumidor, que possui um poder de escolha.

Enfim, considerando os argumentos expostos é possível concluir que os aplicativos de transporte não podem ser regulados porque qualquer tentativa de cercear a liberdade dos mesmos em escolher seus motoristas e seus preços nos afasta do mercado competitivo e nos aproxima do monopólio que sempre existiu no setor, o que implica em perdas significativas de bem estar, tanto de consumidores, em especial os que possuem menor renda, quanto de potenciais motoristas, que perdem esta oportunidade de trabalho em um momento que a economia brasileira não fornece muitas opções. Todos perdem com a aprovação desta Lei, com a exceção dos fornecedores de licenças, fiscais e donos de licenças, que podem extrair rendas através de privilégios.

 

Textos recomendados:

OLIVEIRA, C. MACHADO, G. C. O impacto da entrada da Uber no mercado de trabalho de motoristas de taxi no Brasil: evidências a partir de dados longitudinais. Working paper, Junho de 2017.

 

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Como a economia comportamental pode contribuir para as políticas públicas? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2691&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-a-economia-comportamental-pode-contribuir-para-as-politicas-publicas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2691#comments Mon, 30 Nov 2015 11:49:05 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2691 O Estado é cada vez mais exigido e questionado no desempenho de suas funções. As ações estatais devem ser pensadas e construídas de forma a serem mais eficientes e efetivas para a melhoria da realidade socioeconômica, em especial no Brasil, onde existem tantas carências. Para atingir os objetivos em prol da população, os governos, em seus vários níveis, devem desenhar suas políticas públicas de forma que sejam criados os incentivos corretos para o atingimento do que se pretende.

Existem ferramentas e metodologias para se construir uma política pública adequada de forma a se alcançar o resultado desejado. No entanto, para qualquer metodologia utilizada, há que se ter em mente que o sucesso de qualquer atuação governamental depende de como as ações escolhidas vão influenciar o comportamento do cidadão, que, em muitos casos, não age de forma “racional” (basta ver quantos de nós dirigem enquanto enviam uma mensagem pelo celular, mesmo sabendo de todos os riscos envolvidos). Mais ainda, sua eficácia depende das hipóteses sobre o comportamento humano feitas pelos formuladores das políticas.

Nesse ponto é que se destaca a contribuição da Economia Comportamental, pois o estudo dessa área disponibiliza uma série de novas ferramentas que frequentemente permitem o alcance dos resultados almejados com menos custos ou menos efeitos colaterais, quando comparados com os conseguidos por meio da tributação ou da regulação, por exemplo.

Como ilustração, pode-se citar a aplicação da Economia Comportamental nas políticas públicas na área de educação. Um em cada quatro alunos que inicia o ensino fundamental no Brasil abandona a escola antes de completar a última série. É o que indica o Relatório de Desenvolvimento Humano 2013, divulgado pelo Pnud (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).

Se o aluno pensasse de forma puramente racional, ele se empenharia para ficar na escola, pois os retornos futuros do estudo seriam altos o bastante para compensar seu esforço. No entanto, existem fatores que desviam os estudantes dessa racionalidade como valorizar o presente muito mais do que o retorno esperado no futuro, o contexto em que vivem, os modelos de comportamento que tem como inspiração, questões de saúde que possam impactar a sua assiduidade, o esforço exigido para chegar até a escola, entre outros. Assim, as políticas educacionais devem estar atentas a vieses comportamentais observados nos jovens, considerando que a tomada de decisão quando falamos de educação vai muito além de pesar custos e benefícios materiais a serem obtidos no futuro.

Os gestores públicos têm o desafio de incorporar a Economia Comportamental no ciclo das políticas e transformar esse desafio em oportunidades para gerar intervenções governamentais mais efetivas e eficientes.

Conforme mencionado no Relatório de 2015 do Banco Mundial (World Development Report, 2015),as pessoas, independentemente de sua classe social, em algum momento fazem escolhas contrárias ao seu próprio bem-estar, principalmente quando agem de forma automática. Elas podem também agir em decorrência de hábitos ou por inércia.  Existe ainda uma diferença entre ação e intenção (conflitos intertemporais) com consequências econômicas negativas para indivíduos, grupos e toda a sociedade. Isso abre um enorme espaço para a atuação do governo.

A Economia Comportamental surge mostrando em seus estudos empíricos que diversas variáveis, muitas vezes ignoradas, permitem influenciar decisivamente a forma como fazemos escolhas.  Fatores como a maneira de apresentação de uma opção ou o seu contexto podem, inclusive, ter impacto maior do que ações baseadas em incentivos financeiros

Para se ter ideia da importância da Economia Comportamental, importa saber que existe uma organização vinculada ao Governo Britânico, Behavioural Insights Team1, mais conhecida como Nudge Unit, cuja função é testar novas abordagens para se alcançar os objetivos das políticas públicas. Vários países, como Estados Unidos, Canadá, Austrália, França e Arábia Saudita, vêm utilizando o modelo dessa organização para desenhar políticas que consideram o enfoque comportamental.

Outro fato que ressalta a importância do tema nos programas governamentais constitui-se a publicação de um conjunto de normas constantes na Executive Order2, de 15/09/2015, emitida pelo Presidente Barack Obama, que cria diretrizes para os órgãos públicos utilizarem o enfoque comportamental nas políticas públicas.

Thaler e Sunstein3defendem que a mudança de comportamento pretendida pode ser alcançada muitas vezes apenas com o correto desenho e aplicação de nudges. Um nudge(“empurrãozinho”) é um aspecto da arquitetura de escolha que altera o comportamento das pessoas de uma forma previsível sem criar proibições ou alterar os incentivos econômicos. Por exemplo, colocar as frutas da lanchonete da escola em uma prateleira que fique no nível dos olhos dos alunos de forma que eles comprem e comam mais frutas é um nudge. Por outro lado, criar uma regulamentação que encareça ou obrigue o banimento de comidas não saudáveis nas lanchonetes escolares não é.

O relatório MIND SPACE, divulgado pelo Cabinet Office e o Institute for Government da Inglaterra, propõe nove aspectos que podem interferir quando se fala em influenciar o comportamento das pessoas via políticas públicas. No relatório, buscam reunir de forma simplificada os principais aspectos que devem ser apropriados pelos formuladores de políticas públicas para se conseguir mais efetividade em suas ações. A seguir, tem-se uma síntese desses novos aspectos considerados principais para gerar uma mudança real de comportamento das pessoas frente a diferentes intervenções:

a) Mensageiro

Quem passa a informação e o modo como ela é passada tem implicação na força com que a mensagem é assimilada. Por exemplo, observa-se que a efetividade das intervenções aumenta quando os locutores são pessoas que detêm autoridade formal ou informal sobre o assunto, assim como pessoas ligadas àárea geográfica e de condição socioeconômica similar aos dos receptores.Pesquisa empírica4 no universo dos alunos de duas escolas canadenses observou estatisticamente que, num programa de prevenção de obesidade e doenças relacionadas, o resultado foi muito mais efetivo quando alunos mais velhos (treinados pelos professores) passavam as informações para os alunos mais novos sobre alimentação saudável, mostrando como a interação entre os pares facilitou a assimilação de hábitos alimentares melhores.

b) Incentivos

O mecanismo de incentivos deve ser usado pelos governos como uma estrutura que motiva a mudança de comportamento. A economia comportamental contribui para o tema ao revelar alguns instintos humanos. No geral, as pessoas preferem evitar perdas a ter ganhos de valor equivalente, assim, as políticas públicas devem focar não nos prêmios, mas nas perdas que acontecerão se determinado comportamento não for adotado.

Uma aplicação desse fato está detalhada em trabalho acadêmico5, no qual se comprova que a produtividade dos professores é mais incrementada quando eles ganham antecipadamente um bônus, com a possibilidade de o perderem caso os alunos não se saiam bem, do que uma política em que o bônus é dado em decorrência da melhoria da aprendizagem do aluno.

c) Normas sociais

As pessoas tendem a repetir o que os outros fazem. A utilização dessa constatação nas intervenções comportamentais tem dado resultado em diversas áreas e é um instrumento poderoso à disposição dos formuladores dos programas governamentais6. Primeiro, as campanhas devem focar o quanto a norma é aceita. Por exemplo, se o objetivo é incentivar o cinto de segurança, deve-se divulgar que um percentual alto de pessoas já o usam.É importante também considerar as redes sociais, pois as normas serão assimiladas quanto mais “contagioso” for seu efeito.

Um fator ainda subestimado por economistas, a Economia Comportamental tem explorado amplamente o poder da aplicação das normas sociais. Simplesmente invocar princípios relacionados à economia de dinheiro, ser sustentável ou mesmo ter uma atitude exemplar, não foi o suficiente para fazer com que as pessoas mudassem de atitude.

d) Padrões

Muitas das decisões que são tomadas na nossa rotina envolvem uma opção pré-selecionada caso nenhuma escolha seja feita. As pessoas, no geral, agem de forma preguiçosa aceitando o padrão. Isso é um mecanismo importantíssimo para as políticas públicas, pois estruturar os padrões de forma a garantir o máximo de benefício para a sociedade é uma maneira de influenciar o comportamento das pessoas sem restringir suas escolhas. Por exemplo, todos têm o direito de decidir se são doadores de órgãos ou não, mas a lei pode dispor que, caso a escolha não seja feita, o padrão é ser doador.

Acerca desse tema, pesquisa7procurou entender o fato de que países vizinhos como Dinamarca e Suécia tinham uma quantidade tão discrepante de doadores de órgãos – 4,25% e 85,9% respectivamente –, sendo que as suas bases culturais são muito parecidas. O que se descobriu foi que o método utilizado para que o cidadão declarasse se era ou não efetivamente um doador desencadeava um efeito divergente entre o número de doadores dos países. Em seus experimentos, os pesquisadores descobriram que a diferença residia na variação do desenho dos formulários em que as pessoas eram questionadas sobre serem doadores ou não.

e) Ressaltar o que interessa

Nossa atenção é desviada para a informação que vem destacada, que está acessível e que é simples. Isso facilita o registro mental. Como frisamos mais as perdas do que os ganhos, uma aplicação interessante disso é dar destaque ao valor dos impostos junto das mercadorias. Isso fará o consumo cair. Tal medida pode ser utilizada, por exemplo, numa política para diminuir o consumo de bebidas alcoólicas.

f) Primeiras impressões

O comportamento das pessoas muda conforme algumas sugestões são passadas a elas preliminarmente, como determinadas palavras ou imagens. Por exemplo, pesquisas mostram que a leitura de expressões que tragam a mensagem de vida atlética e saudável na entrada de um prédio faz com que as pessoas usem mais as escadas do que os elevadores.

g) Emoções

O estado emocional da pessoa interfere em como ela tomará suas decisões. Experimentos mostram que cartas enviadas com a oferta de empréstimo são mais aceitas quando trazem figuras atrativas em vez de simplesmente o lado financeiro da questão. Provocar determinado estado emocional no público alvo pode facilitar o atingimento do que se pretende. Como ilustração, houve uma campanha pública em Gana para se incentivar que as pessoas lavassem as mãos. Num primeiro momento, a campanha abordava o benefício de lavar a mão. Em uma segunda etapa, associou-se o não-lavar as mãos com um sentimento de nojo. Essa segunda campanha teve muito mais efetividade.

h) Compromissos públicos

As pessoas tendem a procrastinar ações mais relacionadas com médio e longo prazos. Uma maneira de aumentar o custo da procrastinação é fazer um compromisso público que envolva outras pessoas ou instituições. Por exemplo, uma ideia de compromisso que se comprovou eficaz é a utilização de uma conta de poupança para fumantes que tentam largar o vício. Mensalmente é feito um depósito pelo fumante e, ao final de seis meses, se ele passar num teste de nicotina, pode sacar o dinheiro, caso contrário, o dinheiro é confiscado.

i) Ego

Todos nós tendemos a tomar ações que nos façam parecer pessoas melhores. Trabalhar uma política pública de forma que o resultado venha associado com a melhoria da imagem positiva do cidadão ajudará muito o atingimento dos objetivos.

Concluindo, o campo da Economia Comportamental tem atraído uma crescente atenção dos governos no mundo todo, tanto para ajudar a explicar os resultados aparentemente irracionais quanto por suas implicações diretas na efetividade das políticas públicas. Seus estudos,baseados em experimentos e evidências empíricas, fornecem insights valiosos que podem e devem ser integrados ao ciclo das políticas públicas.  Além disso, intervenções com baixo custo, como pequenas mudanças na forma de as opções serem apresentadas ou na forma de como a informação é transmitida, podem levar a grandes mudanças no comportamento dos cidadãos.

No Brasil, a ciência comportamental ainda é pouco utilizada na formulação das políticas públicas. No entanto, aos poucos, tal arcabouço começa a ganhar espaço. Recentemente, na discussão da Medida Provisória nº 676, de 2015, que promoveu mudanças nos planos de benefícios da previdência, foi aprovada emenda na qual se utiliza uma opção pré-selecionada (padrão ou default). O texto enviado para a sanção da Presidência dispõe que os servidores públicos serão automaticamente inscritos no respectivo plano de previdência complementar, podendo, a qualquer tempo, requerer o cancelamento de sua inscrição, ou seja, se o servidor nada fizer, ele integrará a previdência complementar.

Iniciativas como essa são exemplos de que os instrumentos da economia comportamental aqui destacados, ao serem disseminados e utilizados de forma adequada entre os gestores governamentais, ajudam a entender e a mudar o comportamento das pessoas para melhorar o bem-estar social. No caso brasileiro, onde há forte restrição orçamentária e enormes demandas sociais da população, a economia comportamental pode contribuir com a acurácia da atuação do governo, agregando eficiência e efetividade às ações do Poder Público.

 

Este texto consiste numa versão resumida do artigo “A Economia Comportamental aplicada a políticas públicas”, dos mesmos autores, publicado no Guia de Economia Comportamental e Experimental. Para acessar o trabalho completo, veja o link www.economiacomportamental.org/guia

 

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1http://www.behaviouralinsights.co.uk/

2https://www.whitehouse.gov/the-press-office/2015/09/15/executive-order-using-behavioral-science-insights-better-serve-american

3Nudge: Improving Decisions about Health, Wealth, and Happiness

4Stock, Miranda, Evans, Plessis and Ridley. (2007) Healthy buddies: a novel, peer-led health promotion program for the prevention of obesity and eating disorders in children in elementary school. Pediatrics 120:e1059-68.

5Fryer, Roland G., Steven D. Levitt, John List, and Sally Sadoff (2012) “Enhancing the Efficacy of Teacher Incentives through Loss Aversion: A Field Experiment.” National Bureau of Economic Research Working Paper 18237

6Dolan, P.; Hallsworth, M.; Halpern, D.; King, D.; Vlaev, I. (2010). MINDSPACE: Influencing Behaviour through Public Policy. Institute for Government and the Cabinet Office. Disponível em 21/09/2915, http://www.instituteforgovernment.org.uk/publications/mindspace

7Johnson, Eric J. e Goldstein, D.; (2003). “Do Defaults Save Lives?”. Science (November 21). Disponível em 21/09/2015, http://www.dangoldstein.com/papers/DefaultsScience.pdf

 

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Quem ganha e quem perde com a liberação dos táxis? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2564&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quem-ganha-e-quem-perde-com-a-liberacao-dos-taxis https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2564#comments Wed, 08 Jul 2015 13:54:37 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2564 O mercado de táxis no Brasil sofreu um abalo recentemente, com a entrada da Uber, uma empresa que permite contratar serviços similares, sem possuir autorização específica das prefeituras. As manifestações de repúdio em São Paulo envolveram carreatas, buzinaço, ações na justiça e, segundo relatos informais, intimidação aos motoristas não regulados ou aos seus veículos. Projetos de lei já foram votados em São Paulo e Brasília proibindo táxis alternativos. Essas manifestações não foram exclusivas do Brasil. Em outros países em que a Uber atua, houve protestos ou ações legais para impedir a ação da concorrente.

O serviço de táxi é regulado pela Lei de Mobilidade Urbana (Lei nº 12.587, de 2012). Curiosamente, seus arts. 12 e 12a estabelecem que qualquer interessado poderá explorar os serviços de táxi, desde que atenda aos requisitos mínimos de segurança, conforto, higiene e qualidade de serviços determinados pelo poder público municipal.

Ainda assim, a maioria das grandes cidades brasileiras (ou talvez, todas) adota o sistema de permissão, com número limitado de licenças. A prefeitura abre um edital oferecendo determinado número de placas (licenças) e estabelece critérios. Aqueles candidatos que fazem maior pontuação obtêm a placa gratuitamente e, na prática, por tempo indeterminado.

Observe-se que essa não é a única forma de alocar as placas. Poderia ser feito um leilão, onde o vencedor seria aquele que oferecesse o maior valor pela licença ou o menor preço para a corrida. O mercado poderia ser também completamente liberado, como parece ser o comando (não obedecido) da Lei nº 12.587, de 2012. Cidades como a Cidade do Panamá e Lima liberaram os serviços de táxi. Qualquer indivíduo que satisfaça determinados pré-requisitos (como bons antecedentes, dispor de carro com condições de segurança e higiene, etc) paga uma taxa para a prefeitura e obtém a licença para dirigir. É uma situação semelhante à de abrir um restaurante. Qualquer pessoa pode abrir um restaurante, desde que satisfaça determinadas condições (aprovação da Anvisa, do Corpo de Bombeiros, etc).

Liberar o transporte público individual remunerado de passageiros para qualquer empresa é quase que equivalente a permitir que qualquer indivíduo (observados os pré-requisitos) possa ter uma placa de táxi1. Voltamos então à pergunta deste artigo: quem ganharia e quem perderia com tal liberação? Conforme veremos a seguir, consumidores inequivocamente ganham; antigos motoristas de táxi perdem no curto prazo, mas ficam neutros no longo prazo, enquanto novos motoristas ganham no curto prazo, e também ficam neutros no longo prazo. Os únicos que inequivocamente perdem são os detentores das placas de táxi.

Antes de começar a análise, gostaria de registrar a estranheza de os debates focarem nos impactos sobre os motoristas, quando o principal objeto deveria ser, obviamente, os consumidores. Afinal, o objetivo último do serviço de transporte individual remunerado é prestar um serviço público, e não garantir a renda ou o emprego de quem o presta! Se, ao longo da história, a manutenção do emprego e da renda de profissionais afetados por inovações tivesse sido mais importante que a própria inovação, ainda veríamos pelas ruas os acendedores de lampião, e toda ligação telefônica ainda seria intermediada por uma telefonista.

Como dissemos, os consumidores inequivocamente ganham. De imediato, a entrada de novos concorrentes, no mínimo, aumenta a oferta. Não só aumenta o número de carros disponíveis, como também é possível uma maior adaptação do produto a gostos específicos. É possível atender a diferentes nichos de mercado, como carros de melhor padrão, que oferecem DVD, lanches, etc, ou carros mais simples (desde que atendam às condições de segurança). Certamente há pessoas dispostas a pagar mais para ter um produto de luxo, assim como pessoas dispostas a abrir mão de algumas conveniências (como ar condicionado, acabamento sofisticado, etc) e pagar tarifas mais baixas.

Os que defendem a manutenção do status quo argumentam que o sistema de táxis atual garante maior segurança, pois o motorista é obrigado a fazer cursos, é registrado, é obrigado a manter o carro limpo e em condições, etc. Com o mercado liberado, os usuários não teriam como saber se estariam em mãos seguras ou não. Aqui há uma evidente confusão entre liberalização e desregulamentação. Obrigar motoristas e automóveis atenderem a requisitos mínimos de segurança não é incompatível com liberar o número de licenças. Em verdade, não há nenhuma relação entre as duas coisas. Vale lembrar a analogia com restaurantes. Faria sentido dizer que uma cidade só pode ter um número “x” de restaurantes para garantir a higiene de suas cozinhas? É claro que não. O processo de obtenção de alvarás e fiscalizações da vigilância sanitária, em tese, garantem a segurança do estabelecimento. Alguém irá certamente lembrar que há restaurantes devidamente autorizados e com más condições de higiene. É verdade, mas esse é um problema de fiscalização, que ocorreria mesmo se houvesse um limite para o número de licenças.

A propósito, todo mundo tem um caso a contar sobre motorista de táxi que tenha sido rude, que tenha tentado enganá-lo, utilizando uma rota mais longa, ou que o carro estivesse com ar condicionado quebrado ou sujo. Além de casos extremos (esses, felizmente raríssimos e que se tornam manchetes de jornais) de motoristas envolvidos em tráfico de drogas ou estupros. Especificamente em relação à segurança, empresas alternativas costumam registrar o nome do motorista e, em alguns casos, a rota, tornando-as até mais seguras do que o táxi convencional.

Para o resto da análise, é importante distinguir os motoristas dos donos das placas, ainda que, em alguns casos, sejam a mesma pessoa2. Quando alguém adquire a permissão para ter um táxi, essa pessoa não necessariamente irá conduzi-lo. Em verdade, pelas conversas informais que travo com motoristas, fico surpreso em ver que, na grande maioria das vezes, principalmente entre os mais jovens, eles não são os donos do carro (e nem da placa). Há vários arranjos: o dono da placa atua, de fato, como motorista, sendo o único a dirigir seu carro; o dono da placa atua como motorista em alguns dias/horários e aluga seu carro para terceiros no restante do tempo; o dono da placa não atua como motorista e aluga seu carro para alguém, ou o dono da placa contrata motoristas para conduzir seu carro (esse último caso é mais raro).

Para os que são apenas motoristas, é importante distinguir dois grupos. Aqueles que já estão no mercado obviamente perdem no curto prazo. Afinal, para um determinado número de passageiros e uma dada tarifa, haverá mais carros disputando as corridas, caindo a demanda por táxi e, consequentemente, a receita. Para quem ainda não está no mercado, a liberalização é benéfica, pois o sujeito que trabalhava em alguma outra atividade3 ou que estava desempregado pode agora ter um táxi. Com o tempo (e, acredito, nem tanto tempo assim, não mais do que cinco anos, tendo em vista o baixo custo de entrada e o baixo investimento necessário), contudo, a situação do motorista é indiferente, conforme explicarei a seguir.

Motoristas de táxi podem ser considerados como mão de obra de qualificação média. A decisão de ser motorista de táxi compete com outras que requerem habilidades semelhantes, como motoristas particulares ou de empresas, trabalho no comércio, serviços de reparação em geral, entre outros.

Em um mercado de trabalho normal, se o rendimento de determinada ocupação está acima do das demais (que exigem qualificação semelhante), mais pessoas afluem para essa ocupação, aumentando a oferta de trabalho daquele setor e levando à queda nos rendimentos até que o equilíbrio volte a ser restabelecido.

Já o mercado de motoristas de táxi, no marco regulatório atual, é diferente de um mercado de trabalho normal. Se os motoristas de táxi ganham acima do mercado, isso atrairá mão de obra para a ocupação. Ocorre que o número de táxis é limitado. Alguma flexibilidade existe, no sentido que o dono de um carro pode decidir alugar o carro por mais um turno. Mas, de forma geral, dado que o número de permissões é fixo, o número máximo de motoristas de táxi também será fixo. Isso não geraria uma oportunidade de ganhos permanentes? Não, o ganho (ou perda) vai para o dono da placa.

Imagine que há um aumento na demanda por táxis. Isso ocorreu na maioria das cidades brasileiras nos últimos anos, pois a população cresceu, a renda aumentou, e o número de licenças ficou praticamente estagnado. Em Brasília, por exemplo, o número de licenças está estagnado há mais de 30 anos! Com maior número de corridas por dia, e, consequentemente, maior receita, mais pessoas iriam querer ser motoristas de táxi. Digamos que o faturamento líquido de um motorista de táxi (ou seja, as receitas obtidas com as corridas, descontados os custos com gasolina, manutenção de carro, etc) atingisse R$ 7 mil por mês. Se a mão de obra com nível de qualificação equivalente estiver ganhando R$ 3 mil mensais, várias pessoas tentarão migrar para a ocupação.

Ocorre que não haverá táxis para dirigir! O que farão então os candidatos a motorista? Irão oferecer um aluguel para o dono da placa. Pensemos em um candidato. Se ele oferecer R$ 1 mil para o dono da placa, poderá ficar ainda com R$ 6 mil livres no final do mês, enquanto sua capacidade de remuneração, dada pelo mercado, é de R$ 3 mil. Mas outro candidato a motorista, mais esperto, irá oferecer R$ 1,5 mil ao dono da placa, pois, dessa forma, ficaria com um ganho líquido de R$ 5,5 mil, o que ainda seria vantajoso. Não é difícil perceber que haveria uma espécie de leilão, e que, ao final, o dono da placa receberia R$ 4 mil e o motorista de táxi, R$ 3 mil. Ou seja, independentemente de haver Uber, táxi pirata, aumento ou diminuição no número de permissões, o rendimento do motorista de táxi continua determinado pelo mercado de trabalho, considerando pessoas com qualificação equivalente. No exemplo dado, o mercado sempre se equilibraria em R$ 3 mil mensais.

Falta, por fim, analisar o que ocorre com o dono da placa do carro. Com a liberalização do mercado, ou com a entrada de concorrentes como a Uber, conforme dissemos anteriormente, o motorista sofrerá perda de receitas. Diante desse novo cenário, a tendência será que esse motorista de táxi desista de sua ocupação e procure outra. Suponhamos, continuando o exemplo anterior, que, agora, o faturamento líquido caia para R$ 5 mil (observem que isso pode decorrer tanto da entrada de concorrentes como a Uber, quanto por uma iniciativa da prefeitura de aumentar as licenças). Após deduzir os R$ 4 mil pagos ao dono da placa, o rendimento líquido do motorista cairia para R$ 1 mil. Ora, se o salário de um profissional com qualificação semelhante é de R$ 3 mil, o motorista de táxi irá preferir abandonar a profissão. É claro que isso não ocorre imediatamente. Há contratos em andamento com o dono da placa que não podem ser rompidos, pode demorar um tempo para que o motorista encontre outra colocação no mercado ou para que se certifique que a situação do mercado se deteriorou de forma definitiva. Com o tempo, entretanto, a tendência será o esvaziamento da profissão, com consequente queda na demanda pelo direito de dirigir um táxi. O aluguel da placa então cairá, até que atinja o valor de R$ 2 mil, de forma que o rendimento efetivo (ou seja, já descontadas todas as despesas, inclusive o aluguel da placa) do motorista de táxi volte para os R$ 3 mil.

Assim, as variações no mercado de serviços de táxi, no longo prazo, acabam se refletindo no aluguel da placa, e não no rendimento do motorista4. Se o valor do aluguel da placa cai, também cai o valor da placa. Esse é um princípio básico de precificação de ativos: quanto maior o rendimento (dado um nível de risco), maior seu valor. Por exemplo, imóveis que geram alugueis mais altos têm preços mais elevados, e se o valor do aluguel cai, o valor do imóvel também cai; ações de empresas que distribuem mais dividendos são mais caras, e, se o lucro cai, o preço da ação também cai; e assim sucessivamente. No limite, se houver total liberação do mercado de táxis, o valor do aluguel cairia para zero – afinal, por que alguém pagaria para outrem o direito de dirigir um táxi, se pode obter esse direito gratuitamente na prefeitura? Nesse caso, o valor da placa também cairia para zero.

Conforme relatos de motoristas, uma placa de táxi custa, em Brasília, nada menos que R$ 100 mil, e rende ao seu dono um aluguel mensal em torno de R$ 3 mil. Em São Paulo, onde a permissão para táxi está associada a um ponto, a placa para poder atuar em um ponto em um bairro nobre como Moema custa R$ 250 mil. Para ter o direito de pegar passageiros no Aeroporto de Congonhas, são necessários R$ 800 mil. E, se alguém quiser ter uma permissão para pegar passageiros no Aeroporto Internacional de Guarulhos, terá de desembolsar nada menos que R$ 1,2 milhão (confesso que não acreditei nesse número, porém mais de um motorista de táxi em São Paulo me confirmou essa cifra)! Diante disso, não é de se estranhar que haja tanta pressão para proibir a presença de concorrentes ou a liberação do mercado de táxis. O que é de se estranhar é que a sociedade ache natural o Estado transferir gratuitamente para alguns premiados um patrimônio que lhes rende um aluguel equivalente ao de um apartamento de dois ou três quartos em área nobre da cidade, sem trazer nenhum benefício palpável para o consumidor!

_____________

1 Não é exatamente igual porque a marca “taxi” tem algum valor. Dessa forma, mesmo permitindo empresas alternativas, como a Uber, o motorista de táxi convencional tende a ter alguma vantagem de mercado.

2 Em verdade, podemos dividir em três grupos: motoristas, dono do automóvel e dono da placa (permissão para dirigir). Às vezes o motorista é dono do carro, mas aluga a placa de um permissionário. O mais comum, entretanto, é o dono da placa e do carro serem a mesma pessoa. Na análise que se segue, irei supor, para simplificar, que o dono da placa e do carro seja a mesma pessoa. Do ponto de vista analítico, é o fato de haver um dono da placa que torna o mercado de trabalho do motorista de táxi diferente de outros, e é sobre esse aspecto que iremos nos focar.

3 Para o sujeito que abandonou outra atividade e passou a trabalhar como taxista, sua situação, na pior das hipóteses, ficou constante, sendo que, mais provavelmente melhorou. Afinal, se não fosse para melhorar, ele teria se mantido na atividade original.

4 Observe-se que estamos nos referindo a variações específicas no mercado de serviços de táxi. É claro que o rendimento dos motoristas flutua em função das condições gerais do mercado de trabalho. Em períodos recessivos, como o atual, é provável que os motoristas de táxi passem a ganhar menos, tal como ocorre com a maioria dos trabalhadores.

 

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Por que custa caro ligar de telefone fixo para celular? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2117&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-custa-caro-ligar-de-telefone-fixo-para-celular https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2117#comments Tue, 04 Feb 2014 12:02:24 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2117 A ampla difusão da telefonia celular levou a alguns comportamentos curiosos dos usuários. Muitos compram telefones que comportam chip  de várias operadoras. Profissionais liberais e prestadores de serviço costumam colocar, em seus cartões profissionais, vários números de telefone celular, cada um de uma operadora diferente.  É comum ver pessoas carregando mais de um aparelho celular, cada um deles com chip de uma operadora diferente. Tornou-se usual o uso da frase: “você tem um número fixo para o qual eu possa ligar?”. Parentes, namorados e amigos que fazem muitas ligações entre si, tendem a escolher a mesma operadora, para aproveitar ligações mais baratas ou promoções de ligação gratuita entre linhas daquela operadora.

Esse tipo de comportamento decorre da política de preços usada pelas operadoras de telefonia móvel, que fixam preços diferenciados, cujo padrão é:

  • Cobrar mais barato por ligações entre linhas móveis da mesma operadora;
  • Cobrar mais caro nas ligações originadas em telefones fixos com destino a telefones móveis;
  • Quando a operadora de telefonia móvel pertence a um grupo econômico que também é proprietário de empresa de telefonia fixa, cobra-se mais barato pelas ligações que provêm da operadora de telefone fixo pertencente ao mesmo grupo do que de ligações de telefone fixo geradas em operadora rival.

Não existe um modelo de custos que apure adequadamente qual a diferença de custos entre uma ligação entre linhas móveis daquela entre linha fixa e móvel; ou a diferença entre ligações dentro de uma mesma rede móvel e ligações entre redes distintas. Não obstante isso, as diferenças de preços cobrados ao consumidor, para esses distintos tipos de ligação telefônica, é bastante grande, na casa dos múltiplos de dez.

Tal diferenciação de preços não é apenas consequência de diferentes custos para viabilizar as chamadas; sendo, também, decorrente de estratégias das operadoras para maximizar lucro e  expandir participação de mercado.

Há, portanto, nessas estratégias de fixação de preços, possibilidade de conduta anticompetitiva e de lesão ao consumidor à qual as instituições reguladoras – ANATEL e Conselho Administrativo de Defesa Econômica – devem ficar atentos.

Para entender o fenômeno é preciso, em primeiro lugar, saber que o regime de tarifação no Brasil é baseado no princípio de que quem paga a ligação é o usuário que fez a chamada: “a parte que chama paga” (calling party pays-CPP).  Além disso, a operadora móvel que recebe uma chamada tem o direito de cobrar pelo uso da sua rede. Trata-se da chamada  “tarifa de interconexão” para a terminação de chamadas da telefonia móvel, o VU-M (Valor de Uso da Rede Móvel) que serve tanto para chamadas originadas em telefones fixos como celulares.

Suponha que João, usuário da operadora (fixa ou móvel) A faça uma ligação para Maria, que tem uma linha móvel da operadora B. No preço cobrado de João por essa ligação estará embutida a “tarifa de interconexão”, que irá para os cofres da operadora B.

Esse sistema de cobrança, usado em diversos países, gera incentivos para que a operadora B fixe uma elevada tarifa de interconexão, encarecendo as ligações feitas para seus usuários a partir de linhas de outras empresas. Isso aumentará a receita da operadora B. Parte dessa receita extra, a operadora pode repassar a seus usuários, sob a forma de descontos na compra de aparelhos,  ligações a baixo custo entre linhas da própria operadora B ou créditos para ligações futuras.

O usuário de uma linha da operadora B, recebedor da chamada, é insensível a preços que são pagos por quem faz a chamada. No momento de escolher a operadora, este não é um preço relevante para ele. Ele vai dar mais atenção aos custos que ele pagará ao fazer suas próprias ligações e ao custo de aquisição do aparelho celular, de modo que a operadora tem incentivos a cobrar barato por isso, para atrair o cliente.

Ao usar essa estratégia, a operadora B atrairá muitos usuários. Por outro lado, uma vez que a operadora B cobra barato por ligações entre linhas da sua própria rede, o consumidor vai se filiar a essa operadora sempre que as pessoas com quem conversa frequentemente também tiverem linhas da operadora B. Ou, então, se essa operadora tiver uma maior fatia de mercado, pois nesse caso será mais amplo o leque de ligações que o consumidor poderá fazer sem sair da própria rede  e, portanto, sem pagar a tarifa de interconexão.

Se todas as operadoras de telefonia móvel raciocinarem e agirem da mesma forma que a operadora B, o resultado será um equilíbrio de mercado no qual: (a) os usuários escolherão suas operadoras de acordo com a operadora usada pelos seus interlocutores frequentes (por exemplo, todos os membros de uma família usando a mesma operadora); (b) pessoas e firmas que usam intensamente o telefone (profissionais liberais, prestadores de serviço) terão celulares de vários chips ou vários aparelhos, para fazer a maioria das suas ligações dentro da rede de uma mesma operadora; (c) os consumidores evitarão as ligações de fixo para celular, pelo menos daqueles que pertencem a grupos econômicos distintos.

Esse equilíbrio, embora não induza à dominação do mercado por uma empresa em particular, preservando a concorrência, é ineficiente, pois gera custos desnecessários como o de adquirir um aparelho mais caro (para vários chips); ou adquirir mais de um aparelho; ou restringir o leque de escolhas de operadora de um indivíduo (eu posso achar que a qualidade das ligações da operadora A é melhor, mas fico na operadora B porque meus interlocutores frequentes estão nela); ou induzir a realização de mais de uma ligação (perco tempo e dinheiro fazendo uma primeira ligação, a partir do meu telefone fixo, para um número móvel, apenas para perguntar se a pessoa tem um número fixo para o qual eu possa ligar e ter uma conversa mais longa).

A cobrança da tarifa de interconexão também pode ser um indutor de comportamento cartelizado das operadoras de telefonia móvel. Elas podem combinar que todas cobrarão uma tarifa de alto valor, de modo que uma não roubará mercado da outra, mas todas as ligações que pagam tal tarifa ficarão caras, elevando as receitas de todos os membros do cartel.

No caso brasileiro existe também um problema de desigualdade de concorrência. Isso porque havendo grupos econômicos que possuem operadoras fixas e operadoras móveis, a estratégia pode ser estendida para induzir a conexão entre fixo e móvel do mesmo grupo. Assim, ligações de fixo para móvel de operadoras de um mesmo grupo econômico tendem a ser mais baratas (com descontos que compensem a tarifa de interconexão) que aquelas de fixo de um grupo para móvel de outro grupo.

As duas principais operadoras de telefonia fixa, Oi e Telefonica, têm seus próprios braços móveis, Oi e Vivo/TIM, respectivamente. A GVT, por outro lado, não tem um braço móvel. Por isso, se tornou a grande prejudicada nesse sistema de tarifação, pois seus usuários pagam altas tarifas de interconexão com as outras redes e ela própria não tem como contratacar, pois não tem operadora móvel para cobrar tarifa de interconexão das demais, nem pode dar desconto nas ligações dentro do próprio grupo.

A GVT reclamou do desequilíbrio à ANATEL e ao CADE. Apesar de a Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça (SDE/MJ) 1 ter concluído que o valor elevado do VU-M constituía uma ação anticompetitiva de três operadoras de telefonia celular (Vivo, Claro e TIM) para elevar os custos das rivais, o Tribunal da Concorrência 2 entendeu não caber intervenção do órgão. Isto porque as tarifas de interconxão são reguladas pela ANATEL, e as operadoras não estavam desrespeitando os limites de valor impostos pela agência reguladora. Apenas estavam fixando tarifas de interconexão no limite máximo fixado pela ANATEL. Em função disso, como será mostrado adiante a ANATEL anunciou maior rigor no controle de tarifas de interconexão para a terminação de chamadas da telefonia móvel.

Note-se que no estágio inicial de implantação da telefonia móvel uma elevada tarifa de interconexão entre linhas fixas e móveis cumpria o importante papel de estimular a expansão da rede móvel. Imagine uma situação inicial em que poucas pessoas usam telefone celular e quase todo mundo usa telefone fixo. A imposição de uma VU-M encarece a ligação de fixo para móvel. Assim, se eu quero falar com uma das poucas pessoas que tem telefone móvel eu pagarei mais caro, o que me estimularia a ter uma linha móvel. Ao mesmo tempo, como visto acima, o VU-M é um poderoso instrumento para que as empresas de telefonia móvel ofereçam condições atrativas para atrair clientes a uma linha móvel (aparelhos baratos, ligações gratuitas entre linhas da mesma rede, etc.). Isso ajudou na rápida expansão da telefonia móvel, ao atrair um grande número de consumidores para essa modalidade de telefonia.

Todavia, o Brasil, assim como a grande maioria dos países, já ultrapassou essa fase inicial de consolidação da telefonia móvel, de modo que o ônus imposto à telefonia fixa, para incentivar a móvel, torna-se menos relevante. Em dezembro de 2013 havia 271,1 milhões de linhas móveis, representando 136,45 celulares por 100 habitantes3. Estes números sugerem que os benefícios dos subsídios cruzados entre linhas fixas e móveis seriam muito menores que no passado, quando era importante ampliar a rede móvel, gerando economias de escala e impondo concorrência à telefonia fixa.

Este problema está longe de ser exclusividade brasileira, tendo ocorrido em todos os países que usam o sistema de quem chama paga. Nesse sentido, os países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) realizaram grandes esforços nos últimos anos para reduzir a tarifa de interconexão da telefonia móvel. A Australian Competition and Consumer Commission (ACCC) desde 1997 supervisiona as tarifas de terminação de chamadas em operadoras móveis. A Comissão Européia em fevereiro de 2003 incluiu a terminação de chamadas das móveis no rol de preços que as autoridades reguladoras nacionais européias deveriam regular.

Como resultado destes esforços, o Relatório da OCDE de 20124 indica que entre 2006 e 2011 houve uma queda média de 53% nas tarifas de terminação de móveis dos países da OCDE.

No Brasil, após uma década de pouco movimento da ANATEL no assunto, resolveu-se seguir a experiência dos países desenvolvidos e definir um cronograma mais significativo de queda da VU-M. Entre 2010 e 2015, prevê-se uma queda de cerca de 62% da VU-M. Na região I do Plano Geral de Outorgas, por exemplo, a VU-M média passaria de R$ 0,42285 por minuto em 2010 para R$ 0,160908 em 2015. O padrão de queda nas outras duas regiões é bem similar. A introdução de um modelo de custos em muito ajudaria a calibrar estas tarifas de forma adequada.

Em resumo, a tarifação de terminação de chamadas constitui um monopólio da operadora a qual o usuário chamado está conectado. Este usuário que recebe a chamada é em geral pouco elástico ao preço de terminação, gerando espaço para exercício de poder de mercado pela operadora. De fato, poucos indagam a operadora, quando escolhem seu plano de celular, qual a tarifa que quem chama paga.

A elevada tarifa de terminação de chamadas no Brasil, a VU-M, gerou várias distorções, entre elas um significativo diferencial entre o custo das chamadas realizadas dentro e fora de uma mesma rede. Isto distorce a concorrência em favor de operadoras grandes ou reduz a escolha dos consumidores, forçando-os a aderir à operadora usada por seus interlocutores frequentes.

Há várias formas de contornar o problema como adotar, pelo menos em parte, i) o regime de quem recebe paga (Receiving Party Pays-RPP) adotado nos EUA, ii) regime de Bill and Keep no qual as operadoras não pagam (ou pagam apenas a partir de certo percentual de diferença entre chamadas originadas e recebidas) interconexão entre si; iii) regular mais vigorosamente as tarifas de terminação em móveis, inclusive com base em uma metodologia de custos.

A ANATEL (2012) optou por uma combinação de ii e iii. Introduziu um bill and keep parcial temporário na relação de interconexão entre operadoras móveis com (Oi, Vivo, TIM e Claro) e sem (todas as outras) Poder de Mercado Significativo, inicialmente na proporção de tráfego de 80/20% e depois na proporção 60/40%. O Bill and Keep entre operadoras móveis com e sem PMS desapareceria após um período de transição. Ademais, a ANATEL definiu um cronograma de redução da VU-M até 2016, que vale para todas as relações de interconexão com terminação em móvel quando se prevê a adoção de uma metodologia de custos.

Acreditamos que o órgão regulador está na direção correta, sendo que o modelo de custos, se apropriadamente implantado, poderá representar grande avanço no tratamento desta importante questão regulatória em telecomunicações. Antes tarde do que nunca.

_______________

1 Ver www.cade.gov.br/temp/D_D000000515371906.pdf
2 Processo Administrativo 08012.008501/2007-91Ver www.cade.gov.br/temp/D_D000000756991343.pdf
3 Os dados do Brasil foram extraídos do site da Telecom, www.teleco.com.br
4 New OECD Report released on developments in mobile termination rates.

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Qual a consequência do ativismo judicial na fixação dos preços das passagens aéreas? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2048&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=qual-a-consequencia-do-ativismo-judicial-na-fixacao-dos-precos-das-passagens-aereas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2048#comments Mon, 04 Nov 2013 11:04:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2048 O transporte aéreo é uma atividade econômica regulada pelo Governo Federal, que mediante concessão autoriza sua prestação a empresas privadas de aviação. Essa exploração pela iniciativa privada cria a necessidade de um sistema regulador estatal para dimensionar, formular e fiscalizar a prestação do serviço. No caso do transporte aéreo, esta competência é da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Uma de suas atribuições é realizar a regulação econômica do setor, fazendo o respectivo monitoramento e promovendo possíveis intervenções no mercado de modo a buscar a máxima eficiência.

Apesar de existir em funcionamento um mercado de transporte aéreo com preços oscilando conforme as regras de oferta e demanda e de haver uma agência reguladora controlando o setor, aconteceu recentemente uma intervenção do Poder Judiciário, decorrente de uma ação civil pública, que pode acarretar perda de bem-estar social. A nosso ver, tal intervenção gera distorção maior que aquela que o juiz se propõe a resolver.

Conforme o Ministro Luís Roberto Barroso, o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance1. É nesse sentido que se pretende discutir uma decisão recente da Justiça Federal2, em que foi adotada uma interpretação do ordenamento jurídico, cujo reflexo trará prejuízo ao consumidor, apesar de a base da decisão, segundo a magistrada, serem os princípios norteadores da atividade econômica previstos no art. 170 da Constituição Federal, entre eles a livre concorrência, a função social da propriedade e a defesa do consumidor.

Na referida decisão, a magistrada condenou a empresa TAM Linhas Aéreas a: a) ofertar aos usuários, nos voos com destino para e/ou origem em Imperatriz-MA, no

mínimo, 50% dos assentos com a tarifa denominada “básica”; b) nos meses de alta demanda, em especial dezembro/2013 e janeiro/2014, cobrar do usuário-consumidor o valor máximo de até 50% da tarifa máxima do plano “básico”.

A argumentação da magistrada para tabelar as passagens aéreas para Imperatriz-MA baseia-se no fato de que existe um bem jurídico imediato afetado na relação sub judice que é o direito do consumidor. Entende que o valor das passagens foi elevado abusivamente, uma vez que o trecho entre Imperatriz/MA e Brasília/DF custava R$ 289,00 e passou para R$ 1.529,00 em janeiro de 2014, caindo para R$ 429,00 em fevereiro de 2014. A magistrada argumenta que a TAM ao invés de ampliar a oferta para os meses de referência, devido à procura mais acentuada pelos usuários, limita-se a elevar de forma desarrazoada os preços das passagens aéreas, colocando o consumidor em desvantagem exagerada.

Argumenta ainda a magistrada que, diante da omissão da ANAC em efetivar os comandos insculpidos nos arts. 2° c/c 8° da Lei nº 11.182/05, acaba por deixar tal tarifação à álea e à deriva dos exclusivos interesses das concessionárias aéreas, em prol da política do regime de liberdade tarifária, como se o fornecimento de serviço de transporte aéreo de passageiros fosse, na sua gênese, atividade privada. Esquecendo-se que se trata de “prestação de serviço público”, e da peculiar circunstância de que a ré está a exercer a atividade empresária como longa manus da União, eis que se encontra na condição de concessionária de serviço público, nos termos do art. 21, XII, c, da Constituição Federal de 1988.

No texto disponível neste site, “Empresa aérea é concessionária de serviço público?”, foi explicado que a Lei nº 11.182, de 2005, instituiu o regime de liberdade tarifária, de forma que a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) não pode tabelar os preços das passagens aéreas, como fez o antigo Departamento de Aviação Civil (DAC) ao longo de quase toda sua existência.

A mesma lei também assegura às empresas a exploração de quaisquer linhas aéreas, observada exclusivamente a capacidade operacional de cada aeroporto e as normas regulamentares de prestação de serviço adequado. Antes dessa legislação, as empresas estabelecidas eram protegidas contra novas entrantes, dificultando a concorrência.

Outro ponto a ser destacado é que concessão de serviços aéreos não confere à empresa o direito ou a obrigação de voar entre quaisquer localidades. O direito de voar somente existe após a outorga de uma autorização específica para cada linha a ser explorada. Essa autorização, denominada Horário de Transporte (HOTRAN), estabelece horários, frequências, tipos de aeronaves e oferta de assentos para cada linha.  As empresas aéreas não têm, nem nunca tiveram, portanto, qualquer obrigação de operar em condições deficitárias. Podem, a qualquer tempo, comunicar ao poder público que não mais operarão determinada linha e solicitar o cancelamento do respectivo HOTRAN.

Se o trecho Brasília-Imperatriz fosse extremamente lucrativo, outras empresas teriam interesse em oferecer voos entre essas cidades. Se não o fazem, é porque não há exageros na rentabilidade.

Por outro lado, se os preços praticados estivessem razoáveis, a partir do momento que houve o tabelamento, a empresa talvez não tenha mais interesse em manter essa linha, uma vez que ela não é obrigada a trabalhar de forma deficitária. Isso é o mais provável que aconteça caso o entendimento persevere no Judiciário: uma descontinuidade da linha, com efeitos negativos para os próprios consumidores de passagens entre Brasília e Imperatriz.

Outra possível consequência perversa da decisão é o aumento das tarifas dessa linha em períodos não tabelados. Para custear os passageiros de dezembro e janeiro, quem viajar nos restante do ano terá de pagar mais caro.

Além disso, como o tabelamento funciona para a primeira metade dos assentos vendidos, há um nítido favorecimento dos consumidores que comprarem primeiro, que conseguirem se planejar, em detrimento daqueles que precisarem voar esse trecho por conta de uma emergência, por exemplo, ou que não tiverem a oportunidade de comprar a passagem com muita antecedência.

Por fim, pode acontecer também que, para manter o voo a preços que não lhe garanta lucro, a TAM tenha de aumentar a tarifa de outros voos, de forma que os passageiros do país inteiro teriam que subsidiar aqueles que viajam entre Brasília e Imperatriz (o que na teoria econômica se chama de subsídio cruzado). Em regra geral, quando o preço pago é diferente do custo de produção, gera-se uma ineficiência na economia, com perda de bem-estar. Essa alternativa, no entanto, não é tão provável pela dificuldade de exportar custo extra para outros trechos.

Note-se como uma decisão judicial tem o poder de alterar completamente o equilíbrio do mercado e prejudicar um número muito maior de consumidores do que os supostamente beneficiados.

Conforme o Relatório elaborado pela ANAC, “Tarifas Aéreas Domésticas”3, relativo ao quarto trimestre de 2012, para atender a um maior número de passageiros, otimizar a ocupação das aeronaves e alcançar rentabilidade, as preferências dos usuários devem ser consideradas na prestação e na precificação dos serviços. Em qualquer atividade econômica, a rentabilidade é fator principal para que se tenha investimento e oferta de serviços. Nesse sentido, as tarifas aéreas são ajustadas a todo instante de acordo com a procura e conforme se aproxima a data do voo.

Isto propicia o atendimento a uma maior diversidade de usuários e uma taxa de ocupação da aeronave que sustente a prestação do serviço. Além das preferências dos usuários, os preços do transporte aéreo são afetados, direta ou indiretamente, por outros inúmeros fatores, tais como: evolução dos custos (estes fortemente influenciados pelo preço do barril de petróleo e pela taxa de câmbio do real em relação ao dólar); eficiência da empresa; distância da linha aérea; grau de concorrência do mercado; densidade de demanda; baixa e a alta temporada; ações promocionais de concorrentes; restrições de infraestrutura aeroportuária e de navegação aérea; organização da malha aérea da empresa; porte e eficiência das aeronaves; e taxa de ocupação das aeronaves.

Importante destacar que a distância é apenas um dos fatores que afetam os preços do transporte aéreo, mas não é o preponderante, pois o consumo de combustível é proporcionalmente maior na etapa de decolagem. Quando a aeronave atinge sua velocidade de cruzeiro, o consumo de combustível é menor.

A demanda de voos entre as localidades de origem e destino, por outro lado, é decisiva. Voos entre destinos com baixa densidade de tráfego podem não ser viáveis financeiramente e, quando viáveis, têm passagens mais caras.

Como se percebe, existem diversos fatores que influenciam o preço das passagens, por isso é comum haver passageiros de um mesmo voo pagando tarifas diferentes. É essa dinâmica que propicia a oferta de alguns assentos a baixo preço no transporte aéreo.

Sobre a evolução dos preços das tarifas, apesar de haver liberdade tarifária, alvo da decisão judicial em pauta, o gráfico abaixo ilustra como a tarifa aérea média doméstica real, em valores deflacionados pelo IPCA até dezembro/2011, e o valor médio pago por quilômetro voado (Yield Tarifa Aérea Médio Doméstico Real) sofreram redução entre 2002 e 2011. Isto é, os passageiros estão pagando bem menos para voar hoje, do que no início da década.

O cenário de livre concorrência atrai investimentos para o setor, estimula o crescimento do mercado e promove a ampliação da oferta. A decisão judicial comentada pode reverter esse quadro. Ao tabelar a rentabilidade da iniciativa privada, mesmo sendo esta uma concessionária de serviço público, não se leva em conta o risco específico da atividade nem os custos e características de sua prestação. As consequências negativas serão sentidas pelos consumidores, além de ser mais um agravante para a insegurança jurídica no país. Espera-se que as instâncias superiores do Judiciário tenham uma interpretação diferente acerca do tema.

_________

1 BARROSO, Luís R. “Ano do STF: Judicialização, ativismo e legitimidade democrática”. 2008. Disponível no site Conjur: http://www.conjur.com.br/2008-dez-22/judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica. Acessado em 28/10/2013.

2 Processo 0009029-10.2013.4.01.3701 – TRF da 1ª Região

3 http://www2.anac.gov.br/estatistica/tarifasaereas

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Produtividade para todos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1404&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=produtividade-para-todos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1404#comments Mon, 20 Aug 2012 12:20:45 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1404 O Governo Federal tem buscado proteger a indústria nacional. São isenções tributárias seletivas, barreiras à concorrência de importados, permissão legal para se pagar mais por produtos nacionais em licitações públicas, exigências de alto coeficiente de insumos nacionais em grandes empreendimentos, como o pré-sal e  a telefonia móvel 4G, além de crédito subsidiado do BNDES.

Ao adotar essas políticas o Governo está dizendo que vale a pena pagar mais caro por produtos nacionais de pior qualidade para preservar a indústria nacional. Os maiores beneficiários dessa política são parcelas específicas da população: empregados, proprietários e acionistas das empresas protegidas, sob a forma de salários e lucros mais altos. Temos, assim, claramente, benefícios privados e custos socializados.

Quando analisamos a política do Governo Federal em relação às concessões de infraestrutura o discurso governamental muda completamente. O argumento passa a ser o de que é preciso oferecer estradas, portos, aeroportos e ferrovias ao menor custo possível para toda a população. Nesses casos, não se está disposto a aceitar que a sociedade “pague mais caro”, para ter expansão rápida e de qualidade na infraestrutura.

Vimos isso no caso das concessões rodoviárias de 2007, em que as regras de leilão geraram pedágios baratíssimos. O fenômeno se repetiu no leilão dos aeroportos ao final de 2011 quando, em nome de estimular o máximo possível de concorrência, o Governo fixou normas muito brandas de qualificação técnica, o que resultou em forte concorrência e altos ágios pagos pelos vencedores.

A princípio, esses seriam resultados fantásticos. Os usuários seriam contemplados com pedágios rodoviários baratos e com maiores investimentos do governo nos aeroportos que continuam sob controle estatal, cujo financiamento se daria com o dinheiro dos ágios dos leilões dos aeroportos mais rentáveis.

Na prática, contudo, nas estradas de pedágio barato os investimentos realizados, após cinco anos de concessão, estão muito aquém do que fora inicialmente previsto, resultando em estradas ruins e acidentes em alta. As tarifas, que deveriam subir de acordo com a variação do IPCA, sofreram reajustes bem acima da inflação.

Nos leilões de aeroportos, os vencedores foram operadores aeroportuários sem experiência na gestão de grandes aeroportos e empresas com histórico não muito recomendável em outras concessões similares. Isso permite antever problemas futuros.

O que teria dado errado?

A questão é que a regulação de serviços públicos concedidos enfrenta um conhecido dilema entre: 1) estimular o empenho do concessionário, permitindo-lhe internalizar parte dos ganhos decorrentes de seus esforços, ou 2) oferecer serviços a baixos custos aos usuários finais, por meio de tarifas baratas ou extração de renda dos concessionários via ágio.

A opção pela primeira hipótese é fácil de justificar. Se os potenciais concessionários se deparam com regras que remuneram adequadamente tanto a qualidade do serviço prestado, como a ampliação da infraestrutura e os esforços de redução de custos, eles terão incentivos para serem mais produtivos e cumprirem as metas de investimento e qualidade. Se as regras da concessão não premiarem o esforço, o Governo, que não tem como medir o grau de empenho empreendido pelos concessionários, pouco pode fazer, e os concessionários tendem a se tornar mais relaxados.

Ao optar por pedágios baratos (nas rodovias) e por altos ágios (nos aeroportos), o governo sinalizou que não estava disposto a remunerar adequadamente os investimentos na ampliação dos serviços, ou a busca de qualidade e produtividade pelo concessionário.

Esse tipo de sinalização costuma atrair consórcios que já entram no leilão pensando em renegociar os termos do contrato após vencê-lo. Oferecem lances muito competitivos, ganham o certame e, depois, começam a atrasar os investimentos programados, a reduzir a qualidade do serviço e a pedir reajustes tarifários acima da inflação.

O Governo pode, a princípio, simplesmente cancelar o contrato e fazer outra licitação, buscando um melhor concessionário. Mas isso tem alto custo. Há um longo processo de preparação da nova licitação, demandas judiciais da empresa destituída por reparação de custos, e prejuízo eleitoral para o governante pela descontinuidade ou má qualidade do serviço prestado. Acaba sendo melhor para o governante – e não necessariamente para a população – renegociar os contratos e ceder às vantagens solicitadas pelo concessionário. O pedágio barato ou o ágio elevado acabam virando serviços de má qualidade, preços crescentes e insuficiente ampliação dos serviços.

Nossa infraestrutura é precária. Necessitamos urgentemente de gerar ganhos de produtividade, para acelerar o crescimento da economia, e o setor de infraestrutura é vital nesse esforço. Nossas agências reguladoras não são suficientemente independentes para impor a ferro e fogo o cumprimento dos contratos. Nosso judiciário não tem tradição de zelar pelo cumprimento de contratos.

Por isso, torna-se inevitável aceitar que os concessionários tenham uma margem de lucro maior. Forçar a mão em favor de tarifas mais baixas ou da geração de ágios para financiar outros investimentos públicos tende a afastar os concorrentes que se recusam a trabalhar com a hipótese de colocar a “faca no pescoço” do Governo após o leilão, exigindo renegociações. Aqueles que aparentemente aceitam as regras do jogo o fazem por acreditar que terão cacife político para renegociar o contrato a posteriori e mudar as regras a seu favor.

Ao contrário da política de proteção da indústria nacional, em que os custos são socializados e os benefícios apropriados por poucos, no caso da concessão de infraestrutura vale a pena pagar mais caro. Ou melhor: é imperioso pagar mais caro,  porque uma boa infraestrutura beneficiará a todos, mediante fortes externalidades, que aumentarão a produtividade de toda a economia, expandindo a renda e o crescimento. Entre os beneficiários da boa infraestrutura se inclui a própria indústria nacional, que ganhará competitividade de forma sustentável e não apenas artificial.

Texto publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 21 de maio de 2012.

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Quem deve pagar a conta dos subsídios nos serviços de utilidade pública? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1028&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quem-deve-pagar-a-conta-dos-subsidios-nos-servicos-de-utilidade-publica https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1028#comments Tue, 07 Feb 2012 13:18:22 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1028 Muito mais corriqueiramente do que se imagina, alguns consumidores ajudam a pagar a conta de outros. São os chamados subsídios cruzados. Muitas vezes esses subsídios são difíceis de serem percebidos. Por exemplo, quem pede para embalar um presente está sendo subsidiado por quem não solicita esse serviço (afinal, o custo do papel e da mão-de-obra que irá embalar está embutido no preço final do bem); quem come pouco ajuda a pagar a conta de quem come muito em um rodízio; um paciente que demanda menos tempo do médico subsidia o que demora mais; quem parcela o pagamento de passagens aéreas sem pagar juros está sendo financiado por aqueles que pagam à vista.

Em todos os exemplos acima, o subsídio cruzado surge como uma solução de mercado, pois diferenciar o preço traria custos além dos benefícios. Pode também ser uma estratégia de marketing: cobrar por certos serviços pode parecer antipático aos olhos do consumidor. Apesar disso, ao longo dos últimos anos, vimos que a sociedade tem cada vez mais aceitado pagar valores diferentes, de acordo com os serviços adquiridos. Dessa forma, é cada vez mais comum shopping centers cobrarem pelo estacionamento, companhias aéreas cobrarem pelo despacho de malas ou pela comida servida a bordo, e lojas cobrarem para embalar produtos.

O que explica o fato de, em alguns casos, as empresas preferirem manter os subsídios cruzados e em outros casos optarem por diferenciar os preços conforme o serviço ou bem consumido é o custo que se incorre para fazer a diferenciação dos preços. Manter alguém vigiando a entrada de um banheiro restrito a pagantes pode ser mais caro do que liberar o acesso; cobrar um preço diferente para cada tipo de alimento em um restaurante a quilo é praticamente inviável; pode ser mais barato contratar um empacotador do que perder tempo com o próprio cliente empacotando as compras em um supermercado.

Preços uniformes também reduzem o custo de informação. A decisão de um consumidor fica mais fácil se ele sabe, de antemão, o preço dos ingressos nos cinemas X e Y, sem se preocupar com a duração ou com o custo de produção do filme. A informação de uma vitrine é mais clara se o preço de um modelo não depender do tamanho da roupa.

Por fim (e lembrando que essas explicações não formam uma lista exaustiva), pode haver assimetrias de informação e conflitos de interesse que tornam a diferenciação de preços ineficiente. Por exemplo, se o preço de um bem depender do tempo de negociação ou da duração do serviço (o tempo gasto em uma consulta médica ou em um corte de cabelo), pode ser gerado um incentivo perverso de as transações se estenderem além do tempo necessário. Um caso clássico é o do jornal Pravda, editado na antiga União Soviética, no qual os jornalistas eram remunerados pelo tamanho das reportagens escritas, o que resultava em textos enormes.

Em princípio, quando o preço pago é diferente do custo de produção, gera-se uma ineficiência na economia, com perda de bem-estar. Nos casos acima, entretanto, o subsídio cruzado pode aumentar a satisfação da sociedade se a cobrança de preços diferenciados gerar custos maiores do que a ineficiência decorrente da uniformização de preços.

Há situações, entretanto, em que o subsídio cruzado decorre de restrições institucionais. Um exemplo é a proibição de cobrança de preços diferenciados para compras à vista e com cartões de crédito (sobre esse tema, ver o artigo Deve-se proibir a diferenciação de preços entre compras à vista e com cartão de crédito?, neste site). Mas é na prestação de serviços de utilidade pública que ocorrem com maior frequência os subsídios cruzados.

Talvez a principal justificativa para o uso desses subsídios seja política. Em primeiro lugar, por não serem transparentes, são mais fáceis de serem cobrados. É mais provável que o usuário culpe a concessionária pelo alto preço da tarifa do que o governo, que está lhe tributando.

Em segundo lugar, porque a sociedade parece aceitar com certa facilidade a ideia de solidariedade entre grupos, ainda que artificialmente construídos e que não façam sentido econômico. Os consumidores passam a ser agregados em grupos como passageiros de ônibus, consumidores de energia, de água, etc, e tornam-se (compulsoriamente) solidários, com os mais abastados subsidiando os mais pobres.

Um exemplo está no transporte urbano, no qual os idosos têm direito a passagens gratuitas. Quem paga por isso? Normalmente são os demais usuários do transporte. Se não houvesse problemas de assimetria de informação, esse subsídio cruzado seria claramente indesejável do ponto de vista social.

Em primeiro lugar, porque a discrepância entre preço e custo (os passageiros pagantes pagam acima do custo, e os passageiros não pagantes ou com direito a desconto pagam abaixo do custo de produção), per si, gera ineficiências na alocação de recursos: os passageiros não subsidiados vão fazer menos viagens do que fariam se não precisassem subsidiar os mais velhos. Em segundo lugar, porque é injusto. Por que é o passageiro de ônibus (frequentemente, pertencente às classes menos favorecidas) quem deve pagar pelo transporte do idoso e não, digamos, quem anda de carro, quem vai ao cinema, quem faz compras no supermercado?

Não se trata aqui de discutir o mérito de os idosos poderem ou não viajar de graça. A questão é quem deve pagar por isso. Se a sociedade entende que a gratuidade (ou qualquer desconto) é justa, então deve ser o contribuinte, via pagamento de impostos – e não o usuário do ônibus – quem deve pagar pelo serviço.

Pode haver, entretanto, problemas de assimetria de informação que justifiquem o subsídio cruzado. A empresa de ônibus pode ter incentivos para inflar o número de idosos transportados e, com isso, arrecadar mais subsídios (pagos pelo orçamento público) do que teria direito. Se o custo de fiscalização for alto e/ou se o número de idosos usuários do sistema público de transporte for baixo (o que implica baixo impacto sobre os custos totais) pode ser socialmente preferível manter o sistema de subsídios cruzados.

Subsídios cruzados estão também presentes nas tarifas de energia e saneamento. Nos dois casos, as tarifas são definidas de forma a garantir a viabilidade financeira das respectivas concessionárias. Via de regra, as tarifas aumentam de acordo com a faixa de consumo e são calculadas de forma a viabilizar o provimento do serviço para as populações mais pobres e a expansão da rede. No caso da energia elétrica, a tarifa final embute ainda encargos destinados a financiar o fornecimento de energia para usuários que residem em algumas áreas da Região Norte[1].

É difícil encontrar justificativas econômicas para o subsídio aos consumidores dos estados nortistas por meio da tarifa de energia dos demais usuários. Assim como no exemplo da passagem de ônibus. Se a sociedade entende que deve haver o subsídio, é o contribuinte, via imposto, quem deve financiar o usuário de energia da Região Norte. Como se trata de uma transferência de recursos entre concessionárias, não se pode argumentar aqui que o subsídio cruzado pode ser justificado com base em redução de custos de informação, de transação ou para resolver problemas de assimetria de informações.

É igualmente difícil de justificar os usuários pagarem pela expansão da rede. Do ponto de vista distributivo, não faz sentido quem consome hoje subsidiar o consumidor de amanhã[2]. Para haver eficiência alocativa, é necessário que a tarifa reflita o custo de produção do serviço, que deve incluir o custo do financiamento para a infraestrutura já realizada. Se a tarifa passa a incluir também o financiamento para as concessionárias, seu valor passará a superar o custo de produção, fazendo com que o consumo de energia/saneamento fique abaixo do socialmente ótimo. Isso se torna ainda mais grave quando se considera que esses serviços trazem importantes benefícios à sociedade (externalidades positivas) (sobre as externalidades de água e saneamento, ver, neste site, o texto Por que é tão elevada a carga tributária sobre os serviços de saneamento básico?; e sobre o conceito de externalidades ver, também neste site, o texto Por que o governo deve intervir na economia?).

Por fim, é também discutível se a tarifa por Kwh consumido de quem consome mais deve ser maior do que a de quem consome menos. Se o objetivo é fazer justiça distributiva, não é esse o caminho mais adequado. Em primeiro lugar, porque a distribuição de renda quando feita pelo orçamento (ou seja, via impostos) não distorce o preço da energia/água em relação aos outros bens (uma vez que seriam igualmente tributados), reduzindo os impactos deletérios sobre a eficiência alocativa de recursos.

Em segundo lugar, porque não necessariamente está se fazendo justiça distributiva, pois a relação entre consumo de água/energia e riqueza não é direta. Famílias grandes tendem a consumir mais, mesmo não sendo mais ricas. Quem tem mais capital pode investir em um sistema de aquecimento solar, bem como trocar os aparelhos eletrodomésticos, reduzindo o seu consumo de energia. Pessoas que têm o hábito de comer fora e lavar a roupa em lavanderias também tendem a apresentar consumo mais baixo de água e energia. Casas de praia e de campo têm baixo consumo, pois são usadas apenas no final de semana. Enfim, o melhor indicador de riqueza de um indivíduo é sua renda e seu patrimônio, e não seu consumo de água e energia. A tributação da renda e do patrimônio é, dessa forma, um instrumento mais eficiente para se fazer justiça social do que a tributação sobre água e energia.

O subsídio cruzado nas contas de energia e água poderia ser justificado com base na redução de custos de transação. Esses custos, entretanto, devem ser relativamente baixos, pois não deve ser difícil para os órgãos reguladores (ou quem quer que venha a ser responsável pelo pagamento de subsídios) ter acesso ao consumo de cada domicílio, a partir do qual seria calculado o subsídio a que a concessionária teria direito.

Em síntese, mesmo reconhecendo que há justificativas para que serviços de utilidade pública sejam subsidiados, o financiamento desses subsídios deveria se feito através do orçamento público. A prática de se cobrar tarifas mais altas dos usuários que consomem mais, além de não garantir justiça social, pode reduzir o bem-estar da população devido à ineficiência gerada na alocação de recursos.

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[1] Sobre uma abrangente revisão dos encargos embutidos nas tarifas de energia elétirca, vide: Montalvão, Edmundo: “Impacto de tributos, encargos e subsídios setoriais sobre as contas de luz dos consumidores”, disponível em: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD62-EdmundoMontalvao.pdf.

[2] Assim como nos casos anteriores, faz sentido, se a sociedade assim o entender, que o contribuinte hoje financie o contribuinte de amanhã.

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Flexibilizar o horário do programa “A voz do Brasil” proporciona bem-estar social? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=867&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=flexibilizar-o-horario-do-programa-a-voz-do-brasil-proporciona-bem-estar-social https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=867#comments Mon, 28 Nov 2011 11:52:59 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=867 Há proposições no Congresso Nacional que buscam flexibilizar o horário de veiculação do programa de rádio A Voz do Brasil. Pelas regras atuais, A Voz do Brasil é apresentada obrigatoriamente todos os dias úteis da semana no horário de 19 às 20 hs. Uma das alternativas propostas é permitir o horário de apresentação do programa entre o intervalo das 19 às 22 hs. Dessa forma, as rádios poderiam escolher, dentro da melhor conveniência, a retransmissão do programa.

Os debates no parlamento, sobre o tema, originaram três correntes de pensamento em torno do programa. A primeira posiciona-se pela extinção da obrigatoriedade da transmissão; a segunda corrente defende a continuação da obrigatoriedade com horário único e fixo para veiculação e, finalmente, há a que advoga pela manutenção da obrigatoriedade, porém, com a livre escolha do horário da transmissão.

A ABERT (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) tem pressionado os deputados e senadores pela aprovação da flexibilização. O argumento é que esse horário é considerado nobre, com potencial econômico grande para as rádios e, ainda, a mudança poderia colaborar na prestação de serviços. Dessa forma, poderia ser mais explorado comercialmente.

Outra corrente de atores políticos, que também são favoráveis à flexibilização, acreditam que a população teria ganhos com o fim da rigidez do horário. O argumento utilizado diz respeito ao horário do programa hoje em vigor, que é justamente o período onde ocorre o maior fluxo de trânsito nas grandes metrópoles brasileiras. Assim, os envolvidos, e muitas vezes presos literalmente no trânsito, deveriam poder escolher de forma a maximizar sua utilidade, fato que hoje não ocorre devido à obrigação de transmissão do programa.

Os atores políticos contrários à proposta partem do princípio de que as regiões do Brasil, menos favorecidas economicamente, saem perdendo com a flexibilização, visto que o acesso a jornais e televisão é mais restrito. Outro argumento questiona: quem vai fiscalizar se as emissoras de rádio estarão de fato transmitindo em horários diferenciados? Entretanto, quanto à punição, está estipulada na proposição a suspensão por um dia das atividades das emissoras de rádio que descumprissem as normas de retransmissão. Isso mostra que a punição está de acordo, já que o prejuízo da emissora é grande se ela contrariar a lei. Resta saber se a punição seria efetiva.

Não flexibilizar fere a liberdade de escolha do cidadão, uma vez que ter um horário obrigatório em rede nacional torna-se uma imposição que só encontra situações semelhantes em países com regimes políticos fechados e ditatoriais. Além do mais, flexibilizar corrigiria uma falha de mercado (concorrência desleal entre as TVs e as rádios, pois os primeiros não têm a obrigação de ceder espaço em horário determinado pelo governo). Entretanto, temos que considerar o ponto de vista do Estado, que deverá criar uma estratégia de informação que lhe sirva para defender os seus próprios interesses dentro das regras do jogo. Ou seja, adaptar os pontos de vista globais a um modelo que favoreça um determinado conjunto de interesses nacionais e sociais, sem que, com isso, comprometa a eficácia do poder.

A dificuldade para alteração das atuais regras se dá pelo jogo de interesses entre o governo, políticos sem concessão de rádio, ABERT e os políticos com concessão de rádio. A ferramenta utilizada para manusear esse jogo é o lobby. O interesse comercial da Associação, somado a políticos (com concessão), que estão trabalhando em causa própria, pode proporcionar externalidades negativas para a sociedade, uma vez que esses atores defendem suas próprias motivações.

Assim, cabe ao Estado regular a atividade para proteger o interesse público, porém, tomando os devidos cuidados contra possíveis falhas de governo. Uma delas é o privilégio do governo de dispor de um horário exclusivo para expor seus projetos e ideias, o que caracteriza um monopólio estatal, visto que a oposição não tem a mesma regalia.  Com isso, perde a sociedade, pois é necessária uma pluralidade de informações, uma vez que os meios de comunicação, em uma democracia, deveriam levantar um debate de ideias para que os indivíduos possam formular suas próprias opiniões.

Outra situação de ineficiência é vista quando o mercado ou o Estado produziriam menos riqueza e bem-estar do que seria desejável e possível. Isso é decorrente de um problema na alocação eficiente dos recursos. Uma delas é o monopólio, onde o monopolista tem incentivos para aumentar seus preços e extrair parcela do bem-estar do consumidor. Para a presente discussão, torna-se especialmente interessante a análise do monopólio estatal, que coloca a imprensa oficial em cômoda situação na qual até mesmo a ineficiência e a má qualidade são premiadas pela fidelidade compulsória dos consumidores.

O Poder Judiciário, ao analisar a questão, utiliza a ótica estritamente legal, argumentando que a radiofrequência é uma concessão da União e, portanto, não cabe às rádios argumentarem que a obrigatoriedade da Voz do Brasil seja uma violação à liberdade de expressão. Isto é, não houve uma correta avaliação da eficiência ou do bem estar social, que estão inseridos no entendimento da análise econômica do direito.

O fato de o Estado deter o monopólio sobre o horário de transmissão do programa pode acarretar ineficiências, pois não há motivação para inovações. O Estado não tem incentivos para investir em melhorias e mudanças no programa, já que não conta com concorrência pela audiência. Isso fica mais evidente ao observar o formato padronizado e muito constante ao longo dos anos de transmissão. A consequência imediata é que, apesar da exclusividade do horário, não se está utilizando a melhor maneira de transmitir a informação.

Como o programa é uma das poucas maneiras pela qual a sociedade tem de receber notícias dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, seria prejudicial simplesmente extingui-lo. Assim, por meio dos seus representantes no Congresso Nacional ou por outros canais de comunicação, é importante que a população sinalize sua preferência pela manutenção ou flexibilização do horário. Dessa forma, diminuiria a assimetria informacional no processo decisório, fazendo com que, mesmo influenciados pelo lobby, os representantes atentem para o bem-estar social.

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Bibliografia utilizada

ARAGÃO, Alexandre dos Santos, inAgência Reguladoras” – Editora Forense – 2006 – p. 37.

Análise Econômica do Direito [Internet]. Fernando Meneguin. 2011. Disponível em: <http://aulasaed.wordpress.com/>.

CAMPOS, H. Alves de. Falhas de Mercado e Falhas de Governo: uma revisão da literatura sobre regulação econômica. Prismas: Direito, Políticas Públicas e Mundialização (Brasília. Impresso), v. 5, n.2, p. 281-303, 2008.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella.  Parcerias na Administração Pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parceria público-privada e outras formas. 8. ed. rev. e amp. São Paulo: Atlas, 2011, p. 204-205.

GARRIDO, L. P.; De Lima Dantas, George Felipe. Mal-estar da segurança Pública. Revista Jurídica Netlegis, 16 dez. 2010.

RUA, Maria das Graças. Análise de Políticas Públicas: Conceitos Básicos. Washington, Indes/BID, 1997, mimeo.

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Quem ganha com a meia-entrada? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=811&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quem-ganha-com-a-meia-entrada https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=811#comments Mon, 24 Oct 2011 18:26:01 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=811 I) A legislação da meia-entrada e equidade

Uma das regras mais conhecidas dos brasileiros é a meia-entrada em cinemas, shows, peças de teatro e outros eventos para estudantes[1] e, mais recentemente, idosos[2].

No segundo semestre de 2011, no entanto, a racionalidade da regra da meia-entrada tem sido debatida em função do questionamento da FIFA à sua aplicação nos jogos da copa do mundo, por comprometer suas receitas, e do estatuto da juventude[3] que garantiu o “direito” à meia-entrada a todo o jovem estudante com idade inferior a 30 anos.

Sempre houve dúvida se fazia sentido prover um desconto de 50% na entrada para estudantes e idosos, que se justificaria por uma alegada situação de “fragilidade” gerada pela “pouca” ou “muita” idade do indivíduo.

No caso de idosos, há uma desconfiança mais significativa sobre a “justiça” embutida na regra, dado que há uma relação positiva entre renda e idade como mostrado por Giambiagi e Castelar (2006)[4]. Se o Estado está privilegiando um segmento com renda média maior que a da população, o mecanismo implica uma piora na distribuição de renda da sociedade, o oposto do que teoricamente se busca com a medida.

No caso de estudantes, são conhecidas as variadas formas de se conseguir uma “carteirinha” por qualquer curso que se faça ou mesmo por simples fraude. Ademais, é sabido que grupos de maior renda ficam mais tempo na escola e universidade. Assim, é pouco claro em que medida a regra de meia-entrada para “estudantes” apresente a alegada direção de política social que lhe é atribuída.

De qualquer forma, as imagens de estudantes no início da vida e, portanto, com baixa ou nenhuma renda própria e de idosos com rarefeitas oportunidades de diversão tendem a ser fortes o suficiente para fazerem com que haja  aceitação da sociedade em relação ao tratamento diferenciado da meia-entrada.

Já em relação a todo o universo de adultos, estudantes ou não, até os 30 anos, mesmo com a maior das boas vontades, ficou patente que a medida protetiva foi longe demais.

II) Meia-entrada voluntária e discriminação de Preços

Mesmo que o governo não imponha a regra de meia-entrada, é plausível que os próprios ofertantes do serviço desejem utilizar alguma regra de discriminação de preços[5] que se baseie em proxies da disposição a pagar dos indivíduos. Quanto mais a variável observada identificar maior disposição a pagar, maiores os preços cobrados. Quanto melhor a calibragem desta discriminação, mais o empresário consegue lucrar sobre a mesma base de clientes.

Há três dificuldades básicas, entretanto, para que o empresário seja capaz de implementar esta discriminação. Primeiro, ele tem que ter algum poder de mercado ou se coordenar com outros empresários para implementar a mesma regra de discriminação. Isso porque se um empresário cobrar mais de um determinado grupo e outro não, naturalmente o segundo atrairá clientela do primeiro e frustrará a tentativa de discriminar preços.

Segundo, ele tem que ser capaz de evitar arbitragem, ou seja, um consumidor com preço mais baixo não pode adquirir o ingresso e repassar para um consumidor que teria que pagar um preço mais alto. Isso é usualmente conseguido estabelecendo (custosos) controles na entrada do espetáculo, requerendo a carteirinha com foto ou alguma prova de que aquele é realmente o consumidor que faz jus a um preço mais baixo.

Terceiro, o empresário deve ter algum mecanismo de identificação das características do indivíduo que indiquem o quanto ele está disposto a pagar. Menores de idade, por exemplo, tendem realmente a estar menos dispostos a pagar simplesmente por não terem renda e/ou depender dos adultos. O controle do empresário que deseja extrair o máximo de seus clientes pode ser eventualmente refinado cobrando menos só dos menores estudantes de escolas públicas, considerando que, para os menores estudantes de escola privada, os pais adultos tendem a ser mais generosos em prover a diversão de seus filhos, incrementando a disposição a pagar.

De qualquer forma, a capacidade de observar características que estejam associadas à disposição a pagar dos indivíduos tende a ser limitada, diminuindo o espaço para uma estratégia de discriminação de preços na entrada de espetáculos bem sucedida.

A ideia desta nota é realizar alguns exercícios de bem-estar da regra de meia-entrada com base em possíveis configurações das variáveis de disposição a pagar de grupos, A e B, e do número  de pessoas existentes em cada grupo.

III) Consequências econômicas da meia-entrada: análise de quatro casos

Há várias formas possíveis de simular o comportamento dos agentes. Uma das possibilidades mais rigorosas formalmente seria assumir grupos com preferências distintas entre si, gerando curvas de demanda também específicas para cada grupo. Dai se derivaria o processo de maximização de lucros do monopolista discriminador.

Uma forma de tornar tal exercício muito mais simples e intuitivo é assumir que cada indivíduo adquire apenas uma unidade e que todo o indivíduo de um de dois grupos possíveis possui tão somente um único “valor de reserva”  (em cada grupo). O “valor de reserva” é o preço máximo que cada grupo se dispõe a pagar[6]. Ademais, repetindo o exercício para algumas poucas configurações diferentes, já conseguimos identificar os principais resultados e variáveis envolvidas no que seria o caso mais geral.

Assim, suponha que A e B sejam dois grupos. O governo definirá uma regra de meia-entrada em favor do grupo B. O empresário observa precisamente quem pertence a A e quem pertence a B. Também tem informação completa sobre a máxima disposição a pagar e o número de pessoas em cada grupo, não enfrenta concorrência e é capaz de evitar arbitragem entre os grupos. Em síntese, assumimos que as dificuldades de implementação da discriminação apontadas na seção anterior não se verificam. Os custos da discriminação de preços são zero.

Vejamos o primeiro caso em que haja uma divisão populacional de 50%/50% entre os dois grupos em uma população hipotética de 100 indivíduos. Sejam os seguintes dados:

Caso 1 – Grupos Balanceados e Máximas Disposições a Pagar Não Muito Diferentes

Grupos Máxima disposição a pagar Número de pessoas no Grupo
A 10 50
B 7 50

Primeiro, cabe avaliar qual a melhor estratégia do empresário sem regulação. Ele simplesmente fixaria os preços conforme a máxima disposição a pagar de cada grupo, ou seja o preço para os de A pa =10 e o preço pb=7 para os de B. Sua receita (e, portanto, lucro, tendo em vista a hipótese de não haver custos) será

Receita sem regulação caso 1 = 10*50 + 7*50= 500 + 350 = 850

Agora suponha que o Estado imponha a regra de meia-entrada, ou seja, a entrada de um grupo (B) deve ser a metade da entrada do outro (A). Não há regulação absoluta de preço, apenas da relação entre eles (um deve ser a metade do outro). O empresário irá comparar duas estratégias de mercado, tendo como dada a restrição da meia-entrada. A primeira incorporando todos os consumidores A e B e a segunda excluindo ou os consumidores A ou os consumidores B.

Para não excluir os consumidores A no caso 1, o empresário fará pa= 10. Dada a regra de meia-entrada, pb=5 e, portanto, quando decide não excluir A, ele também não exclui B que, com disposição a pagar $ 7, aceitará pagar $ 5. A receita será, portanto:

Receita com regulação de meia-entrada sem exclusão de A caso 1 = 10*50 + 5*50 = 500 + 250 = 750

Se adotada a estratégia de não exclusão de qualquer grupo no caso 1, a regra de meia-entrada transfere ($ 850 – $ 750 = $ 100) de renda dos exibidores de espetáculos para o grupo B, que é aparentemente o que se pretende com a política.

Agora suponha que o empresário exclui A de forma a conseguir extrair o máximo possível de B. Assim, o preço da meia será pb= 7 e, por conseguinte, a da inteira se torna pa=14. Nesse caso, o preço de A ($14) excede o máximo que os consumidores A estão dispostos a pagar ($7) e, portanto, não há receitas de A. Em compensação aumentam as receitas de B.

A diferença é que na hipótese de não exclusão parte-se de pa=10, que é o preço que não alija o grupo A do mercado e chega-se à meia-entrada pb=5, enquanto que na hipótese de exclusão, parte-se do máximo que B está disposto a pagar de meia-entrada Pb=7 e chega-se ao valor da inteira Pa=14, invertendo a lógica de precificação. Visto de outra forma, na primeira hipótese é o preço da inteira que define o preço da meia-entrada (o que é a hipótese implícita na regulação de meia-entrada), enquanto que na segunda hipótese é o preço da meia-entrada que define o preço da inteira.

Teríamos a seguinte receita com regulação de meia-entrada e exclusão de A no caso 1:

Receita com regulação de meia-entrada com exclusão de A caso 1 = 7*50 = $350

Nesse caso 1, a opção do empresário por não excluir A é superior dado que a receita sem exclusão (750) supera a com exclusão (350) de A. O grupo A é um segmento suficientemente valioso para induzir o empresário a não optar por sua exclusão, ainda que pudesse cobrar $2 a mais no ingresso de B.

O governo consegue baratear a entrada para B sem qualquer custo em termos de exclusão do grupo A no caso 1. Note-se, de qualquer forma, que este barateamento não é de $5, a diferença do preço da inteira para a meia, mas de $ 2, a diferença do que os consumidores de B pagariam com discriminação perfeita ($ 7) com a regulação da meia-entrada neste caso ($5). Isso decorre do suposto de que o empresário observa a disposição a pagar de cada grupo e quem está em cada grupo. Assim, ainda que não houvesse regulação de meia-entrada, o empresário discriminaria voluntariamente preços e cobraria $ 3 a menos do grupo B, exatamente na medida de sua disposição a pagar em $ 7[7].

Como o empresário neste caso sempre opta por não excluir qualquer grupo do mercado, o custo da política de meia-entrada incide tão somente sobre os exibidores de espetáculos, transferindo um total de $ 850 – $ 750= $ 100 para o grupo B em função do desconto de $2, que é a diferença entre a situação de livre discriminação de preços ($ 7) e a de regulação de meia-entrada ($ 5).

De qualquer forma, como o que o grupo B ganha é exatamente o que os exibidores perdem ($ 100), não há uma perda líquida gerada pela política de meia-entrada, mas tão somente transferência de renda.

Uma hipótese importante do caso 1 é o número de indivíduos ser igualmente repartido entre os dois grupos, 50% para A e 50% para B. Vejamos o efeito de alterar esta proporção para 15% para A e 85% para B, fazendo crescer o grupo beneficiado pela política. A inclusão dos idosos na regra de meia-entrada pode constituir um exemplo de causa para este movimento ao que chamaremos de caso 2.

Caso 2 – Grupos Não Balanceados e Máximas Disposições a Pagar Não Muito Diferentes

Grupos Máxima disposição a pagar Número de pessoas no Grupo
A 10 15
B 7 85

Mais uma vez, cabe iniciar pelo cálculo da receita que seria obtida se o empresário pudesse discriminar livremente seus preços.

Receita sem regulação caso 2 = 10*15 + 7*85= 150 + 595 = 745

A receita do empresário sem exclusão de qualquer dos grupos agora será dada fazendo o preço da inteira pa=10, de forma a garantir a inclusão de A com o máximo de extração do excedente do consumidor, e, portanto, pb=5:

Receita com regulação de meia-entrada sem exclusão de A caso 2 = 10*15 + 5*85 = $ 150 + $425 = $ 575

Agora vejamos o que acontece se o empresário exclui A, cobrando B pelo máximo que estão dispostos a pagar pb=7 na meia-entrada e pa=14 na inteira:

Receita com regulação de meia-entrada com exclusão de A, caso 2 =  7*85 = $ 595

Ou seja, a receita com exclusão de A ($ 595) é superior à sem exclusão ($ 575), após um incremento suficientemente grande no número relativo de beneficiários da meia-entrada. Esta diferença induzirá o exibidor a precificar de forma a excluir o grupo A, ainda que este seja o grupo com maior disposição a pagar. Isto ocorre porque a perda de receitas pela diferença de $ 2 entre o cenário em que o empresário pode discriminar livremente ($7) e aquele em que ele deve cobrar metade do ingresso do grupo A (em que houve redução no número de pessoas, de 50 para 15), quando este último não é excluído ($5) passa a multiplicar agora um contingente relativamente grande de pessoas (85 em lugar de 50). Este incremento da relevância numérica de B é o que explica a inversão da lógica. Agora, é  o preço da meia-entrada que define o preço da inteira, e não o oposto, como é usualmente esperado pelos formuladores da política.

Nesta nova situação, o custo da política de meia-entrada não incide apenas sobre os exibidores de espetáculos, cuja receita cai de $ 745 para $ 595, em $ 150, mas também sobre o grupo A, cujo preço sobe acima ($ 14) daquilo que eles estão dispostos a pagar ($ 10) e, portanto, ficam, neste novo equilíbrio, excluídos do mercado.

Um ponto importante aqui é que, diferentemente do caso 1, o que o grupo B ganha é inferior ao que os exibidores perdem, tendo em vista a exclusão do grupo A, caracterizando uma perda de eficiência líquida no mercado. Os exibidores perdem $ 745 – $ 595 = $ 150 e o grupo B não ganha nada pela política de meia-entrada já que o preço cobrado de $ 7 é precisamente igual ao máximo que B está disposto a pagar, estando, portanto, calibrado para extrair todo o excedente de B. Ou seja, o preço de B neste novo equilíbrio é o que seria caso houvesse plena liberdade para discriminar.

Os exibidores desejariam ofertar e os consumidores A desejariam demandar a este preço $10, mas o equilíbrio gerado pela regulação de meia-entrada induz os primeiros a desconsiderarem os segundos.

Outro caso interessante acontece quando, ainda que as quantidades relativas dos dois grupos sejam balanceadas (50%/50% como no primeiro caso), a distância das disposições a pagar daqueles é suficientemente elevada para que a política de meia-entrada gere uma tendência de excluir o grupo B. Assim, suponha os seguintes dados:

Caso 3 – Grupos Balanceados e Máximas Disposições a Pagar Muito Diferentes

Grupos Máxima disposição a pagar Número de pessoas no Grupo
A 10 50
B 3 50

O resultado da receita com liberdade de precificação será o exibidor precificar com Pa=10 e Pb=3. Ou seja, o exibidor gostaria de ir além da meia-entrada e cobrar um preço ainda menor (Pb=3).

Receita sem regulação, caso 3 = 10*50 + 3*50= 500 + 150 = 650

Se o exibidor não fosse excluir nenhum grupo, ele teria que cobrar a meia-entrada pb=3 de B e, por conseguinte, a inteira pa=6 de A. Sua receita ficaria:

Receita com regulação de meia-entrada sem exclusão de B caso 3 = 6*50 + 3*50 = $ 300 + $150 = $ 450

Se o exibidor cobrar pa=10 de A, ele exclui o grupo B, pois a meia-entrada pb=5 é superior ao máximo que este grupo está disposto a pagar $ 3. Sua receita será:

Receita com regulação de meia-entrada com exclusão de B caso 3 = 10*50 = $ 500

Ou seja, a receita com exclusão de B ($ 500) é superior à sem exclusão ($ 450), sendo, portanto, a preferida do exibidor. A política de meia-entrada, neste caso 3, exclui justamente o grupo alvo B. O preço da inteira é calibrado para atender tão somente o mercado de elite A, deixando de lado o mercado B. A perda do exibidor por ingresso vendido ao grupo A, para viabilizar o atendimento do grupo B, é $ 10 – $ 6 = $ 4. A depender do número de indivíduos no grupo A, a perda total de receita pode ser muito relevante.

Note-se que o exibidor tem uma perda de $ 650 – $ 500 = $ 150 em função da política de meia-entrada, sem haver ganho por parte de qualquer grupo de consumidores, representando, portanto, mais uma vez perda líquida da economia. Para não excluir B, o exibidor perderia ainda mais $ 50 (a diferença entre $ 500 e $ 450), incrementando a ineficiência da economia para $ 200.

Se o desconto da meia-entrada representar um teto de preço e não “o preço” para o grupo B, esta ineficiência pode ser evitada. Isso porque o exibidor pode simplesmente replicar o resultado da receita sem regulação ($ 650), fazendo um valor da inteira igual à máxima disposição a pagar de A, pa=10, mas um valor da “meia” inferior à metade das inteira, pb=3. Resta saber se os consumidores interpretarão isto como uma vantagem a mais para os consumidores meia-entrada B ou, interpretação igualmente válida, uma desvantagem mais que proporcional à regulação usual da meia-entrada por um preço da inteira superior ao dobro da meia-entrada. Se a percepção do exibidor for de que a segunda interpretação menos benigna será aquela mais considerada e se isso se reverter em pressão política para baixar o preço da inteira, então volta-se ao equilíbrio com ineficiência e perda líquida.

Este resultado negativo gerado pela elevada diferença de disposição a gastar dos dois grupos ($ 10 -$ 3=$ 7) também poderia não acontecer se houvesse um número relativamente maior de indivíduos em B comparado a A. Assim, por exemplo, suponha que B represente 85% da população contra 15% de A. Teremos agora o caso 4:

Caso 4 – Grupos Não Balanceados e Máximas Disposições a Pagar Muito Diferentes

Grupos Máxima disposição a pagar Número de pessoas no Grupo
A 10 15
B 3 85

Com livre precificação, a receita do exibidor seria:

Receita sem regulação caso 4 = 10*15 + 3*85= 150 + 255 = 405

Sem exclusão do grupo B, o preço da meia-entrada deveria ser no máximo Pb=3 e, portanto, a inteira alcançaria Pa=6.

Receita com regulação de meia-entrada sem exclusão de B caso 4 = 6*15 + 3*85 = $ 90 + $ 255 = $ 345.

Se o exibidor decidir excluir B, sua receita passará a ser:

Receita com regulação de meia-entrada com exclusão de B caso 4 =10*15 =  $ 150.

A exclusão deixa de ser um bom negócio com as novas proporções pois o exibidor perderia $ 345 – $ 150 = $ 195 se apenas focasse o mercado de elite.

Note-se que, sem a exclusão do grupo B, não há mais ineficiência da economia. O exibidor perde $ 405 – $ 345 = $ 60 e o grupo A ganha a diferença entre o que pagaria com livre discriminação ($10) e com a política de meia-entrada ($ 6), igual a $4, o que multiplicado por 15 indivíduos de A resulta em um ganho total para A também de $ 60. Ou seja, o exibidor perde exatamente o que o grupo A ganha, não havendo perdas líquidas na economia.

O ponto curioso aqui é que quem ganha realmente com a política de meia-entrada não é o grupo alvo (B), mas sim o outro grupo (A) com maior disposição a pagar.

Ou seja, a alegada “fragilidade” do grupo beneficiário B não poderia ser utilizada como justificativa, nesse caso 4, para implementar a política de meia-entrada. O bem-estar do grupo B simplesmente não se altera com a política. Constitui uma transferência dos empresários exibidores para o grupo considerado não frágil (A).

IV) Conclusões

O objetivo deste texto foi demonstrar a possibilidade de alguns resultados não esperados da política de meia-entrada adotada no Brasil.

Tal como identificado na literatura convencional de discriminação de preços, limitações nesta prática, como no caso da política de meia-entrada, podem levar à exclusão seja do grupo pretensamente beneficiário (caso 3), seja do grupo não beneficiário (caso 2) da política. Outra possibilidade que afronta os objetivos precípuos da política é que o resultado final implique uma transferência de renda dos empresários exibidores não para o público alvo da política (B), mas sim para o outro público (A).

O caso em que a política leva ao resultado esperado (caso 1) é aquele em que as disposições a pagar não são tão distintas entre os grupos e os beneficiários representam um percentual da população próxima a dos não beneficiários. Nesse caso específico, o público alvo não constitui uma exceção, que é usualmente uma premissa implícita deste tipo de política voltada às “minorias”. Na verdade, como todo subsídio, o conjunto de beneficiários tende a crescer e a pretensa “minoria” se torna a própria “maioria”.

No limite deste processo de conversão da minoria em maioria, pode-se chegar ao caso 2 em que o grupo não beneficiário é tão prejudicado, que se torna mesmo excluído do mercado. Nesse mesmo limite, curiosamente, o grupo beneficiário, na realidade, não ganha benefício algum. Como ele é muito grande, o empresário passa a precificar com o objetivo de extrair o máximo de excedente do consumidor deste grupo majoritário. Isso eleva tanto o preço dos beneficiários (a “meia”) que torna a inteira proibitivamente cara.

É possível que os constantes incrementos do número de beneficiários da legislação estejam empurrando a situação do Brasil para o caso 2. A política de meia-entrada deixa de ser uma discriminação positiva em relação aos beneficiários e passa a ser uma discriminação negativa em relação a todo o resto da sociedade, não obrigatoriamente os mais ricos.

Certamente que há uma série de ponderações a este raciocínio. No caso de cinemas, a competição de locadoras de vídeos, a venda de vídeos piratas e não piratas e, mais recentemente, streaming de vídeos na internet limitam naturalmente a capacidade de tais exibidores discriminarem preços. Para outros tipos de espetáculos o grau de diferenciação do produto pode conferir um razoável poder de mercado que se reflete em incremento da capacidade de implementar estratégias de discriminação de preços.

O ponto principal, de qualquer forma, é que o potencial de distorções gerado pela política de meia-entrada indica que sua eliminação pode gerar ganhos de bem estar na sociedade brasileira.


[1] A Medida Provisória 2.208, de 17 de agosto de 2001 é a lei federal que dispõe sobre a meia-entrada para estudantes. Esta regulação, no entanto, não obriga a meia-entrada, mencionando tão somente “eventuais descontos”, o que deixa claro que a definição do percentual é atribuição do empresário. Há, entretanto, leis estaduais que definem o desconto de 50% para estudantes, como a Lei nº 2519, de 17 de janeiro de 1996..

[2] A LEI No 10.741, DE 1º DE OUTUBRO DE 2003, que garante o desconto mínimo de 50% para os idosos. Como veremos abaixo, é possível que o resultado de mercado seja um desconto superior a 50% para algum grupo com menor disposição a pagar. Não obrigatoriamente (ou mesmo provavelmente não) o grupo com menor disposição a pagar e que pode ser identificado é o de idosos.

[3] O Projeto de Lei 4529/2004 (Estatuto da Juventude) em seu art. 25 garante a meia-entrada a jovens estudantes. Comparando-o com a Medida Provisória 2.208/2001 (nota de rodapé 2), a diferença real é que agora (a depender do veto da presidente) há uma lei federal que obriga a meia-entrada para estudantes jovens (até 29 anos). Como visto, no caso específico do Rio de Janeiro, há estados em que já há esta obrigação (eventualmente todos) de meia-entrada para estudantes, mas sem qualquer restrição de idade. Considerando, portanto, as legislações de âmbito federal e estadual, ainda cabe avaliar em que medida houve realmente ampliação do benefício no estatuto da juventude.

[4] Ver Giambiagi, Fabio; Castelar, Armando: “A Nova Reforma Previdenciária”. Pgs 139 a 140 em “Rompendo o Marasmo: A Retomada do Desenvolvimento no Brasil”. Os autores reproduzem dados de Ricardo Paes e Barros mostrando que a renda familiar per capita cresce e o grau de pobreza cai com a idade no Brasil.

[5] No caso, discriminação de preços de terceiro grau, pois a regra de meia-entrada identifica expressamente quais tipos de agentes farão jus a um determinado desconto. O principal artigo teórico sobre discriminação de preços é Varian,H.: “Price Discrimination”. In “The Handbook of Industrial Organization”. Eds. Schmalensee,R. and Willig,R.1989. A análise desta seção se baseia primordialmente nesta referência.

[6] Essa simplificação oferece a intuição básica sobre os principais problemas de regras que constranjam estratégias de discriminação de preços: a potencial exclusão de um ou outro grupo do mercado. E esta potencial exclusão é o que embasa a ideia mais geral da teoria da discriminação de preços que, em geral, constitui conduta que tende a incrementar e não reduzir o bem-estar social. Tal constatação sugere que o Estado, em geral, deve evitar restringir ou limitar práticas de discriminação de preços, sendo a meia-entrada uma das muitas políticas que potencialmente constrangem a conduta. Spulber,D (“Regulation and Markets”. The MIT Press. 1989), por exemplo, critica duramente o Robinson-Patman Act dos EUA que visa a restringir a prática de discriminação de preços na ação da autoridade antitruste americana: “Os efeitos competitivos e de bem-estar (da conduta de discriminação de preços) geralmente não justificam preocupações no antitruste. Restrições da autoridade antitruste na conduta de discriminação de preços são frequentemente uma forma desnecessária de regulação de preços que pode reduzir o bem-estar dos consumidores, excluindo-os do mercado junto a algumas firmas.”

[7] Outro exercício interessante também é contrastar estes resultados com o resultado de preço único. Este pode se derivar de: i) uma regulação proibindo discriminar preços; ii) incapacidade de o empresário discernir quem é quem ou observar os tipos; iii) incapacidade de o empresário evitar operações de arbitragem e estas serem relevantes, ou seja, os consumidores de menor preço sistematicamente adquirirem ingressos e venderem para os de maior preço; iv) o empresário desconhecer que há disposições a pagar distintas.

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O aperfeiçoamento da regulação dos mercados de produtos pode estimular a concorrência e o crescimento econômico do Brasil? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=553&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-aperfeicoamento-da-regulacao-dos-mercados-de-produtos-pode-estimular-a-concorrencia-e-o-crescimento-economico-do-brasil https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=553#comments Tue, 31 May 2011 14:02:48 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=553 Introdução

O desempenho econômico do Brasil, medido pela taxa de crescimento do PIB, melhorou consideravelmente desde a virada do milênio (Figura 1). Isso permitiu um aumento da renda per capita brasileira, o que contribuiu para uma redução do hiato de renda (medida em paridade de poder de compra[1]) entre o Brasil e a média dos países-membros da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No entanto, apesar do progresso dos últimos anos, a renda per capita brasileira situa-se em apenas cerca de 35% da renda per capita média dos países da OCDE. Para fechar este hiato de renda, o Brasil terá que sustentar uma taxa de crescimento robusta nos próximos anos.

Para tanto, o grande desafio para os formuladores de política no Brasil será não só promover o investimento e a criação de emprego, mas principalmente melhorar a produtividade da economia como um todo. A decomposição do crescimento do PIB brasileiro nas últimas décadas mostra que a maior parte deste crescimento deveu-se ao investimento e à geração de emprego, especialmente no setor formal, enquanto os ganhos de produtividade – medida pela produtividade total dos fatores – tiveram uma contribuição bem menor. Este perfil de crescimento contrasta com aquele dos países da OCDE que tem apresentado melhor desempenho, cujo crescimento está muito mais apoiado em ganhos de produtividade do que na acumulação de trabalho e capital.

Para explicar melhor este ponto, tenha em mente que a produção de bens e serviços de um país é resultado da combinação de trabalho e capital (máquinas e equipamentos). Portanto, as possibilidades de crescimento do PIB desse país são: (a) aumentar a quantidade de máquinas e equipamentos de forma a expandir a capacidade produtiva; (b) aumentar o número de trabalhadores que vão operar as máquinas e equipamentos e (c) aumentar a produtividade, ou seja, fazer com que as máquinas e equipamentos disponíveis produzam mais utilizando a mesma quantidade de trabalhadores. No caso brasileiro, o crescimento advém predominantemente das opções (a) e (b), enquanto nos países da OCDE de melhor desempenho econômico o crescimento se dá principalmente pela opção (c). Portanto, um desafio-chave para os formuladores de política no Brasil é criar incentivos ao aumento da produtividade para com isso aumentar o potencial de crescimento da economia e sustentar esse crescimento no longo prazo.

Promover ganhos de produtividade não é uma tarefa simples e depende de fatores que vão além da política econômica. Porém, um instrumento poderoso a disposição dos formuladores de política para promover ganhos de produtividade é estabelecer uma marco regulatório que favoreça a concorrência nos mercados de produto.

O termo “mercados de produtos” deve ser aqui entendido como os bens e serviços produzidos na economia, excluindo-se o setor financeiro, cuja regulação tem motivações distintas não tratadas neste texto, e o mercado de trabalho, que tem características próprias e, portanto, requer regulação específica. Um outro termo que merece uma definição breve é o de “regulação”, que consiste em um conjunto de regras estabelecidas pelo governo, por meio de leis, decretos e outros diplomas legais para reger a atividade econômica em suas diversas fases, desde a contratação de insumos, passando pela produção até atingir a comercialização de um bem ou serviço. Sua motivação original é elevar o nível de bem-estar da sociedade, evitando, por exemplo, a venda e consumo de produtos lesivos à saúde, a formação de monopólios e oligopólios que fixem preços abusivos e lesem os consumidores, a geração de poluição excessiva durante o processo produtivo, etc.

Porém, a regulação pode ser de baixa qualidade e/ou influenciada por pressões políticas de grupos interessados em se proteger da concorrência de mercado, o que acaba prejudicando a atividade econômica. Alguns exemplos de regulação que podem vir a cercear a concorrência nos mercados de produtos incluem a obrigatoriedade generalizada de obtenção de licenças para abrir uma empresa, a imposição de taxas específicas para trabalhar em um determinado ramo ou atividade, as restrições ao investimento estrangeiro em determinados setores da economia (por exemplo, no Brasil não pode haver empresas aéreas com maioria de capital em mãos de estrangeiros), os controles de preços, a existência de empresas públicas concorrendo com empresas privadas, as falhas na legislação que permitam que algumas empresas privadas dominem o mercado e formem monopólios ou oligopólios, e as interferência do governo em decisões das empresas privadas das quais é acionista.

A análise empírica efetuada para os países da OCDE mostra que a concorrência nos mercados de produtos gera aumento de produtividade e, consequentemente, promove o crescimento[2]. Uma regulação que favoreça a concorrência estimula o empreendedorismo, o que contribui para estabelecer um ambiente de negócios favorável ao investimento. Estudos empíricos também mostram que a concorrência leva as empresas a serem mais eficientes, por exemplo, ao adotar novas tecnologias e ao inovar, o que resulta em ganhos de produtividade. A retirada de entraves à concorrência pode também aumentar a oferta de emprego, na mediada em que estimula o investimento. Tudo isso leva a um maior potencial de crescimento da economia.


Como quantificar as restrições à concorrência na regulação dos mercados de produtos?

A OCDE desenvolveu uma metodologia para avaliar quantitativamente se a regulação nos mercados de produtos de um país promove ou inibe a concorrência com base em indicadores de Regulação dos Mercados de Produtos (RMP). Tais indicadores abrangem vários mercados, além de permitirem comparação internacional, e cobrem a regulação formal em três áreas distintas:

(a) controle estatal, que reflete em que medida o governo influencia as decisões do setor privado ao gerenciar, ele próprio, empresas, ou controlar preços e outras formas de regulação de base coercitiva (em contraposição a uma regulação baseada em incentivos);

(b) barreiras legais e administrativas ao empreendedorismo, que se referem ao acesso à informação acerca do marco regulatório, aos custos administrativos impostos às empresas em geral ou a setores específicos, às exigências para a abertura e registro de empresas, e à regulação à entrada de novas firmas em determinados setores; e

(c) barreiras ao comércio exterior e ao investimento estrangeiro, que se referem a restrições à propriedade de empresas por parte de não-residentes e às barreiras tarifárias e não-tarifárias ao comércio internacional.

Essas três grandes áreas incluem um conjunto de indicadores mais detalhados. A cada um dos indicadores é atribuído um peso, o que permite estabelecer uma pontuação final para cada uma das três categorias, utilizando-se métodos estatísticos. Por fim, podem-se agregar essas três categorias de forma a se obter um único indicador que sumariza o grau de restrição à concorrência para a economia como um todo. Os indicadores recebem pontuação de zero a seis, numa escala crescente em que, quanto maior a pontuação, maior a restrição à competição. Esse enfoque, que parte de cada indicador individual e vai até as categorias mais agregadas, permite que se faça um diagnóstico dos pontos mais problemáticos da regulação em cada país. Ressalte-se que os dados nos quais se baseiam os indicadores são em sua maioria derivados de questionários submetidos aos países participantes, e somente uma pequena parcela da informação baseia-se em outras fontes de informação, de modo que se garante um alto nível de comparabilidade entre os países. Os indicadores estão focados em políticas públicas estabelecidas e não se baseiam em opiniões subjetivas. A última safra de indicadores se refere ao ano de 2008 e inclui os 34 países-membros da OCDE, assim como o Brasil, a China, a Índia, a Rússia e a África do Sul, os chamados BRICS[3].

O que os indicadores de RMP revelam da regulação dos mercados de produtos no Brasil?

Os dados da Tabela 1 e da Figura 2 indicam que a pontuação geral do Brasil é superior à média dos países da OCDE, o que sugere que a legislação brasileira é menos favorável à concorrência nos mercados de produtos do que na média daqueles países. A pontuação brasileira é comparável à do México e muito inferior (indicando a existência de menos entraves à concorrência) às dos outros BRICS (África do Sul, China, Índia e Rússia). Assim como nos países da OCDE, a pontuação geral do Brasil sugere que as restrições à concorrência são mais proeminentes nas áreas de “controle estatal” e de “barreiras legais e administrativas ao empreendedorismo”. Os indicadores de “barreiras ao comércio internacional e ao investimento” revelam menor restrição à concorrência.

Tabela 1. Indicadores RMP, 2008

Brasil OCDE BRICS1
Indicador RMP geral 1.9 1.4 2.7
Controle estatal 2.7 2.1 3.7
1. Propriedade pública 2.9 2.9 4.1
Escopo das empresas estatais 2.7 3.1 4.6
Envolvimento do governo no setor de infraestrutura 2.3 2.9 4.2
Controle direto sobre as empresas privadas 3.8 2.8 3.5
2. Envolvimento na atividade econômica 2.4 1.3 3.3
Controle de preços 0.3 0.9 2.4
Regulação de controle (“command and control”) 4.5 1.7 4.1
Barreiras legais e administrativas ao empreendedorismo 2.0 1.4 2.3
1. Opacidade regulatória e administrativa 1.9 1.1 1.7
Sistema de licenças e permissões 2.0 1.8 2.4
Comunicação e simplificação de regras e procedimentos 1.9 0.3 1.0
2. Entraves administrativos à abertura de empresas 2.4 1.6 3.1
Entraves administrativos para grandes empresas 1.8 1.7 3.0
Entraves administrativos para pequenas empresas 3.0 1.7 3.5
Entraves administrativos específicos a setores/atividades 2.4 1.4 2.8
3. Barreiras à competição 1.6 1.7 2.1
Barreiras legais 2.9 1.0 1.9
Isenções a regras de defesa da concorrência 0.0 0.4 0.8
Barreiras à entrada em indústrias de rede 2.4 2.0 3.3
Barreiras à entrada em serviços 1.0 3.2 2.4
Barreiras ao comércio exterior e ao investimento estrangeiro 1.2 0.7 2.1
1. Barreiras explícitas 2.4 1.0 2.2
Barreiras ao Investimento Estrangeiro Direto (IED) 1.5 1.3 2.7
Tarifas de importação 3.0 1.1 2.4
Procedimentos discriminatórios 2.7 0.7 1.7
2. Outras barreiras 0.0 0.3 2.0
Barreiras regulatórias 0.0 0.3 2.0
Políticas por área funcional
Regulação administrativa 2.2 1.3 2.4
Regulação econômica 2.3 2.0 3.2

1. Refere-se à média das pontuações dos seguintes países: África do Sul, Brasil, China, Índia e Rússia.

Fonte: OCDE (base de dados PMR).

No quesito “controle estatal”, o Brasil se sai relativamente bem em termos da atuação das empresas estatais, incluindo os setores ligados à infraestrutura (energia, transportes, telecomunicações). Porém, ainda há restrições legais e constitucionais à redução da participação do Estado nessas empresas. O governo também tem direitos especiais de voto (por exemplo, golden shares) em firmas sob gestão privada.

No que se refere às “barreiras legais e administrativas ao empreendedorismo”, há maiores exigências legais para a abertura de empresas no Brasil do que na maioria dos países da OCDE. As exigências administrativas, tais como o número de procedimentos necessários, o tempo que se leva para cumpri-los e os custos incorridos pelos empresários para registrar uma empresa, também são mais pesadas para firmas individuais do que para empresas maiores. Além disso, a exigência de licenças e permissões impõe custos administrativos adicionais em alguns setores do comércio varejista analisados na pesquisa. No entanto, há muito menos restrições regulatórias no Brasil para a entrada no setor de serviços do que na média dos países da OCDE, exceto no setor de infraestrutura, que inclui gás, eletricidade e transportes.

A experiência da OCDE mostra que há muito espaço para a desburocratização e a remoção de entraves à concorrência na maioria dos países. Altos níveis de “controle estatal” e de “barreiras legais e administrativas ao empreendedorismo” costumam estar associados a procedimentos administrativos custosos e a políticas pouco conducentes à criação de um ambiente de negócios propício à concorrência. Barreiras legais à concorrência, tais como a limitação ao número de participantes em um determinado mercado, ainda persistem em alguns setores.

Na dimensão “barreiras ao comércio exterior e ao investimento estrangeiro”, os indicadores mostram que as restrições presentes na legislação brasileira sobre o Investimento Estrangeiro Direto (IED) estão em linha com a média dos países da OCDE, e são baixas em comparação aos outros BRICS. No entanto, e apesar da flexibilização iniciada nos anos 1990, as tarifas médias de importação permanecem relativamente altas no Brasil quando comparadas às médias da OCDE e dos BRICS (exceto a da Rússia). As economias da OCDE são, em média, mais abertas ao comércio exterior, tendo havido uma redução significativa de todos os tipos de barreiras comerciais e ao investimento estrangeiro ao longo dos anos, o que aumentou o grau de abertura e a integração comercial dessas economias. A experiência desses países sugere que as barreiras domésticas à concorrência tendem a ser maiores em países que apresentam fortes restrições ao comércio exterior e ao investimento estrangeiro.

Em suma, os indicadores RMP oferecem uma valiosa visão agregada do estado da regulação em diferentes países. Mas há ressalvas. É difícil mensurar com precisão o vigor das forças de mercado e incluir possíveis práticas regulatórias informais na metodologia de cálculo de indicadores quantitativos como os de RMP, principalmente no que se refere às áreas de regulação sob responsabilidade dos governos estaduais e municipais. Há também práticas regulatórias, tais como medidas de autoregulamentação e diretrizes administrativas empregadas por associações profissionais, que são tratadas de forma bastante limitada pelo sistema de indicadores RMP. Além disso, deve-se levar em conta a capacidade de implementação de medidas regulatórias e a fiscalização do cumprimento das regras, que afetam o ambiente de negócios em geral e que são de difícil incorporação no sistema de indicadores.

Quais são as reformas necessárias para que a regulação de mercado de produtos seja mais estimuladora da concorrência no Brasil?

Tomando por base os indicadores de RMP, existem diversas áreas em que a regulação dos mercados de produtos poderia ser mais indutora da concorrência, o que geraria efeitos benéficos sobre o crescimento de longo-prazo. A remoção de barreiras ao empreendedorismo e ao comércio internacional seriam particularmente bem-vindas, já que são as áreas que apresentam maior distância entre os indicadores brasileiros e a média dos países da OCDE.

Com relação às barreiras ao empreendedorismo, as reformas deveriam buscar a redução dos entraves administrativos ao registro de empresas. Iniciativas de unificação do local para realização dos trâmites administrativos (one-stop shops), como o Fácil (um programa federal implementado em grandes cidades e capitais de estados), são passos importantes. Estender esse sistema a cidades menores, bem como unificar os procedimentos de registro nos três níveis de governo, contribuiria para reduzir os custos administrativos para abertura de empresas e faria com que os procedimentos consumissem menos tempo, o que tornaria a regulação mais indutora do empreendedorismo.

Uma revisão das licenças e permissões atualmente exigidas poderia ser levada a cabo com o objetivo de reduzir o seu número, pelo menos no que se refere às exigências a nível federal. A experiência de vários países da OCDE é instrutiva nessa área, porque houve uma sensível melhora no sistema de licenças e permissões quando se passou a generalizar o uso de locais unificados para realização de procedimentos administrativos e, em menor medida, quando a prática de “quem cala consente” ganhou espaço. Também é importante notar que, uma vez que essas reformas estimulam o empreendedorismo, a desregulamentação do mercado de produtos pode contribuir para a redução da informalidade no mercado de trabalho e para aumentar o consenso em torno das reformas na legislação trabalhista.

Também seria desejável reduzir as barreiras explícitas ao comércio exterior, especialmente mediante redução das tarifas de importação. Uma maior abertura comercial favorece o acesso por parte das empresas brasileiras a tecnologias incorporadas aos bens de capital e insumos intermediários importados, além de estimular a competição com bens importados no mercado doméstico, o que gera incentivos para que as empresas brasileiras inovem, tornem-se mais eficientes e dêem sustentação ao crescimento econômico. Em um ambiente global em que a regulação vem se tornando crescentemente favorável à concorrência, é importante que o Brasil torne-se mais atrativo a investimentos geradores de ganhos de produtividade, tanto por investidores nacionais como estrangeiros.

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Para ler mais sobre o tema:

OCDE (2009) Ten years of product market reform in OECD countries – insights from a revised PMR indicator. Working Paper nº 695. Disponível em: http://www.oecd.org/dataoecd/29/41/42779045.pdf


[1] A “paridade do poder de compra” é um ajuste que se faz quando da conversão do valor de bens e serviços de uma moeda local para uma moeda de referência (em geral o dólar dos EUA), considerando-se o poder de compra das diferentes locais para uma dada cesta de consumo. Em um exemplo bem simples, consideremos que a taxa de câmbio é de R$ 2,00 por US$ 1,00; e que um determinado bem custe, nos EUA, US$ 1,00 e, no Brasil, R$ 1,80 (ou US$ 0,9 à taxa de câmbio de mercado). Se o PIB do Brasil consistir na produção de 10 unidades desse bem, então o PIB do País em Reais será de R$ 18,00 (10 bens a R$ 1,80 cada). O PIB em US$ pela taxa de câmbio de mercado será de US$ 9,00 (R$ 18,00 dividido pela taxa de câmbio de R$2,00 por US$1,00). Porém, em paridade do poder de compra, o PIB avaliado pelo preço do bem em questão nos EUA seria de US$ 10,00 (dez unidades do bem a US$ 1,00 cada).

[2].   Veja http://www.oecd.org/dataoecd/29/41/42779045.pdf para uma discussão geral do tema e bibliografia acerca das ligações entre a intensidade da competição nos mercados de bens e serviços e a produtividade.

[3] O sistema de indicadores RMP tem uma forma de pirâmide, com vários indicadores na base da pirâmide e um indicador geral no topo. Os indicadores de base referem-se a aspectos específicos do marco regulatório, resumindo informação acerca de várias normas regulatórias que afetam a economia como um todo ou setores específicos. Os indicadores de nível mais alto são construídos como médias ponderadas dos indicadores do nível anterior. A atualização dos indicadores para 2008 é descrita em detalhe no Working Paper nº 695 da OCDE: “Ten years of product market reform in OECD countries – insights from a revised PMR indicator”.

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A redução da jornada de trabalho melhora a geração de empregos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=540&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-reducao-da-jornada-de-trabalho-melhora-a-geracao-de-empregos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=540#comments Mon, 23 May 2011 12:45:44 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=540 A proposta de reduzir a jornada de trabalho para conseguir novos empregos é antiga e frequentemente volta à pauta nacional. Os sindicatos de trabalhadores defendem arduamente que a diminuição do tempo semanal de trabalho de quem está empregado preservaria os empregos existentes e criaria novos postos, gerando queda do desemprego e da informalidade, além de promover aumento da massa salarial.

A ideia por trás desse raciocínio é simples, o insumo trabalho na função de produção é dado pelo número de trabalhadores multiplicado pela jornada média de trabalho. Assim, se a jornada média diminui, o número de trabalhadores aumenta e a produção não se altera. Por exemplo, quatro pedreiros constroem uma parede trabalhando cada um dez horas por dia, ou seja, o serviço precisa de quarenta horas de trabalho para ser realizado. Mas se cada pedreiro trabalhar menos, vamos supor 8 horas, o serviço será realizado da mesma maneira com mais um profissional, totalizando cinco pedreiros. A questão é saber se a substituição entre horas trabalhadas e emprego acontece dessa forma direta.

A grande maioria dos artigos acadêmicos sobre o tema diz que não. A contestação vem do fato de que existem outros custos para se contratar mão-de-obra que não apenas os relacionados ao salário efetivamente pago pelo empregador. Há, por exemplo, custos fixos com licenças, repouso remunerado, alimentação, transporte, custos de demissão e litígios judiciais. Despesas que incorrem pela existência do empregado, independentemente do número de horas trabalhadas.

Assim, a crença de que a redução da jornada sem diminuição do salário criará empregos é falsa, pois a menor carga horária semanal do trabalhador aumenta o custo unitário do trabalho, tornando-o mais caro em relação aos outros fatores de produção, provocando uma substituição desse fator que ficou mais caro pelos demais.

Uma consequência do encarecimento do trabalho é a sua substituição pelo capital, por novas tecnologias, que geram redução do emprego. Na linguagem informal, é a substituição do homem pela máquina.

Outro resultado é o efeito escala. Como um dos custos aumentou, a produção da firma diminui. Isso acarreta menor consumo de todos os fatores de produção, incluindo o trabalho. A consequência novamente é a redução do emprego.

Assim, pode-se inferir que a redução da jornada de trabalho, sem alteração de salário, é benéfica para os trabalhadores que estão empregados, pois trabalharão menos. No entanto, não traz vantagem para os desempregados, que terão maior dificuldade em encontrar uma vaga no mercado.

Gonzaga, Menezes-Filho e Camargo (2003) ensinam que, se o objetivo é aumentar o volume de emprego e reduzir a jornada de trabalho, mantendo os mesmos salários e sem afetar o custo total do trabalho, a política correta seria reduzir o custo fixo do emprego (licenças maternidade e paternidade, número de dias pagos e não trabalhados, etc.) e aumentar, simultaneamente, o adicional pago por horas-extras trabalhadas. Na medida em que essa mudança na estrutura de remuneração do trabalhador não afete o custo total do trabalho, o efeito líquido sobre o nível de emprego seria inequivocamente positivo.

Os custos citados pelos autores são custos institucionais, que podem ser evitados se alterada a legislação. Mas há custos que decorrem da própria natureza do trabalho. Por exemplo, os custos de contratação e de aprendizagem (associado ao tempo necessário do empregado aprender as tarefas e se inserir na cultura da firma). Esses custos podem se tornar particularmente elevados para mão-de-obra que apresenta alta rotatividade, o que desestimularia a sua contratação.

Se o objetivo é puramente gerar mais empregos, há uma confluência dos estudiosos para a ideia de que o correto seria empreender reformas trabalhistas que permitissem determinar corretamente o preço da mão de obra e promovessem o crescimento do emprego, além de alinhar os incentivos necessários para aumentar a produtividade da mão de obra e os salários. É consensual a necessidade de se diminuir os encargos da folha de pagamento, pois o custo tributário relacionado ao salário é muito alto para o Brasil e estimula a informalidade no mercado de trabalho. Outra medida é oferecer mais autonomia para que trabalhadores e empresários possam negociar seus contratos de trabalho, sem tanta interferência da legislação.

Por fim, medidas que aumentem a produtividade da economia, não necessariamente relacionadas ao mercado de trabalho, também podem aumentar o emprego e/ou o salário real. Por exemplo, ações que reduzam as barreiras à entrada de novas firmas no mercado (redução de licenças burocráticas, de tarifas alfandegárias, de restrições a investimentos estrangeiros, de controles de preços, etc.) tendem a elevar o número de firmas atuando no mercado, o que ampliaria a oferta de emprego. Além disso, aumento da competição e da produtividade reduzem o preço final dos bens de consumo, aumentando os salários reais.

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Para ler mais sobre o tema:

BLANCHARD, O., GIAVAZZI, F. “Macroeconomic effects of regulation and deregulation in goods and labor markets”. The Quarterly Journal of Economics, vol. 118, 2003.

GONZAGA, G. M.; MENEZES-FILHO, N.A.; CAMARGO, J.M. “Os efeitos da redução da jornada de trabalho de 48 para 44 horas semanais em 1988”. Revista Brasileira de Economia, vol. 57, nº 2, 2003.

MENEGUIN, Fernando B. “A Legislação Trabalhista ajuda ou atrapalha a geração de emprego?”. Disponível no site Brasil, Economia e Governo (http://www.brasil-economia-governo.org.br/).

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https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=540 5
Como as Leis e o Poder Judiciário afetam a Economia? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=33&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-as-leis-e-o-poder-judiciario-afetam-a-economia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=33#comments Sun, 13 Feb 2011 23:58:58 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=33 As leis e as decisões judiciais, juntamente com os instrumentos que obrigam todos os cidadãos a cumpri-los (polícia, judiciário, fiscalização sanitária, Receita Federal, agências reguladoras, etc. ), fornecem um conjunto de incentivos aos cidadãos e empresas, que têm reflexos sobre a eficiência das transações econômicas. Uma legislação que estabeleça impostos muito elevados, por exemplo, representa um incentivo à sonegação. Uma adequada lei de patentes, que proteja as inovações tecnológicas e gere lucros aos inventores, por sua vez, será um incentivo para o desenvolvimento científico.

Há uma série de situações econômicas que não podem ser deixadas ao livre arbítrio do mercado, precisando ser reguladas por lei e que, por isso, ficam sob a influência das leis e das instituições citadas acima. Por exemplo: é preciso impor regras e penalidades para que as fábricas não lancem nos rios e mares os dejetos gerados durante o processo produtivo; é preciso criar impostos para financiar atividades que são importantes para a sociedade, mas que não dão lucro e, por isso, não são oferecidas no mercado privado (construção de estradas, saneamento básico, saúde preventiva, preservação de florestas); é preciso oferecer a toda a sociedade alguns bens e serviços que, se deixados ao mercado, seriam acessíveis apenas às populações de maior renda (educação, saúde); é preciso evitar a formação de monopólios e cartéis que prejudiquem a concorrência e tornem os produtos mais caros e de menor qualidade. Tais fenômenos são conhecidos pelo termo genérico “falhas de mercado”, que se refere a situações em que o livre funcionamento do mercado leva a situações socialmente indesejáveis.[1]

Na prática, as leis e instituições destinadas a corrigir falhas de mercado têm diversos graus de qualidade. Tanto podem ser eficazes na redução das falhas de mercado, quanto podem introduzir distorções adicionais na economia. Nessa situação, há leis editadas com o objetivo de congelar preços, prejudicando o equilíbrio natural do mercado. O Plano Cruzado é um exemplo típico, pois, ao promover o congelamento de preços para combater uma hiperinflação, não permitiu o ajuste dos valores de mercadorias sujeitas à sazonalidade, gerando um desequilíbrio de preços. Como resultado disso, vieram o desabastecimento de bens (ninguém se dispunha a vender com prejuízo ou perder oportunidades de lucro) e o surgimento de ágio para compra de produtos escassos, principalmente os que se encontravam na entressafra, como carne e leite.

Outro ponto importante na relação entre a área jurídica e a econômica é o “direito de propriedade”, conceito jurídico que se refere ao fato de que o proprietário é livre para usar seus bens como quiser (desde que dentro da lei) sem a interferência ou intromissão de outros. Direitos de propriedade que não são perfeitamente seguros desestimulam os investimentos, reduzindo o potencial de crescimento da economia. Produtores rurais que se sintam sob ameaça de invasão de suas terras por movimentos de “sem-terra” reduzirão os investimentos em infraestrutura e melhoria da terra, pois temem o risco de perder esse investimento no caso de uma invasão. Países que costumeiramente confiscam investimentos feitos por estrangeiros ou não pagam suas dívidas externas se tornam perigosos para os investidores internacionais e deixam de ser atrativos para empresas que poderiam ali se instalar, produzir e gerar empregos.

O Teorema de Coase[2] ensina que, se não houver custos de transação, basta que os direitos de propriedade sejam bem definidos para que uma negociação entre os interessados aconteça e os recursos sejam utilizados da forma mais eficiente possível. Os custos de transação são os gastos necessários à realização de um negócio no mercado, como pagamento de taxas, advogados, corretores, cartórios e outros envolvidos na transação. Assim, para a literatura de Análise Econômica do Direito, as leis deveriam ser elaboradas de forma a remover os obstáculos à negociação privada, reduzindo ao máximo os custos de transação para melhorar o desempenho da economia. Essa deveria ser uma das principais funções das instituições de forma geral (regramentos jurídicos, tribunais, etc).

Também relevante é o impacto da ação do Poder Judiciário na economia. Uma importante distorção da Justiça brasileira consiste no fato de que as disputas de baixo valor não chegam às mãos dos juízes, pois, se chegassem, as custas processuais e os honorários advocatícios consumiriam o crédito a receber. Esse problema foi resolvido em parte pelos juizados de pequenas causas, mas o problema ainda persiste. Em regra, a Justiça só é acionada se o valor do litígio for alto ou quando o litigante possui uma estrutura jurídica permanente, como é o caso das grandes empresas. Tal situação coloca em desvantagem a camada mais baixa da sociedade, que vê sua pior condição socioeconômica ser perpetuada pela maneira de funcionar das instituições.

Além disso, esse alto índice de exclusão judicial tem efeitos sobre os contratos de crédito e os contratos trabalhistas, pois, como as empresas sabem da baixa possibilidade de recorrer à Justiça, não se preocupam com a formalização dos negócios, ou seja, existe um incentivo para o trabalho precário (informalidade no mercado de trabalho) e para empréstimos que passam ao largo do sistema financeiro tradicional (agiotagem).

Outro problema é a morosidade do Poder Judiciário. Em média, demora-se anos para que se consiga uma decisão final. Essa dificuldade de receber créditos na Justiça afeta diretamente a conjuntura econômica, pois propicia uma taxa de juros mais elevada. Como não há segurança judiciária de que o crédito será recuperado rapidamente, a tendência é que já se inclua na taxa de juros um adicional para cobrir as perdas com créditos não pagos. Isso tem consequências extremamente negativas para a economia: diminuição dos investimentos, crédito mais caro ou, ainda, restrição ao crédito.

O problema não é privilégio da recuperação de contratos de crédito. A mesma situação se repete em litígios da área cível como pagamento de verbas indenizatórias.

No entanto, avanços estão acontecendo. Um exemplo atual pode ser encontrado no mercado de locação de imóveis. Foram promovidas alterações na Lei do Inquilinato com a publicação da Lei 12.112, de 2009. O objetivo foi conceder mais segurança aos proprietários dos imóveis urbanos. Depois dessa mudança na legislação, é mais habitual que os locadores tenham sucesso rápido em ações de despejo por falta de pagamento do aluguel.  Essa sistemática traz mais tranquilidade ao mercado e segurança para quem investe em imóveis para locação, que resulta em maior oferta de imóveis e redução do valor médio do aluguel, beneficiando o inquilino que paga em dia suas obrigações.

Em conclusão, uma política de desenvolvimento nacional não passa apenas pelas variáveis macroeconômicas como inflação, juros ou taxa de investimento. É importante considerar também o impacto da legislação e do funcionamento das instituições sobre o comportamento de indivíduos e empresas. A análise econômica do direito afeta áreas tão distintas quanto a flexibilidade do mercado de trabalho, o aperfeiçoamento do mercado de crédito e do sistema financeiro, a melhoria da tributação e do ambiente de negócios. Todos esses tópicos dependem de aprovação de leis. Elas é que, se bem desenhadas, fornecerão os incentivos corretos para que indivíduos e empresas, ao buscarem o melhor para si, também atuem de forma eficiente.

Por fim, cabe enfatizar a necessidade de redução do custo de resolução de conflitos. Isso se consegue com uma reforma do Poder Judiciário. Tal aprimoramento vem sendo realizado paulatinamente, como os novos Códigos de Processo Penal e Civil aprovados recentemente no Senado.

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Para ler mais sobre o tema:

Referências específicas para o tema “falhas de governo”:

Arvate, P., Biderman, C. (2006) Vantagens e desvantagens da intervenção do governo na economia. In: Mendes, M. (Org.) Gasto público eficiente: 91 propostas para o desenvolvimento do Brasil. Instituto Fernand Braudel/Topbooks. São Paulo, p. 45-70.

Andrade, E. (2004) Externalidades. In: Arvate, P., Biderman, C. (Orgs.) Economia do setor público no Brasil.FGV/Campus. São Paulo., p. 16-33

Stiglitz, J. (1999) Economics of the public sector. W.W. Norton & Company, 3rd edition. Capítulos 1 e 4.

Referências para “análise econômica do direito”:

Cooter, Robert; Ulen, Thomas. (2010). Direito & Economia, 5ª edição. Porto Alegre: Bookman.

WORLD BANK DOCUMENT. Brazil, Judicial performance and private sectors impacts: findings from World Bank sponsored research. Report 26261- BR. July, 1, 2003.

Zylbersztajn, Decio; Sztajn, Rachel. (2005). Direito & Economia: Análise Econômica do Direito e das Organizações. Rio de Janeiro: Elsevier.


[1] O leitor pode conhecer mais sobre o tema consultado a bibliografia sugerida ao final do texto.

[2] Ronald Coase – Prêmio Nobel de Economia em 1991.

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