reforma política – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 20 Jun 2016 17:27:12 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Adianta reservar vagas para mulheres no Legislativo? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2807&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=adianta-reservar-vagas-para-mulheres-no-legislativo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2807#comments Mon, 20 Jun 2016 17:27:12 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2807 O feminismo e todo o debate sobre igualdade de gêneros no Brasil vêm ocupando o centro das discussões na arena pública de tal modo a propiciar a apresentação e tramitação da Proposta de Emenda à Constituição nº 98/2015, a qual reserva um percentual mínimo de cadeiras nas representações legislativas em todos os níveis federativos. Trata-se de questão delicada que merece reflexões cuidadosas.

Nesse contexto, é pertinente resgatar o diferenciado enfoque dado por Jürgen Habermas1 a essa questão, sob o filtro da sua teoria discursiva. Para esse autor, o estabelecimento do rol de direitos fundamentais de uma sociedade deve ser feito por meio de um ambiente dialógico no qual argumentos racionais possam ser apresentados e debatidos por cidadãos livres e iguais, fazendo com que a autonomia privada se compatibilize com a pública por meio da possibilidade de participação no processo democrático e da aceitabilidade dessas decisões por todos os destinatários.

Inicialmente, o movimento feminista clássico reivindicava uma maior inserção da mulher nos sistemas de ação social (por meio da busca da igualdade de oportunidades de educação e trabalho), um maior apoio na superação de desigualdades naturais e sociais (amenização da dupla jornada com o oferecimento de creches para os filhos, direitos penitenciários diferenciados às mães, licença maternidade) e liberdades subjetivas (liberdade de reprodução, de pornografia, de prostituição, de atividade homossexual). Nesse contexto, o Estado liberal procurava apaziguar a situação, eliminando entraves formais ao livre acesso das mulheres nos diferentes âmbitos sociais, enquanto o Estado Social, com a retórica de uma justiça distributiva, positivava e regulamentava direitos formais aptos a conferir maior autodeterminação da vida privada das mulheres2.

Tais estratégias são utilizadas até hoje por governos democráticos para acalmar os ânimos dos movimentos feministas por meio da satisfação das suas demandas. Apesar do sentimento progressista que essas soluções possam proporcionar, elas acabam por manter as destinatárias da regulamentação alheias a esse processo de produção legislativa, já que consiste em um mero favor paternalista da classe política, segundo o teórico. Além disso, essas medidas agravam a discrepância entre igualdade de direito e de fato e estabelecem uma política de “discriminação através de favorecimento”3, dividindo a sociedade entre favorecidos (homens) e desfavorecidos (mulheres). Habermas também alegava que esse tipo de legislação apenas favorecia a categorias restritas de mulheres às custas das outras, em face das generalizações contidas nos discursos feministas e pelo fato dessas vanguardas não deterem o monopólio dos pontos de vista de todas as mulheres.

Com tais argumentos o autor não pretende negar a importância da implementação de vários desses direitos e a essencialidade dos movimentos feministas na luta pela defesa de mulheres que não possuem voz, mas apenas questiona a efetividade de leis supostamente equiparadoras feitas no interior de uma cultura definida e dominada pelos homens, uma vez que essa está impregnada de estereótipos acerca da identidade de sexos, tomados como algo dado4.Nesse caminho, o feminismo atualmente tem focado seus esforços na refutação e reconstrução de tais construções sociais e no incentivo da participação das próprias afetadas no discurso público5.

Isso porque nenhuma regulamentação heterônoma, por mais sensível às questões de gênero que possa ser, é capaz de alcançar o escopo e a legitimidade conquistados por um processo legislativo permeado pela efetiva participação das mulheres de diferentes origens, hábeis a esclarecer os aspectos relevantes para uma posição de igualdade. Assim sendo, mecanismos institucionais e legais que incentivem a participação das mulheres na política são iniciativas louváveis e que propiciam o aprimoramento do Estado democrático de Direito, se implementados adequadamente.

Com esse objetivo, uma série de normas foram promulgadas no decorrer dos últimos anos estabelecendo cotas para acesso de mulheres aos diferentes espectros da participação política. Em 1995, a Lei nº 9.100/95 estabeleceu um percentual mínimo de 20% para ocupação de mulheres nas campanhas municipais (art. 11, §3o), enquanto que, em 2009, a Lei nº 12.034/2009 (art. 10, §3o), alterando a Lei nº 9.504/97, passou a prever a participação mínima de 30% e máxima de 70% para cada gênero para as candidaturas no sistema proporcional em todas as esferas federativas. Já em 2010, com a Lei nº 13.165/2015 determinou-se que fosse destinado 10% do tempo de propaganda, nos programas e inserções, para as mulheres (art. 45, IV, da Lei nº 9.096/95) e 5% do fundo partidário para a criação e manutenção de programas de promoção e difusão da participação política das mulheres (art. 44, V, da Lei nº 9.096/95).

Diante de todas essas medidas, o número de candidaturas de mulheres cresceu expressivamente: somente na Câmara dos Deputados esse número passou de 935 para 1.730 mulheres das eleições de 2010 para 2014 (acréscimo de 85%), segundo dados do TSE. De todo modo essa tendência de crescimento não foi seguida pelo número de mulheres eleitas nas respectivas Casas: 51 deputadas em 2014 e 45 em 2010 (crescimento de apenas 13%)6. Assim, considerando-se que o eleitorado brasileiro é composto por 52,13% de mulheres7, esses números indicam que os resultados dessas medidas legislativas vêm sendo muito aquém do desejado no tocante à representatividade das mulheres na política (9,9% do total de deputados), talvez em face do alto índice de descumprimento dessas determinações e da falta de punições mais severas e efetivas para esses descumprimentos, ou pela própria imperfeição desses mecanismos.

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A explicação mais provável para essa discrepância entre número de candidatas e número de eleitas pode estar na inefetividade do mecanismo proposto. A obrigatoriedade de um número mínimo de candidatas incentiva os partidos a procurar mulheres que apenas irão “alugar” seus nomes para as legendas, sem qualquer intenção de efetivamente participar do pleito8. A probabilidade de essas mulheres se elegerem é, portanto, mínima. Por outro lado, mulheres realmente interessadas em participar do processo político, passaram a ter maior chance de conseguirem as legendas de seus partidos em função das mudanças na legislação. É possível que o aumento de 13% no número de deputadas eleitas possa ser explicado por seu maior acesso às candidaturas, propiciado pelas mudanças na legislação.

Dadas tais constatações, questiona-se se a referida PEC nº 98/2015, ao assegurar a cada gênero o percentual mínimo de cadeiras na Câmara dos Deputados (10% na 1a legislatura, 12% na 2a legislatura e 16% na 3a legislatura), é instrumento hábil a garantir a participação feminina substancial na arena política e se ele está em harmonia com os demais princípios democráticos e constitucionais estruturantes do nosso sistema.

Países como Noruega, Dinamarca, Finlândia, Irlanda, Bélgica, Itália, Alemanha e Suécia adotaram cotas para mulheres em agências governamentais, em direção de comitês, conselhos ou comissões públicas. Na América Latina, a Argentina estabeleceu que 30% dos nomes das listas dos partidos deveriam ser compostas por mulheres. Outros países, como Chile, Colômbia, Paraguai, Uruguai, adotaram algum tipo de legislação com vistas à maior inclusão feminina9.

Os defensores da PEC argumentam que esse tipo de ação afirmativa acentua o debate público a respeito das questões de gênero, incorporando novas perspectivas e diálogos democráticos, além de gerar uma quebra de paradigmas em uma sociedade arraigada de hábitos machistas. Segundo eles, a sociedade por si só não desenvolveria automaticamente mecanismos de maior inclusão e representatividade feminina, sem determinações cogentes por parte do Estado, como por meio do sistema de cotas, uma vez que todas as estruturas político-partidárias e sociais trabalham para consolidar a exclusão feminina dessa arena10.

Por outro lado, os críticos dessas medidas levantam a violação ao princípio democrático e da soberania do voto, uma vez que os candidatos do sexo masculino mais votados pelo sistema eleitoral seriam preteridos em favor de candidatas menos votadas, ou seja, o voto dado a uma mulher teria maior peso do que ao dado a um homem. O Senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), nesse sentido, expôs: “o que se pretende com essa emenda é dizer que a composição das assembleias não depende mais exclusivamente do povo, mas é pré-determinada pelo Congresso no exercício do poder constituinte derivado11. Aduzem de igual modo que o maior entrave à participação política das mulheres remanesce no âmbito dos incentivos do sistema, devendo-se, pois, investir, não na imposição dessa participação, mas na estruturação de mecanismos institucionais mais eficientes e efetivos para que as mulheres verdadeiramente desejem participar da política e que sejam vistas e valorizadas na sociedade enquanto tal12, sob pena de as cadeiras femininas serem preenchidas por representantes que não veiculam adequadamente os pleitos de suas representadas.

Voltando à teoria discursiva de Habermas, não parece este ter previsto a necessidade de políticas afirmativas (coercitivas) como melhor forma para alcançar o escopo da participação feminina na política. Até porque tais imposições obstruem o objetivo de se formar um debate entre cidadãos livres e iguais, fomentando, infelizmente, a clivagem entre cidadãos favorecidos e desfavorecidos e a representação de setores limitados da população feminina, por vezes capturada pelos grupos de maior influência política – tanto é que expressiva parte das Deputadas Federais com reais chances de serem eleitas possuem algum grau de parentesco com figuras que tradicionalmente dominam a arena política nacional.

O grande desafio é inserir mulheres “comuns” de diferentes recortes sociais que tragam consigo as demandas e argumentos autorreferentes para pluralizar o debate público. A alternativa ideal seria pela via do fomento à cidadania,       catalisada pela atuação dos movimentos feministas – e outros grupos sociais organizados – na denúncia da vulnerabilidade dos direitos das mulheres em seus diferentes papéis sociais, na valorização da figura feminina e na demonstração da indispensabilidade da participação política dessas na reversão desses quadros, incentivando que mais mulheres adentrem no espaço público.

Contudo, até que ponto esses movimentos podem lograr êxito a curto, médio e longo prazos, a despeito das estruturas políticas, econômicas e sociais vigentes, é a medida em que se retoma a discussão quanto à necessidade de ações afirmativas transitórias para permitir maior representatividade feminina. Mas note-se, que esse raciocínio seria extensível aos pobres, movimentos LGBTs, negros, entre outros grupos minoritários. O que justifica garantir acesso às cadeiras na Câmara dos Deputados às mulheres e não garantir aos demais? E qual o limite da imposição do mosaico dos grupos sociais que ocuparão essa posição na arena política sem que se invada o núcleo do princípio democrático?

________________

1HABERMAS, Jürgen. Direito e Democracia – entrevalidade e facticidade II. Tradução: Flávio BenoSiebeneichjer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

2Idem, p. 162.

3Nesse sentido, Habermas (1997) comenta: “na medida em que a proteção da gestação e da maternidade apenas agravara o risco do desemprego das mulheres, uma vez que normas de proteção do trabalho reforçaram a segregação do mercado de trabalho, situando-as nos grupos de salário mais baixo, pois um direito de divórcio mais liberal sobrecarregou as mulheres com as consequências da separação e, finalmente, na medida em que o esquecimento das interdependências entre as regulações do direito social, da família e do trabalho fez com que as desvantagens específicas ao sexo se acumulassem.”

4HABERMAS, 1997, p 166.

5 OKIN, Susan M. Gênero, o Público e o Privado. Estudos Feministas. V. 16, n. 2, agosto, 2008.

6Dados do TSE. Disponível em: <https://www.google.com/url?hl=pt-BR&q=http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2014-eleitorado&source=gmail&ust=1466341096634000&usg=AFQjCNEFYlZWwLQk1xi8nQRrUONwML0Slg>.

7 Dados do TSE das eleições de 2014: <Disponível em: https://www.google.com/url?hl=pt-BR&q=http://www.tse.jus.br/eleicoes/estatisticas/estatisticas-eleitorais-2014-eleitorado&source=gmail&ust=1466341096634000&usg=AFQjCNEFYlZWwLQk1xi8nQRrUONwML0Slg>.

8 Como se observou após a promulgação da Lei nº 12.034/2009, diversos partidos políticos preencheram parte das vagas mínimas à candidatura feminina com mulheres sem objetivos políticos autênticos, somente para cumprir requisitos formais da legislação e funcionar como instrumento simbólico.

9 MALHEIROS, Sonia. A Política de Cotas por Sexo: Um estudo das primeiras experiências no Legislativo Brasileiro. Brasília: CFEMEA, 2000, p. 21 e 22.

10 MIGUEL, Luís Felipe, BIROLI, Flávia. Gênero e representação política. In: Feminismo e Política. MIGUEL, Luís Felipe, BIROLI, Flávia. São Paulo: Boi Tempo, 2014. MALHEIROS, Sonia. A Política de Cotas por Sexo: Um estudo das primeiras experiências no Legislativo Brasileiro. Brasília: CFEMEA, 2000.

11 Fonte: <-no-legislativo” http://www.ebc.com.br/noticias/politica/2015/08/senado-aprova-em-primeiro-turno-cota-minima-para-mulheres-na-política>.

12A forma de financiamento eleitoral e distribuição de tempo de propaganda entre os candidatos de um mesmo partido são alguns dos grandes entraves para inserção da mulher na representação política.

“Dentre as medidas possíveis já propostas para expandir o acesso de mulheres à política formal, podemos citar: A criação de creches públicas que permitam às mulheres se envolver mais com o ativismo político, já que na divisão do trabalho doméstico coube a elas o cuidado com a prole; Maior esforço dos partidos políticos na fase de recrutamento dos candidatos, no sentido de incluir mais mulheres nas listas partidárias, ter mais mulheres entre os seus dirigentes, e de dar às suas candidatas melhores condições de concorrer (destinando-lhes percentuais do fundo partidário e do tempo de propaganda partidária gratuita); 
 organização de grupos de defesa dos interesses das mulheres, mediante recrutamento e treinamento de mais membros, formação de lideranças e formulação de estratégias políticas e lobbying; realização de cursos de formação política das mulheres nas instâncias partidárias, para promover sua capacidade de oratória, familiarizá-las com a dinâmica das disputas políticas e ‘esclarecê-las acerca das regras institucionais, como a do sistema eleitoral e partidário, bem como acerca do modo com que as elites defendem seus interesses’”. COSTA. Thiago Cortez. Representação política feminina: Modelos Hierárquicos para análise dos Resultados Eleitorais de 2006. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE, 2008.

 

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A reforma política reforma os políticos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2567&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-reforma-politica-reforma-os-politicos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2567#comments Mon, 13 Jul 2015 17:17:32 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2567 A política sem romance. É assim que o Nobel James Buchanan define a teoria da escolha racional, em que os políticos são racionais como os consumidores da microeconomia: buscam a própria satisfação, atuando para alcançar objetivos próprios, não necessariamente os da sociedade que os elegeu. Esse entendimento é útil para uma análise econômica da reforma política, com resultados pouco otimistas em relação às mudanças propostas.

Outro instrumento útil é a teoria econômica do crime, do também Nobel Gary Becker. Por essa teoria, um criminoso pesa os ganhos e perdas esperados com um crime antes de cometê-lo. Essa noção pode parecer sofisticada para crimes comuns, mas é aceita para crimes de colarinho branco, associados à política. Deltan Dallagnol, o procurador da Lava Jato, defende justamente que a corrupção é um crime racional, sendo necessário para combatê-la aumentar seus riscos.

Assim, a economia joga luz sobre as principais propostas de reforma política, como o financiamento público de campanha. A proposta se baseia na lógica que o custo das campanhas induz os políticos a se corromperem. Empresários financiariam esses políticos com a expectativa de, ajudando a elegê-los, serem favorecidos em um seu mandato.  Aos políticos restaria se renderem a essa dinâmica, sob risco de não se elegerem.

Como o financiamento público afeta os incentivos dados ao mau político e ao mau empresário? Os ganhos e perdas esperados de cada um são alterados ao continuarem se valendo desse mecanismo, agora ilegal? Na teoria dos jogos, essa dinâmica pode ser entendida como um jogo simultâneo, em que o político e o empresário decidem se optam por aceitar ou fazer uma doação.

Por essa lógica, fica claro que as chances de mudanças positivas com o financiamento público são pequenas, dando vazão a práticas como o caixa-dois ou o soft money (financiamento indireto). Se a votação de um candidato é de fato dependente dos seus gastos, o payoff da doação ilegal será altíssimo: no financiamento público, na margem, recursos adicionais seriam essenciais para o candidato. Esse ganho esperado seria maior do que sem o financiamento público, porque o erário não será capaz de arcar com o valor bilionário das campanhas. Por isso, o financiamento público pode vir com um teto de gastos.  A distribuição dos recursos, que pode ser igualitária, também limita as despesas.  Marginalmente o ganho esperado com a doação cresceria.

Na outra ponta do jogo, a do empresário, também há ganhos em fazer a doação irregular. É ingênuo supor que para manter seus lucros com o governo o mau empresário se tornaria mais competitivo, produtivo. A doação permaneceria sendo vantajosa, e mais ainda se o financiamento público reduzir a oferta de políticos que podem ser comprados, tornando o payoff da doação maior.

Resta analisar o outro componente do comportamento estratégico dos jogadores: as perdas esperadas. Ao engajarem na prática ilegal, o político e o empresário têm como perda a expectativa de punição, que por sua vez é determinada pela probabilidade da ação ser descoberta e punida, e pelo tamanho da pena. No caso do político, um componente adicional da perda esperada é a punição do eleitor.

O problema é que o financiamento público por si não aumenta a perda esperada, que só seria majorada com o fortalecimento das instituições de fiscalização e controle, o endurecimento da legislação penal e a conscientização do eleitor. A análise econômica evidencia que o financiamento público aumenta os ganhos esperados de uma doação irregular e também não tem qualquer efeito sob as perdas esperadas. Se os ganhos esperados são altos e as perdas pequenas, as doações ocorrerão. Em economês, é o equilíbrio de Nash.

A mesma lógica um comportamento estratégico por um político que visa a objetivos próprios pode ser ampliada para outras ideias da reforma política, como a proibição da reeleição (a mãe de todas as corrupções, para Joaquim Barbosa). Consoante com a teoria de political business cycles, a proibição impediria o uso da máquina para fins eleitorais. Em tese.

Entretanto, o mau político que usaria a máquina para se reeleger pode continuar usando-a para outros objetivos. A proibição o impede de se candidatar ao mesmo cargo, mas não de participar das eleições. Nesse caso, ele ainda dependeria da sua popularidade e apoio político, podendo contar com o direcionamento do governo.

Cabe lembrar que a proibição da reeleição no Executivo já existe no Brasil, depois de dois mandatos. Mesmo assim, foram frequentes casos de prefeitos que buscaram um terceiro mandato em município vizinho, ou de governadores que participam das eleições para o Legislativo.

Para manter seus interesses, o mau político pode ainda usar um poste. Essa prática já é comum hoje: o lançamento de vice ou secretário de governo como candidato, que sozinho não tem densidade eleitoral, cuja plataforma eleitoral está associada à máquina, e escolhido pelo próprio governante. Isso sugere uma baixa efetividade da mudança.

As medidas propostas no âmbito da reforma parecem partir da premissa de que o criminoso não é culpado pela corrupção, mas vítima do sistema que o corrompe. O que parece existir, porém, é um equilíbrio de seleção adversa, em que a percepção da política como um lugar fértil para a corrupção e hostil aos honestos atrai maus candidatos e repele os bons, alimentando um ciclo vicioso.

Conforme a análise com a teoria econômica feita, para quebrar o ciclo, é necessário aumentar a perda esperada das más práticas, de modo que maus políticos e empresários sejam punidos pelas instituições e pelo eleitor. Logo, vale mais o apoio ao pacote anticorrupção do Ministério Público Federal do que a algumas das propostas da reforma política. Não se pode esperar muito da reforma porque não há bala de prata para vencer a corrupção. Política não é romance.

 

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Será a “reforma política” a mãe de todas as reformas? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2259&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=sera-a-reforma-politica-a-mae-de-todas-as-reformas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2259#comments Tue, 15 Jul 2014 13:01:34 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2259 Sempre que uma crise política ou econômica se instala no país  – como, por exemplo, as manifestações populares de julho de 2013 –  volta ao debate o argumento de que é preciso fazer uma “reforma política”. Tal reforma, chega a ser colocada por alguns analistas como sendo mais importante que as demais (previdenciária, tributária, orçamentária, trabalhista, etc.). Já foi qualificada até como a “mãe de todas as reformas”1.

Em geral o argumento é de que o sistema político prejudica a governabilidade, estimula a corrupção e o agigantamento do Estado. Ao mesmo tempo, não colabora para que se instale uma administração moderna, focada no mérito e nos resultados obtidos, nem tampouco viabiliza a formação de maiorias necessárias para aprovar as demais reformas.

Este texto pretende argumentar que um governo decidido a dar prioridade à reforma política acabaria por conduzir sua administração para um impasse, sendo incapaz de fazer tanto esta reforma quanto as demais.

1 – A “reforma política” é, na verdade, um conjunto de várias reformas: não seria viável tratar todas de uma vez.

Em primeiro lugar, é preciso dizer que não existe “a” reforma política. O que há é uma diversidade de diagnósticos acerca de quais seriam os mais importantes problemas do sistema político e, portanto, um grande rol de propostas de reforma. Por exemplo, aqueles que acreditam que o problema central está na baixa disciplina partidária e na dificuldade de o governo eleito formar maioria no Congresso, propugnam a mudança do atual sistema de eleições proporcionais com lista aberta, usada para a Câmara dos Deputados e legislativos estaduais e municipais, por outros sistemas como o voto distrital ou o voto proporcional em lista fechada. Outros, preocupados com comportamento oportunista de pequenos partidos pouco representativos, desejam que haja uma cláusula de barreira que impeça partidos pouco votados de ter representação na Câmara. Também se preocupam com as distorções geradas pelas coligações em eleições proporcionais ou a regra de escolha de suplentes de senador.

Há, ainda, uma longa lista de temas, como o voto facultativo, a duração das campanhas, as fontes de financiamento (público ou privado), a possibilidade de reeleição, a duração dos mandatos, a vedação a candidatos condenados (ficha limpa), etc.

Percebe-se, portanto, que não existe um único problema a ser resolvido. Há uma diversidade de problemas. Tratá-los todos de uma vez, como uma “ampla reforma política” é inviável.

Tal inviabilidade decorre, em primeiro lugar, das próprias limitações do sistema político. Está claro, após quase trinta anos de democracia, que medidas que contrariam interesses organizados têm viabilidade de aprovação apenas no primeiro ano de mandato presidencial, quando o chefe do Executivo tem o suporte da grande quantidade de votos recentemente obtida e pode apelar para o desejo de mudança e progresso do eleitorado. Com o passar do tempo os grupos de interesse se organizam e a mobilização cívica do período eleitoral se esvai. Por isso é necessário aprovar reformas que estejam baseadas em claro diagnóstico do problema a ser resolvido e da eficácia das medidas a serem tomadas.

2 – Para cada um dos vários problemas há múltiplas soluções propostas e nenhum consenso sobre qual seria a melhor delas

Além de serem muitos os problemas do sistema político, há uma diversidade de soluções propostas para cada um deles. Cada possível solução tem seus benefícios, mas também efeitos colaterais indesejados. O voto distrital, por exemplo, aproximaria o eleitor de seu representante, aumentando a transparência e fiscalização sobre o comportamento do parlamentar. Por outro lado, ampliaria o viés localista da ação dos deputados federais: eleitos por pequenos distritos, eles teriam como principal preocupação levar benefícios para seus eleitores, em vez de se concentrarem nas questões políticas de âmbito nacional. Adicionalmente, sistemas com voto distrital tendem a subrepresentar as minorias. O voto em lista fechada, por sua vez, reduziria custos das eleições e aumentaria a fidelidade partidária, mas traria o risco de uma elite de dirigentes partidários passar a acumular poder excessivo e impedir a ascensão de novos líderes.

Ou seja, há muitos dilemas envolvidos nas escolhas a serem feitas em reformas do sistema político. A sociedade e os partidos políticos estão fortemente divididos sobre qual a melhor opção, muitas vezes em função de interesses ocasionais e de projeto de poder.

Compare-se essa situação com, por exemplo, uma reforma do sistema previdenciário. Aqui o problema tem dimensão bem mais restrita. Há quem afirme que vai tudo bem com a previdência e que nenhuma reforma é necessária. E há os que apontam que o déficit previdenciário é insustentável no longo prazo. A reforma resume-se a aceitar o diagnóstico da necessidade de ajuste (e aprovar a reforma), ou discordar do diagnóstico (e rejeitar a reforma). Obviamente há disputa de grupos de interesses, e discordância sobre como atingir os objetivos da reforma. Mas há muito menos dilemas e incertezas a serem considerados no debate e decisão política do que no caso da “reforma política”. Tanto os diagnósticos quanto as possíveis soluções estão mais maduras e o espectro de possíveis reformas é mais reduzido.

Usar o precioso primeiro ano de mandato de um governo para abrir um debate sobre reforma política seria abrir uma caixa de pandora. Perder-se-ia a oportunidade de ouro de viabilizar outras reformas, também difíceis de fazer, porém “menos inviáveis” que temas afetos à reforma política.

3 – Embora tenha muitos problemas, as regras de funcionamento do sistema político não paralisam o processo decisório: o Presidente da República tem poder suficiente para melhorar políticas públicas e fazer outras reformas.

As regras do sistema político brasileiro, ao longo dos quase trinta anos de democracia, foram sendo adaptadas no sentido de garantir governabilidade, dando ao Presidente da República instrumentos políticos suficientes para colocar em prática seu programa2. Ainda que isso tenha sido obtido por meio de alto custo fiscal, com baixa transparência, limitações à eficiência do governo, espaço para corrupção, entre outros problemas.

A Constituição de 1988 não promoveu mudança radical no sistema de representação política e nas regras eleitorais vigentes no regime militar. Fez apenas adaptações ao que então existia. Manteve-se o regime presidencialista com um Congresso bicameral, no qual a Câmara dos Deputados e o Senado constituem duas instâncias decisórias distintas. Todas as matérias submetidas ao Congresso devem ser votadas em uma casa e revista pela outra. Manteve-se também o sistema federativo, com três níveis de governo: União, estados e municípios.

Isso significa que há diversas instâncias com poder para interferir em decisões políticas. O Poder Executivo federal, para ter uma política pública posta em prática, precisa não apenas obter maioria nas duas casas do Congresso, como também evitar contrariar os interesses de estados e municípios, que dispõem de razoável poder de influência sobre os deputados e senadores representantes de seus respectivos estados.

O Poder Executivo federal, todavia, dispõe de instrumentos que são fortes o suficiente para garantir ao Presidente da República a liderança na ação política e o controle fiscal. O primeiro desses instrumentos são as Medidas Provisórias (MP). Trata-se de leis, de validade provisória, porém imediata, que o Presidente pode decretar sem a prévia aprovação do Congresso. Uma vez instituída uma medida provisória, o Congresso tem prazo para aprovar, emendar ou alterar essa medida, transformando-a em lei de caráter definitivo. Esse instrumento constitui uma adaptação dos “decretos-lei” criados no regime militar. Na forma adotada na nova constituição, as MP têm tramitação prioritária no Congresso e, enquanto houver MP pendentes de votação, o Congresso não pode deliberar sobre grande parte de outras espécies de projeto de lei.  Isso dá ao Presidente da República o poder de definir a agenda do Congresso, colocando os assuntos que considera prioritários no topo da agenda de votações do legislativo.

O Presidente da República dispõe, ainda, de outros instrumentos importantes na sua relação com o Congresso. Ele pode solicitar que determinado projeto de lei tramite em regime de urgência, fazendo-o saltar à frente de outros projetos na prioridade de votação. Também tem o poder privativo de apresentar projetos de lei sobre assuntos específicos (por exemplo, projetos que criam cargos no governo ou alterem a organização administrativa dos órgãos públicos), ficando vedado aos congressistas apresentar projetos dessa natureza.

O modelo de elaboração, votação e execução do orçamento federal também dá grande poder ao Presidente da República. Cabe ao Poder Executivo elaborar a proposta de orçamento e apresentá-la ao Congresso. O Congresso pode alterar as estimativas de receita, bem como acrescentar despesas. Contudo, a lei orçamentária aprovada pelo legislativo é apenas uma autorização de gasto, não obrigando o Executivo a fazer a despesa. Assim, se desejar executar menos despesas que aquelas aprovadas pelo Congresso, o Executivo tem direito de fazê-lo.

Com o advento da redemocratização, aumentou fortemente a pressão por gastos públicos. Houve a criação de programas sociais para atender os pobres (que passaram a ter poder de voto), a ampliação de benefícios à classe média (que passou a ter a liberdade de associação e formação de sindicatos, introdução do Regime Jurídico Único para os funcionários públicos). Isso se somou aos privilégios que os mais ricos sempre obtiveram do estado (subsídios creditícios e fiscais, por exemplo). Frente ao inevitável aumento de despesas, a política fiscal do governo federal é conduzida de forma a tentar equilibrar as contas por meio do aumento da carga tributária. E o Presidente da República efetivamente tem poder para tal. Apesar de todos os defeitos do nosso sistema político, foi possível, em 1999-2000, instituir uma série de medidas fiscais, entre elas a Lei de Responsabilidade Fiscal, que reduziram significativamente o déficit público e viabilizaram o fim definitivo da hiperinflação, obtido em 1994.

Ademais, o Presidente da República lança mão do direito de não executar parte das despesas contidas no orçamento. O alvo principal desses cortes têm sido os acréscimos feitos pelos congressistas à despesa orçamentária. Trata-se das chamadas “emendas parlamentares ao orçamento”. Ao liberar a conta-gotas os recursos para pagar tais despesas, o Executivo ganha poder de barganha para controlar o voto dos deputados e senadores. É comum que tais recursos sejam liberados apenas após votações importantes no Congresso, beneficiando aqueles que votaram a favor do Poder Executivo.

Esse instrumento dá ao Presidente o poder de formar maiorias circunstanciais para aprovar projetos de lei e emendas constitucionais, ainda que ao custo de liberar recursos para obras e programas que podem não ser de prioridade nacional. Já foram apontados, também, diversos casos de corrupção ligados às emendas parlamentares. Mas para solucionar esse tipo de problema não é necessária “uma ampla reforma política”, e sim mais transparência, fiscalização e punição de ilícitos.

O Poder Executivo federal pode, ainda, controlar do ritmo de endividamento dos estados e municípios. A maioria dos empréstimos feitos por esses governos tem que ser explicitamente autorizada pelo Poder Executivo federal. Embora esse controle tenha sido frouxo nos primeiros anos após à redemocratização, o que levou a uma crise de sobreendividamento dos entes subnacionais, a partir do ano 2000 tais controles foram reforçados (e afrouxados a partir de 2008). Com isso, o Governo Federal tem poder para induzir estados e municípios a equilibrar suas contas e cooperar no esforço fiscal agregado.

Em suma, não obstante todos os defeitos das instituições político-eleitorais, há espaço para governabilidade. Um Poder Executivo dotado de um programa de governo e uma agenda de reformas tem espaço para realizá-los. Ainda que isso tenha custos de curto prazo, como a liberação de gastos orçamentários não-prioritários, o aumento da carga tributária para financiar esses gastos e a oportunidade de corrupção na execução do orçamento. Parte desses efeitos colaterais pode ser combatida por fortalecimento de instituições como o TCU, a Polícia Federal e a Secretaria do Tesouro Nacional, sem que seja necessário recorrer a “reforma política” para minimizá-los. Talvez a reforma necessária não esteja no sistema político, mas sim na justiça penal que, com sua morosidade, abre espaço para corrupção e mau-feitos sem que haja ameaça de punição aos infratores.

4 – As regras eleitorais geram, de fato, efeitos colaterais negativos para as finanças públicas e o crescimento do país…

Não obstante dispor de amplos poderes, o Poder Executivo não tem força para governar sozinho. Isso é não é um defeito, e sim uma virtude de um regime democrático, que necessita de checks and balances entre os poderes. Esses checks and balances, contudo, podem ser exercidos de forma distorcida, ou estar baseados em incentivos inadequados.

O Congresso, se não tem muito espaço para definir a lista de projetos prioritários para votação e pode ter a sua intervenção no orçamento desfeita pelo Executivo, tem poder para rejeitar ou alterar os projetos de lei e as MP propostas pelo Executivo. O fato de essas propostas  terem que ser aprovadas tanto na Câmara quanto no Senado aumenta o poder de barganha dos congressistas. Há, ainda, matérias que demandam quórum elevado, como as emendas à Constituição, que tornam ainda maior tal poder de veto do Congresso.

O Congresso pode, também, instituir comissões de inquérito para investigar ações do Poder Executivo;  vetar o acesso de pessoas indicadas pelo Presidente de República para exercer cargos em agências reguladoras e outros órgãos públicos; convocar membros do Executivo para inquirir sobre a condução de políticas.

Todas essas ações, importantes instrumentos de equilíbrio de poder em uma democracia, criam também a possibilidade de se “criar dificuldades para vender facilidades”, criando embaraços à gestão pública, ou aumentando o gasto público,  ou criando regulação que favoreça grupos de pressão.

Para conseguir aprovar suas propostas políticas e evitar ações do Congresso que contrariem seus interesses ou desequilibrem as contas públicas, o Presidente da República necessita formar maioria tanto na Câmara quanto no Senado. A formação dessas maiorias depende dos incentivos que deputados e senadores têm para votar a favor do governo. E tais incentivos são formatados pelas regras eleitorais.

Na eleição para a Câmara dos Deputados, cada estado da federação tem direito a um número fixo de cadeiras. O eleitor vota em um candidato específico. O voto ao candidato é computado a favor do seu partido. As cadeiras da Câmara dos Deputados que cabem a um determinado estado são divididas entre os partidos proporcionalmente à fatia de votos que cada agremiação recebeu. As vagas conquistadas por cada partido são preenchidas pelos candidatos mais votados.

Esse sistema de votação tem várias implicações. Em primeiro lugar, ele reduz a disciplina partidária, porque o candidato a deputado disputa contra os seus próprios companheiros de partido. Para ser eleito, não basta que o partido tenha muitos votos. É preciso estar entre os mais votados do partido. A tendência é que cada candidato tenda a fazer campanha individualmente. Não faz sentido fazer campanha em conjunto com outro candidato do mesmo partido, que pode tomar a sua vaga. Menor disciplina partidária significa que os líderes dos partidos não terão forte comando sobre sua bancada e, por isso, não poderão conduzir negociações com o Executivo em nome de toda a bancada. Sempre haverá espaço para cada deputado, individualmente, votar contra a orientação de seu partido. Isso força o Poder Executivo a negociar o apoio a suas iniciativas no varejo, oferecendo a cada deputado ou senador, individualmente, vantagens para mantê-los na base de apoio ao governo.

Em segundo lugar, os candidatos disputam voto em todo o território estadual, pois não há divisão dos estados em distritos eleitorais menores. Como o Brasil é um país de dimensões continentais, os seus estados têm amplos territórios. A combinação de campanha individualizada com um distrito eleitoral grande, que precisa ser percorrido pelo candidato (com instalação de comitês eleitorais e outras despesas)  torna bastante alto o custo de campanha para cada candidato3. Estes precisam encontrar formas de financiar suas campanhas. Uma forma de fazê-lo é buscar a contribuição de lobbies, o que facilita a captura do mandato parlamentar por interesses específicos. Isso reforça o incentivo de cada parlamentar a negociar individualmente com o Executivo a sua permanência na base de apoio, com vistas a atender os interesses específicos de seus financiadores.

Outra estratégia muito comum é o candidato focalizar a busca de votos em uma região específica do estado. Nesse caso, ele se compromete a, durante o mandato, obter recursos federais para um determinado grupo de municípios. São esses incentivos que fazem com que os parlamentares queiram alterar o orçamento federal, com vistas a introduzir despesas de interesse local. Como afirmado acima, o Presidente da República tende a represar essas despesas, liberando-as apenas à medida que os parlamentares nelas interessados votem de acordo com a orientação do governo. Nada impede, também, que as emendas parlamentares ao orçamento sejam apresentadas com vistas a se fazer despesas que beneficiarão grupos econômicos que deram suporte à campanha do parlamentar.

Outra característica importante do sistema eleitoral é que ele permite a eleição de representantes de grupos os mais diversos, inclusive a representação de minorias. Em um sistema de votação em que o estado da federação é repartido em vários distritos e, em cada um deles, há eleição de somente um representante, um grupo minoritário, disperso no território estadual, não conseguirá maioria em nenhum distrito, e não conseguirá ser representado no Congresso. No sistema brasileiro, um grupo minoritário pode somar os seus votos espalhados por todo o território estadual e eleger o seu representante.

Em consequência, há estímulo para que os políticos se especializem em representar os interesses de categorias profissionais específicas, ou patrocinem os direitos de grupos étnicos, de grupos religiosos, de setores econômicos (ruralistas, indústrias, etc.). Com muita frequência formam-se bancadas informais, compostas por parlamentares de diferentes partidos, para representar um interesse específico (bancada da saúde pública, bancada da segurança pública, bancada ruralista, etc.).

Essa dispersão de interesses permite que os diversos agrupamentos se organizem, no Congresso, para pressionar por despesa pública e regulação a favor dos grupos que representam. Como a responsabilidade política pelo equilíbrio fiscal e pelo desempenho macroeconômico cabe ao Poder Executivo, os deputados têm pouco interesse em manter o equilíbrio orçamentário. Para eles, quanto mais despesas conseguirem enxertar no orçamento, melhor. Daí a importância do mecanismo que dá ao Executivo o poder de represar despesas orçamentárias.

O sistema eleitoral também gera incentivos para a criação de um grande número de partidos. Em primeiro lugar, porque cada partido tem direito a verbas públicas e a espaço gratuito na TV para fazer propaganda. Em segundo lugar, porque é possível formar coligações partidárias para disputar as eleições para a Câmara: vários partidos se unem e seus votos e cadeiras na Câmara são contados como se fossem um único partido. Ser líder de um partido, ainda que pequeno, garante ao político poder, verbas e flexibilidade para fazer coalizões de ocasião.

A forte dispersão de interesses  e o grande número de partidos força o Poder Executivo a formar maiorias no Congresso por meio da distribuição de benesses ou ampliação de políticas públicas que atendam os mais diversos grupos sociais. Dificilmente o partido que vence as eleições presidenciais consegue maioria na Câmara dos Deputados. Por isso, é preciso formar alianças, no que ficou apelidado de “presidencialismo de coalizão”.

Alguns partidos políticos se especializaram na função de “partidos de apoio ao Executivo no Congresso”. Em vez de buscar o poder apresentando um candidato à Presidência da República, esses partidos se concentram na formação de ampla bancada na Câmara e no Senado, comandada por hábeis líderes, e se apresentam aos partidos que têm candidatos competitivos à presidência oferecendo  a tão necessária maioria parlamentar.

O preço cobrado vem sob a forma de cargos no governo, postos na direção de empresas estatais, liberação de recursos orçamentários, regulação que protegem grupos profissionais ou econômicos em detrimento do resto da sociedade. Uma simples estatística ilustra bem como a necessidade de acomodar políticos no Poder Executivo, para garantir coalizão majoritária no Congresso, resulta na expansão da máquina pública. No primeiro governo após à redemocratização, o Poder Executivo Federal tinha 25 ministérios. Vinte e seis anos (ou seis mandatos presidenciais) depois, esse número havia chegado a 39! Aumentam-se não apenas as vagas de ministro, como também criam-se ampla burocracia pública e cargos, muitos deles de preenchimento por indicações de políticos.

Há, ainda, a dimensão regional da distribuição de poder. Os militares haviam ampliado o número de cadeiras da Câmara dos Deputados que cabiam aos estados menos desenvolvidos, coincidentemente, os menos populosos. O objetivo à época foi garantir apoio político ao regime militar das lideranças regionais mais dependentes de ajuda financeira federal, além do fato de imperar, nas regiões mais atrasadas, um modelo de controle do eleitorado por líderes políticos locais.

Nos estados mais desenvolvidos, com eleitores de maior renda, mais informados e vivendo predominantemente em grandes cidades, o poder de comando de chefes políticos era menor. A nova constituição acentuou a desproporcionalidade da representação em favor dos estados menos desenvolvidos, situados nas regiões Norte e Nordeste do país. Em primeiro lugar, vários territórios federais localizados na região Norte, que não tinham representação no legislativo, foram transformados em estados, passando a ter direito a deputados e senadores para representá-los. Em segundo lugar, fixou-se um número mínimo de oito deputados por estado, independente do tamanho da população.

Com isso, os estados das regiões mais atrasadas (Norte e Nordeste) ou de desenvolvimento mais recente (Centro-Oeste) conseguem maioria em relação às bancadas do Sul-Sudeste, mais desenvolvido. Norte, Nordeste e Centro-Oeste, juntos, comandam 74% dos votos no Senado e 50% dos votos na Câmara, embora abriguem apenas 46% da população. Isso abre espaço para a barganha por transferências federais para os estados daquelas três regiões. O viés regionalista do parlamento brasileiro é bastante acentuado.

Essa pressão de origem estadual ou regional restringe, também, o uso dos poderes legais do Executivo federal para conter o endividamento dos estados e municípios. É comum que haja pressão política no parlamento, em especial no Senado, para que o Governo Federal alivie o controle do endividamento dos governos subnacionais.

Em suma, o sistema político-eleitoral dá margem a uma série de distorções que incham o estado, reduzem a eficiência da economia, criam privilégios a grupos organizados e, em última instância, prejudicam o crescimento e desenvolvimento do país. Isso não quer dizer, contudo, que uma reforma das regras eleitorais livraria o país de todos esses problemas, conforme argumentado a seguir.

5 – O sistema político eleitoral apenas reflete características históricas da sociedade brasileira: a “reforma política” não mudará aquelas características e pode agravar os problemas que deseja resolver

O Brasil é um país extremamente desigual desde os primeiros anos da colonização, com alta prevalência de clientelismo, apropriação privada de recursos públicos, rent-seeking e corrupção. A redemocratização do país que, por um lado abriu acesso dos mais pobres a políticas públicas, por outro lado permitiu que aquelas características indesejáveis encontrassem terreno fértil para prosperar. Usa-se a negociação política, que idealmente deveria se dar no campo das ideias e projetos para o país, como meio para apropriação de renda e criação de privilégios. Quanto mais grupos sociais tiverem acesso a esse processo de negociação mais intenso o conflito distributivo.

As instituições políticas descritas no item anterior não foram criadas no vácuo. Elas decorrem de escolhas feitas ao longo da história do país.  São mecanismos criados para mediar de forma eficiente os interesses dos diversos grupos sociais. Mudar as regras de forma a tentar barrar comportamentos políticos considerados inadequados pode gerar efeitos colaterais adversos, que resultem em piora da qualidade do processo decisório e da governabilidade, sem que se corrijam os problemas originais.

Tome-se, como exemplo, a imposição de limites ao financiamento privado de campanhas políticas. Ao longo do ano de 2014 o Supremo Tribunal Federal está julgando causa que pleiteia a proibição desse tipo de financiamento. O objetivo é impedir que grandes grupos econômicos tenham poder de influência sobre os políticos eleitos, de modo a reduzir a apropriação de recursos públicos e a criação de regulação econômica que proteja grupos específicos em detrimento do resto da população.

Deve-se questionar, todavia, se a proibição de tais financiamentos vai, efetivamente, bani-los. É possível que apenas aumente o movimento de dinheiro não declarado (caixa dois), reduzindo a transparência das eleições. No sistema vigente pode-se identificar claramente qual empresa doou a qual candidato. Sem registros, fica difícil cobrar explicações dos governantes sobre porque beneficiou determinada empresa.

Ademais, os políticos podem ficar mais dependentes de verbas públicas para financiar suas campanhas, o que estimularia a corrupção, a exploração política das empresas estatais e, sobretudo, daria vantagem competitiva aos candidatos do partido governista, que têm mais acesso aos fundos públicos. Ou seja, os rios correm para o mar. Tentar barrar esse caminho com diques ineficientes pode gerar inundações e outros efeitos adversos, sem impedir que o rio chegue a seu destino.

Outro exemplo interessante está em uma decisão do Supremo Tribunal Federal  proibindo congressistas de mudar de partido durante o cumprimento do mandato. O objetivo era aumentar o poder de comando dos partidos sobre seus membros. Imaginava-se que com mais disciplina partidária seria mais fácil formar coalizões que dessem governabilidade ao país, sem a necessidade de o Poder Executivo ter que barganhar o apoio individual de cada parlamentar em cada votação importante no Congresso.

No entanto, a corte suprema não podia proibir a criação de novos partidos, o que significa deixar aberta a possibilidade de se sair de um partido para formar nova agremiação. Indivíduos que se dispuseram a incorrer no custo de cumprir as exigências formais para criar partidos (muitas delas de difícil cumprimento, como a coleta de milhares de assinatura em todo o país) passaram a ofertar vagas a parlamentares desejosos de sair de seus partidos. Obviamente essa oportunidade adquire valor monetário. Não se resolveu o problema original e se agregou mais uma distorção ao sistema.

Além dos efeitos colaterais indesejados, as tentativas de reforma política esbarram na resistência dos interesses estabelecidos. Os políticos e partidos que votarão essas reformas são aqueles que foram eleitos pelas regras vigentes. Portanto, são os beneficiários de tais regras. Vê-se, então, a dificuldade em se mudar tais regras. Em 2007, por exemplo, aprovou-se uma “cláusula de barreira”, que exigia votação mínima para que um partido tivesse representação no Congresso. Tal regra foi contestada junto ao STF pelos partidos prejudicados e acabou sendo considerada inconstitucional pela corte suprema.

Exemplo similar está no caso da “verticalização das coligações eleitorais”. A título de impor coerência programática aos partidos políticos, o Tribunal Superior Eleitoral expediu, em 2006, uma resolução proibindo que os partidos políticos fizessem, nas eleições estaduais, coligações partidárias diferentes daquelas formadas para o pleito nacional. A regra retirava flexibilidade para a negociação política nos diferentes estados. Dado que os partidos políticos têm pouca homogeneidade programática e, em cada estado, abrigam diferentes grupos políticos (em algumas unidades da federação dois partidos podem abrigar grupos aliados, em outras grupos adversários), a regra simplesmente contrariou a realidade política do país. Não obstante a sua meritória intenção, foi revogada pela Emenda Constitucional n. 52, de 2006, que, aprovada rapidamente, retirou essa nova regra de circulação.

6 – O que fazer?

Deve ser possível fazer reformas no sistema político-eleitoral que reduzam os efeitos desse sistema sobre a política fiscal, a governabilidade e a qualidade da gestão pública. Todavia, cada alternativa de regra eleitoral e de representação tem suas vantagens e desvantagens, não sendo fácil se chegar a acordo acerca de que regras geram resultado superior para a média da sociedade. Reformar diversas regras ao mesmo tempo multiplica a complexidade do problema,  desde a dificuldade de aprovação até à imprevisibilidade das consequências e efeitos colaterais.

Assim, ao contrário do que muitas lideranças políticas e analistas argumentam, uma reforma política ampla, seja ela qual for, está longe de ser o santo graal que restabelecerá a virtude e a racionalidade na gestão pública brasileira. Seja porque sua aprovação será muito difícil, seja porque haverá efeitos colaterais indesejados ou, ainda, porque permanecerá intacto o conflito distributivo e o incentivo a se usar o Estado como fonte de rendas e privilégios.

O sistema político-partidário vigente mostra-se compatível e funcional em um contexto em que diversos grupos sociais heterogêneos disputam benesses e regulação estatal a seu favor. Por isso, talvez seja mais interessante dar prioridades a reformas que ajudem a aliviar o conflito distributivo existente no país.

Para isso, é preciso crescer mais rápido e distribuir renda de forma mais eficaz. Deve ser dada prioridade a reformas institucionais que, ao mesmo tempo, estimulem o crescimento econômico e reduzam a desigualdade. No topo dessa lista de prioridades deve estar a reforma da previdência social, pois ela não só bloqueia o crescimento (ao gerar grande déficit público no presente e incerteza quanto à sua sustentabilidade futura) como concentra renda (por pagar benefícios mais elevados a trabalhadores da classe média e garantir pensões e aposentadorias sem equilíbrio atuarial).

Também prioritária deve ser a busca por melhoria na educação pública. A educação aumenta a produtividade (e, portanto, o crescimento) ao mesmo tempo em que aumenta a igualdade de oportunidade, abrindo espaço para redução da desigualdade e da pobreza. Investimento em infraestrutura urbana de atenção aos mais pobres, como saneamento e transportes urbanos de massa também atuam no sentido de aumentar a produtividade dos trabalhadores e melhorar as oportunidades de emprego e de ascensão social.

Em paralelo a isso, é preciso investir em reformas fiscais (muito mais simples que as complexas propostas de reforma política) que imponham maior disciplina ao gasto e ao endividamento públicos, seja por meio de transparência, seja por meio de regras fiscais críveis. Havendo maior restrição orçamentária diminuirá o espaço para que diferentes grupos de interesse consigam extrair renda do Estado.

A gestão cotidiana do orçamento também pode ajudar muito: procedimentos de auditoria dos gastos, análise de custo-benefício dos programas públicos, elaboração de programas federais estruturados que transformem as emendas parlamentares em gastos eficientes, melhorias no planejamento e execução de obras públicas, aperfeiçoamento na legislação de compras públicas e na participação do setor privado em investimentos de infraestrutura. Todas essas são medidas mais fáceis de colocar em prática que uma reforma política de amplo espectro.

Melhorias do sistema judicial que levem à efetiva e rápida punição da corrupção também ajudariam a disciplinar o mercado das negociações políticas. Em especial é preciso tornar a justiça mais rápida e menos sujeita a recursos e chicanas.

Para que os criminosos de colarinho branco sejam efetivamente levados à justiça, é essencial que a Polícia Federal e o Ministério Público tenham autonomia de atuação, sempre dentro dos marcos da legalidade e transparência. Ademais, a imprensa não pode ter sua liberdade de informar cerceada.

Uma vez que essas reformas desencadeiem um ciclo virtuoso de menos corrupção, maior eficiência do estado, maior crescimento econômico e menor desigualdade, surgirá uma classe média, com boas perspectivas de ascensão social. Essa nova classe média terá força política e eleitoral para resistir à captura do Estado por grupos de interesse. Somente quando chegarmos a essa sociedade mais homogênea, com setor público mais eficiente e com maior potencial de crescimento econômico é que haverá espaço para a implantação de um sistema político menos baseado no uso do Estado como fonte de renda e privilégios. Aí as reformas políticas ocorrerão como consequência natural da preferência da maioria do eleitorado.

No nosso atual estágio de desenvolvimento institucional, falar em reforma política ampla é fazer fumaça para esconder os verdadeiros problemas. Nessa área as reformas devem ser pontuais, alterando-se paulatinamente as regras, testando-se o seu efeito nas eleições seguintes. Um bom exemplo disso é a “lei da ficha limpa”, que foi aprovada isolada de qualquer iniciativa de alteração mais ampla das regras eleitorais; tem sido posta em prática nas eleições recentes, e seus efeitos têm sido observados e divulgados pela imprensa, medidos e analisados pelos acadêmicos e modulados pela justiça eleitoral.

__________________

1 Ver, por exemplo: Dantas, H. (2010) Reforma política: aspectos centrais da mãe de todas as reformas.In: Dantas et al. Reforma do estado brasileiro: perspectivas e desafios.Cadernos Adenauer. Konrad Adenauer Stiftung.

2 Uma descrição sintética das instituições políticas brasileiras e abundantes referências bibliográficas podem ser obtidas em Cintra (2004).

3 Samuels (2001a) e (2001b) mostra como as eleições brasileiras são caras quando comparadas a outras democracias.

 

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A reeleição no Executivo deve acabar? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1972&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-reeleicao-no-executivo-deve-acabar https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1972#comments Mon, 02 Sep 2013 14:04:29 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1972 A proibição da reeleição para cargos de Presidente, Governador e Prefeito é um dos temas que integram a discussão sobre a reforma política no país. Ausente da mensagem encaminhada pela Presidenta Dilma Rousseff ao Congresso Nacional que sugeriu cinco temas para a reforma, a proposta acabou incluída no debate pelo Legislativo. O atual sistema permite dois mandatos consecutivos de quatro anos para esses cargos. Para os críticos do instituto da reeleição, os ocupantes desses cargos, ao fim do primeiro mandato, tendem a abusar do poder político e a direcionar a máquina administrativa para conseguir um novo mandato. A solução seria acabar com a possibilidade de reeleição, proposta que normalmente vem acompanhada com a do alongamento dos mandatos para cinco ou seis anos, já que apenas quatro anos seriam insuficientes para o chefe do Poder Executivo por em prática seu plano de governo. É possível discutir a questão pela literatura conhecida como ciclos político-econômicos (political business cycles).

O foco da teoria dos ciclos político-econômicos (ou “ciclos políticos de negócios”) é a relação entre a política e a economia. Ao contrário dos modelos macroeconômicos tradicionais, o governo não é considerado exógeno em relação à economia. Naqueles modelos, o governante age com o intuito de melhorar o bem-estar social. Já na teoria dos ciclos político-econômicos, há uma interdependência: como a economia afeta a política, a política acaba afetando a economia. O governante percebe que suas chances de reeleição dependem do desempenho da economia, e, por isso, age para aumentar essas chances, concentrando esforços para que alguns indicadores como a taxa de crescimento do PIB, de desemprego ou de inflação estejam favoráveis no período eleitoral, ainda que esses esforços não sejam os melhores para o bem-estar da sociedade. Assim, essa teoria se relaciona com a teoria de escolha pública (public choice), cujo um dos principais expoentes foi o prêmio Nobel James Buchanan, que preconiza que os políticos perseguem objetivos próprios, que não necessariamente os da sociedade. Como a tentativa de reeleição gera conflito entre esses objetivos, o fim da reeleição poderia, em tese, ser benéfico para sociedade.

As políticas “eleitoreiras”, orientadas para o curto prazo e para o ciclo eleitoral, são muitas vezes incompatíveis com as políticas voltadas para o longo prazo, necessárias para o crescimento do país. Para o governante, um aumento das despesas correntes, por exemplo, é interessante do ponto de vista eleitoral, pois boa parte dessa despesa representa renda que vai diretamente para o bolso de algumas pessoas (salários do funcionalismo, aposentadorias, Bolsa-Família, etc.), e estimula o consumo; mas no longo prazo o crescimento da economia é mais influenciado pelo investimento (despesas de capital: estradas, hidrelétricas, sistemas de transporte público, etc.), que permite a expansão da capacidade produtiva da economia.

Ademais, o aumento de algumas despesas gera uma pressão permanente nas contas públicas. Por exemplo, aposentadorias e salários de servidores, uma vez aumentados em ano eleitoral, não podem ser reduzidos nos anos seguintes – pelo menos nominalmente. Ainda, algumas políticas, não apenas as fiscais, podem beneficiar a geração atual, mas impor um fardo em futuras gerações. A necessidade de reeleição pode incentivar o governante a preterir políticas de horizonte temporal mais longo, que não rendem votos na próxima eleição. Por exemplo: melhorias do sistema educacional que só apresentem resultados depois de vários anos de sua implantação, quando os alunos já estiverem formados. A impossibilidade de reeleição incentivaria o governante a agir mais como um estadista e adotar medidas voltadas para o longo prazo, ainda que impopulares com a geração corrente.

Os modelos da literatura de ciclos político-econômicos encontram respaldo em alguns eventos da história política recente do Brasil. O modelo pioneiro dessa literatura é o modelo oportunista de Nordhaus (1975). Como o resultado da eleição dependeria da economia, o governante manipularia a política econômica durante seu mandato de maneira a tornar a sua eleição mais provável. O custo viria através de mais inflação, mas essa conta só chegaria depois da eleição e não afetaria seu resultado. O oportunismo existiria por parte de todos os partidos, interessados apenas em obter bons resultados nas eleições, e não em impor uma agenda ideológica específica. Além das políticas expansionistas em anos eleitorais, também essa convergência de programas dos partidos prevista no modelo parece encontrar paralelos no país: para conquistar a Presidência em 2002, o PT abandonou parte de sua agenda histórica e não a resgatou durante seus primeiros anos de governo; para tentar conquistar a Presidência em 2010, José Serra se apropriou de alguns dos principais trunfos do governo petista na eleição, prometendo duplicar os gastos do Programa Bolsa-Família, conceder 13º para seus beneficiários e elevar o salário mínimo para 600 reais, ainda que essas propostas desagradassem sua base 1.

Essa ideia de convergência, porém, não é consenso nos modelos de ciclos político-econômicos: no modelo partidário de Hibbs (1977), apesar de também usarem a economia para incrementar as chances de eleição, partidos diferentes miram em indicadores econômicos diferentes. O alvo daqueles mais à esquerda seria uma taxa de desemprego mais baixa, enquanto para seus oponentes o foco seria em uma baixa taxa de inflação. No Brasil, de fato, PT e PSDB diferem em seus discursos no que se refere a essas variáveis.

Mas por que os eleitores não puniriam os políticos e partidos que direcionam a política econômica para a consecução de seus objetivos eleitorais? No modelo de Nordhaus, os eleitores poderiam ser regularmente enganados pelos governantes, pressuposto que foi abandonado posteriormente por modelos de ciclos político-econômicos mais sofisticados, que consideram os eleitores “racionais”2. Nesse caso, o comportamento dos políticos seria explicado pela existência temporária de informação assimétrica, ou seja, o governante sabe mais sobre o que está fazendo do que o eleitorado. Um conceito também usado para explicar o problema é o de “ilusão fiscal”: o eleitorado recompensaria um governante criador de despesas pelos benefícios que elas trazem, sem perceber que arcarão com mais impostos no futuro esse aumento de gastos do presente 3. Outra explicação pode ser encontrada na economia comportamental, ramo em que a economia encontra a psicologia, no conceito de “viés de resultado” (outcome bias): tendemos a julgar uma decisão (como as de política econômica) pelo seu resultado, e não pela sua qualidade. Assim, governantes podem ser bem avaliados na época da eleição por políticas irresponsáveis, desde que economia ande bem nas proximidades do pleito4.

Os usos indevidos da máquina e de políticas públicas voltadas para o retorno eleitoral do governante, junto com a incapacidade do eleitorado de reconhecer o problema, dariam ensejo à proibição da reeleição.

Na verdade, a reeleição para o Executivo só começou a existir no Brasil depois da Emenda Constitucional nº 16, de 1997, não estando prevista originariamente na Constituição de 1988 (e nem em nenhuma constituição anterior). Pouco mais de quinze anos depois, a ideia de emendar novamente a Constituição para retirar a possibilidade de reeleição ganha força na classe política, que diagnostica principalmente o uso da máquina administrativa como problema. Hoje, tramitam no Congresso as PECs 71/2012 e 224/2012, que acabam com a reeleição para o Executivo e estendem os mandatos, respectivamente, para seis e cinco anos. Propostas de fim da reeleição, com a contrapartida da extensão dos mandatos para privilegiar a continuidade administrativa, já foram defendidas publicamente esse ano pelos presidenciáveis Marina Silva, Aécio Neves e José Serra, e ainda pelo PSB, liderado pelo também presidenciável Eduardo Campos.  Segundo a Confederação Nacional dos Municípios, mais de 60% dos prefeitos do país são contra a reeleição. Naturalmente, no caso dos Executivos estaduais e municipais, o governante não possui os mesmos instrumentos de política econômica do caso federal, mas ainda tem à disposição o aparato administrativo e as finanças públicas para influenciar a eleição. Porém, seria o fim da reeleição de fato capaz de coibir o abuso de poder político nas eleições?

O mero fato de não poder se candidatar não impede que o governante participe da eleição, concentrando esforços em eleger um aliado, ou mesmo em se eleger para outro cargo. Depois de cumprirem oito anos de governo, tanto Fernando Henrique Cardoso quanto Lula lançaram ministros de seu governo para concorrer à sucessão. Nesse caso mais recente, como exemplo, Lula foi acusado por opositores e pelo Ministério Público de usar o governo para eleger Dilma Rousseff. As reclamações questionavam desde elogios à candidata em cerimônias oficiais ao aumento dado acima da inflação para aposentados, que contrariava orientação de sua própria equipe econômica. Situações similares costumam ocorrer em nível estadual e municipal. Se a máquina de fato é usada hoje para manutenção do poder, parece ingênuo supor que ela será menos usada apenas porque o chefe do Executivo não poderá sair ele próprio candidato na eleição.

Chefes do Executivo bem avaliados, que não podem mais disputar novo mandato, já tendem hoje a tentar fazer o seu sucessor, frequentemente alguém do próprio governo, como um vice ou um secretário, ainda que esse nome não carregue sozinho nenhuma densidade eleitoral. Nos EUA, mesmo em nível estadual, realizam-se primárias para escolha dos candidatos ao governo quando o detentor do cargo não sai candidato. Aqui, é comum que um governador ou prefeito popular determine quem deve disputar a sua sucessão. Ficando apenas nos três principais colégios eleitorais do país, José Serra elegeu Gilberto Kassab em 2008, Aécio Neves elegeu Antônio Anastasia em 2010, e Sérgio Cabral pretende eleger Luiz Fernando “Pezão” em 2014 – todos esses seus vices. A prática provavelmente ficaria mais comum com uma eventual proibição da reeleição, apesar de não ser um efeito desejado da proposta. O incentivo para o uso da máquina permaneceria e a eleição não seria necessariamente mais competitiva. O constituinte possivelmente reconheceu o potencial de uso da máquina pelo governante para eleger alguém que não ele, já que o artigo 14 da Constituição proíbe a eleição de parentes do chefe do Executivo no território que ele governa – mas evidentemente não há como proibir a eleição de aliados e obrigar um revezamento de poder.

Ainda, o fim da reeleição não impede que um governante seja novamente candidato na eleição seguinte, mas unicamente que não seja candidato ao mesmo cargo. Partindo da hipótese de que o uso indevido da estrutura de governo decorre de seu uso para objetivos políticos pessoais do governante, não deveria ele ser impedido de concorrer a qualquer cargo na esfera que governa? Muitos governadores, ao fim de dois mandatos consecutivos, buscam a eleição para o Senado, que também requer uma expressiva quantidade de votos em seus Estados5. Em 2010, nove dos dez governadores que já tinham oito anos de governo se candidataram ao Senado, e oito desses nove de fato se elegeram6. Por essa ótica, os benefícios de acabar com a reeleição para o Executivo também parecem tímidos.

Assim, a impossibilidade de reeleição guarda semelhanças com outras propostas discutidas no âmbito da reforma política: é bem intencionada, mas com efeitos potencialmente limitados sobre o problema que pretende solucionar. Em que pese o uso indevido da máquina administrativa em anos eleitorais, e, no caso federal, também o da política econômica – como previsto na teoria dos ciclos político-econômicos -, o fim do instituto da reeleição parece incapaz de alterar os incentivos dos detentores do poder. Mais efetivas do que a medida podem ser normas que dificultem práticas indesejáveis (como a Lei nº 9.504, de 1997, e a Lei de Responsabilidade Fiscal, que restringem em ano eleitoral, entre outros, nomeações, transferências voluntárias e o nível de despesa), instituições de controle mais céleres e fortes (como a Justiça Eleitoral, que cassou três governadores eleitos em 2006 por abuso de poder político e pode cassar outros eleitos em 2010, ainda que com atraso) e, principalmente, uma imprensa vigilante.

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1 A proposta do governo era de salário mínimo de R$ 538,15 no ano seguinte.

2Entre outros, Rogoff e Silbert (1988) e Alesina (1987).

3Alesina e Perotti (1995).

4O viés de resultado da psicologia não se aplica somente para políticos e nem somente para bons resultados. Ainda que não haja causalidade, resultados ruins costumam ser debitados na conta de quem tomou boas decisões, como no caso um técnico de futebol que é demitido apenas semanas depois de ter sido contratado.

5Para esse e outros casos, apesar de a candidatura não ser proibida, a Lei Complementar nº 64, de 1990, exige a descompatibilização do cargo – o que também não parece retirar a vantagem desses candidatos.

6Aécio Neves (PSDB-MG), Blairo Maggi (PR-MT), Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), Eduardo Braga (PMDB-AM), Ivo Cassol (PP-RO), Luiz Henrique da Silveira (PMDB-SC), Roberto Requião (PMDB-PR) e Wellington Dias (PT-PI) se elegeram, Wilma de Faria (PSB-RN) perdeu a eleição e apenas Paulo Hartung (PMDB-ES) não saiu candidato.

Para ler mais sobre o tema:

Alesina, A. (1987), “Macroeconomic Policy in a Two-Party System as a Repeated Game”, Quarterly Journal of Economics, 102:651-78.

Alesina, A. and Perotti, R. (1995a), “The Political Economy of Budget Deficits”, IMF Staff Papers, 42:1-31.

Hibbs, D. A. (1977), “Political Parties and Macroeconomic Policy”, American Political Science Review, 61:1467-87.

Nordhaus, W.D. (1975), “The Political Business Cycle”, Review of Economic Studies, 42:169-90.

Rogoff, K.; Sibert, A. (1988), “Equilibrium Political Business Cycles”, Review of Economic Studies, 80:21-36.

Snowdon, B.; Vane, H. R. (2005), Modern Macroeconomics: Its Origins. Development And Current State. Northampton, MA: Edward Elgar Publishing.

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O Brasil deve adotar o voto distrital? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1930&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-brasil-deve-adotar-o-voto-distrital https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1930#comments Mon, 08 Jul 2013 12:10:02 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1930 Proposta recorrente nos debates sobre reforma política, o voto distrital é exaltado por suas vantagens em relação ao sistema de voto proporcional para o Legislativo. No sistema de voto distrital, o Brasil seria dividido em distritos: o candidato mais bem votado em cada distrito seria o eleito. No vigente sistema de voto proporcional, simplificadamente, cada partido ou coligação tem uma bancada proporcional ao seu número de votos. Os eleitos são os mais votados de cada partido ou coligação, até o limite de número de cadeiras de cada bancada – o chamado quociente partidário.

O voto proporcional é criticado principalmente pela distância que gera entre eleitores e eleitos, já que o voto de um eleitor pode eleger outro candidato do partido ou coligação; pelos altos gastos que impõe aos candidatos, já que é muito ampla a área geográfica em que estão os eleitores (um estado); e pela dificuldade que gera para os eleitores escolherem em quem votar, já que são muitos os candidatos na área de um estado. Os entusiastas do voto distrital o consideram a solução para os três problemas, mas as desvantagens desse sistema têm sido negligenciadas.

Um problema imediato do voto distrital é a organização do país em municípios. Em países onde o voto distrital é adotado, o distrito eleitoral costuma se relacionar a com a forma de organização histórica do país. Por exemplo, nos Estados Unidos, há relação entre os distritos e os condados, e na Itália entre os distritos (“circunscrições”) e as regiões ou províncias do país. A vantagem, nesses países, é que a delimitação do distrito é mais óbvia para o eleitor. No Brasil, a delimitação geográfica dos distritos inevitavelmente será uma novidade para o eleitor, já que não existem condados ou províncias, e pode haver dificuldade por parte dele em entender quais candidatos pertencem ou não ao seu distrito. A sugestão mais popular até agora para essa divisão do país é a das microrregiões, usadas pelo IBGE para fins estatísticos: a quantidade de microrregiões é próxima da de deputados federais, mas essa divisão do país não é conhecida da população e nem vivida por ela em seu dia a dia, sendo poucos os brasileiros que sabem a que microrregião pertencem. Independentemente do critério, esses distritos só seriam lembrados de quatro em quatro anos. O problema fica mais complicado porque o voto proporcional também existe para a eleição de deputados estaduais e vereadores, e o voto distrital poderia contemplar novas divisões também para esses casos. Além da novidade do próprio sistema distrital e da pouca familiaridade dos eleitores com seus distritos, o eleitor possivelmente teria que escolher seus candidatos em várias áreas diferentes: em nível nacional para Presidente, estadual para governador e senador, distrital para deputado federal, “subdistrital” para deputados estaduais, municipal para prefeito, e de bairro para vereadores. Hoje, os níveis são apenas nacional, estadual e municipal.

Argumenta-se que a proximidade entre eleitor e eleito no voto distrital facilitaria o controle por parte dos eleitores, que observariam diretamente o candidato escolhido e se lembrariam do eleito com maior facilidade. A distância do modelo proporcional seria a causa de comportamentos indesejáveis por parte dos políticos. Só que esse argumento deve ser analisado com cautela: vários cargos no Brasil são preenchidos pelo voto majoritário ou de princípio majoritário (o mesmo do voto distrital), como os de governador e prefeito, e, no caso do Legislativo, o de senador. Fosse o argumento válido, os políticos atuais ocupantes de cargos preenchidos pelo voto proporcional seriam mais propensos a condutas antiéticas e ilegais do que os do voto majoritário. Não parece ser essa a impressão da opinião pública e tampouco os protestos recentes contra a classe política foram voltados exclusivamente para deputados e vereadores.

Também a noção de que candidatos pouco conhecidos, eleitos no voto proporcional ao pegar carona com os “puxadores de voto”, são os protagonistas dos escândalos políticos também merece ser discutida. Alguns contraexemplos podem ser encontrados em uma lista, divulgada em 2010 pela Câmara dos Deputados, de deputados federais “eleitos pelo próprio voto”, ou seja, que não precisaram de votos de seu partido ou de sua coligação.1 Vários desses eleitos, atualmente no Congresso, sofrem acusações sérias em processos no Judiciário, são mal vistos pela opinião pública, ou são familiares de outros políticos com essas características. Uma vez que não foram eleitos por conta do voto proporcional, é provável que sobrevivessem tranquilamente ao voto distrital.

Nesse sentido, deve haver cuidado em não creditar ao voto proporcional problemas que não são oriundos dele. Por exemplo, a possibilidade de o voto em um candidato de um partido terminar por eleger um candidato de outro partido não decorre do sistema proporcional, mas da existência de coligações partidárias para o Legislativo. Mesmo a eleição de um candidato por conta dos votos de um colega de partido, quando noticiada pela imprensa, costuma causar indignação nos eleitores. Mas são os candidatos que decidem a que partidos se filiar, assim como são os partidos que decidem que coligações formar: essas decisões são raramente questionadas, e a “culpa” recai toda sobre o sistema.

Defensores do voto distrital argumentam também que ele reduziria o gasto dos candidatos, ao reduzir a área em que devem fazer campanha, fazendo com que os eleitos sejam menos inclinados a práticas indesejadas no mandato. Segundo eles, no sistema vigente, os candidatos fazem campanha em áreas muito grandes, com centenas de municípios, levando a campanhas caras e comprometendo a atuação futura do eleito, já que ele teria de usar o cargo para pagar essa fatura. Nos distritos, menores, a campanha seria mais barata, incentivando uma atuação do eleito menos compromissada com interesses escusos. Esse é outro argumento que merece uma reflexão. Atualmente, são os estados menores que possuem os políticos mais respeitados? Por essa lógica, o Distrito Federal – menor UF do país – teria a classe política mais honesta. Mas foi do DF que saíram o primeiro senador cassado da história do país, o primeiro senador a renunciar para fugir da cassação (e mais recentemente, também o último) e o primeiro governador preso durante o mandato (que cedeu lugar a um vice que renunciou). Obviamente esses fatos não decorrem do tamanho do DF, mas questionam a validade do argumento. Destaca-se ainda que todos os casos citados também já foram deputados: nem o sistema majoritário nem o proporcional barraram suas trajetórias, assim como também o distrito pequeno não gerou o prometido comportamento desejável.

Por sua vez, a exaltada proximidade entre eleitor e eleito em uma área geográfica menor, o distrito, poderia gerar legisladores com interesses mais paroquiais. Há pouco incentivo para que eles se dediquem a temas de relevância nacional, como a política econômica ou as relações exteriores, e um incentivo grande para que foquem suas atuações em projetos que beneficiem o seu distrito, pelo maior retorno eleitoral. No âmbito federal, deputados dependeriam ainda mais das polêmicas emendas ao orçamento. A emenda para a construção de uma ponte seria mais interessante do que a relatoria da reforma tributária.  Pela própria natureza que os distritos terão – serão grupos de municípios – prefeitos bem avaliados serão favoritos para dominar a Câmara e as Assembleias, da mesma forma que os senadores, escolhidos em nível de estado, são em boa parte ex-governadores.

Outra desvantagem do voto distrital é que boa parte dos eleitores não votarão em quem for eleito. No voto proporcional, bem ou mal, quase todos os eleitores terminam elegendo alguém – apenas aqueles que votaram em um partido ou coligação que não satisfez o quociente eleitoral não elegem ninguém. Como quase todos os partidos ou coligações conseguem pelo menos uma cadeira, quase todos os eleitores acabam “representados”. Isso não acontece nas eleições para o Executivo, por exemplo, em que o eleito é o que teve o voto da maioria e até 49% dos eleitores podem não ter votado no vencedor. No caso do voto distrital o problema é ainda mais complexo, porque, assim como no voto para o Senado, não seria necessária a maioria do distrito para um candidato vencer, bastando que ele seja o mais votado. Em tese, em uma eleição com 5 candidatos, um candidato poderia vencer obtendo apenas 21% dos votos – e quase 80% da população não estaria representada. Um dos senadores da atual legislatura foi o escolhido para representar o seu estado obtendo apenas 34% dos votos, o suficiente para lhe dar o 1º lugar na eleição.

É de se supor que um cenário como esse seja mais frequente no voto distrital, já que o número de candidatos para deputado é historicamente maior que o para senador. Ao contrário do que se propaga, no voto distrital, o vencedor só seria obrigatoriamente escolhido pela maioria se existisse segundo turno para o cargo de deputado2 – algo improvável, já que hoje não há segundo turno nem para senador e, em grande parte dos municípios, nem para prefeito.

Por outro lado, há certa repulsa ao atual sistema proporcional, que funcionaria melhor em uma sociedade mais identificada com partidos políticos.

São justamente os partidos do país o alvo de parte dos protestos realizados nas últimas semanas. Porém, uma reflexão a se fazer é se, nesse cenário de rejeição dos partidos, a solução passa por enfraquecê-los ainda mais, como no voto distrital.

Ainda nesse sentido, o princípio majoritário implícito no voto distrital traz outra questão complicada: qual seria o mecanismo de suplência? O atual mecanismo de suplência no Legislativo com voto proporcional parece ser superior ao do princípio majoritário do Senado. Quando um deputado, escolhido pelo sistema proporcional, se ausenta, toma posse o seguinte mais bem votado da coligação que o elegeu. Quando um senador, escolhido pelo princípio majoritário, se ausenta, toma posse quem ele tiver escolhido para fazê-lo – normalmente alguém desconhecido do eleitorado, financiador de campanha ou parente. Como é alta a rotatividade na Câmara dos Deputados e nas Assembleias Legislativas, por conta das eleições municipais, o voto distrital poderia criar um grande contingente de suplentes desconhecidos no Legislativo. A solução não é trivial: se o modelo existente no Senado não for adotado, quem assumiria o cargo? O próximo mais bem votado do distrito tenderia a ser um opositor do eleito.

Por ser concebido para eleger o mais bem votado de cada área, o voto distrital ainda prejudica minorias. Esses grupos tipicamente existem em número suficiente para escolher representantes, mas como estão dispersos pelo território teriam dificuldades em elegê-los no novo sistema, já que dificilmente formariam a parcela mais numerosa de um distrito. Se determinada minoria compusesse 10% do eleitorado do Brasil e votasse nos distritos em candidatos de um partido afinado com sua causa, terminariam sem eleger nenhum deputado, apesar dos 10% de votos no total. Para alguns, essa “desproporcionalidade” é na verdade uma vantagem do sistema, já que ele preteriria também interesses corporativistas – como o de sindicatos específicos, que possuem mais facilidade em eleger deputados no sistema proporcional.

As desvantagens elencadas não implicam que o sistema distrital seja pior que o sistema proporcional. É certamente delicado afirmar que um sistema funcionaria melhor do que o outro no país. Porém, no voto distrital existe o agravante da mudança, que não deve ser subestimada em um eleitorado acostumado, depois de várias eleições, com o atual sistema. Talvez mais interessante do que uma alteração drástica como a que vem sendo proposta seja insistir nas regras atuais: o tempo e campanhas institucionais podem contornar as dificuldades do voto proporcional, ao educar o eleitor sobre o funcionamento do sistema e a importância de um voto consciente.

Alterações mais simples na atual legislação eleitoral poderiam produzir efeitos mais concretos sobre a classe política, como o fim do atual mecanismo de suplência do Senado – que coloca durante vários anos pessoas sem voto para legislar – e o fim das coligações partidárias para o Legislativo – que exigem que o eleitor monitore uma grande quantidade de informação na época das eleições para ter certeza que sua escolha não seja distorcida. Alterações mais drásticas podem ocorrer não na legislação eleitoral, mas nas instituições de fiscalização e controle que, se forem capazes de desvendar mais casos de corrupção e efetivamente punir os culpados, aumentarão os riscos enfrentados pelos corruptos. As drásticas alterações nas regras de eleições propostas no âmbito da reforma política alimentam a incômoda crença de que a corrupção é culpa do sistema, e não do agente que a pratica, gerando uma espécie de “absolvição” de políticos corruptos.

Mesmo que não seja possível concluir qual é o melhor sistema de escolha para o Legislativo, uma eventual adoção do voto distrital no Brasil não pode vir cercada de expectativas muito altas. De fato existem vantagens em sua adoção, mas o voto distrital não é a solução para todos os males observados na política do país. Foi aqui argumentado que o voto proporcional leva injustamente a culpa de vários desses problemas: se a adoção do voto distrital não vier acompanhada de um ajuste de expectativas, corremos o risco de uma grande frustração depois de uma mobilização histórica de nossa sociedade.

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1 http://www2.camara.leg.br/camaranoticias/noticias/150807-APENAS-35-DOS-513-DEPUTADOS-FORAM-ELEITOS-COM-OS-PROPRIOS-VOTOS.html.

2 Não é com esse sentido que a OAB lançou recentemente uma proposta de reforma política com realização de segundo turno para deputado. Naquela proposta, em um primeiro turno seria escolhido um partido, e em um segundo turno um candidato, ainda pelo voto proporcional. Essa é uma finalidade diferente da que o segundo turno tem em eleições majoritárias, como as de governador e presidente.

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Financiamento público ou privado para as campanhas eleitorais? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1008&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=financiamento-publico-ou-privado-para-as-campanhas-eleitorais https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1008#comments Mon, 30 Jan 2012 10:44:42 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1008 A interferência do poder econômico nos rumos políticos de um país tem sido uma fonte de constante preocupação da sociedade. Como o custo das campanhas eleitorais pode ser extremamente elevado, para exercer essa influência política seria suficiente financiar a campanha de um candidato capaz de implantar, depois que ocorresse a eleição, uma plataforma de interesse do grupo financiador. Para esse último, o desembolso poderia gerar um ganho muito maior no futuro, ao passo que para o político, um comprometimento velado representaria uma maior chance de ganhar a competição, na medida em que o candidato disporia de mais recursos para investir na campanha.

Assim, é natural que aflorem preocupações com o financiamento privado das campanhas eleitorais. Questiona-se, ciclicamente, se a proibição da participação do setor privado no processo eleitoral seria uma forma eficiente de eliminar o efeito nocivo do lobby pré-eleitoral, considerado como qualquer atividade prévia às eleições por parte de indivíduos ou de grupos de interesse privado que influenciam as ações dos políticos após as eleições. Além disso, também se discutem quais seriam as fontes alternativas de financiamento das campanhas eleitorais caso a contribuição privada fosse vedada.

As mudanças na legislação brasileira relativas ao assunto, principalmente a partir da década de 70, demonstram essa inquietação. Em 1971, uma nova lei orgânica dos partidos políticos foi promulgada (Lei nº 5.682). Entre outros aspectos, regulamentou-se o chamado fundo de assistência financeira dos partidos políticos, composto das multas e penalidades aplicadas a partir da legislação eleitoral, dos recursos financeiros que lhe fossem destinados também por lei, e de doações particulares. Do montante acumulado no fundo, 80% era distribuído com base na proporção dos partidos na Câmara dos Deputados e os outros 20%, repartido igualmente entre eles. Também importante para a abordagem que se apresenta foi a vedação imposta pela lei aos partidos quanto ao recebimento, direto ou indireto, de contribuição, auxílio ou recurso procedente de empresa privada, de finalidade lucrativa, entidade de classe ou sindical.

No entanto, a história mostrou que essa vedação é ineficiente. Durante a vigência daquela lei, criou-se um incentivo ao financiamento de campanhas via a formação de “caixa dois”, ou seja, recursos recebidos à margem da lei, contabilizados em paralelo e  não divulgada pelos partidos.

Nesse contexto, a permissão do financiamento privado passou a ser considerada a melhor alternativa. A Lei nº 8.713, de 1993, flexibilizou a regra, permitindo a doação de pessoas jurídicas para campanhas eleitorais. Em 1995, a lei orgânica dos partidos políticos (Lei nº 9.096) foi alterada de forma que a nova regra mantinha a ideia do fundo de assistência aos partidos, que passou a ser chamado de “Fundo Partidário” e contou com a definição de uma contribuição pública permanente em montante nunca inferior, cada ano, ao número de eleitores inscritos em 31 de dezembro do ano anterior ao da proposta orçamentária, multiplicados por trinta e cinco centavos de real, em valores de agosto de 1995. Outras duas importantes alterações introduzidas pela nova lei foram o critério de distribuição dos recursos do fundo, já que 99% do total seriam distribuídos aos partidos na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados, além da permissão de os partidos receberem diretamente doações de pessoas físicas e jurídicas para constituição de seus fundos, desde que as declarassem à Justiça Eleitoral.

Na verdade, essa regra nunca chegou a ser aplicada. Havia uma série de normas transitórias, que vigoraram por várias eleições. Próximo de iniciar a vigência do percentual citado, o STF manifestou-se concluindo que o sistema de repartição das receitas do fundo era inconstitucional, por beneficiar os maiores partidos e, com isso, conduzir à cristalização do status quo partidário.

A Lei 11.459, de 2007, promulgada como decorrência da decisão do STF, fixou os percentuais em 5% (distribuídos igualmente entre todos os partidos) e 95% (distribuídos aos partidos na proporção dos votos obtidos na última eleição geral para a Câmara dos Deputados).

Apesar das mudanças empreendidas, novamente a regra estabelecida parece não ter surtido o efeito esperado. Do ponto de vista da contabilidade oficial de campanha, são marcantes as diferenças de gastos nas campanhas eleitorais dos candidatos.

Assim, infere-se que a legislação em vigor sobre o financiamento da disputa eleitoral pode ter tido um efeito distinto daquele que se pretendia. Além de não se ter certeza dos valores declarados pelos candidatos, em vista da possibilidade de desvio dos montantes recebidos ou da necessidade de esconder a identidade do doador para não evidenciar futuros favorecimentos, a competição pode ter se tornado extremamente desigual, gerando um efeito não competitivo. De fato, os partidos com maior financiamento privado teriam melhores chances de conquistar mais lugares no Congresso, tornando-se, por consequência, mais atraentes ao financiador privado, que, por sua vez, novamente os financiaria, garantindo a manutenção do status quo da divisão política.

Em resposta a esses acontecimentos e diversos outros ligados à corrupção nos meios políticos, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal vêm novamente se movimentado no sentido de alterar a legislação atual. Os objetivos principais seriam evitar a ingerência do poder econômico nas decisões políticas exercida por meio do mecanismo de financiamento privado de campanhas e, por consequência, a desigualdade de condições nas competições eleitorais.

Muito se discute quanto às vantagens e desvantagens de se vedar a participação do setor privado nas campanhas eleitorais. Ao se proibir o financiamento privado, poder-se-ia equalizar as condições de disputa entre os diversos partidos, diminuir a intervenção do poder econômico nos rumos das políticas adotadas pelo governo e, até como uma consequência deste último, ampliar os benefícios das políticas públicas à maioria da população.

Por outro lado, há alguns parlamentares que consideram injusta a forma de distribuição dos recursos do fundo partidário, além de entenderem improvável o impedimento por completo da interferência privada, pois acham que seria inevitável, por exemplo, que a mídia promovesse algum partido ou candidato. A partir dessa premissa, portanto, para esses políticos o aumento da dotação orçamentária para o fundo partidário oneraria ainda mais os contribuintes.

Nesse ponto, faz-se pertinente uma análise sobre os efeitos da contribuição pública e privada de campanhas eleitorais. As propostas de alteração da lei orgânica dos partidos políticos sugerem um estudo da contribuição pública no que diz respeito a dois aspectos: a consequência do lobby pré-eleitoral sobre as políticas propostas do ponto de vista da melhoria do bem-estar social; e as condições de competição eleitoral para, por meio de uma análise das probabilidades de eleição de cada partido, verificar o efeito da contribuição pública sobre as respectivas proporções partidárias, ou seja, verificar se o status quo será mantido ou se haverá mudanças significativas nas proporções dos partidos.

Portugal e Bugarin (2003) modelaram as diversas possibilidades de financiamento das campanhas eleitorais ressaltando o impacto do sistema adotado no bem-estar social. Estudaram-se os casos do modelo com contribuição exclusivamente pública, com contribuições pública e privada concomitantemente e, por fim, uma situação com contribuição exclusivamente privada.

Em termos de bem-estar social, o modelo que mais beneficia a sociedade é o financiamento exclusivamente público das campanhas eleitorais. Porém, isso só é verdade se não existir de fato o “caixa-dois” das campanhas, o que indica que qualquer mudança legal, por si só, não seria capaz de promover uma melhoria de bem-estar social, sendo necessário implementar e/ou aprimorar procedimentos de controle dos atos eleitorais, gerando custos administrativos e sem garantia de eficácia desse controle.

Quanto ao efeito sobre a igualdade de competição entre os partidos, em um modelo de financiamento exclusivamente público, a contribuição para as campanhas eleitorais pode levar a uma competição eleitoral mais desigual. Esse resultado, apesar das diversas simplificações consideradas, é bastante intuitivo, uma vez que a proibição de financiamento privado limitaria os partidos a apenas os recursos públicos, cuja distribuição já estaria enviesada no sentido dos partidos ou coligações mais representativos. Nesse ponto, cabe ressaltar os possíveis riscos institucionais associados a uma democracia ainda jovem em que um partido torna-se consistentemente preponderante no Legislativo.

Se a mudança legal for baseada na vedação da contribuição privada, bem como na ampliação do valor da contribuição pública, a alteração pode tornar mais desigual a disputa eleitoral, uma vez que a proporção dos partidos na Câmara dos Deputados (critério mais comentado), poderá determinar um processo eleitoral muito menos igualitário do que aquele que se observa sob a égide da legislação atual, em que se têm as campanhas eleitorais financiadas por contribuições privadas e públicas, sendo bem menor o valor correspondente a essa última.

Em síntese, os modelos indicam que o financiamento exclusivamente público de campanhas possibilita que os partidos se comprometam com a adoção de plataformas menos subordinadas a interesses específicos e mais voltadas ao interesse comum, enquanto no caso de contribuições exclusivamente privadas há um viés no sentido de serem adotadas políticas subótimas por meio da influência dos grupos de lobby. No entanto, isso só realmente acontecerá se não houver “caixa dois”. Além disso, o financiamento público está associado ao risco de tornar a disputa eleitoral mais desigual, visto que um elevado valor dessa contribuição pode fazer com que um partido, inicialmente majoritário, torne-se dominante no médio prazo.

Nos EUA, o financiamento de campanhas e seus efeitos sobre a disputa constituem um dos mais candentes temas do debate político. A posição da Suprema Corte, cuja maioria dos juízes tem orientação conversadora, é de que o estabelecimento de limites às doações privadas constitui uma ofensa à Primeira Emenda, que garante a liberdade de expressão. Os juízes entendem que doar dinheiro seria uma forma indireta de manifestar o pensamento.

A nosso ver, o sistema totalmente público com distribuição de recursos baseado nos resultados anteriores conduz a uma fossilização do quadro partidário. Há vários aspectos que devem ser considerados. Um deles reside no fato de que as doações de empresas são sobretudo para candidatos, ao passo que o fundo público é distribuído para partidos. O cálculo do doador é feito com base na expectativa do momento quanto às chances de vitória do candidato. Embora se note o comportamento da empresa de doar para ambos os lados de uma disputa, as doações quase sempre são em maior volume para o esperado vencedor. Assim, enquanto a distribuição de recursos do fundo público segue critérios retrospectivos, a dos doadores particulares segue critérios prospectivos. Porém, tendo em vista que as chances de vitória do candidato dependem não apenas dos recursos de propaganda, mas também do capital político acumulado, como, por exemplo, o bom desempenho em mandato anterior, o sistema privado de financiamento pode, em certas circunstâncias, contribuir para tornar ainda mais desigual a disputa: quem larga com maiores chances tende a receber mais recursos privados e consolidar sua vitória.

Dado que nem o financiamento público, nem o financiamento privado resolverão automaticamente os problemas do lobby e  da equidade  da disputa, torna-se fundamental criar e aperfeiçoar mecanismos que incentivem os políticos e financiadores de campanha a não adotarem comportamentos que reduzam o nível de bem-estar da sociedade. Entre esses mecanismos poderíamos citar a agilidade na punição da constituição de caixa dois e demais crimes relacionados ao financiamento eleitoral (perda de mandato e punição criminal de financiados e financiadores) e a ampla transparência e divulgação dos doadores e beneficiários.

Pode-se, também, pensar na adoção de sistemas de votação que requeiram menor mobilização de recursos (por exemplo, sistemas de votação distrital tendem a ser mais baratos que os modelos de votação proporcional; sistemas de lista fechada costumam ser mais baratos que os de lista aberta). Porém a escolha do sistema eleitoral é condicionada por muitos outros elementos além do custo das campanhas, tais como a representatividade e competitividade.

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Para ler mais sobre o tema:

PORTUGAL, Adriana C.; BUGARIN, Maurício. Financiamento público e privado de campanhas eleitorais: efeitos sobre bem-estar social e representação partidária no Legislativo. Revista de Economia Aplicada, 2003.

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