reforma da previdência – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Tue, 07 May 2019 16:23:55 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Por que é tão difícil fazer reformas no Brasil? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3219&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-e-tao-dificil-fazer-reformas-no-brasil https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3219#comments Tue, 07 May 2019 16:23:55 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3219 *Esse texto consiste em resumo de relatório de pesquisa desenvolvido pelo autor junto ao Instituto de Pesquisas Casa das Garças.

 

Para voltar a crescer e diminuir a desigualdade de renda, o Brasil precisa fazer um conjunto amplo de reformas. Previdência, tributos, mercado de crédito, ambiente de negócios, segurança jurídica, abertura comercial, privatização, políticas sociais e educação.

Não é fácil fazer reformas em nenhum lugar do mundo. Reformar significa tirar privilégios de alguns grupos, que obviamente resistem. Os custos são concentrados em poucos, e os benefícios são difusos. Os prejudicados se organizam e resistem, enquanto os beneficiários muitas vezes nem sequer sabem que estão ganhando com aquela medida.

Reformas também provocam incerteza: ainda que todos saibam que o país ficará melhor no futuro, cada indivíduo enfrenta a incerteza de qual será a sua situação particular após a reforma. Afinal, empregos menos eficientes tendem a ser destruídos e outros são criados, requerendo novas habilidades. Muitas pessoas temem não se adaptar à nova realidade, em especial os mais velhos.

Os resultados das reformas também demoram a aparecer. No Chile, por exemplo, em 1985, dez anos após o início das reformas, a renda per capita ainda era a mesma de 1969. Somente nos anos 1990 a renda começou a subir de forma consistente.

Na Nova Zelândia, uma reforma radical, que transformou o país em uma das sociedades mais prósperas do mundo, gerou, inicialmente, uma taxa de desemprego de 14%, que só voltou ao padrão pré-reforma depois de dez anos.

O calendário das eleições é mais curto que o prazo para o efeito das reformas. O próximo pleito acontece antes de as reformas elevarem a popularidade do governante reformista.

Apesar dessas dificuldades, ao longo dos últimos 50 anos, muitos países fizeram reformas abrangentes. Estudando essas experiências, podemos observar características desses países que ajudaram a quebrar resistências. Infelizmente, o Brasil não possui nenhuma dessas características “facilitadoras” de reformas.

Em primeiro lugar, é mais fácil reformar economias de países pequenos. Estes não têm mercado interno significativo e precisam se abrir para o mundo. Com economia aberta, são mais vulneráveis a oscilações da economia internacional e, por isso, precisam manter a macroeconomia saudável. Para atrair capitais externos, precisam de uma Justiça rápida e segura.

Além disso, têm uma elite menos numerosa, o que diminui o custo de transação para realizar acordos. Também têm governo unitário, não sofrendo os conflitos e bloqueios gerados nos sistemas federativos. Singapura, Malta, Hong Kong, Estônia, Nova Zelândia e Irlanda seriam exemplos nesse grupo.

O Brasil, grande, fechado e com uma Federação conflituosa, está longe desse perfil.

Outra característica importante está na transição de ditaduras para democracias. Países que fizeram reformas econômicas antes da abertura política geraram uma economia dinâmica, capaz de elevar a renda, ampliar a classe média, criar ambiente de mercado estável e consolidar o liberalismo econômico, conduzindo a mais investimentos e crescimento. Com o tempo, a melhoria das condições de vida induz a transição para regime democrático, como ocorreu na Coreia do Sul, no Chile, na Malásia e na Indonésia, por exemplo.

Por outro lado, redemocratizar antes de reformar a economia pode levar ao populismo e a mecanismos de apropriação de renda por grupos de interesse.

Em uma economia fechada e estatizada, há grande espaço para a inscrição de privilégios e políticas inconsistentes na legislação. Esse parece ter sido o caso de Brasil, Argentina e Filipinas. Fazer reformas nesses países é muito mais difícil agora, pois significa desmontar benefícios a grupos organizados, cristalizados na Constituição e nas leis.

Também facilitam as reformas os sistemas político-eleitorais que induzem a geração de maioria no Legislativo, dando maior governabilidade ao Poder Executivo.

No Reino Unido, por exemplo, as eleições para o Parlamento seguem o modelo distrital, com voto majoritário, que induz a disputa entre dois grandes partidos, com o vencedor quase sempre sendo majoritário no Legislativo e, portanto, capaz de aprovar reformas sem precisar contar com o apoio de outros partidos.

Além disso, é mais fácil fazer reformas em Parlamentos unicamerais, onde uma medida não precisa passar pelo referendo de Câmara e Senado. Também facilita o fato de cada um dos três Poderes ter claramente delimitado o seu raio de ação, não havendo espaço para o Judiciário interferir em decisões do Legislativo.

Mais uma vez o Brasil não tem tais características. Nosso sistema eleitoral gera grande fragmentação partidária no Parlamento, temos sistema bicameral e frequente judicialização das decisões legislativas e das políticas públicas.

A literatura também mostra que sociedades mais coesas são mais capazes de gerar os acordos sociais necessários para realizar reformas. Essas são sociedades em que a classe média tem uma parcela grande da renda (e, portanto, a desigualdade geral é baixa) e na qual há baixo grau de violência.

Em geral, são sociedades em que as pessoas têm padrões de vida similares, não temem agressões físicas ou aos seus direitos. Por isso têm maior confiança umas nas outras e nas instituições públicas.

Confiança é essencial para o sucesso de reformas. Afinal, estas ​nada mais são que um acordo em que todos fazem sacrifícios no curto prazo com vistas a ter um futuro melhor. Se há baixa coesão e desconfiança, cada grupo de interesse tentará empurrar os custos da reforma para o outro, e a negociação emperra ou a reforma tem seus custos colocados nas costas dos mais fracos.

A figura acima mostra que o grau de coesão social no Brasil é extremamente baixo. No eixo horizontal, temos a participação da classe média na renda (percentual da renda total que vai para os 60% dos indivíduos no centro da distribuição de renda). Somente África do Sul, Namíbia, Zimbábue, Moçambique e Guiné-Bissau têm classe média “mais magra” que a brasileira, ficando mais à esquerda no gráfico.

No eixo vertical temos um índice de violência e confiança mútua. Nesse quesito, o Brasil só supera Camarões e Costa do Marfim. E fica um pouco abaixo de Quênia, El Salvador e Libéria.

A localização do país na parte inferior esquerda do gráfico é uma imagem clara da nossa baixa coesão social. Somos inequivocamente um país desigual, violento, em que as pessoas não confiam umas nas outras. No canto superior direito do gráfico estão os países mais coesos.

A importância da coesão social como fator de estabilidade tem ficado clara nos recentes episódios de radicalização política vividos em diversos países. O encolhimento da participação da classe média na renda tem gerado desconforto com a representação política tradicional, e novos partidos extremistas têm ganhado espaço em vários países. Há crescente fragmentação partidária, levando a governos minoritários, como na Espanha e na Itália.

O brexit surgiu de movimento de descontentamento de uma classe trabalhadora ameaçada pela abertura comercial. Donald Trump e sua política externa mercantilista têm origem semelhante.

No Brasil, o baixo consenso social alimenta um ambiente antirreformas por uma combinação de populismo, conflito distributivo em torno de rendas intermediadas pelo Estado, fragmentação política e protecionismo comercial e regulatório.

Não obstante todas essas dificuldades “estruturais” para fazer reformas no Brasil, sempre surgem algumas janelas de oportunidade. Em geral, elas são criadas por crises, que evidenciam a necessidade de mudanças e enfraquecem a defesa de interesses corporativos específicos.

Também abre espaço para reformas o “efeito lua de mel”, que existe nos primeiros meses de gestão de um governante recém-eleito.

Desde os anos 1980, o Brasil aproveitou essas situações para fazer reformas. Assim, por exemplo, a crise de balanço de pagamentos de 1982-83 gerou reformas fiscais e monetárias. A hiperinflação criou condições para o sucesso do Plano Real.

O efeito lua de mel no governo Collor permitiu um movimento de abertura comercial, e nos governos FHC e Lula viabilizaram-se duas reformas da Previdência.

Da crise de balanço de pagamentos de 1998 vieram o sistema de metas de inflação, o câmbio flutuante e o regime de metas fiscais.

Porém, recentemente o Brasil andou na direção contrária. De 2005 a 2015 vivemos um período de reversão de reformas. A crise política do mensalão levou à expansão do gasto público como forma de sustentar politicamente o governo. Uma expansão no preço internacional de commodities deu impulso ao crescimento e criou a ilusão de que os desequilíbrios fiscais estruturais estavam resolvidos.

Relaxou-se o equilíbrio fiscal e praticou-se política pública na direção oposta das reformas de que o país necessita: aumentou a interferência estatal nas decisões privadas, a exploração do petróleo foi praticamente reestatizada, houve generalizada interferência do governo nos preços de energia e combustíveis, proteção setorial e fechamento da economia, grande desperdício de recursos públicos e privados em investimentos inviáveis.

 

Artigo publicado pela Folha de S. Paulo em 05 de maio de 2019.

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A Presidência e a Previdência: o que pensam os candidatos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3176&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-presidencia-e-a-previdencia-o-que-pensam-os-candidatos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3176#comments Thu, 22 Mar 2018 16:13:35 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3176 O debate sobre a Previdência deve se estender às eleições. Mesmo que versão atenuada da PEC 287 seja aprovada, o novo presidente dificilmente escapará de ter de fazer novas mudanças, em relação a militares, rurais e BPC-Loas. O que pensam os principais candidatos sobre o tema?

O debate deste ano é o que não fizemos em 2014. Já 2 meses após o pleito, o governo reeleito apresentou uma reforma da pensão por morte. Na campanha, apenas a oposição tratou do tema, prometendo acabar com o fator previdenciário.

A reforma da Previdência é assunto difícil para eleições. Até agora, porém, nenhum dos principais candidatos negou a sua necessidade. Algumas campanhas até se aventuraram mais no tema, como as de Ciro Gomes e Bolsonaro.

Ciro promete revogar a PEC, afirmando não existir déficit, que existiria somente no futuro. Mais reveladoras são falas anteriores.  Quando ministro apontou a reforma como inevitável: “Precisamos discutir isso fraternalmente. Não há solução indolor”. Falando para alunos em Harvard em 2016, disse: “é verdade que a previdência está desequilibrada no seu financiamento.”

Sugere um regime de capitalização, e explicou como seria sua comunicação: “você prefere deixar para o seu filho uma dívida ou uma poupança?”.  Não detalhou como financiar a transição da repartição atual para a capitalização, que gera perda de arrecadação (contribuições são individualizadas) justamente quando os déficits são crescentes. Apenas fala em estabelecer um corte de idade.

Também não explicou como tratar grupos subsidiados que perdem com a capitalização, como professores e rurais, cujo tratamento da PEC criticou. Só a gestão do modelo capitalizado foi mais explicada em entrevistas: pública, feita por coletivos de trabalhadores.

A capitalização também aparece na campanha de Bolsonaro. Seu assessor Paulo Guedes afirmara que se tivesse que fazer uma única reforma seria a da Previdência, bola de neve capaz de explodir o Brasil. Teria simpatia pelo modelo chileno.

De concreto, o filho Eduardo afirmou que a proposta de Bolsonaro seria a dos professores Abraham e Arthur Weintraub, de capitalização. Chamada de aposentadoria fásica, valeria já a partir de 2020. A proposta é silente sobre os custos de transição. Há perda de receita também porque se pode parar de contribuir aos 50.

Apesar da grande perda de arrecadação, não é uma proposta populista. Ela pressupõe o fim da vinculação do salário mínimo, que nem a PEC fez. A aposentadoria em fases levaria a benefícios de até R$ 241.  O salário mínimo só seria recebido com o dobro de contribuição atual, 30 anos, aos 65.

Por fim, Bolsonaro votou contra as reformas feitas por FH e Lula – comparada a um massacre. Sobre a PEC 287, se disse completamente contra: crime, maldade e falta de humanidade.

Já do Presidente Lula é sabido que é opositor da atual reforma (implosão, desmonte) e que realizou uma relevante reforma do regime dos servidores em 2003. Os sinais são mistos.

De um lado, o ex-ministro da Previdência Gabas tem feito apresentações pelo país – segundo ele a pedido do Presidente. Alega que reforma quer enriquecer a previdência privada e usa dados alternativos para mostrar sua desnecessidade.

De outro, o ex-Ministro Nelson Barbosa defende mudanças, e a ex-Ministra Helena Chagas garante que Lula fará uma reforma, salvo possibilidade muito remota, “ainda que não vá ser a de Temer”.

Se o Presidente Lula propõe referendo revogatório das medidas do governo, em 2016 também afirmou que a Previdência de vez em quando tem que ser reformada.

Ainda entre os principais candidatos, Marina, Dória e Alckmin defendem a atual PEC. Marina teve reservas ao texto original, mas disse que votaria a favor se fosse parlamentar. Aceita a idade mínima e rejeitou o aumento do tempo de contribuição do pobre – que saiu da proposta.

Dória foi um defensor vocal da PEC, até do texto original. Porém, em entrevista fez ressalvas à idade mínima: defendeu 60 anos para que o texto seja aprovado. Propôs retirar a Previdência do teto de gastos.

Como é sabido, Alckmin assumiu no final do ano a presidência de seu partido, que fechou questão a favor da PEC. O déficit da previdência do Estado de São Paulo se aproxima de R$ 20 bilhões, o maior do país. O dado só passou a ser divulgado com mais clareza em 2017: antes se reportava não haver déficit financeiro ou atuarial.

Como governador, teve poucos instrumentos para reduzi-lo, mas não elevou a alíquota de contribuição dos servidores, que permanece em 11%. Dez Estados têm alíquotas maiores.

Benefícios difusos, gerações que não votam: Previdência é um tema difícil para candidatos. Na Espanha, em 93, acusações sobre o assunto em um debate foram decisivas nas eleições.  Como resultado os partidos firmaram pacto se comprometendo com mudanças e evitando a exploração eleitoral da questão.

Recentemente, Hillary Clinton ponderou que diante do populismo, que enfrentou com Trump e Sanders, talvez faça mais sentido campanhas baseadas em discursos inspiradores e grandes ideias. Detalhes técnicos e pragmatismo seriam deixados para o processo legislativo.

É um risco que corremos. Há espaço para mais exploração populista do assunto, uma vez que mesmo os candidatos contrários à PEC reconheceram de 2016 para cá a necessidade de reforma. O pior cenário talvez seja o de repetição de 2014, quando o problema não foi discutido e as propostas de ajuste da chapa vencedora acabaram deslegitimadas.

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico de 8 de fevereiro de 2018, sob o título “O que pensam os candidatos sobre a reforma da Previdência”.

 

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O fator e o favor previdenciário https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3161&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-fator-e-o-favor-previdenciario Wed, 07 Feb 2018 17:45:30 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3161 Em 6 de dezembro, o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), José Robalinho Cavalcanti publicou no JOTA o artigo Previdência: prendam os suspeitos de sempre. Contrário à reforma da Previdência discutida atualmente no Congresso, Robalinho reconhece que há um ‘problema’ previdenciário no País, mas ele estaria no Regime Geral (INSS).

O artigo critica as medidas que afetam os servidores públicos, especialmente os que ingressaram antes de 2003, já que reformas anteriores já teriam deixado a trajetória do Regime Próprio da União equilibrada no longo prazo. Assim, para Robalinho, os servidores teriam sido escolhidos como “espantalho” pelo governo, que desejaria criar um “inimigo externo”. O procurador também acusa o objetivo das medidas de irem “muito além da previdência”, uma vez que afetariam servidores de carreiras de estado que investigam forças políticas: teria a reforma da Previdência, portanto, “o objetivo final de manter o sistema político corrompido”.

Apesar de algumas considerações apropriadas – especialmente em relação à ausência dos militares da proposta -, há muito que ressaltar no texto do presidente da ANPR. Se é verdade que a situação futura do Regime Geral é muito mais grave do que a do Regime Próprio da União, também é verdade que os regimes próprios dos servidores dos entes subnacionais – na ausência de reformas – vão transformar vários Estados brasileiros em novos “Rios de Janeiros” nos próximos anos.

Igualmente, se é verdade que o menor desequilíbrio em longo prazo entre todos os regimes é mesmo o do Regime Próprio dos servidores da União, também é verdade que reformas anteriores ainda levarão tempo para surtir efeitos – o que diante do teto de gastos ameaça diversos investimentos e políticas públicas do governo federal. Os efeitos regressivos do ponto de vista da distribuição de renda também continuarão existindo por muito tempo: embora alcance poucas famílias, os regimes próprios seriam sozinhos responsáveis por 7% de toda a desigualdade de renda do país, segundo Pedro Souza e Marcelo Medeiros, os pesquisadores que estão na fronteira desta linha de pesquisa.

Para que o leitor entenda com mais clareza quais são as regras atuais do Regime Próprio (RPPS) dos servidores e como elas mudam na reforma, contemos a história de Antônio e Victor. Consideremos Antônio e Victor “gêmeos” para todos os fins: são trabalhadores que ingressaram no mercado de trabalho com a mesma idade, com uma mesma qualificação e em uma mesma profissão, receberam sempre a mesma remuneração, contribuíram sobre iguais valores e se aposentaram na mesma data: aos 55 anos, com 35 de contribuição.

Adicionalmente, suponha também o leitor que a média salarial ao longo da carreira de Antônio e Victor tenha sido de R$ 3 mil, e o último salário, de R$ 4 mil. Agora, suponha uma única diferença entre Antônio e Victor: Antônio trabalhava na iniciativa privada e está sujeito às regras do Regime Geral, Victor trabalhava no setor público e está sujeito às regras do Regime Próprio.

Antônio estará sujeito ao fator previdenciário, que aplicado a sua média salarial de R$ 3 mil, resultará em uma aposentadoria de cerca de R$ 2 mil1. Victor estará sujeito ao favor previdenciário, chamado de “integralidade”: se aposentará com os R$ 4 mil de último salário.

A integralidade ignora a média salarial de R$ 3 mil e a expectativa de sobrevida contida no fator previdenciário. Note que o termo integralidade pode confundir: ao contrário do que os segurados do INSS estão acostumados, o “integral” aqui se refere ao último salário, não à média salarial: com efeito, a aposentadoria não é a média integral, mas um valor maior do que a média.

No exemplo simples colocado, as regras diferentes entre os regimes levam a uma redução de R$ 1 mil sobre a média salarial de Antônio e um aumento de R$ 1 mil na média salarial de Victor, resultando em uma aposentadoria com o dobro do valor. Ressaltemos: Victor e Antônio sempre tiveram os mesmos salários e contribuíram sobre os mesmos valores.

A integralidade, ou o favor previdenciário como chamamos neste texto, é a principal fonte de iniquidade entre os regimes, e de pressão no gasto público. Contrariamente ao que algumas corporações veicularam nas redes sociais na última semana, o fato de servidores mais bem remunerados contribuírem sobre salários acima do teto do INSS não gera a contrapartida proporcional à integralidade. Se Victor ganhasse R$ 10 mil ou R$ 20 mil, certamente contribuiria com mais do que Antônio, mas o favor continuaria embutido.

Voltando à opinião de Robalinho, é verdade que servidores que ingressaram depois de 2003 não tem direito à integralidade, e os que ingressaram depois de 2013 (na União) possuem regras inclusive mais restritivas do que as do INSS (mesmo teto, idade mínima maior). O desafio é que o contingente de servidores com direito a esta vantagem – que o governo e os jornais chamam de privilégio – ainda é e será muito significativo, especialmente na próxima década. Em 2015, 93% dos servidores que se aposentaram na União tinham integralidade.

Diante do teto de gastos (Emenda Constitucional no 95, de 2016), os altos gastos com aposentadorias e pensões do Regime Próprio comprimem despesas de políticas públicas e investimentos na União, inclusive os voltados à população mais pobre – ainda que a tendência partir da década de 2030 tenda ao equilíbrio. Frisa-se que diante do teto e sem reformas, o próprio reajuste do funcionalismo de servidores ficará pressionado, o que adiciona complexidade à atuação corporativa de entidades como a ANPR: os interesses de servidores pré-2003 definitivamente se conflitam com os dos que ingressaram posteriormente.

Neste sentido, é pertinente olhar os indicadores de deficit atuarial dos diversos regimes.  O resultado atuarial – superavit ou deficit – é considerado o indicador mais relevante para a saúde de um regime previdenciário. Ele se contrapõe ao resultado financeiro, que é um indicador corrente, do presente; enquanto o resultado atuarial indica o equilíbrio futuro. Simplificadamente, este é a soma dos fluxos futuros de receitas e despesas, trazidas a valor presente. Em um sistema estritamente equilibrado, não há deficit (ou superavit) atuarial.

O deficit atuarial do regime próprio na União é de R$ 1,4 trilhão. Observe que enquanto Robalinho tem razão de que a trajetória no Regime Geral (INSS) é muitíssimo pior (R$ 7,9 trilhões!), o valor não é nada desprezível. Em especial, o Regime Próprio da União possui as mesmas regras dos regimes próprios de Estados e Municípios, com deficits atuariais somados de R$ 5,4 trilhões, em entes que não podem emitir moeda e tem restrições a se endividar.

A alarmante situação previdenciária dos Estados é parcialmente explicada pela integralidade, conjugada com regras especiais de aposentadoria que afetam a maior parte dos funcionários, como professores, policiais e profissionais de saúde. Segundo o Banco Mundial, mesmo o rico Estado de São Paulo terá ao redor de 2030 o mesmo comprometimento da receita com previdência que o Rio, falido, tem hoje. Os Estados – e a prestação de serviços básicos à população – não resistirão a mais uma década com as atuais regras previdenciárias. Não há sentido em se opor a esta reforma porque haverá equilíbrio nos regimes próprios em 2035 ou 2040.

Então o que muda na polêmica versão atual da proposta? A mudança é simples. Servidores que ainda têm direito ao favor previdenciário, a integralidade, continuarão tendo direito a ela – desde que esperem até os 65 anos de idade (homem) e 62 anos (mulher) para se aposentar. Podem se aposentar antes disso? Sim, mas sem a integralidade. Neste caso, este servidor leva “só” 100% da média salarial.

Voltando ao exemplo de Antônio e Victor, Victor continuaria tendo direito à integralidade se esperasse até os 65 anos. Se ainda quisesse se aposentar antes disso, teria direito a 100% da sua média, de R$ 3 mil. O valor é certamente inferior ao último salário (R$ 4 mil), mas ainda muito acima do da aposentadoria de Antônio (R$ 2 mil). Por quê? Se não incide mais o favor previdenciário aumentando a média, tampouco incide algo parecido com o fator previdenciário: pode-se levar 100% dela.

Note que é, portanto, absolutamente falsa a afirmação de Robalinho em seu texto de que não há regra de transição para servidores (“quer-se que a nova idade mínima seja fixada no dia seguinte à eventual promulgação”). Sustenta o presidente da ANPR, antes de concluir com a frase “prendam-se os suspeitos de sempre” que batiza o artigo, que haveria um tratamento diferenciado e desrespeitoso com o servidor que tornaria a proposta inconstitucional. Perceba: só é necessário continuar contribuindo até os 65/62 anos para manter a integralidade. Isso não é necessário para quem quiser sair antes levando 100% da média.

Agora imagine Victor, chateado com a proposta, explicando para Antônio a injustiça de levar como aposentadoria sua média salarial, sem fator previdenciário ou qualquer outro índice que considere sua (longa) expectativa de sobrevida. Ademais, a possibilidade de aposentadoria com 100% da média só existirá para servidores que ingressaram antes de 2003 – uma clara concessão a quem já foi afetado por reformas anteriores e feito seu planejamento familiar de acordo com elas –, enquanto os servidores que ingressaram posteriormente ficam sujeitos ao mesmo cálculo que valerá para os trabalhadores do INSS.

Há outros pontos a discordar no artigo aqui comentado. De menos relevante, soa incorreta a afirmação que “na verdade, é banal e intuitivo que a despesa previdenciária é anticíclica”: ela parece acíclica, pois cresce vigorosamente independentemente da atividade econômica. Talvez alguns ainda a considerem prócíclica, porque os reajustes do salário mínimo (o valor da maior parte dos benefícios) são influenciados pelo crescimento do PIB, mas com uma defasagem de mais de 1 ano. Anticíclica dificilmente ela é – como podem ser benefícios da Seguridade como o Bolsa Família e o seguro-desemprego –, se não se reduziria quando o PIB voltasse a crescer, o que coadunaria com o argumento de Robalinho de que os deficits altos são conjunturais.

De mais relevante, é extremamente controversa a afirmação de que “o governo mente quando diz que a reforma não atinge os mais necessitados” e que irá “reduzir em 40% a aposentadoria dos que chegarem aos requisitos com o tempo mínimo de contribuição (15 anos)”. De fato isso seria extremamente preocupante, porque possui razão o procurador quando diz que os trabalhadores mais pobres têm dificuldade de comprovar tempo de contribuição.

No entanto, a proposta atual, contrariamente à versão original, mantém o mínimo atual de 15 anos de contribuição, não mudando em nada o requisito para estes trabalhadores. Principalmente, a PEC não propõe a desvinculação do piso previdenciário do salário mínimo. Esta vinculação faz com que a maior parte dos beneficiários da Previdência, especialmente os mais pobres, recebam como valor do benefício mais do que a média salarial com que contribuíram. Para eles, é irrelevante a fórmula de cálculo do benefício, pois sempre tende a estar abaixo do salário mínimo atual – o piso previdenciário pela Constituição – que foi muito valorizado nos últimos 20 anos, especialmente nos governos do Partido dos Trabalhadores.

Ilustrativamente, um trabalhador que tenha recebido sempre o salário mínimo desde os anos 90, e contribuído sobre ele, teria média salarial atualizada em 2017 de pouco mais de R$ 600. Qualquer fórmula de cálculo de aposentadoria, seja a da reforma ou seja a vigente, leva a um valor inferior ao salário mínimo atual. Com 15 anos, o menor tempo de contribuição exigido para aposentadoria, ele já tem a média salarial integral como benefício, ou mais que integral, uma vez que o piso previdenciário é de R$ 937. Quase 70% dos benefícios do INSS são de 1 salário mínimo.

Desta forma, a tese do presidente da ANPR em relação aos trabalhadores pobres do INSS não apenas contrasta com o fechamento de seu artigo (“É no regime geral que está o problema”), como não tem amparo à luz da PEC e da realidade previdenciária.

Finalmente, chama atenção o argumento de que objetivo final da reforma da Previdência é manter o sistema político corrupto, uma vez que ela afeta servidores de carreiras que “investigam, fiscalizam, processam, incomodam as forças políticas que estão no poder”.  Não seria o caso então de possibilitar logo a aposentadoria destes servidores, permitindo a corruptos que se livrem de seus investigadores? Grandes personagens da luta recente contra a corrupção no País estão se aposentando pelas regras atuais, como o delegado ex-diretor da Polícia Federal Leandro Daiello (51 anos), o procurador da Lava Jato Carlos Fernando dos Santos Lima (53 anos, que anunciou aposentadoria para o ano que vem), e o próprio ex-Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot (61 anos) que se aposentadoria após deixar o cargo.

Ademais, a estranha lógica que relaciona a reforma da Previdência com o combate à corrupção poderia induzir o leitor menos esclarecido a inferir como corolário –equivocadamente – que ações anticorrupção são usadas contra a reforma: um infeliz argumento que já foi usado por opositores da Lava Jato.

A lembrança do ex-PGR Rodrigo Janot, aliás, é oportuna para encerrarmos este texto. Em agosto, o PGR ajuizou a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 476, relativa ao Plano de Seguridade Social dos Congressistas (também afetado pela atual reforma). Esta previdência parlamentar, que contrariamente ao senso comum exige tempo de contribuição de 35 anos, possui na prática idade mínima maior do que a do Regime Próprio dos servidores e não conta com integralidade, pagando valores médios que são pouco mais da metade das aposentadorias do Regime Próprio no Judiciário, no MP e no Legislativo. Ressalta-se que a ação do PGR não se refere ao Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC), este sim com regras mais vantajosas, mas extinto em 1997.

Os argumentos trazidos na ADPF são extremamente pertinentes na discussão da reforma que aproxima o favor previdenciário do Regime Próprio ao fator previdenciário do Regime Geral. Peço licença ao leitor para encerrar o texto reproduzindo três trechos, convidando-o a refletir se os argumentos se mantêm se substituirmos os termos “agentes políticos” por “servidores”.

  1. “Além de igualdade de oportunidades, o princípio republicano busca assegurar tratamento igualitário a todos os cidadãos e repudia privilégio ou regalia que beneficie, sem fundamento jurídico suficiente, determinado grupo ou classe em detrimento dos demais. É refratário à instituição de privilégios, pois se baseia no
    reconhecimento da igual dignidade de todos os cidadãos, donde a temporariedade do exercício do poder, precisamente para impedir perpetuação de privilégios.”
  2. “Concessão de benefícios previdenciários com critérios especiais distingue indevidamente determinados agentes políticos dos demais cidadãos e cria espécie de casta, sem que haja motivação racional – muito menos ética – para isso”.
  3. “Os princípios republicano e da igualdade exigem que, ao final do exercício de cargo eletivo, seus ex-ocupantes sejam tratados como os demais cidadãos, sem que haja razão para benefícios decorrentes de situação pretérita, muito menos de forma vitalícia. Mesmo durante a ocupação de cargos é desejável que os mandatários do povo sejam tanto quanto possível tratados com direitos e deveres idênticos aos de seus compatriotas”.

Publicado originalmente no JOTA em 11 de dezembro de 2017.

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1 R$ 2.124, com o fator previdenciário de 0,708.

 

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Ministério Público e os voos de galinha https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3097&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=ministerio-publico-e-os-voos-de-galinha https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3097#comments Thu, 16 Nov 2017 14:17:28 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3097 Recentemente o Procurador-Geral da República Rodrigo Janot respondeu a críticas de que o trabalho do MPF criava instabilidade e prejudicava a retomada do PIB e a agenda de reformas.  O PGR reconheceu que a atuação trazia um custo, mas que em contrapartida a prosperidade futura do país seria erguida em base sólida e consistente. Não sendo assim, estaríamos condenados a “voos de galinha” na economia.

Os esforços do MPF pela melhoria das instituições e da governança e pelo combate ao capitalismo de compadrio são elogiáveis, mas contrastam com uma marcante atuação da instituição pela manutenção do status quo, contra a agenda de reformas. Em junho, o PGR ajuizou ação para derrubar a Lei da Terceirização no STF. Antes, áreas do MPF se posicionaram institucionalmente contra a Emenda do teto de gastos e a reforma da Previdência, enquanto o Ministério Público do Trabalho foi um dos mais ativos opositores da reforma trabalhista.

O comportamento contrarreformista do MPF não é novo. No passado, a Procuradoria-Geral da República se manifestou no Supremo no sentido de reverter aspectos essenciais da 2ª reforma da Previdência, como a contribuição dos servidores inativos, sem sucesso. Na Lei de Responsabilidade Fiscal, a PGR deu parecer pela inconstitucionalidade de dispositivos que permitiam a redução de salários e de jornadas quando ultrapassados os limites de gasto com servidores. Não tivessem sido derrubados, o atual drama dos Estados teria a mesma dimensão?

Neste ano, os debates realizados pela Associação Nacional de Procuradores da República (ANPR) no processo de eleição da lista tríplice para novo PGR jogam luz sobre o pensamento da cúpula da instituição sobre temas estratégicos para a economia. Entre os integrantes da lista tríplice existe a opinião que o MPF tem de ter iniciativa para melhorar a política previdenciária porque “grande parte dos benefícios são sonegados a quem deles precisa”. Também no trio há quem opine que a reforma da Previdência é assustadora e muito drástica.

Entre os que não integraram a lista final, uma subprocuradora-geral da República sugere rever o teto de gastos caso a economia cresça. Outro subprocurador, a respeito da Emenda do teto, reclama sobre “dignidade remuneratória”. Entre os eleitos para a lista tríplice, há quem critique a “defasagem” e quem afirme que o MPF já é espartano em seus gastos. Dados do IR mostram que em 2016 a remuneração média de um membro do MP foi 46 vezes maior que o salário mínimo, acima do teto salarial da Constituição.

Também há críticas à situação dos procuradores aposentados. Eles são beneficiados pela integralidade e paridade, privilégios subsidiados pelo contribuinte que não existem no INSS. Porém, a crítica é que recebem pouco.

Um dos eleitos fala em “grave discrepância” porque os da ativa recebem indenizações que o inativo não recebe, de R$ 130 mil ao ano. Uma subprocuradora lamenta que muitos não se aposentam porque não tem “condição de viver com o que receberão”, e exemplifica:  “aposentados têm filhos na carreira que recebem muito mais do que eles”. Já o Ipea aponta que a previdência dos servidores é sozinha responsável por 7% da desigualdade de renda do país, já descontada as contribuições pagas. Nos termos do professor José Márcio Camargo, seria o maior programa de transferência de renda do Brasil.

Mesmo após um impeachment por pedaladas, houve nos debates também inclinação por contabilidade criativa. Uma candidata propôs achar solução para incorporar o auxílio-moradia às aposentadorias “obviamente sob uma outra rubrica”. Um dos escolhidos defende que a gratificação eleitoral seja computada no limite de pessoal do Judiciário, não do MP, pra evitar as consequências da LRF.

Para além do corporativismo, há uma atuação mais geral contra as reformas. Em nota ao Congresso o MPF foi contra a reforma da Previdência com um conjunto de alegações frágeis – se opondo a idade mínima com base na expectativa de vida ao nascer. Por sua vez a ANPR e outras associações de membros do MP assinaram notas afirmando não haver déficit na Previdência, alegando haver um confisco, e garantindo que a reforma não se sustentará no Judiciário (“fique alerta o País disso”).

Na PEC do teto, o MPF enviou ao Congresso durante a tramitação nota afirmando que a proposta era inconstitucional e deveria ser rejeitada, por ofender a separação de Poderes. Já o Ministério Público do Trabalho argumentou, no Parlamento e até em revistas em quadrinhos distribuídas pela instituição, que a reforma trabalhista não gerará empregos.

Exceção na campanha da lista tríplice foi a menção ao papel do MP em reduzir o custo Brasil. Entretanto, quem a vocalizou também argumentou repetidamente que o problema do Brasil são as desigualdades, porque rico ele é. Na verdade, estamos entre a 77ª e a 85ª posição na comparação do PIB per capita: mais pobres que o Iraque e a Botswana.

Em suma, se a atuação do MP na área criminal pode ser modernizadora para a economia, na área cível (tutela coletiva) não é possível dizer o mesmo. Em vez de proteger interesses difusos, na agenda de reformas a atuação do MP é meramente concorrente ao lobby de grupos organizados como as centrais, as corporações e as organizações de advogados.

É de alguém para defender as maiorias mudas que o país precisa. Não há quem advogue pelas crianças e jovens pobres excluídos do orçamento e que contarão com cada vez menos recursos sem mudanças na Previdência, ou pela multidão de desempregados e informais – onde as minorias prevalecem – à espera de oportunidades que não se viabilizarão com a atual legislação trabalhista ou o crescimento explosivo da dívida pública.

São grupos sem capacidade de mobilização para eleger representantes, que poderiam se beneficiar da estrutura bilionária e da missão constitucional do MP de proteger os interesses difusos e coletivos. Se, ao contrário, a instituição que é cada vez mais protagonista na definição dos rumos do país insistir e prosperar na luta contra as reformas estruturais, estaremos condenados a mais voos de galinha.

Este texto foi originalmente publicado no jornal Valor Econômico, em 12 de julho de 2017.

 

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Por que os advogados estão entre os mais afetados pela reforma da Previdência? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3022&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-os-advogados-estao-entre-os-mais-afetados-pela-reforma-da-previdencia Wed, 16 Aug 2017 15:51:42 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3022 A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) divulgou uma contundente carta contrária à reforma da Previdência, que seria “fundamentada em premissas equivocadas” e conteria “inúmeros abusos contra diretos sociais”. A esta carta, seguiram diversas outras manifestações da Ordem. É pertinente fazer uma provocação. Embora muitas categorias se sintam prejudicadas pelas novas regras de aposentadoria, como policiais e professores, há uma categoria do qual pouco se fala e que é vigorosamente afetada pela reforma: os advogados.

A ambiciosa proposta do governo de reforma da Previdência tem o potencial para reduzir sobremaneira a judicialização no INSS, o maior litigante do Brasil. No início desta década, havia tantos processos do INSS na Justiça quanto paraguaios no Paraguai: cerca de 6 milhões. Conhecendo as particularidades do sistema judicial brasileiro, não é possível descartar que, em número de causas, o INSS seja até mesmo um dos maiores litigantes do mundo, se não o maior.

Essa grande quantidade de ações movimenta milhares de advogados. Das dezenas de bilhões de reais que anualmente o INSS despende por decisões judiciais, pelo menos alguns milhões revertem em honorários para o conjunto desses advogados. Várias dessas causas estão ameaçadas com a reforma da Previdência. É evidente que a entidade de classe que representa esses advogados deve se pronunciar veemente contra mudanças que os prejudiquem.

Uma busca rápida na Internet dá a dimensão do mercado: uma empresa vende mais de 1.200 modelos de petições para advogados previdenciários. Em um jornal, um especialista propagandeia a área como cada vez mais promissora por conta do envelhecimento populacional. Em um site especializado, proclama-se, com algum exagero, que a advocacia previdenciária é a área mais lucrativa de 2016 e que “o leque de atividades é tão grande quanto lucrativo”. Entendamos então como a reforma da Previdência pode mudar esta realidade.

Aposentadoria rural

De cada 100 aposentadorias rurais, 30 são concedidas judicialmente. De maneira geral, esse benefício não exige contribuição. O advogado atua principalmente para comprovar que um segurado trabalhou por pelo menos 15 anos no campo. A reforma altera este desenho para que esta comprovação seja feita periodicamente mediante o pagamento de uma contribuição, e não no momento de pedir o benefício com a ajuda de um advogado. A demanda por advogados também tende a se reduzir uma vez que as exigências de idade e tempo de contribuição convergiriam para as da aposentadoria urbana, deixando o benefício menos atraente para trabalhadores urbanos.

Aposentadoria especial

De cada 100 aposentadorias especiais, 70 são concedidas judicialmente. Esta é uma modalidade similar à aposentadoria por tempo de contribuição, sem idade mínima, que exige apenas 25, 20 ou 15 anos de contribuição, para quem esteve exposto a agentes nocivos no trabalho. Além da possibilidade de se aposentar antecipadamente, o benefício é vantajoso por ser integral, sem a aplicação do fator previdenciário.

O advogado atua principalmente para comprovar o tempo de exposição a esses agentes. A reforma afetará duplamente a judicialização deste benefício: restringe as formas de comprovação e reduz significativamente a demanda por ele ao torná-lo menos vantajoso. Em relação ao primeiro ponto, a reforma veda a comprovação apenas pelo pertencimento a uma categoria profissional. Em relação ao segundo ponto, cria uma idade mínima de 55 anos, altera o tempo mínimo de contribuição para 20 anos e o valor do benefício, que será proporcional ao tempo de contribuição. Novamente, é evidente que assim menos pessoas recorrerão a advogados, e as que recorrerem terão menor chance de sucesso.

Aposentadoria por invalidez

De cada 100 aposentadorias rurais por invalidez, 70  também são concedidas judicialmente. Em geral, o advogado questiona perícias do INSS que negam o benefício ou busca expandir a lista de doenças que dão direito ao benefício independentemente de contribuição, bem como tenta contornar a lentidão da fila das perícias. Medida Provisória anterior à reforma já obrigava os juízes a estimarem o prazo para cessação do auxílio-doença, eliminando uma das vantagens do pleito judicial deste benefício (o recebimento por tempo indefinido).

A aposentadoria por invalidez também não prevê a aplicação do fator previdenciário (benefício integral), e inclusive permite um adicional de 25% para o beneficiário que necessitar de cuidador, ainda que o valor ultrapasse o teto de benefícios – o que só existe nesta modalidade de aposentadoria. A reforma também altera o valor deste benefício, que passaria a ser proporcional ao tempo de contribuição. A demanda por advogados tende a diminuir se esta modalidade de aposentadoria pagar um valor menor do que o segurado receberia se trabalhasse mais alguns anos, se aposentando pela modalidade comum.

A princípio, a afirmação anterior pode parecer por demais fria: afinal, as pessoas procuram este benefício porque estão incapacitadas para o trabalho, e não porque o montante a ser recebido é maior. Entretanto, as situações destes segurados são muito heterogêneas, e os incentivos da legislação desempenham sim um papel importante na demanda pela aposentadoria por invalidez. Ilustrativamente, após a 2ª reforma da Previdência, quando a aposentadoria por invalidez do servidor público deixou de ser integral e passou a ser proporcional ao tempo de contribuição, a sua participação no total de aposentadorias concedidas caiu de 30% em 2004 para apenas 4% em 2016. Em que pese as diferenças na realidade do servidor e do trabalhador do INSS, é provável que a demanda administrativa e judicial pelo benefício se reduza com a reforma.

Benefício de Prestação Continuada

De cada 100 Benefícios de Prestação Continuada (BPC) concedidos, 25 são concedidos judicialmente. Formalmente assistencial, mas materialmente previdenciário, este é um benefício pago à pessoa com deficiência e ao idoso em situação de comprovada pobreza. Cabe ao advogado batalhar pelo benefício para a família que não cumpra os requisitos legais de pobreza, pleiteando, por exemplo, que outros benefícios assistenciais e previdenciários sejam excluídos do cálculo da renda familiar ou que se desconsidere a parcela desta renda gasta com medicamentos. Desconhecem-se ações judiciais semelhantes para o Bolsa Família, apesar da linha de corte mais rígida, provavelmente porque o benefício é muitíssimo menor.

A reforma coloca no texto constitucional a previsão de que a renda familiar seja considerada na totalidade, e que lei disponha sobre outros requisitos do BPC.  Boa parte das ações que hoje são bem sucedidas podem não mais o ser. Adicionalmente, a reforma inicialmente previa que o BPC teria um valor menor do que o das aposentadorias, o que pode também desestimular a procura deste benefício, inclusive pela via judicial.

Desaposentadoria

Por fim, a reforma é a pá de cal na desaposentadoria, talvez a grande causa dos escritórios de advogados previdenciários. A desaposentadoria, que não foi reconhecida pelo Supremo em 2016, é a tese de que aposentados que continuam trabalhando e contribuindo para a Previdência merecem o recálculo dos benefícios como se jamais tivessem se aposentado. Ao afetar principalmente os segurados que podem se aposentar por tempo de contribuição, de maior renda, tratava-se de ações de valor maior.  Ocorre que a desaposentadoria era corolário da própria ausência de idade mínima, que gerava uma grande quantidade de aposentados-contribuintes. Com a idade mínima, este pleito não faz mais sentido.

Se por um lado uma ampla reforma como a proposta pelo governo pode gerar inúmeros questionamentos jurídicos, fica claro que a atividade das bancas previdenciárias não será mais como hoje se a reforma passar. Este é o possível conflito de interesse que a OAB possui, como representante desses advogados, e que não é explicitado quando se posiciona de maneira tão contundente contra a reforma da Previdência.

Em um interessante caso de lobby destes profissionais, uma emenda substitutiva à reforma foi apresentada com o timbre de entidades de advogados previdenciários que contam com o apoio da OAB. A proposta chega ao extremo de proibir o Congresso Nacional de fazer reformas por 20 anos, mesmo por Emenda Constitucional, entre outros dispositivos que causam perplexidade por terem sido avalizados por operadores do Direito.

É importante ressaltar que isso não significa que não exista por parte da Ordem uma genuína apreensão quanto às mudanças propostas, até porque o discurso da OAB é compartilhado por várias outras entidades da sociedade civil. Entretanto, é justamente para a sociedade que precisa ficar claro que, neste estratégico debate nacional, os objetivos da OAB podem não ser os mesmos do conjunto da sociedade. Na reforma da Previdência, a atuação da Ordem é marcadamente diferente da sua reconhecida atuação em outros momentos da vida nacional, como as Diretas Já ou o impeachment do Presidente Collor. Como responsável pela defesa da classe dos advogados, prejudicados pela reforma, o provável conflito de interesse está colocado.

Ademais, é oportuno salientar que uma reforma da Previdência pode ser defendida justamente com os argumentos contrários a ela colocados por membros da advocacia nacional nas últimas semanas. O princípio da proteção à confiança deveria nos inspirar a garantir um sistema previdenciário sustentável, que não venha no futuro a cortar aposentadorias como no Rio, em Portugal ou na Grécia, rasgando promessas feitas a idosos em um momento em que eles mais nada podem fazer. Já o princípio da proibição de retrocesso social deveria nos motivar a olhar com mais carinho para as políticas públicas que serão comprimidas com o crescimento de uma despesa que ocupa 57% do orçamento federal e passará a ocupar 80% em cerca de 10 anos. E o retrocesso social na saúde, no saneamento básico, na educação?

Como garantir o direito ao emprego com os empreendimentos sufocados pelos juros estratosféricos decorrentes do crescimento acelerado da despesa pública? Como garantir o direito à vida em uma sociedade em que o Estado não tem dinheiro para pagar policiais ou médicos na quantidade necessária? É preciso ficar claro que vários dos direitos individuais e sociais previstos pela nossa Constituição não poderão ser efetivados em um Estado sem recursos e em uma economia no chão, e não podem ser judicializados como os direitos previdenciários podem ser. Não existe ação judicial factível para garantir um emprego, a construção de uma estrada ou o patrulhamento de uma rua.

Os advogados previdenciários prestam um serviço essencial no país, garantindo amparo a famílias necessitadas quando esbarram na lentidão da burocracia ou no desconhecimento do legislador. Muitas vezes não são somente uma opção, mas a última opção.  Todavia, o Estatuto da Advocacia é claro em seu art. 44 que a OAB tem a finalidade não só de defender a Constituição, os direitos humanos e a justiça social (inciso I), como também de promover a representação e a defesa dos advogados em toda a República Federativa do Brasil (inciso II). No debate da reforma da Previdência, o melhor para o país é que a entidade que ele tanto admira e confia admita o conflito entre os dois incisos.

Este texto foi originalmente publicado no JOTA em 6 de abril de 2017, sob o título “Reforma da Previdência e conflito de interesse da OAB”.

 

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O que a mulher que mais sofre com a tripla jornada ganha da Previdência? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3000&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-a-mulher-que-mais-sofre-com-a-tripla-jornada-ganha-da-previdencia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3000#comments Mon, 26 Jun 2017 15:58:03 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3000 Deodorina chegou atrasada ao trabalho. A patroa, Dona Carmen, não deu atenção: estava vidrada na TV, atenta ao jornal. Reclamou da retirada de direitos na Previdência, mas percebeu que a reforma não a afetava tanto. Carmen terá de adiar em 6 meses os seus planos de se aposentar ano que vem, aos 52 anos.

Servidora pública, Carmen receberá para todo o sempre o maior salário da sua vida, ainda que não tenha feito contribuições no montante correspondente, e terá aumentos reais sempre que os funcionários da ativa tiverem1. Ficou com pena de seu filho, também funcionário público, porque ele não vai receber nada disso e ainda se aposentará mais tarde que a mãe: vai trabalhar até morrer, diz ela. Carmen acha um retrocesso, e se queixa da reforma: “imagina como fica o pobre”.

Carmen defende ser um absurdo a aposentadoria para homens e mulheres na mesma idade, porque sabe que os compromissos da casa e com o filho sempre sobraram mais para ela do que para o marido.  Felizmente, Carmen teve condições financeiras para continuar trabalhando, 30 anos seguidos, sem precisar largar o emprego para cuidar da criança. Usou parte do seu salário para pagar uma creche, e depois sempre pôde contar com a ajuda de mulheres como Deodorina, sua empregada.

Deodorina também completará 52 anos, mas não vai se aposentar ano que vem. Tampouco nos seguintes. Embora trabalhe desde a adolescência, não vai conseguir juntar os 15 anos de contribuição que o INSS exige para uma aposentadoria. Durante as últimas décadas, conseguiu por poucos anos ter a carteira assinada. Por um período ficou desempregada, por outro precisou ficar em casa cuidando dos seus cinco filhos.

Deodorina quase sempre buscou emprego. Sem diploma, praticamente só conseguia fazer diárias, como na casa de Dona Carmen. Foi difícil, mas ela conseguiu criar as cinco crianças. Deodorina não sabe o que significa tripla jornada, mas não vai receber nenhuma compensação da Previdência pelas suas décadas como profissional, mãe e dona de casa. Resta a ela pedir um benefício assistencial, na mesma idade de seu marido, aos 65 anos.

Carmen recebeu uma ligação do sindicato da sua carreira para uma manifestação. Ficou animada e irá protestar com seu filho contra a perda de direitos, contra retrocessos sociais e pela dignidade da pessoa humana.            Na passeata falarão de isonomia, paridade e integralidade.

Deodorina não pertence a nenhuma carreira, e, portanto, a nenhum sindicato. No protesto que Carmen vai participar, ninguém irá reclamar que o benefício com que Deodorina contava ficou mais difícil de se obter. Ela tem a mesma idade de Dona Carmen e trabalhou até por mais tempo do que ela, mas por ser “informal” não terá a mesma regra de transição e não estará isenta de mudanças2.

Deodorina teme ter que chegar atrasada de novo no serviço amanhã. Ela levava duas horas pra chegar ao trabalho, mas a obra do BRT que iria melhorar o seu deslocamento está parada, e até piorou o trânsito. O governo estadual, que mal consegue pagar os salários em dia, diz não ter dinheiro para terminar a obra. Carmen diz não haver déficit na Previdência.

Para piorar, Deodorina ainda terá de arranjar tempo para levar o neto na UPA. Desde que o menino se mudou para a sua casa, após o pai ser demitido no ano passado, a criança passou a ter diarreias e febres frequentes. Deodorina acha que tem a ver com o esgoto, mas precisa perguntar ao doutor. Ela não irá encontrar pediatra amanhã, nem um médico pra falar sobre as dores que vem sentindo. Carmen diz que o governo desvincula o dinheiro da Previdência para pagar outras coisas.

Foi o filho de Deodorina, desempregado, que pediu a ela pra levar o garoto no médico, porque tem uma entrevista de emprego amanhã. A empresa vai gostar dele, mas perceberá que os juros no banco estão proibitivos e desistirá de pegar um empréstimo para sua expansão. O banco considera mais conveniente aplicar seu dinheiro em títulos do Tesouro do que no negócio desta empresa. Carmen diz que em vez de fazer reforma o governo deveria é gastar mais, para aquecer o consumo.

Com o filho e o neto em casa, Deodorina está com dificuldade de fazer a feira do mês. Ela não sabe, mas parte do seu salário gasto no supermercado servirá para pagar “contribuições sociais”. Este dinheiro não pode ir para a obra do seu BRT, mas poderia ir para o saneamento da sua rua ou para contratar médicos para a UPA. Carmen não sabe, mas quando protestar contra a reforma dizendo não haver déficit na Previdência porque “a seguridade precisa ser analisada como um todo” estará dizendo que sua empregada deve gastar mais no supermercado para pagar a sua aposentadoria.

Deodorina e Carmen são apenas personagens ilustrativos dos conflitos embutidos na discussão sobre a reforma da Previdência. A reforma tem potencial para reduzir as desigualdades de acesso aos benefícios entre os mais ricos e os mais pobres. Os mais pobres atualmente financiam um sistema previdenciário a que tem acesso limitado, enquanto sofrem com o ônus do baixo investimento público (como em mobilidade ou saneamento), da carga tributária crescente (que incide sobre as compras do mês) e dos juros altos (que desemprega os jovens).  Sem reforma, este ônus tende a aumentar.

Estes personagens ilustram ainda a miopia em relação à discussão sobre as mulheres na reforma da Previdência.  São as mulheres mais pobres quem têm maior taxa de fecundidade, e é evidente que maior número de filhos torna a parte doméstica da jornada ainda mais difícil.  É evidente também que a mulher mais pobre, menos escolarizada, tem também menos acesso a emprego formal, bem como que a mulher com mais filhos ficará mais ausente do mercado de trabalho.

Esta mulher mais pobre tem menos recursos financeiros e é mais dependente dos serviços públicos, enfrentando dificuldade de colocar seus filhos em creches ou em educação integral. Ela também tende a morar mais longe do trabalho e a perder mais tempo com deslocamentos na sua tripla jornada. Se esta mulher não completa 15 anos de contribuições à Previdência, ela não se beneficia do diferencial de 5 anos na idade. Se não completar 30 anos, não se beneficia do diferencial no tempo de contribuição.

Neste sentido, o foco da preocupação com a mulher neste debate não deveria ser o fim das diferenças nas regras entre homens e mulheres, tema mais caro às mulheres mais bem posicionadas na distribuição de renda. Na aposentadoria por tempo de contribuição, apesar do diferencial de 5 anos para mulheres, 67% dos benefícios concedidos são para homens.

O que é de fato relevante para as que mais sofrem com a tripla jornada, merecendo maior discussão, é o aumento do tempo mínimo de contribuição, de 15 para 25 anos, e, especialmente, da idade mínima para o Benefício de Prestação Continuada, de 65 para 68 anos. No Benefício de Prestação Continuada, apesar de não haver diferencial de gênero, 58% dos benefícios concedidos são para mulheres.

De resto, a reforma é essencial para viabilizar a solvência do Estado e permitir uma disponibilidade maior de recursos para políticas voltadas à trabalhadora pobre e sua família, como investimentos em saneamento básico, creches, educação básica e nas transferências de renda voltadas a este grupo, como o Bolsa Família. Ela é essencial também para que a carga tributária e os juros altos não estrangulem o crescimento da economia, facilitando a incorporação no mercado de trabalho das famílias hoje mais excluídas dele, justamente as mais pobres.

Carmen é uma boa pessoa, e acredita que também está defendendo os mais pobres. A pauta de seu sindicato, porém, não levanta os aspectos sensíveis da atual proposta da reforma que realmente podem prejudicar pessoas como Deodorina. Se a agenda das corporações continuar predominando neste debate, será preciso proteger os mais pobres de seus defensores.

Versão deste texto foi originalmente publicada no NEXO Jornal, em 28 de fevereiro de 2017.

______________

1 Conforme o texto original da PEC nº 287, de 2016, mas não conforme o Substitutivo aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados. Todavia, a imprensa tem noticiado que a situação de pessoas como Carmen deve continuar como está no texto (direito à integralidade e à paridade).

2 Vide nota anterior.

 

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Parte 2: O que te contaram errado sobre a reforma da Previdência https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2989&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=parte-2-o-que-te-contaram-errado-sobre-a-reforma-da-previdencia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2989#comments Mon, 24 Apr 2017 13:31:50 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2989 Em texto anterior, discutimos no blog os mitos sobre a reforma da Previdência, como o de que ela faria as pessoas trabalharem até morrer (porque é um erro neste debate considerar a expectativa de vida ao nascer); o de que uma idade mínima prejudica o trabalhador mais pobre que começa a trabalhar cedo (porque ele já tem idade mínima hoje); o de que serão precisos 49 anos de contribuição para aposentadoria integral (porque isso só seria preciso para uma minoria da população); e o de que a Seguridade Social em seu conjunto é superavitária (porque essa conta esconde dados do funcionalismo público).

Neste texto, analisamos mais quatro mitos difundidos sobre a reforma.

 

Mito: O problema previdenciário seria resolvido se o governo cobrasse as empresas devedoras da Previdência.

Não há o que defender a respeito de sonegação e inadimplência na Previdência. Entretanto, quando se diz que as 500 maiores empresas devedoras da Previdência devem mais de R$ 400 bilhões, é preciso ficar claro que:

i) boa parte dos grandes devedores não são empresas;

ii) entre as que de fato são, muitas estão falidas, e o montante devido, além de irrecuperável, é alto pela própria incidência de juros e correção monetária;

iii) ainda que fosse recuperável, a dívida pagaria as despesas do INSS por apenas 9 meses.

As empresas que não são empresas

A respeito do primeiro ponto, há um evidente esforço de desinformação quando se fala sobre as 500 maiores “empresas” que devem à Previdência. A 13ª maior devedora, com R$ 550 milhões, é a Prefeitura de São Paulo. A lista contém ainda outras capitais como Salvador (44ª, R$ 320 milhões) e Manaus (54ª, R$ 280 milhões), e cidades como Guarulhos (11ª, R$ 560 milhões), Barcarena (62ª, R$ 250 milhões), Cabo Frio (66º, R$ 230 milhões) e Campinas (77ª, R$ 210 milhões).

Órgãos da Administração Direta e Indireta de diversos entes também abundam na lista, como o 8º maior devedor, o Instituto Candango de Solidariedade (DF), (R$ 700 milhões), e a 10ª maior devedora, a Agespisa (PI), com R$ 590 milhões.

Até mesmo estatais federais aparecem entre os grandes devedores, como a Caixa Econômica Federal (14ª maior devedora, R$ 550 milhões), os Correios (32º maior devedor, R$ 380 milhões) e o Banco do Brasil (76º, R$ 200 milhões)

Por que isso é um problema no debate? A narrativa de que a dívida (“dívida ativa”) é formada por grandes empresas passa a errônea impressão que o problema previdenciário poderia ser resolvido com recursos do setor privado. Entretanto, a grande participação de entidades do próprio Estado revela que, caso a cobrança da dívida ativa fosse melhorada, parte do fluxo de dinheiro se daria entre bolsos de uma mesma calça: por exemplo, de um ente do Estado para o outro. Evidentemente isso não significa que não seja justo que todos aqueles com dívida reconhecida paguem o que devem, sejam do setor privado ou não.

As empresas falidas

Já o segundo ponto, a grande quantidade de empresas falidas, é ilustrada pelo trio Varig, Vasp e Transbrasil: as três empresas aéreas estão entre as seis maiores devedoras, todas com passivos de mais de R$ 1 bilhão. No caso da Varig, a maior devedora da Previdência, o valor se aproxima de R$ 4 bilhões.

Há uma evidente dificuldade de recuperar recursos de empresas falidas, seja seu credor um banco ou a Previdência.

Figura 1 – Ativos da maior devedora da Previdência

Adicionalmente, é pertinente observar que o valor alto que algumas dessas empresas registram na lista de grandes devedores se deve à própria incidência de juros e correção monetária sobre os débitos, que vão se somando ao longo dos anos, ainda que não sejam recuperáveis. Algumas das empresas da lista não estão falidas há anos, mas há décadas.

Dinheiro para pagar um benefício por um mês

Por isso, é extremamente falacioso comparar o montante de R$ 430 bilhões das 500 maiores devedoras com o déficit da Previdência. Infelizmente, deste montante, apenas R$ 10 bilhões é classificado como de “alta chance de recuperação”. O valor equivale às despesas com aposentadoria por tempo de contribuição: em um mês. Argumento semelhante se aplica à lógica de que a reforma da Previdência deve ser substituída pelo combate à corrupção, uma causa nobre, mas que é incapaz de resolver os problemas do país: o departamento de propinas da Odebrecht movimentou em quase 10 anos o que o INSS gasta em 1 semana1.

Assim chegamos ao terceiro ponto elencado acima. Ainda que toda a dívida ativa fosse recuperada, o valor seria suficiente para pagar todas despesas do INSS por apenas 9 meses. Este é um importante equívoco dos que apontam a dívida ativa como solução para a Previdência: em economês, a dívida ativa é um “estoque”, um valor acumulado referente ao passado, enquanto a despesa previdenciária é um “fluxo”, que se repete no tempo.

As filantrópicas (pilantrópicas?) e o STF

Um complicador adicional deve ser a recente decisão do Supremo Tribunal Federal estabelecendo que os requisitos de imunidade previdenciária para entidades filantrópicas deveriam ter sido estabelecidos por uma lei complementar, e não por lei ordinária como foi feito. Parte dos devedores da Previdência são justamente entidades que se consideravam isentas de pagar contribuição. Elas se consideram filantrópicas para fins previdenciários (ex: uma faculdade privada), mas não são assim consideradas pelos órgãos competentes do governo. Quando não pagavam a Previdência por “terem” isenção, eram consideradas devedoras. Com a decisão do STF, suas dívidas agora poderão não existir mais.

Outros exageros

Outros exageros nas mensagens denuncistas que circulam nas redes sobre os grandes devedores incluem considerar que as dívidas já estão reconhecidas e prontas para cobrança, quando boa parte ainda é discutida na Justiça (como a da Caixa Econômico Federal); e insinuar que o governo não busca recuperar os débitos para não incomodar os devedores. Este último tipo de insinuação tem sido comum no debate (como quando se diz que as contas da Previdência não são auditadas). Na verdade, a soma anualmente recuperada desta dívida subiu de R$ 1,5 bilhão em 2010 para R$ 4,1 bilhões em 2016, quase três vezes mais.

Se este pote de ouro ao fim do arco íris não existe, por que este discurso persiste ao longo dos anos? Uma possível explicação já foi debatida aqui no blog  e se relaciona com promessas de corporações de funcionários públicos feitas a agentes políticos e à sociedade. Neste caso, representantes de procuradores, a quem compete recuperar este dinheiro, sempre exageraram valores referentes à dívida ativa ao mesmo tempo em que defendiam a importância de receberem honorários indenizatórios, isto é, um vantajoso complemento de remuneração que não se sujeita ao teto constitucional ou à incidência de Imposto de Renda. Em troca do aumento salarial, a sociedade recuperaria bilhões da tal dívida.

 

Mito: A reforma é baseada na comparação do Brasil com países ricos, que possuem outra realidade.

As regras de concessão de benefícios previdenciários do Brasil não destoam apenas das de países ricos, mas também de países emergentes. Por exemplo, além do Brasil, apenas 12 países possuem aposentadoria por tempo de contribuição, isto é, uma aposentadoria sem idade mínima.

A idade mínima proposta pelo governo para o Brasil na década de 2030, de 65 anos, já é a idade mínima hoje no Paraguai, no México, na Argentina e no Chile. Isso evidentemente não significa que o país deva “importá-la”, mas mostra que é equivocado afirmar que as regras propostas só são compatíveis com a de um país rico.

Ainda assim, o processo de envelhecimento populacional do Brasil é tal que a OCDE estima que nas próximas décadas a expectativa de sobrevida de uma idosa brasileira será até ligeiramente superior a de uma americana ou de uma dinamarquesa – países muito mais ricos.

Apesar disso, de fato medidas de “expectativa de sobrevida com saúde” dos brasileiros não acompanham a de nacionais de outros países. É evidente que deixam muito a desejar no Brasil a saúde pública, a mobilidade e a acessibilidade, entre outras políticas públicas voltadas aos idosos.

Uma reflexão que é pertinente, porém, é se não reformar a Previdência é de fato o caminho para melhorar essa situação. Com o crescimento do gasto previdenciário, não estamos condenando, por exemplo, o Sistema Único de Saúde (SUS) a ter menos recursos do que poderia para atender idosos, cujas internações são mais frequentes e duram mais? O caminho para a “expectativa de sobrevida com saúde” não pode ser somente o aumento de gastos com Previdência, às custas da saúde ou do saneamento básico, por exemplo.

Finalmente, é útil apresentar a idade para aposentadoria em outros países, comparando-a com uma versão difundida em mensagens pela Internet.

Figura 2 – Idade mínima falsa e verdadeira para países selecionados

 

Mito: A reforma não resolve o problema e melhor seria mudar para um sistema de contas individuais capitalizadas.

Neste debate, frequentemente defende-se que, em vez de modificar os parâmetros do sistema (idade, tempo de contribuição), melhor seria transformar o regime de repartição em um regime de capitalização. Isto é, mudar de um regime em que os trabalhadores em atividade pagam contribuições que financiam os benefícios dos inativos (aposentadorias, pensões, auxílios) para um sistema em que cada um poupa para seu próprio benefício, depositando a contribuição em contas para serem aplicadas no mercado financeiro.  Tal proposta é considerada inviável pelos significativos custos de transição que implica.

O custo de transição ocorre porque, enquanto as contribuições dos trabalhadores da ativa seriam separadas individualmente e capitalizadas, as despesas com os atuais beneficiários (aposentadorias, pensões, auxílios) deveriam continuar sendo pagas. Caso nenhuma transição fosse empregada, a perda de arrecadação seria da ordem de R$ 350 bilhões em 2016. Com a União em delicada trajetória de endividamento e incapaz deproduzir sequer superavits primários, uma mudança abrupta do regime ameaçaria aprópria solvência do Estado brasileiro.

Adicionalmente, como a Previdência Social é caracterizada pela solidariedade entre grupos, um regime de capitalização necessariamente implicaria perdas e regras mais duras do que as da proposta de reforma da Previdência para grupos que são “subsidiados” no atual sistema. Entre eles, mulheres, servidores públicos, professores, policiais, trabalhadores rurais e aqueles que recebem benefícios vinculados ao salário mínimo. Mantidas as alíquotas de contribuição atuais, todos esses grupos provavelmente receberiam menos em um regime de capitalização do que no regime atual.

A principal proposta para um regime de capitalização presente neste debate é a dos pesquisadores da USP, apoiada recentemente pelo Movimento Brasil Livre (MBL). Eles propõem a criação de um sistema misto, mantendo o regime de repartição para valores menores e instituindo uma camada de capitalização obrigatória para valores maiores. Cabe observar que, apesar da transição proposta pelo modelo, ainda há perda de arrecadação (custo de transição).

O professor Hélio Zylberstajn sugere que a transição seja financiada ou pelos jovens que estariam no novo modelo, pagando uma contribuição dobrada (para o modelo antigo e para o novo) ou pelos atuais beneficiários, que teriam descontos em seus benefícios, como aposentadorias. Fica evidente que não há solução fácil para esta transição, seja ela financiada pela União, pelos novos segurados ou pelos atuais beneficiários.

Por fim, cabe ressaltar que o risco demográfico presente na repartição não está totalmente ausente em um regime de capitalização. Uma boa remuneração das contas pressupõe a transferência de ativos da geração que se aposenta para a geração seguinte, ou seja, esse regime também é afetado pela transição demográfica.

 

Mito: A principal despesa do governo não é a Previdência e sim os juros, e é ela que deveria ser combatida.

Respondendo em 2017 por 57% do total, a Previdência é o principal componente da despesa primária da União.  De maneira simplificada, a despesa primária é a despesa financiada com a arrecadação detributos (impostos, contribuições). Já os juros e a amortização da dívida são despesas financeiras, que têm sido na prática financiadas pela emissão de dívida nova e não de tributos.

Como toda despesa da União precisa ser autorizada pelo Congresso Nacional, as despesas financeiras também constam do orçamento, o que leva algumas fontes a equivocadamente concluir que recursos que poderiam, por exemplo, ser usados na Previdência, estão sendo usados para pagar a dívida pública (ou os juros dela). É esta a visão, por exemplo, do movimento “Auditoria Cidadã da Dívida”. No entanto, isso só poderia ocorrer, parcialmente, nos anos em que o governo consegue fazer superávit primário, o que não ocorre desde 2013 e pode voltar a ocorrer somente em 2021 – mesmo com uma reforma da Previdência. Ainda assim, o objetivo destes superavits é justamente reduzir a dívida.

Uma maneira de entender porque é falacioso o infame gráfico do movimento “Auditoria Cidadã da Dívida” denunciando que quase 50% das despesas é usada para pagar juros da dívida é usar a mesma metodologia para criar um gráfico das receitas da União. Caso misturássemos as receitas primárias e financeiras, como a Auditoria faz com as despesas primárias e financeiras, teríamos que a maior receita da União é justamente a emissão da dívida, com uma percentagem do total maior do que tem a própria despesa com a dívida – exatamente por conta dos déficits primários (emissão de dívida financiando despesas primárias como previdência, saúde, etc).

Existe ainda no debate a visão de que a trajetória ascendente da dívida pública federal deveria ser combatida com a redução das despesas financeiras, e não primárias.A esse respeito, sem adereçar as consequências adversas de uma redução forçada das taxas de juros ou de renegociação (calote parcial) da dívida pública, é preciso ficar claro que a reforma da Previdência afeta duplamente as despesas financeiras com a dívida, tendendo a reduzi-las significativamente nos próximos anos. Não apenas a reforma tende a provocar expressiva melhora no resultado primário (dívida nova), como tende a atenuar as taxas de juros que incidem sobre o estoque de dívida, ao reduzir o risco de insolvência do Estado.

 

Considerações finais

Idealmente, em uma democracia madura, uma reforma significativa como a da Previdência seria discutida em eleições gerais, momento em que a sociedade se mobiliza para discutir o futuro. Como essa não foi a opção de nenhuma das chapas disputando as últimas eleições presidenciais no Brasil, restou ao país ter que discutir a reforma de maneira apressada na beira do precipício. A era das redes sociais, em que a informação corre sem filtro, nem sempre ajuda neste caso, contribuindo para rumores e desinformação. Se a qualidade do debate não melhorar, a reforma da Previdência pode acabar sendo aprovada com pouco convencimento do País, e pronta para ser desfeita nos próximos anos.

1 Proporcionalmente, uma vez que os pagamentos do INSS não são diários. A despesa anual com benefícios do RGPS foi de R$ 515 bilhões. O departamento de operações estruturadas da Odebrecht movimentou em 9 anos R$ 11 bilhões.

 

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Aprenda a criar um superávit na Previdência https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2981&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=aprenda-a-criar-um-superavit-na-previdencia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2981#comments Thu, 30 Mar 2017 15:54:41 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2981 A Previdência é uma gigantesca máquina de redistribuição de renda – nem sempre para os mais pobres – transferindo recursos entre gerações, regiões, categorias profissionais e gêneros. É, portanto, natural que uma reforma desta máquina de redistribuição gere resistências.

***

É difícil questionar a rápida transição demográfica por qual passa o país. Entretanto, se você precisa se opor de maneira contundente a mudanças na Previdência, tem como opção alegar que não existe necessidade de mudanças porque nela sobra dinheiro, ou dizer que “a Previdência tem superávit”. Este pode ser o seu caso se você representa em uma associação uma carreira de servidores públicos com privilégios ameaçados pelo discurso de reforma, ou se você representa advogados cujos honorários dependem de decisões judiciais contra o INSS.  

Este texto ensina quatro manobras contábeis para criar um superávit na Previdência, subsidiando a retórica de que a Previdência não precisa de reforma.

 

1. Pegue o dinheiro da saúde e incorpore à Previdência, dizendo que “a Seguridade Social precisa ser analisada como um todo”.

Quando se diz que a Previdência não tem déficit porque a Seguridade Social é superavitária, a lógica implícita é que as outras áreas da Seguridade devem financiar a Previdência: são elas a assistência social e, principalmente, a saúde.1 

Evidentemente essa lógica não pode ficar clara.

Por isso, use termos complicados para se referir a este dinheiro, como Contribuição Social sobre o Lucro Líquido, ou de preferência siglas, como CSLL ou Cofins.

Além de siglas, você pode também usar um argumento pretensamente legalista, dizendo que essa manobra era na verdade o desejo do “constituinte originário”.

Porém, você tem um problema: esta conta também apresenta déficit, de cerca de R$ 250 bilhões. Vá para a manobra (2).

 

2. Pegue o dinheiro da educação e incorpore à Previdência, dizendo que “o governo desvincula receitas da Seguridade”.

Quando se diz que a Desvinculação de Receitas da União (DRU) retira recursos da Previdência, ignora-se que a DRU não incide sobre a receita de contribuições previdenciárias, apenas sobre contribuições sociais.

Mesmo no caso dessas contribuições, é preciso lembrar que a DRU na verdade foi criada como instrumento para evitar que o governo federal dividisse sua arrecadação com Estados e Municípios, o que é uma obrigação no caso de impostos, mas não no caso de contribuições sociais (que por sua vez, só poderiam ser usadas na Seguridade).  Desvinculá-las da Seguridade foi a solução, permitindo o aumento de alíquotas e da base de tributação, mas ampliando a arrecadação somente do governo federal.

Simplificadamente, isso quer dizer que, ainda que a DRU não tenha a importância que teve no passado, encerrá-la retiraria uma flexibilidade que prejudicaria ao longo do ano a execução de políticas e investimentos da União em áreas como educação, ciência & tecnologia, cultura, defesa nacional, energia, meio ambiente, habitação, saneamento, segurança pública, transportes, etc.

Evidentemente essa lógica também não pode ficar clara.

Por isso, omita as consequências de acabar com a DRU. Outra opção, mais desonesta, é dizer que a DRU paga juros da dívida pública, ainda que isso seja não seja verdade.2

Infelizmente, você ainda tem um problema: mesmo que você considere a DRU como uma receita da Seguridade, o déficit teima em existir, e é de cerca de R$ 165 bilhões. Passe para a manobra (3)

 

3. Suma com as aposentadorias e pensões de servidores públicos, dizendo que não fazer isso é inconstitucional.

Agora retire do Orçamento da Seguridade Social o Plano de Seguridade Social do servidor, isto é, as aposentadorias e pensões dos funcionários públicos. Este sistema arrecada bem menos do que gasta, e por isso excluir ele da Seguridade vai afetar pouco a receita, mas vai diminuir bastante a despesa.

Além de provocar um superávit, essa exclusão evita questionamentos sobre vantagens deste sistema que ainda existem em relação ao Regime Geral, como o direito à paridade (o direito de receber do contribuinte um aumento acima da inflação que ele mesmo jamais vai receber) e o direito à integralidade (o direito de receber o maior salário da carreira sem ter contribuído para isso).

Essas vantagens podem ser percebidas como privilégios, afinal trata-se, dentre os grandes grupos de despesa da União, do que mais concentra renda. Portanto, é estratégico que essas despesas não se misturem com as despesas dos mais pobres da Seguridade. Não diga nada sobre como financiar estes benefícios.

Você pode apelar novamente ao “constituinte originário”, alegando que ele não queria que esta despesa fosse considerada da Seguridade porque a Constituição trata de servidores públicos no capítulo “Da Administração Pública” e não no capítulo “Da Seguridade Social”.

A lógica é frágil: a aposentadoria de um auditor fiscal de uma prefeitura que não possua regime próprio é feita pelo INSS e entra na conta da Seguridade, mas a aposentadoria de um auditor fiscal da Receita Federal não entraria. Já o regime de previdência complementar pertence na Constituição ao capítulo “Da Seguridade Social” e, nessa lógica, a aposentadoria de um fundo privado deveria entrar na conta.

Releve: a quem questionar este argumento topográfico, diga que não fazer esta manobra é in-cons-ti-tu-ci-o-nal.

Seu problema foi resolvido: foi criado o superávit. Pode preparar um vídeo para espalhar no Whatsapp.

Entretanto, há um pequeno complicador. As três manobras resultam em superávit apenas até 2015. Mesmo com os procedimentos aqui elencados, o teimoso déficit surge em 2016. Vá para o passo (4).

 

4. Esconda o resultado desta conta para 2016 e para os próximos anos.

Não importa que estejamos em 2017 e que a reforma da Previdência trate do futuro do país, especialmente das próximas décadas, e não do passado. É somente com dados desatualizados que você pode dizer que existe superávit.

***

Ironias à parte, o debate sobre financiamento da Seguridade Social poderia ser pertinente e saudável. O déficit é um indicador sujeito a reflexões, como é o PIB de um país (que diz pouco sobre sua qualidade de vida), o peso de uma pessoa (que diz pouco sobre as condições de suas artérias) e o número de gols em uma partida de futebol (que não revela necessariamente quem jogou melhor).

O déficit financeiro da Previdência diz pouco sobre seu equilíbrio ou desequilíbrio atuarial. Em especial, o déficit financeiro, isoladamente, é alheio ao debate sobre qual deve ser a participação do Estado de um país tão desigual em financiar grupos que são subsidiados na Previdência (como vem sendo discutido neste blog).

Todavia, infelizmente esta bem-vinda discussão deu lugar a uma rudimentar teoria da conspiração de que sucessivos governos enganam a sociedade e desviam recursos da Previdência, negando a necessidade de mudanças em uma questão estratégica para o país. Esta retórica alimenta a desinformação no debate nacional, a indignação das famílias brasileiras e provocou recentemente até mesmo uma antológica decisão judicial censurando os dados previdenciários do país3.

Os motivos das entidades que difundem esta tese permanecem pouco claros. O incômodo silêncio sobre o resultado de sua metodologia para 2016, negativo em R$ 39 bilhões pela estimativa da Instituição Fiscal Independente ou R$ 46 bilhões pela estimativa do governo, sugere que o objetivo desses grupos de interesse pode não ser exatamente o de contribuir para a discussão.  O argumento de que a Previdência não tem déficit, cujo corolário é de que a Previdência tem superávit, é sustentado por premissas questionáveis que não são expostas de maneira transparente à sociedade (ou que não aparecem nos vídeos do Whatsapp). Com um pouco de bom humor, foram essas premissas que buscamos discutir neste texto.

_______________

1 Cuja essência não são despesas de caráter continuado, como benefícios previdenciários e assistenciais.
2 Este discurso é remanescente da época em que a União produzia superávits primários, isto é, usava a arrecadação de tributos para pagar a dívida pública. O último ano em que isso aconteceu foi 2013 [supondo que o superávit primário oficial não foi maquiado), podendo acontecer de novo ao redor de 2020 – especialmente caso uma reforma da Previdência seja aprovada.
3 http://portal.trf1.jus.br/sjdf/comunicacao-social/imprensa/noticias/justica-federal-defere-em-parte-liminar-da-fenajufe-para-que-a-uniao-comprove-dados-sobre-deficit-na-previdencia-social.htm.

 

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O que é imposto e o que é subsídio na previdência social? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2976&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-e-imposto-e-o-que-e-subsidio-na-previdencia-social https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2976#comments Wed, 29 Mar 2017 18:49:24 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2976 A reforma da previdência é, certamente, o principal tema da agenda econômica neste início de 2017. Mas o debate tem se pautado muito mais na sustentabilidade das contas públicas do que nos aspectos atuariais. O foco nas contas públicas é essencialmente uma análise de fluxo de caixa: quanto se arrecada e quanto se gasta com a previdência.

Já o cálculo atuarial foca na formação da poupança individual e permite avaliar se o indivíduo está sendo subsidiado ou se está sendo taxado pelo sistema. O contribuinte estará sendo subsidiado pelo sistema se o valor acumulado de suas contribuições for insuficiente para pagar sua aposentadoria durante o período esperado de sobrevida após sua saída do mercado de trabalho. Simetricamente, se o valor acumulado das contribuições superar o fluxo esperado de aposentadoria, então o contribuinte está sendo tributado pelo sistema previdenciário.

Em 1988, quando da elaboração da Constituição Federal, e nas reformas subsequentes (Emendas Constitucionais nos 20, de 1998, e 41, de 2003), consolidou-se o regime de repartição para a previdência pública, em contraposição ao regime de capitalização. Resumidamente, no sistema de repartição, as contribuições dos trabalhadores em atividade são utilizadas para pagar as aposentadorias e pensões dos atuais beneficiários. Quando os trabalhadores ora em atividade se aposentarem, as aposentadorias e pensões serão pagas pelos futuros trabalhadores, e, dessa forma, espera-se que o sistema se perpetue. Neste blog já tivemos várias discussões sobre a sustentabilidade do financiamento da previdência e da necessidade da reforma em curso1.

O problema do regime de repartição é que ele mistura uma série de contribuintes e coloca todos dentro de um mesmo bolo. Assim, algumas categorias (como professores e militares) se aposentam com menor tempo de contribuição, outras (como trabalhadores rurais, domésticos ou de microempresas) pagam contribuições mais baixas2. Como está tudo em uma mesma conta, o indivíduo perde a capacidade de avaliar se a sua contribuição é excessiva ou não para os benefícios que irá receber. Para esse tipo de avaliação, é necessário fazer o cálculo atuarial. Essa avaliação deveria ser o primeiro passo para a formulação de políticas públicas na previdência: há algum grupo que merece receber subsídios (por exemplo, trabalhadores rurais, pessoas mais pobres, professores, militares, mulheres ou funcionários públicos)? Em caso afirmativo, qual o volume de subsídios a sociedade deveria se dispor a pagar para esses grupos?

O exercício que fizemos busca justamente ajudar a identificar a situação de um contribuinte padrão que estiver entrando agora no mercado de trabalho e virá a se aposentar na forma da atual proposta de reforma da previdência, nos termos do Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 287, de 2016, de autoria do Poder Executivo e ora em tramitação na Câmara dos Deputados. Basicamente, fizemos duas comparações:

a. O valor presente da aposentadoria que um indivíduo receberia se trabalhar por 40 anos (dos 25 aos 65 anos), de acordo com as regras propostas pela PEC, ou seja, 90% da média das contribuições ao longo da vida laboral, corrigidas pela inflação, mas:

i. Com piso de salário mínimo (para simplificar, supusemos salário mínimo de R$ 1.000,00, próximo aos R$ 937,00 atuais); e

ii. Teto da previdência, atualmente de R$ 5.531,00.

b. O valor presente do fundo que o indivíduo constrói ao longo de sua vida laboral, supondo contribuição total de 28% de sua remuneração, sendo 8% do próprio trabalhador (com salário de contribuição limitado ao teto da previdência) e 20% do empregador, sem limite.

Conforme já explicamos, o indivíduo estará recebendo um subsídio da previdência se o valor acumulado ao longo de sua vida for inferior ao valor presente de sua aposentadoria. Nesse caso, a poupança que ele teria acumulado seria insuficiente para bancar sua aposentadoria. Supusemos, com base na tábua de sobrevivência do IBGE de 2015, que a sobrevida após 65 anos é de 18,4 anos. Assim, para um trabalhador que estiver sendo subsidiado, se estivesse em um regime de capitalização3 (e não de repartição), na média, o fundo que ele constituiu enquanto trabalhava acabaria antes de ele falecer.

No caso oposto, em que o fundo acumulado é superior ao valor presente da aposentadoria, o trabalhador estaria, em verdade, pagando um imposto ao governo. Visto de outra forma, na média, esse indivíduo irá falecer antes de esgotar os recursos de seu fundo, e esse excedente irá para o Estado. Para esse caso, na prática, a previdência funcionaria como um tributo. Esse tributo é utilizado para financiar a aposentadoria de outros indivíduos, mais precisamente, aqueles que estão sendo subsidiados.

Denominaremos de regime atuarial pró-governo aquele em que o sistema previdenciário funciona como um tributo, e pró-segurado aquele em que o sistema funciona como um subsídio.

Cabe esclarecer que, nesse exercício, nossos cálculos superestimam o imposto pago (ou seja, nossos resultados tendem a concluir que a previdência tem um caráter atuarial mais pró-governo), pois não incorporamos os chamados benefícios de risco, como pensão para cônjuge e filhos e aposentadoria antecipada por invalidez. Esses benefícios funcionam como seguros e, para uma análise mais acurada, teríamos de incorporar o prêmio desses seguros nos cálculos. Apesar dessa lacuna, acreditamos que o exercício contempla o principal aspecto atuarial de um plano de previdência, qual seja, a relação entre contribuições e aposentadorias.

O valor presente do montante capitalizado e da aposentadoria depende de uma série de fatores. Alguns mantivemos fixos: idade da aposentadoria (65 anos), tempo de sobrevida (18,4 anos) e tempo de contribuição (40 anos). Para outras variáveis relevantes – taxa de juros e taxa de crescimento dos salários – trabalhamos com diferentes cenários.

A relação entre taxa de juros e natureza do sistema previdenciário (se pró-governo ou pró-segurado) é não-linear, dependendo da relação entre o valor da contribuição e dos benefícios. Em princípio, quanto maior a taxa de juros, mais pró-governo será a previdência (o que implica tributação mais elevada sobre o segurado). Uma elevada taxa de juros implica que tanto as contribuições quanto os benefícios (a aposentadoria) serão mais fortemente descontados quando trazidos a valor presente. Entretanto, como as aposentadorias ocorrem em um período mais distante do tempo (afinal, primeiro o indivíduo contribui, para depois usufruir da aposentadoria), seu valor será mais fortemente descontado, o que tende a fazer com que o valor presente das contribuições aumente em relação ao valor presente dos benefícios4.

Utilizamos quatro cenários para a taxa de juros. O primeiro, considerando taxa de 7% ao ano, que foi próximo da taxa Selic real média desde janeiro de 1999, início do regime de metas para a inflação. Trata-se de um valor extremamente alto e insustentável no longo prazo e, por isso, não tenderá a repetir. Ainda assim, julgamos conveniente mostrar esse cenário para ter uma ideia de como o sistema previdenciário é para os atuais segurados, se pró-governo ou pró-segurado.

Para os demais cenários, utilizamos taxas de juros de 4%, 3% e 2% ao ano, valores mais compatíveis com os de outros países.

Além da taxa de juros, tivemos de construir cenários para a taxa de crescimento dos salários. Em princípio, o sistema previdenciário deveria ser neutro para a taxa de crescimento salarial. Como a aposentadoria, pelas regras propostas pela PEC nº 287, de 2016, é função da média salarial, se o salário cresce mais rapidamente, a aposentadoria tenderá a ficar mais distante da última remuneração recebida pelo segurado, porém será bem maior do que a remuneração inicial. Se o salário cresce lentamente, o salário inicial e final da vida laboral do indivíduo serão mais próximos, fazendo com que a aposentadoria também seja mais próxima desses valores.

Entretanto, o sistema previdenciário é não linear. Para quem ganha pouco, digamos, um salário mínimo, quanto mais rapidamente os salários crescerem, mais subsídio receberão do governo. Isso porque, se o salário cresce muito rapidamente, a remuneração de hoje (e, consequentemente, a contribuição) será muito pequena em relação à remuneração futura. Isso faz com que aumente a diferença entre o salário do final de carreira e o salário médio. Ocorre que, ao se aposentar, o segurado não receberá o salário médio, mas, sim, o piso de um salário mínimo (que corresponde ao seu último salário).

Contudo, à medida que o salário de contribuição inicial aumenta, o sistema previdenciário torna-se cada vez menos pró-segurado e passa a ser cada vez mais pró-governo. O que ocorre aqui é que, quanto mais rapidamente cresce o salário, mais aumenta a distância entre o salário de contribuição e o teto da previdência5. Por exemplo, quem ganha hoje R$ 10 mil mensais, aproximadamente o dobro do teto, paga uma contribuição de R$ 2.443 (R$ 443 do trabalhador e R$ 2.000 do empregador). Daqui a 40 anos, com crescimento de 4% ao ano de salário, esse trabalhador receberá R$ 46.000, cerca de nove vezes o teto, e contribuirá com R$ 9.675 (mantém a contribuição de R$ 443 do trabalhador, mas a contribuição patronal aumenta para R$ 9.233).

Já se o salário crescer 2% ao ano, esse mesmo trabalhador terminará sua vida laboral com um salário de R$ 21.647 e contribuição mensal de R$ 4.329, menos da metade do caso anterior. Em ambas situações, contudo, esse trabalhador receberá o teto da previdência, de R$ 5.531. Ou seja, para os trabalhadores de mais alta renda, quando o salário cresce mais rapidamente, a contribuição aumenta, mas o benefício permanece o mesmo (o teto da previdência), tornando o modelo mais fortemente pró-governo.

Para a taxa de crescimento dos salários, trabalhamos com três cenários: crescimento anual de 4% (próximo ao crescimento de 4,3% para o salário médio observado entre janeiro de 2002 e janeiro de 2017), de 3% (próximo ao crescimento real do salário mínimo desde 1995), e de 2%, caso o cenário de estagnação econômica se prolongue indefinidamente.

A tabela a seguir mostra os resultados encontrados. Devido à não linearidade (que, por sua vez, decorre de pisos e tetos para os valores pagos pela previdência), apresentamos doze cenários (quatro taxas de juros por três taxas de crescimento do salário) para diferentes faixas salariais. Valores negativos (em vermelho) implicam que o valor presente da contribuição é inferior ao valor presente da aposentadoria esperada, ou seja, que o sistema é pró-segurado. Valores positivos, por seu turno, implicam que o segurado está sendo tributado pela previdência, ou seja, trata-se de um sistema pró-governo.

Tabela 1: Estimativa do cálculo do imposto (valores positivos) ou subsídio (valores negativos) pagos/recebidos pelo segurado da previdência, por faixa salarial, taxa de crescimento dos salários e taxa de juros.

A tabela confirma os resultados intuitivamente esperados discutidos anteriormente. Para salários próximos ao salário mínimo (onde há maior probabilidade de ocorrer subsídios), o subsídio aumenta à medida que cai a taxa de juros e que aumenta a taxa de crescimento salarial. Já para salários mais altos, cujas aposentadorias estão sujeitas ao teto, a tributação aumenta à medida que cai a taxa de juros e que aumenta a taxa de crescimento dos salários.

Podemos ver que, se os próximos vinte anos replicarem os mais recentes, com taxa de juros de 7% ao ano, todos os trabalhadores perderão6 com a previdência. Em valores presentes, aquele que ganha salário mínimo estará pagando o equivalente a até R$ 38 mil de imposto, e o que ganha dez salários, pagaria, no mínimo, R$ 448 mil. Trata-se, contudo, de um cenário pouco provável, mesmo porque, com a reforma da previdência, a tendência é de a taxa de juros abaixar no longo prazo.

Para cenários mais realistas, a tendência é quem ganhar salário mínimo ser subsidiado pela previdência. Para parâmetros bem factíveis para uma economia em desenvolvimento estabilizada, como taxa real de juros de 3% ao ano e taxa de crescimento dos salários de 4% ao ano, o subsídio se aproxima, em valor presente a R$ 190 mil.

Entretanto, o resultado pode se reverter para faixas salariais pouco mais altas, como, por exemplo, quem ganha dois salários mínimos. Nesse caso, para parâmetros igualmente razoáveis, como taxa de juros de 4% ao ano e taxa de crescimento dos salários de 3%, esses trabalhadores, em vez de receber subsídio da previdência, estariam pagando impostos no montante aproximado de R$ 83 mil reais. Ou seja, mesmo trabalhadores com baixa remuneração serão tributados com a reforma.

Já para a classe média e classe média alta, que não pertence ao funcionalismo público, a previdência representa um encargo, provavelmente acima de meio milhão de reais para quem ganha 10 salários mínimos. Esse resultado deve ser qualificado porque, conforme já mencionamos, não incorpora os benefícios de risco. De acordo com o Anuário Estatístico da Previdência Social, em 2015, cerca de 40% da despesa anual do regime geral foi para pagamento de benefícios de risco, como auxílio doença, pensões e aposentadorias por invalidez. Os valores desses benefícios, contudo, são predominantemente próximos ao salário mínimo. Além disso, tendo em vista que a classe média e média alta tendem a ter expectativa de vida mais elevada, a probabilidade de utilizar o benefício de risco deve ser menor.

Como vimos na Tabela 1, para faixas de renda inferiores, o regime tende a ser pró-segurado e, para rendas mais elevadas, pró-governo. Como há uma continuidade, isso implica que há uma renda em que o sistema é neutro, ou seja, que o valor presente das contribuições é exatamente igual ao valor presente das aposentadorias. A Tabela 2 mostra o salário de contribuição neutro para o segurado submetido às regras propostas pela PEC nº 287, de 2016, supondo, como no exemplo anterior, que trabalhou durante 40 anos e se aposenta aos 65 anos.

Tabela 2: Salário de contribuição inicial neutro para o segurado que trabalha durante 40 anos e se aposenta aos 65 anos de idade, por taxa de juros e taxa de crescimento salarial.

A primeira coluna da Tabela 2 nos mostra que, se a taxa de juros for de 7% ao ano, os salários neutros são muito baixos, inferiores ao salário mínimo. É outra forma de dizer que, a essa taxa de juros, todos os segurados estão sendo tributados, conforme vimos na Tabela 1. Para taxas de juros mais factíveis no longo prazo, como 4% e 3%, o salário neutro continua sendo baixo. Por exemplo, se o salário crescer 4% ao ano e a taxa de juros for de 3% ao ano, quem ganha R$ 2.251 mensais, ou seja, pouco mais do que dois salários mínimos, estará sendo tributado dentro da reforma proposta. Em outros cenários bastante factíveis, o salário neutro se aproxima de 1,5 salário mínimo (R$ 1.500, aproximadamente), indicando que, quem ganha acima desse valor, está sendo tributado.

Sem reforma, as contribuições neutras sobem, como seria de se esperar, e, em casos extremos, passam a incorporar classes mais favorecidas, com rendimento acima de cinco salários mínimos. É o caso de mulheres, que se aposentam aos 55 anos, com 30 anos de contribuição. Com juros de 3% ao ano, o salário neutro varia entre R$ 5,2 mil e R$ 6,2 mil (para taxa de crescimento de salários variando de 4% a 2% ao ano, respectivamente). Se a taxa de juros aumenta para 4% ao ano, o salário de contribuição neutro fica em torno de R$ 4 mil.

Para homens que se aposentam aos 55 anos, após 35 anos de contribuição, o salário neutro situa-se em torno de R$ 4 mil, se a taxa de juros for de 3% ao ano, e cai para cerca de R$ 3 mil, para taxa de juros de 4% ao ano. Ou seja, mesmo nesse caso, segurados pertencentes à classe média baixa já estariam sendo tributados pela previdência.

De acordo com as Projeções Fiscais que Anexo I – Projeções Fiscais da Proposta de Emenda à Constituição nº 287, de 2016, no Regime Geral de Previdência Social7, o principal objetivo da reforma não será obter o equilíbrio de longo prazo, mas, tão somente, estabilizar o déficit, em valores em torno de 2% do PIB (sem a reforma, o déficit encaminharia para 11% do PIB). Vimos que quem paga a contribuição integral e ganha acima do salário neutro estará subsidiando os que ganham menos e aqueles casos que, mesmo após a reforma, receberão tratamento especial. Vimos também que esse salário neutro, para hipóteses razoáveis, pode se aproximar de 1,5 salário mínimo. Ou seja, mesmo tributando segurados com salários relativamente baixos, a previdência continuará precisando tributar os contribuintes de uma forma geral, seja os da geração corrente, seja os das futuras gerações. Nesse contexto, seria interessante saber quem está sendo subsidiado, além daqueles cujo salário de contribuição é inferior ao salário neutro, e qual o valor desse subsídio.

 

_________________

1 Ver, por exemplo: http://www.brasil-economia-governo.org.br/2017/03/08/contra-a-retorica-antirreforma/ e http://www.brasil-economia-governo.org.br/2017/03/06/o-que-te-contaram-errado-sobre-a-reforma-da-previdencia/

2 Estamos considerando aqui a contribuição total, representada pela soma das contribuições do trabalhador e patronal.

3 Em um regime de capitalização puro, o indivíduo acumula um fundo ao longo de sua vida laboral, e usufrui desse fundo ao se aposentar. Em regimes de capitalização é possível contratar seguros para benefícios de risco, por exemplo, se sua sobrevida for excessivamente longa, para deixar pensão para o cônjuge, etc.

4Esse resultado, entretanto, é sensível à relação entre valor da contribuição e valor do benefício. Se a discrepância for muito alta, taxas de juros mais altas implicarão um sistema mais pró-segurado.

Intuitivamente, taxas elevadas de juros fazem com que os valores das contribuições e dos benefícios se aproximem, quando descontados a valor presente. É uma aplicação da velha máxima “de noite, todos os gatos são pardos”. Quando a taxa de juros cai, a discrepância entre contribuições e aposentadoria, quando trazidas a valor presente, torna-se mais realçada. Assim, para quem contribui pouco ao longo da vida laboral, mas tem garantido o piso do salário mínimo, uma queda na taxa de juros realça o subsídio recebido pelo segurado. Simetricamente, para quem contribui muito, mas tem o benefício limitado pelo teto, uma queda na taxa de juros realça o tributo pago pelo segurado.

5 Lembremos que, apesar de a contribuição do trabalhador estar limitada ao teto, a contribuição patronal não está.

6 Para ser mais preciso, todos os trabalhadores que contribuem 8% e cujos patrões contribuem 20%. Ganharão aqueles trabalhadores que continuarão a ter tratamento diferenciado pela reforma da previdência, como trabalhadores rurais e aqueles empregados em setores que pagam contribuições mais baixas.

7 Disponível em: http://www2.camara.leg.br/atividade-legislativa/comissoes/comissoes-temporarias/especiais/55a-legislatura/pec-287-16-reforma-da-previdencia/documentos/outros-documentos/Aviso77.pdf

 

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Contra a retórica antirreforma https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2969&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=contra-a-retorica-antirreforma https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2969#comments Wed, 08 Mar 2017 18:34:42 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2969 O envio da Reforma Previdenciária (Proposta de Emenda Constitucional 287) ao Congresso traz a público alguns argumentos da retórica antirreforma, à qual estaremos muito expostos a partir de agora. Embora os argumentos possam variar nas especificidades, temos poucas linhas gerais, que descrevo a seguir.

O argumento do inimigo comum. O primeiro argumento antirreforma é que a Reforma Previdenciária é de interesse de um “inimigo comum”. O objetivo é ter a maior base possível de oposição. Para isso, quem utiliza esse argumento busca um inimigo a um só tempo pequeno em número, poderoso e distante. Os banqueiros são sempre um forte candidato a “inimigo comum”: são poucos, poderosos e a maioria de nós nunca pôs o olho em um. Se eles é que estão por trás da reforma, ela é ruim.Outro candidato natural é uma minoria de endinheirados. Até há pouco, certos “círculos progressistas” bradavam contra o “1% mais rico”. Como os “círculos progressistas”descobriram ser parte do 1% mais rico, elegeu-se agora o 0,1% mais rico como “inimigo comum”. O “inimigo comum” é um ser maquiavélico por trás da Reforma; ele é que deveria pagar pelas dificuldades pelas quais passa o país, ao invés de“penalizarmos os trabalhadores mais pobres” com uma reforma que “restringe direitos”.

No caso da Reforma Previdenciária, esquece-se convenientemente que os níveis de despesa com benefícios previdenciários no Brasil (mais de 13% do PIB) são incompatíveis com a situação demográfica do País, limitam a realização de outros imperativos sociais (como aumentar os gastos com o SUS ou com o Bolsa Família) e não são sequer redistributivos.

O argumento da injustiça. O segundo grande argumento contra a Reforma busca encontrar casos específicos nos quais a Reforma seriaexcessivamente dura. A partir dessa “injustiça”, faz-se a generalização: a Reforma como um todo é condenável. O exemplo típico é a afirmação de que o trabalhador pobre começa a trabalhar cedo e será prejudicado com o fim da aposentadoria por tempo de contribuição. Esquece-se, convenientemente, que as idades médias de aposentadoria por tempo de contribuição são de 52 anos (mulheres) e 55 anos (homens) e que só se aposenta nessas idades pessoas que tiveram, no máximo,raros momentos na informalidade ou no desemprego. Essas pessoas certamente não são pobres. Os brasileiros pobres têm dificuldade de acumular tempo de contribuição em empregos formais. Quando conseguem se aposentar, o fazem por idade, aos 65 anos. Ou seja, os pobres já têm idade mínima.

Outro exemplo típico do argumento da “injustiça” é sugerir que as mulheres concentram os afazeres domésticos e, portanto, devem continuar a se aposentar cinco anos antes. Isso faz sentido? Não, obviamente. O modelo previdenciário brasileiro sequer considera o trabalho informal nos critérios de aposentadoria. Milhões de trabalhadoras informais, majoritariamente pobres, não podem bater à porta da Previdência para pedir benefícios em caso de doença, acidente de trabalhoou outro evento que as impeça de trabalhar. Elas são excluídas. Porque a previdência, nesse contexto, deveria concedercinco anos a menos de idade e tempo de contribuição para trabalhadoras incluídas no regime previdenciário? Das duas, uma: ou reformamos por completo a Previdência, adotando um modelo universal que pague um benefício básico (e não mais do que isso) para todos, independentemente de contribuição (o modelo beveridgiano); ou mantemos o regime contributivo atual (bismarckiano) mas, nesse caso, nada mais justo do que unificara idade para homens e mulheres.O que não dá é defender que apenas as mulheres incluídas trabalhem menos cinco anos enquanto pobres, excluídos e excluídas, não tenham sequer direito à cobertura previdenciária.

O argumento do ‘se não for para todos, não pode ser para ninguém’. O terceiro argumento tenta demonstrar que existem pessoas ou grupos que não são atingidos pela reforma, o que invalida toda a proposta. O exemplo mais óbvio desse argumento é a exceção que infelizmente foi feita às Forças Armadas e que tem servido de combustível para toda sorte de pirotecnia antirreforma. Esquece-se, convenientemente, que esta é a mais abrangente proposta de Reforma Previdenciária já feita, a que mais aproxima servidores públicos de trabalhadores da iniciativa privada, que reduz as taxas de reposição dos maiores rendimentos (o que é necessário) e mantém altas as taxas de reposição dos trabalhadores mais pobres (o que é justo).

O argumento da ilegitimidade. O quarto argumento é o de que o Governo é ilegítimo e, portanto, também é a reforma.A Reforma Previdenciária precisaria passar por um amplo debate envolvendo vários setores da sociedade e que tal processo teria que ser liderado por um governo eleito. Se o argumento for levado seriamente, talvez tivéssemos que recuar no tempo e exigir que Itamar Franco não enviasse ao Congresso a Medida Provisória que instituiu o Plano Real, já que não havia liderado sua chapa na eleição presidencial de 1989 e, portanto,não teria legitimidade para pôr fim à hiperinflação. Esquece-se, além disso, que tentativas de fazer um “amplo debate” em torno do tema (como o Fórum Nacional da Previdência Social de 2007) fracassaram miseravelmente e que “amplo acordo” pressupõe agentes dispostos a entrar em acordo – o que, lamentavelmente, não tem sido o caso das Centrais Sindicais. Em suma, nem toda medida liderada por um Presidente que assumiu depois de um processo de impeachment é necessariamente ruim; nem todo “amplo debate social” produz resultados minimamente satisfatórios.

Praticamente todos os argumentos antirreformasão variantes dessa retórica. Frequentemente são vocalizados por grupos para os quais a Reforma Previdenciária representa o fim de privilégios. Os pobres e os injustiçados só parecem ter uma função: servir de elemento retórico que justifique que tudo permaneça como está. Não deixa de ser triste, em um dos países mais desiguais do mundo, defender os mais pobres como estratégia para manter o status quo.

 

Originalmente publicado em edição do Valor Econômico, de 21 de dezembro de 2016.

 

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O que te contaram errado sobre a reforma da Previdência https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2964&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-te-contaram-errado-sobre-a-reforma-da-previdencia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2964#comments Mon, 06 Mar 2017 18:09:10 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2964 A reforma da Previdência atinge quase todas as famílias brasileiras, direta ou indiretamente. Seus benefícios são invisíveis, mas as perdas que ela gera são bem palpáveis, sendo natural que provoque rejeição. Entretanto, existe muita contrainformação na rede e, infelizmente, até em grandes jornais. Apresentamos as principais controvérsias brevemente neste texto.

Mito: O brasileiro vai trabalhar até morrer, já que em Estados pobres a expectativa de vida é somente de 66 anos.

É um grave equívoco usar neste debate a expectativa de vida ao nascer. Este indicador é, grosso modo, a idade média com que as pessoas falecem no Brasil. Ele é muito influenciado, para baixo, pela mortalidade infantil e pela morte de jovens por causas externas, como no trânsito e em homicídios. É por isso que em Estados pobres a expectativa de vida ao nascer é tão baixa.

Para a Previdência, o que importa é a expectativa de vida não no nascimento, mas na idade da aposentadoria. Este indicador também é muitas vezes no debate chamado de “expectativa de sobrevida”.  Aos 65 anos, a expectativa de sobrevida do brasileiro é, hoje, de mais 18 anos, totalizando 83 anos e meio. A boa notícia: esta expectativa vem aumentando e varia pouco pelo país (é de cerca de 84 anos no Sul, 82 e meio no Nordeste). Se de fato os aposentados morressem em média com 66 anos, seria um absurdo a reforma da Previdência.

Mito: Uma idade mínima prejudica o trabalhador mais pobre, porque ele começou a trabalhar cedo e teria que esperar anos para se aposentar.

É muito justa a preocupação com o trabalhador pobre. No entanto, precisa ficar claro que ele já se aposenta com uma idade mínima. O Brasil é imensamente desigual, como é desigual o acesso à aposentadoria. Existe uma aposentadoria mais voltada para a classe média e alta, onde não existe idade mínima, e outras voltadas para o trabalhador pobre, com idade mínima.

A reforma da Previdência cria uma idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição, aquele benefício que o homem recebe com 35 anos de contribuição, e a mulher com 30. Este benefício quase não é pago aos pobres, justamente porque conseguir décadas de emprego com carteira assinada é muito difícil para eles. Por isso, a aposentadoria por tempo de contribuição é a aposentadoria dos mais escolarizados e das regiões mais ricas do Brasil. Homens são seus principais beneficiários.

O trabalhador pobre, penalizado pelo desemprego e pela informalidade, pode até trabalhar 35 anos, mas geralmente sem carteira assinada por todo o período. Ele recorre a outros benefícios em que já existe idade mínima, mas que exigem menor tempo de contribuição (15 anos). É o caso da aposentadoria por idade urbana (65 anos para homens, 60 para mulheres) e rural (60 para homem, 55 para mulheres). Muitos trabalhadores se “aposentam” também pelo Benefício de Prestação Continuada (BPC), um benefício assistencial, que acaba sendo usado para quem não conseguiu 15 anos de contribuição, e só é pago aos 65 anos (homem ou mulher). Mulheres são as principais beneficiárias.

Por isso, a preocupação com acesso à aposentadoria do trabalhador pobre não é com a idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição, que afeta apenas os mais bem remunerados, seja da iniciativa privada ou do serviço público. A preocupação deve ser com a elevação do tempo mínimo de contribuição, de 15 para 25 anos (com transição), e com a elevação da idade mínima do BPC, de 65 para 70 anos (com uma transição acelerada).

Mito:O trabalhador precisará de 49 anos de contribuição para se aposentar com salário integral.

À primeira vista, a frase acima parece verdadeira, tanto que foi amplamente noticiada pelos jornais.  De fato, com a reforma, o cálculo dos benefícios seria de 51% da média, mais 1% por ano de contribuição, totalizando 49 anos para chegar em 100%. Por que então isso é um mito?

O Brasil é pobre. Apesar de nosso desenho previdenciário ser profundamente desequilibrado, 2/3 dos benefícios são de um salário mínimo.  Ocorre que o salário mínimo passou por uma expressiva valorização real, acima da inflação, desde os anos 90, e especialmente nos governos do PT. Ocorre também que no Brasil, ao contrário de outros países, o salário mínimo também é a “aposentadoria mínima”, independentemente do valor contribuído. A reforma não alterou isso (vinculação ao salário mínimo).

Com esta vinculação, boa parte dos trabalhadores receberá a sua média integral, 100%, apenas com o tempo mínimo de contribuição ou, muitas vezes, muito mais do que os próprios 100%. Como o salário mínimo cresceu acima da inflação, o passado do salário de contribuição deste trabalhador está abaixo do salário mínimo atual. Um trabalhador que tenha recebido apenas o salário mínimo desde 1995,teria em 2017 uma média salarial atualizada pela inflação de R$ 666, bem abaixo da “aposentadoria mínima” de R$ 936 – o atual valor do salário mínimo.

E o restante dos trabalhadores, que ganha acima de 1 salário mínimo? Trabalharão 49 anos para ter o benefício integral? Também não. O que passou despercebido por parte da opinião pública é que a proposta do governo mantém o cálculo da média salarial que existe hoje, que não é exatamente uma média. Neste cálculo, são excluídos os 20% piores salários da vida do trabalhador. Por isso, uma aposentadoria com 100% de sua média salarial pode ser obtida muito antes de 49 anos de contribuição (por exemplo, com 30 anos de contribuição). O tempo exato depende da trajetória dos salários deste trabalhador.

Só realmente teriam que trabalhar 49 anos para conseguir 100% do salário médio aqueles que ganhavam mais que o salário mínimo e receberam sempre mais ou menos o mesmo salário ao longo de toda vida, sem promoções, aumentos ou mudanças para empregos que paguem melhor. Nestes casos, não faz diferença para o cálculo excluir os 20% piores salários (justamente porque eles são parecidos com os 80% restantes).

Assim, caso o Congresso opte por manter a fórmula de cálculo proposta pelo governo, pouquíssimos trabalhadores teriam que trabalhar tanto para conseguir uma aposentadoria integral. Na verdade, ainda que o trabalhador se aposente aos 65 anos com cerca de 90% de seu rendimento médio, a proporção entre o valor da aposentadoria/salário médio (taxa de reposição) será compatível com a de outros países, ricos ou emergentes.​

Mito: A Previdência só tem déficit quando olhada separadamente, porque o conjunto da Seguridade é superavitário.

O dado apresentado inicialmente pela Associação Nacional dos Auditores Fiscais da  Receita Federal do Brasil (Anfip) e difundido por diversas fontes, mostrando que a Seguridade Social é superavitária, só se mantém diante de premissas bastante questionáveis, que não são expostas de maneira transparente em seu discurso.

O orçamento da Seguridade Social, que inclui além da Previdência, Saúde e Assistência Social, é deficitário em cerca de R$ 255 bilhões. Para chegar ao “superávit da Anfip”, é necessário incorporar como receita a Desvinculações de Receitas da União (DRU), um mecanismo criado para que a União não compartilhasse com Estados e Municípios um dinheiro que financia outras despesas do governo federal (mas não a dívida). Entretanto, ainda que consideremos estes recursos como sendo de fato da Seguridade, a conta ainda é deficitária em cerca de R$ 165 bilhões.

Se até com a DRU a conta da Seguridade é deficitária, como a Anfip chega em um superávit? O pulo do gato é, ao trazer para a conta as receitas e despesas da Seguridade Social, excluir o Plano de Seguridade Social do Servidor, ou seja, as aposentadorias e pensões do funcionalismo. Como este regime é extremamente deficitário, retirar suas receitas não afeta muito o lado da arrecadação, mas retirar suas despesas afeta muito o lado da despesa. Passa a haver então, para o ano de 2015, um pequeno superávit, de R$ 10 bilhões.

Ou seja, mesmo com a DRU, a Seguridade é deficitária e só passa a ter superávit se os servidores públicos forem retirados da conta. É essencial compreender que o problema da Previdência é principalmente devido pelo profundo e veloz processo de envelhecimento da população, ou seja, pelo crescimento da despesa, e não por problemas de lançamento contábil.

Por conta deste crescimento da despesa, e da queda conjuntural da arrecadação decorrente dos efeitos da recessão sobre o mercado de trabalho, até a conta da Anfip passa a ser deficitária em 2016. Não por acaso, este dado atualizado não tem sido apresentado no debate.

Em resumo, mesmo adotando todas as heterodoxas interpretações das corporações do funcionalismo, a Seguridade Social é deficitária até incorporando a DRU como receita. Ela só é superavitária quando se exclui as aposentadorias e pensões dos próprios servidores. Mesmo assim, a partir de 2016, até com esse truque a Seguridade é deficitária.

Considerações finais

Infelizmente, em um debate tão importante para o país, com importantes consequências sobre os objetivos nacionais de crescimento econômico e combate às desigualdades, muitas fontes têm mais desinformado do que informado. Seja por interesses que não são compartilhados pelo conjunto da sociedade (como os de corporações do funcionalismo ou das bancas advocatícias interessadas na indústria do litígio), seja por descuido, os mitos têm predominado na opinião pública. É da boa informação que a democracia precisa.

 

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Por que fazer reforma da Previdência no meio de uma recessão? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2927&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-fazer-reforma-da-previdencia-no-meio-de-uma-recessao https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2927#comments Thu, 15 Dec 2016 15:15:45 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2927 Introdução: a reforma da Previdência

Em 2017, quando o pior momento da crise econômica for sentido no mercado de trabalho, o Brasil estará discutindo uma reforma da Previdência.  A reforma  compreende uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC no 287, de 2016) e projetos de lei (ainda a serem enviados pelo governo), alterando, entre outros, regras de acesso a benefícios, forma de cálculo e financiamento dos regimes previdenciários.

A opção do governo foi por uma proposta de reforma paramétrica, e não estrutural, mantendo as características essenciais dos regimes. Os regimes continuam sendo de repartição, em que os benefícios dos trabalhadores inativos são financiados pelos trabalhadores em atividade no mercado de trabalho. A mudança se dá nos parâmetros do regime, e não em sua estrutura, como seria uma mudança para um regime de capitalização (em que o benefício de cada trabalhador é custeado pelas suas próprias contribuições no passado, capitalizadas), típico da previdência privada no Brasil e da previdência pública em outros países emergentes1, e tipicamente considerado uma opção “neoliberal”.

Segundo o orçamento anual de 2017, as despesas com Previdência em todos os regimes, mais o Benefício de Prestação Continuada (BPC-Loas), corresponderão a cerca de 55% do total da despesa primária. Comparativamente, a participação das despesas com os servidores ativos será de 13%, saúde 7%, educação 3%, PAC 3% e Bolsa Família 2%. A soma das demais despesas corresponde a 17%. Esses dados são apresentados no Gráfico 1, a seguir, e evidenciam que a Previdência não é só uma questão relevante no futuro, mas também no presente, como a crise dos Estados também mostra.

Previdência e economia

A crise econômica, com a queda de arrecadação e a instauração de sucessivos déficits primários, trouxe à tona o crescimento estrutural da despesa previdenciária e abriu uma janela de oportunidade para a discussão sobre a necessidade de reforma. Reformas anteriores foram feitas em 1998 e 2003. Em 2016 também o governo Dilma Rousseff anunciara a intenção de fazer uma reforma, tendo a Presidente afirmado que a Previdência era no momento “a questão mais importante para o país2.

Por um lado, as despesas previdenciárias têm evidentes efeitos em curto prazo sobre a demanda. O efeito multiplicador sobre o PIB de cada real despendido pelo RGPS seria de cerca de 0,5 (equivalente ao do RPPS). Para o Benefício de Prestação Continuada (BPC-Loas), o efeito seria de 1,23.

Por outro lado, a ênfase do governo em priorizar a reforma da Previdência durante a recessão é consoante com o diagnóstico de especialistas de que o crescimento da despesa previdenciária coloca e colocará mais restrições ao crescimento da economia no futuro.

Segundo essa visão, a Previdência estaria associada a um tripé de baixo crescimento4: carga tributária elevada, investimento público baixo e juros altos. Diante da tendência de aumento do gasto, esses efeitos só ficariam mais fortes no futuro.

Carga tributária

Na ausência de mudanças, a carga tributária seria cada vez mais pressionada. Em 2015, ainda no governo Dilma Rousseff, o Ministro da Fazenda Joaquim Levy propôs a recriação da CPMF, desta vez não para custear a saúde, mas a  Previdência. Enquanto isso, especialistas calculavam que na ausência de mudança de regras, já seria necessária a criação de uma nova CPMF por ano para financiar as despesas da Previdência5.

Outro exercício, apresentado em reportagem da revista The Economist, apontava que sem reformas as contribuições de empregados e empregadores sobre a folha de pagamento deveriam subir dos atuais 31% (na soma de empregador e empregado) para 86% em 2050 a fim de cobrir os benefícios6. Tal majoração da carga sobre a folha seria inviável, porque alíquotas tão altas erodiriam a base de tributação (o nível de emprego) muito antes que se pudesse chegar a esse patamar.

Aceitando a noção de que o sistema tributário brasileiro é ineficiente, mais impostos sobre ele apenas acentuariam seu efeito deletério sobre a economia7. Diante da urgência de arrecadação para cobrir o crescimento da despesa previdenciária e de dificuldades políticas, o provável é que as escolhas seriam no futuro elevar (ou criar) tributos com maior potencial arrecadatório, e não aqueles com efeitos distorcivos menores sobre a economia ou efeitos regressivos menores na distribuição de renda.

Investimento público

O segundo item deste “tripé” é o investimento público. Considera-se que é o investimento que aumenta a capacidade produtiva da economia no futuro. No entanto, investimentos, como os em infraestrutura ou ciência e tecnologia, por mais necessários que sejam para o país se desenvolver, constituem despesas “discricionárias”. Esse tipo de despesa se contrapõe à despesa obrigatória, que não pode ser reduzida e integra cerca de 92% do orçamento federal.

São exemplos de despesas obrigatórias a Previdência e os salários do funcionalismo. Diante do crescimento das despesas previdenciárias, o governo tem três opções principais8: elevar os impostos, aumentar o endividamento (que pressiona os juros, o que será visto a seguir) e reduzir outras despesas. Para acomodar o crescimento dos gastos com Previdência, seriam as despesas discricionárias as com maior chance de ser comprimidas, o que atinge o investimento público. Esta questão afeta diretamente não só o governo federal, mas também os subnacionais.

Ilustrativamente, em 2015 – ano de ajuste fiscal – enquanto a rubrica “outras despesas de capital”, que reflete o investimento público federal, teve redução de mais 30%, as despesas da Previdência (urbana e real) cresceram mais de 1% acima da inflação.

Juros reais

Finalmente, de modo simplificado, os juros reais estão associados à percepção de risco em relação à capacidade do governo de honrar seus compromissos9. A chance de insolvência no futuro, por conta de uma despesa estruturalmente crescente, pressionaria os juros para cima. Por sua vez, os juros reais altos sufocariam os empreendimentos que o país precisa para crescer.

A Figura 1 a seguir, sintetiza a lógica entre despesa previdenciária e seus efeitos no crescimento da economia, bem como na distribuição de renda.

Confiança

Ainda, segundo o diagnóstico do governo sobre a necessidade de ajuste fiscal, a reforma contribuiria para ganhos de confiança que induziriam a recuperação da economia. No mesmo sentido, o ex-Ministro da Fazenda Nelson Barbosa, em declaração ao Fórum criado no governo Dilma Rousseff para discutir a reforma, entendia como benefício imediato da reforma a melhora das expectativas fiscais, que “reduz a volatilidade cambial, possibilita a queda das taxas de juros de longo prazo e incentiva o investimento e a geração de emprego10.

Poupança e produtividade

Por fim, outros efeitos no crescimento da economia relacionados ao desenho da Previdência (e não exatamente à despesa previdenciária) discutidos pela literatura incluem a redução da poupança doméstica11 e a retirada precoce de trabalhadores produtivos da força de trabalho12. Adicionalmente, o envelhecimento da população está associado a um menor nível de inovação e de crescimento da produtividade13.

 

Previdência e teto de gastos

A Emenda Constitucional do teto de gastos (antiga PEC no 55, de 201614) congela a despesa total do governo federal em termos reais por 10 anos (Novo Regime Fiscal). O teto será anualmente reajustado pela inflação (passados 10 anos outro indexador será escolhido). Podemos dizer que a reforma da Previdência é irmã gêmea da reforma fiscal.

Isso porque a despesa previdenciária cresce aceleradamente em termos reais. Para as despesas federais caberem no teto, outras despesas deverão ser reduzidas na mesma magnitude. Se cumprir o teto, o governo não poderá mais recorrer ao aumento do endividamento ou da arrecadação para cobrir suas despesas primárias15.

Assim, com o teto, o crescimento da despesa previdenciária obrigaria o governo a cortes profundos em diversas outras áreas, o que tornaria a reforma da Previdência mais urgente. Nas palavras do relator da PEC do teto na Câmara, Deputado Darcísio Perondi, o novo regime fiscal “não sobrevive sem a reforma da Previdência (…) É uma dependência biológica entre os pulmões e o coração, um não vive sem o outro.”16

O Gráfico 3, abaixo, apresenta um exercício do impacto, com a vigência do teto, do crescimento da despesa da Previdência nas outras despesas do governo federal. Consideramos 2017 o primeiro ano da aplicação integral do teto17. Sem mudanças, a participação dos gastos previdenciários no gasto total da União passaria gradualmente de cerca de 55% em 2017 (um valor já alto) para cerca de 75% em 2026.

Isso quer dizer que, com o teto e sem reforma da Previdência, todas as despesas primárias do governo federal (excluída a Previdência), que em 2017 deveriam caber em 45% do orçamento, deverão caber em apenas 25% em 2026 – quase a metade. O corte em várias áreas deverá ser ainda maior, uma vez que outras despesas com elevada participação no gasto da União também não podem ser reduzidas, como a com o funcionalismo18. Este resultado coaduna com a visão de Paulo Tafner, um dos principais especialistas em Previdência do país, para quem o problema fiscal existente no Brasil é na essência um problema previdenciário.

Em verdade, mesmo com a reforma da Previdência o resultado pode ser próximo ao apresentado no Gráfico já que, para respeitar o planejamento das famílias de acordo com as regras vigentes, bem como para atenuar a oposição às alterações, a reforma da Previdência possui regras de transição para que as mudanças sejam graduais no tempo.

A partir de 2026 o teto poderá ser reajustado por outro indexador diferente da inflação, como o crescimento do PIB, atenuando os efeitos do crescimento da despesa previdenciária.  Como ilustração, apresentamos no Gráfico 5, tal qual o Gráfico anterior, a tendência de participação do gasto previdenciário nos últimos 10 anos do teto, caso não haja mudança de indexador.

Ressaltamos que este exercício é meramente ilustrativo, com o intuito de evidenciar a tendência de participação do crescimento da despesa previdenciária no total da despesa primária. A estimativa é sensível aos parâmetros escolhidos pelo governo no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (2017).

Evidentemente o cenário apresentado no Gráfico 4 é improvável: tanto o indexador quanto a legislação previdenciária seriam modificados antes de ele se concretizar. Entretanto, o exercício sugere que sem a reforma o efeito sobre outras políticas públicas e o investimento público seria devastador. Anedoticamente, neste cenário ilustrativo, a partir de meados da década de 2030 chegaríamos ao extremo da União pagar apenas despesas previdenciárias (na ausência de reformas, mudança do indexador e com o teto sendo estritamente cumprido).

Dessa forma, é útil revisitarmos a Figura 1, que apresentava os mecanismos pelos quais o crescimento da despesa afeta a economia. Conforme a Figura 2, a seguir, com o teto respeitado, a pressão sobre a carga tributária e a taxa de juros seria aliviada.

Entretanto, o impacto via redução do investimento público seria exacerbado, bem como se amplificaria a compressão de outras rubricas melhor posicionadas para reduzir a pobreza e a desigualdade de renda. Este seria a concretização do cenário de “canibalização dos gastos sociais”19.

Chegamos a outro ponto sobre a interação do teto do gasto com a Previdência.  Até agora, nesta discussão, consideramos que o teto seria respeitado e que, por isso, o crescimento da despesa previdenciária obrigaria reformar a Previdência e/ou promover profundos ajustes nas políticas públicas e investimentos feitos por despesa discricionária.

Entretanto, outro cenário provável é que a União não consiga cumprir o teto, o que acarretaria as vedações previstas pela Emenda até que o limite fosse reestabelecido. Essas vedações incluem inicialmente reajustes a remunerações do serviço público, criação de cargos e admissão de pessoal, entre outros itens afetos ao funcionalismo.

Todavia, o relatório do Deputado Darcísio Perondi, aprovado na Comissão Especial e no Plenário da Câmara dos Deputados, criou uma última vedação adicional: o aumento real do salário mínimo. Esta possibilidade também constava da proposta de reforma fiscal do Ministro da Fazenda Nelson Barbosa apresentada ainda no governo Dilma Rousseff (Projeto de Lei Complementar (PLP) no 257, de 2016).

Como dois terços dos benefícios previdenciários estão hoje atrelados ao salário mínimo, esta vedação atingiria diretamente a Previdência Social, ao proibir a prorrogação da política de valorização do salário mínimo ou política semelhante. Atualmente, o salário mínimo é reajustado segundo a inflação do ano anterior e o crescimento do PIB de dois anos antes, componente real da fórmula prevista na Lei no 13.152, de 29 de julho de 2015, cuja vigência se estende até 2019.

Assim, caso o teto não seja respeitado e as medidas de contenção de gastos via funcionalismo não sejam suficientes, o reajuste dos menores benefícios da Previdência seria afetado. Dessa forma, sem alterações na Previdência, o que eleva a chance de descumprimento do teto, as vedações impostas Emenda Constitucional do limite dos gastos garantem parcialmente uma espécie de “reforma automática”.

Assim, resumidamente, temos dois cenários de interação entre o teto e a Previdência:

 

Cenário 1: teto é respeitado

  • O crescimento acelerado das despesas previdenciárias obrigará a aprovação de alterações na Previdência; e/ou
  • O crescimento acelerado das despesas previdenciárias reduzirá substancialmente o espaço fiscal para políticas públicas e investimentos financiados por despesas discricionárias.

 

Cenário 2: teto não é respeitado

  • Reajustes reais do salário mínimo são vedados, atenuando parte do crescimento da despesa da Previdência.

 Ainda, como o crescimento esperado para as despesas previdenciárias é decorrente principalmente da transição demográfica, e não apenas do aumento do salário mínimo, é plausível que elementos dos dois cenários sejam observados (reforma da Previdência; redução de despesas discricionárias; e reajustes apenas nominais aos menores benefícios da Previdência).

 

Considerações finais

O impacto da reforma nos dez primeiros anos, acumulado, seria de R$ 678 bi em relação à trajetória anterior, o que pode ser insuficiente para “caber” no teto de gastos20. Para Fabio Giambiagi, um dos principais especialistas brasileiros no tema, a reforma seria adequada em relação ao ano de 2032 em diante, mas insuficiente para os próximos anos: “o governo eleito em 2018 talvez tenha que fazer outra reforma referente às condições de aposentadoria na década de 202021. Já o Ministro-Chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, avalia que a aprovação da reforma apenas moderaria o crescimento da despesa até 2025, que subiria consistentemente dali em diante22.

É certo que a reforma da Previdência não soa como item de uma “agenda de crescimento”, na forma romântica que o termo é normalmente compreendido. Entretanto diante da situação dramática da trajetória do gasto previdenciário no Brasil, ela se apresenta como uma necessária correção de rota para evitar um cenário de instabilidade econômica e social muito pior do que o atual.

 

(Este texto é baseado no Boletim Legislativo nº 52 do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, disponível no seguinte link:http://www.senado.gov.br/estudos)

 

______________________

1 Como no Chile. O regime de capitalização se caracteriza por um menor risco demográfico, mas maiores riscos financeiros, do que o regime de repartição. Ainda, na capitalização os riscos envolvidos são mais individuais, enquanto no regime de repartição, mais solidário, os riscos recaem sobre os trabalhadores da ativa ou, em última instância, sobre toda a sociedade. Uma reforma estrutural que migrasse da repartição para a capitalização envolveria significativos “custos de transição”, decorrentes do fato do regime antigo continuar pagando benefícios enquanto as novas contribuições são vertidas para o novo regime. Há ainda um terceiro tipo de regime, o de contas nocionais, em que as contribuições individuais são remuneradas (como na capitalização), mas por “juros fictícios”, sendo elas na prática vertidas para financiar os benefícios dos inativos (como na repartição). Trata-se de um modelo utilizado há poucos anos, na Suécia, Itália, Polônia e Noruega. Ver, entre outros, Tafner (2007): TAFNER, P. Seguridade e Previdência: Conceitos Fundamentais. In: TAFNER, P.; GIAMBIAGI, F. (Org.) Previdência no Brasil: debates, dilemas e escolhas. Rio de Janeiro: Ipea, 2007.

2Ver: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-01/dilma-diz-que-previdencia-e-assunto-que-mais-preocupa-governo.

3Comparativamente, os multiplicadores do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), abono salarial, seguro-desemprego e Bolsa Família são, respectivamente, de 0,39; 1,06; 1,06 e 1,78. Ver Neri et al. (2013): NERI, M.; VAZ, F. M.; SOUZA, P. H. G. F. Efeitos Macroeconômicos do Programa Bolsa Família: Uma Análise Comparativa das Transferências Sociais. In: CAMPELLO, T. NERI, M. (Org.) Programa Bolsa Família: Uma Década de Inclusão e Cidadania. Brasília: Ipea, 2013.

4Ver Giambiagi (2007). GIAMBIAGI, F. Reforma da Previdência, o encontro marcado:a difícil escolha entre nossos pais ou nossos filhos. Rio de Janeiro: Campus, 2007.

5 O foco do problema. O Globo. 16 de setembro de 2015. Disponível em: http://blogs.oglobo.globo. com/miriam-leitao/post/foco-do-problema.html.

6Baseado em estimativas do demógrafo Bernardo Queiroz, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Brazil’s pension system: Tick, tock. The Economist. 24 de março de 2012. Disponível em: http://www.economist.com/node/21551093.

7 Ver, entre outros, Afonso (2016). AFONSO, J, R. Ambiente de Negócios: Simplificação da Legislação Tributária. Apresentação no Seminário Ambiente de Negócios: Segurança Jurídica, Transparência e Simplicidade.  IBRE/FGV e Direito-Rio/FGV. Rio de Janeiro,23 de setembro de 2016.

8 Uma quarta opção seria emitir moeda e financiar o aumento do gasto via inflação. Por outro lado, umataxa de crescimento muito alta do PIB poderia atenuar o problema por um período de tempo, ao aumentar a arrecadação sem necessidade de aumento de tributos.

9Aqui, deve-se considerar o conceito de taxa implícita de juros, e não a taxa Selic, que não tem a mesma participação que tinha no passado na remuneração dos títulos públicos.

10Barbosa defende que reforma da Previdência seja feita agora, gradualmente. Correio Braziliense, 17 de fevereiro de 2016. Disponível em: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2016/02/17/internas_economia,518253/barbosa-defende-que-reforma-da-previdencia-seja-feita-agora-gradualme.shtml.

11 Ver, entre outros, Oliveira et al. (1998).  OLIVEIRA, F. E. B.; BELTRÃO, K. I.; DAVID, A. C. A. Previdência, Poupança e Crescimento Econômico: Interações e Perspectivas. Texto para Discussão no 607. Rio de Janeiro: Ipea, novembro de 1998.

12 Ver, entre outros, Paiva et al. (2016). PAIVA, L. H.; RANGEL, L. A.; CAETANO, M. A. O Impacto das Aposentadorias Precoces na Produção e na Produtividade dos Trabalhadores Brasileiros.Texto para Discussão no 2.211. Rio de Janeiro: Ipea, julho de 2016.

13 O que não corrobora o argumento de que o crescimento da produtividade poderia resolver o problema previdenciário. Não só o crescimento da produtividade gera um passivo previdenciário no futuro (como contrapartida do aumento da arrecadação), como ele seria restringido pelo próprio envelhecimento da população. Ver, entre outros, Maestaset al. (2016). MAESTAS, N.; MULLEN, K. J.; POWELL, D. The Effect of Population Aging on Economic Growth, the Labor Force and Productivity. NBER WorkingPaper No. 22452. Julho de 2016.

14Na Câmara, a matéria tramitou como PEC 241/2016.

15Evidentemente que a criação ou aumento de tributos não está proibida, mas elas serviriam, pelo menos nos dez primeiros anos do Novo Regime Fiscal, para melhorar o resultado primário: a princípio reduzindo o déficit e posteriormente gerando um superávit. Em verdade, a estabilização da relação dívida e PIB é o objetivo da proposta.

16Ver: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2016/10/so-nao-vai-ter-ganho-real-mas-e-reajuste-diz-perondi-sobre-pec-do-teto-dos-gastos-publicos-7729952.html.

17Na primeira semana de outubro o governo indicou que o teto só valeria para as áreas de saúde e educação a partir de 2018. Não consideramos essa mudança em relação à proposta original neste exercício, o que afeta os valores absolutos estimados, mas não a tendência do resultado.

18Diante desse cenário, alguns especialistas defendem que a PEC seja modificada para que seja dado um tratamento mais duro às despesas com funcionalismo, incluindo congelamento real de salários. Ver, entre outros http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/09/1817880-para-analistas-teto-precisa-de-limite-para-despesa-com-pessoal.shtml?cmpid=compfb  e http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,em-13-anos-salario-do-servico-publico-subiu-tres-vezes-mais-que-o-privado,10000079369.

19Proposto por Fabio Giambiagi. Ver: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/09/22/politica/1442935579_665784.html.

20Ver: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/12/1838400-reforma-da-previdencia-pode-gerar-economia-de-r-678-bi-diz-governo.shtml.

21 Ver: http://oglobo.globo.com/economia/mesmo-com-reforma-governo-federal-tera-de-cortar-mais-300-bi-20419663.

22 Ver: http://br.reuters.com/article/domesticNews/idBRKBN12Z2TR.

 

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Morte severina e mitos sobre a reforma da Previdência https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2917&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=morte-severina-e-mitos-sobre-a-reforma-da-previdencia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2917#comments Mon, 28 Nov 2016 14:40:33 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2917 “Morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte, de fome um pouco por dia”. A morte severina do poema de João Cabral de Melo Neto se reflete na expectativa de vida ao nascer. Este indicador é afetado por mazelas nacionais como a mortalidade infantil e a morte de jovens por causas externas (homicídios, trânsito). Grosso modo, a expectativa de vida ao nascer está relacionada com a idade média com que as pessoas falecem no país.

Este dado vem sendo equivocadamente usado para justificar que uma reforma da Previdência faria as pessoas “trabalharem até morrer”. Seria injusto estabelecer uma idade mínima, por exemplo, de 65 anos, se em alguns Estados a expectativa de vida é de 66, 68 anos.

Na verdade, o indicador relevante nesta discussão não é a expectativa de vida no nascimento, mas a expectativa de sobrevida na idade de aposentadoria. É por conta dela que se diz que estamos vivendo muito mais, o que pressionaria a Previdência. A expectativa de sobrevida em idades mais altas não é afetada pela morte severina.

Nas idades médias em que se dão a aposentadoria por tempo de contribuição no Brasil, 55 anos para homens e 52 anos para mulheres, a expectativa de sobrevida é respectivamente de 24 e 30 anos. Assim, a expectativa de vida é de 79 anos para homens e 82 anos para mulheres, bem acima da expectativa de vida ao nascer (72 para eles, 79 para elas), e dos 66 anos do meme “trabalhar até morrer” que circula nas redes.

Figura 1 – “Trabalhar até morrer”

img_2917

De fato, mesmo com ganhos expressivos na redução da mortalidade infantil, a expectativa de vida dos homens ao nascer cresceu nas últimas décadas menos da metade do que cresceu a expectativa de sobrevida dos mais velhos. Junto com a veloz redução da taxa de natalidade no país, é isso que pressiona a Previdência e seu desequilíbrio atuarial (medido em trilhões).

A expectativa de sobrevida em idades mais altas não é perfeitamente correlacionada com a renda de um país. Parte da falência da previdência na Grécia se explica pela alta expectativa de vida dos idosos: uma das maiores da União Europeia, apesar de o país ser o patinho feio do grupo. No mesmo sentido, a OCDE estima que nas próximas décadas a sobrevida das brasileiras será maior do que as das americanas ou dinamarquesas, que moram em países muito mais ricos.

O uso da expectativa de vida ao nascer no debate previdenciário, além de incorreto, é incômodo: usa-se a mortalidade infantil para justificar transferências para grupos de faixas etárias mais avançadas.  Esta não é uma questão trivial, já que a pobreza no Brasil está desproporcionalmente concentrada nas crianças.

A discussão da distribuição de renda se relaciona também a outro mito da reforma da Previdência: o de que uma idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição prejudica os mais pobres, que ingressam cedo no mercado de trabalho. Diversos estudos tem mostrado que os trabalhadores mais pobres não usufruem da aposentadoria por tempo de contribuição. (tema discutido anteriormente no blog)

A exigência de 35/30 anos de tempo de contribuição desta modalidade de aposentadoria não pode ser cumprida por uma ampla parcela da população, que tem uma inserção precária no mercado de trabalho, alternando em sua vida períodos de desemprego, informalidade e carteira assinada. Na verdade, a maioria da população recorre a outro tipo de aposentadoria, a por idade, que requer 15 anos de carteira assinada, mas idade mínima de 65 anos para homens e 60 para mulheres.

Outra parcela da população, com menos de 15 anos de contribuição, só pode recorrer a um benefício assistencial de um salário mínimo, com idade mínima de 65 anos até para mulheres. Assim, a idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição não pode prejudicar os mais pobres se para eles a idade mínima sempre existiu.

Não só a idade mínima para esta modalidade de aposentadoria afeta mais os com maior escolaridade como as regiões mais industrializadas do país. No Norte e no Nordeste, onde se trabalharia “até morrer”, a quantidade de aposentadorias por tempo de contribuição representa apenas 7% e 9% do total de benefícios pagos (metade do que é no Sudeste, 19%).

Para várias regiões e ocupações do país, outros pagamentos são mais relevantes, como a aposentadoria rural. É neste e em outros benefícios associados ao salário mínimo que deveria se concentrar a preocupação acerca dos efeitos da reforma da Previdência na desigualdade de renda.

Outro tema que merece ser visto com ceticismo é a tese de que a Previdência é superavitária, e de que seu déficit seria uma farsa. Há várias questões legítimas no debate sobre o que deve ser receita ou despesa do INSS, mas dizer que nosso problema previdenciário é resolvido com mudanças na contabilidade seria mito, ou para usar o termo do momento, algo que se aproxima de uma “pós-verdade”. O problema concreto é o crescimento da despesa, que decorre de um problema físico, demográfico.

Disputas em torno da contabilidade do sistema são naturais e ocorreram em outros países, mas não podem tirar o foco da questão principal. Ilustrativamente, até os militares não aceitam a contabilidade do seu regime, defendendo que o déficit deles é de metade do que vinha sendo entendido. Por sua vez, o TCU não aceita a tese de superávit no INSS.

Do lado da receita, deve ser lembrado que a Desvinculação de Receitas da União (DRU) historicamente teve como perdedores Estados e Municípios, não a Previdência. A União precisava de dinheiro: se aumentasse impostos, deveria dividi-los com os entes. O jeitinho, de sucessivos governos, foi aumentar contribuições e desvinculá-las via DRU. Este histórico destoa da “teoria da conspiração” de que o governo desvia recursos da Previdência para forjar um déficit e corte de direitos. Também precisa ficar claro que trazer recursos da DRU para expandir a Previdência significa retirá-los de despesas que já serão significativamente comprimidas com o crescimento da despesa previdenciária diante do teto de gastos a vigorar com uma eventual aprovação da PEC nº 55, de 2016, ora em tramitação no Senado.

Do lado da despesa, deve ser esclarecido que mesmo a clientela urbana do INSS apresentou déficits até 2009, com previsão de voltar a apresentá-los de 2016 em diante1. Este é um ponto importante para os que defendem que, sem os rurais, a Previdência é sempre superavitária.

Nos próximos meses o Brasil passará por um amplo debate sobre sua Previdência. Pelo seu tamanho, ela é uma grande conquista e um grande desafio. Discutiremos se financiá-la nos moldes atuais é insustentável ou se mudar suas regras é retroceder em direitos conquistados: o ideal é partir para este debate livre de crenças equivocadas.

Versão resumida deste texto foi publicada no jornal O Estado de São Paulo, edição de 08/11//2016.

____________

1 O superávit temporariamente registrado teve relação com maior formalização da economia no período, e não com um equilíbrio atuarial estrutural do regime de previdência.

 

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Como as corporações de elite moldam o pensamento econômico do país? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2901&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-as-corporacoes-de-elite-moldam-o-pensamento-economico-do-pais https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2901#comments Wed, 26 Oct 2016 12:41:33 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2901 1. O ajuste fiscal é uma farsa. Não seria preciso se o governo buscasse recuperar a dívida ativa. O rombo de R$ 180 bi é fichinha perto da dívida trilionária dos grandes devedores. Veja o sonegômetro. Em vez de fazer o ajuste, o governo deve investir nos procuradores capazes de recuperar esse dinheiro. Eles devem receber honorários para isso, como no setor privado (mas mantendo o salário fixo).

É preciso aprovar a PEC que torna o salário dos advogados públicos igual a 90% do dos ministros do STF. A Constituição tem que ser alterada para que esses órgãos tenham autonomia financeira. A carreira deve ser valorizada para que a dívida seja recuperada: não precisa de ajuste fiscal. O orçamento do órgão com essa missão deve ser o dobro.

2. Não existe déficit na Previdência: a reforma é desnecessária. Em parte porque há centenas de bilhões de dívida ativa decorrente de sonegação. Deve-se em vez de reformar a Previdência investir no combate à sonegação. Pode-se criar para auditores fiscais bônus por produtividade. Ou, como os advogados, vincular salários aos do STF.

3. A reforma trabalhista não precisa ser feita. A legislação trabalhista não é rígida: a culpa de dezenas de milhões de trabalhadores informais é da falta de fiscalização. Qualquer flexibilização é prejuízo para o trabalhador. Deve-se dotar a carreira de auditores do trabalho de condições para combater o problema. Entre outras, além de mais funcionários, é premente o bônus de produtividade (a fiscalização da informalidade também traz ganhos de arrecadação) e a vinculação do salário ao teto.

4. Querem extinguir direitos trabalhistas da Constituição e também a Justiça do Trabalho. A quem interessa uma legislação trabalhista mais simples e menos litígios? Ao patronato. É natural que para proteger o trabalhador a legislação seja complexa e precise de alta qualificação para ser bem entendida. A Justiça trabalhista deve ser forte e não sofrer cortes orçamentários. É ela, e não a legislação trabalhista, que é capaz de regular as relações de trabalho para que o mercado de trabalho funcione bem.

Argumentos como os desses quatro exemplos são muito populares em Brasília, pois simultaneamente: a) descartam medidas impopulares para fazer o país crescer (ajuste fiscal, reformas); b) apresentam alternativas fáceis (ex: uma reserva de dinheiro prontamente disponível), com uma narrativa de mocinhos contra vilões indefensáveis (sonegadores, patrões); e c) servem aos interesses corporativistas de um grupo de servidores públicos.

Esse é o lado pouco discutido do poder das corporações públicas: o de como podem moldar o pensamento econômico do país (o lado conhecido foi amplamente discutido nos últimos meses, quando dezenas emplacaram aumentos salariais em meio à crise fiscal.)

As soluções apresentadas por corporações são sedutoras: por vezes parecem quase mágicas. Tipicamente não possuem controvérsias, já que, quando apresentam perdedores, normalmente são vilões (quem vai defender sonegador?). Têm apelo também pelo ar científico porque, em tese, são propostas por especialistas da área, embora normalmente não tenham sido avaliadas em revistas acadêmicas ou congressos especializados: saem direto dos sindicatos para a Esplanada, o Congresso Nacional e a imprensa.

Certamente têm méritos. Não há absolutamente nada a se defender em sonegadores ou em patrões que exploram trabalhadores. A questão é a simplificação do debate. Por exemplo, entre os grandes devedores da dívida ativa estão empresas falidas, estatais, ou aquelas que devem porque há alguma relevante controvérsia jurídica não resolvida: não estão lá simplesmente porque uma carreira não é “valorizada”. Soluções mais complexas para um problema, nesse caso medidas do ajuste fiscal, podem ficar em segundo plano ou serem percebidas como mera iniciativa de algum “vilão” (mercado, neoliberais).

Essas soluções servem para, além de justificar os legítimos pleitos das corporações, aproxima-las de agentes políticos. As evidências apresentadas viram insumo para o discurso político, pelo apelo junto aos eleitores. Há uma simbiose. Nos sites das corporações1, é fácil encontrar relatos de reuniões com políticos, com a pauta misturando a defesa de algum direito difuso ou coletivo (contra algum projeto de reforma estrutural) e a valorização da carreira (a favor de algum projeto concedendo vantagens remuneratórias).

Como esses argumentos vão contaminar a opinião pública nos próximos meses? De um lado, as corporações vão surgindo com força como as primeiras vencedoras do impeachment. De outro, as medidas do governo que se avizinham serão impopulares.  Serão mais atraentes propostas maniqueístas que tenham culpados para se apontar, como as da intelligentsia brasiliense. Entre elas, as baseadas em ideias como a de que não existe déficit na Previdência ou a da lenda urbana de que o governo gasta 40% dos impostos com juros da dívida pública – duas ideias populares no debate que são criações principalmente de servidores de carreira de elite. Porém, as soluções realmente destinadas a recuperar a trajetória do país rumo ao desenvolvimento são muito mais complexas. Vamos resistir à tentação do pensamento mágico?

 

_______________

1 Os argumentos 1 a 4 foram diretamente retirados de páginas institucionais.

 

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O déficit da Previdência é uma farsa? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2886&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-deficit-da-previdencia-e-uma-farsa https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2886#comments Mon, 10 Oct 2016 11:55:20 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2886 Enquanto o país se prepara para o futuro ao discutir uma nova e ampla reforma da Previdência, ganha popularidade o argumento de que o déficit da Previdência é na verdade uma falácia (ou ainda uma farsa, um mito). Entender este argumento, e a sua fragilidade, é essencial para este debate.

A tese de que a Previdência é superavitária sempre foi propagada por sindicatos, advogados previdenciários e políticos. Seu respaldo “empírico” vem de publicações de dados de uma entidade corporativa, a Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita (que defende que o problema da Previdência se deve à sonegação) e, mais recentemente, ganhou ares mais científicos com a difusão da tese de doutorado da professora Denise Gentil, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O estudo é sobre o período 1990-2005, mas o argumento vem colecionando dezenas de milhares de “curtidas” nas redes sociais nos últimos meses.

O raciocínio varia de acordo com o interlocutor, mas tem um eixo principal: a contabilidade do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) deveria excluir despesas com grupos que contribuem menos e incluir como receitas contribuições que cobrem o déficit, além de levar em conta também receitas perdidas com desonerações ou sonegação.

O debate sobre a contabilidade do sistema é natural, pois reflete em parte a disputa entre os subgrupos que compõem a Previdência. É legítimo, por exemplo, que representantes dos trabalhadores urbanos busquem evitar novas regras que julguem prejudiciais a eles apontando o dedo para a menor contribuição dos trabalhadores do campo, e, portanto, para a contabilidade do sistema. Em verdade, reformas previdenciárias também modificaram a forma das contas em países como França, Itália, Reino Unido, Espanha e Suíça, e há até quem defenda que este tipo de alteração deva ser usada na negociação política como moeda de troca com os opositores da reforma (como sindicatos)1.

Entretanto, a discussão sobre as contas da Previdência não pode virar uma cortina de fumaça, deslocando tempo e energia do verdadeiro debate: como adereçar o inexorável processo de transição demográfica. Também não pode resultar em contabilidade criativa que funcione como um anti-aging para o envelhecimento da população, ou em “negacionismo” de uma verdade inconveniente: a sustentabilidade da Previdência exigirá mudanças profundas e impopulares, e decorre de um problema físico, e não contábil.

Antes de conhecer os argumentos da “falácia do déficit previdenciário”, cabe apresentar uma introdução sobre a contabilidade atual do RGPS. As principais receitas do regime operado pelo INSS são a contribuição patronal sobre a folha de pagamento (20%) e a contribuição do trabalhador (8 a 11%). As despesas são aquelas com aposentadorias, pensões e auxílios da clientela urbana e rural. Contrariamente ao que algumas fontes veiculam, não são consideradas como despesas os gastos com benefícios assistenciais (como o Benefício de Prestação Continuada ao idoso pobre ou Bolsa Família), trabalhistas (como seguro-desemprego) e nem com a Previdência dos servidores públicos (que é deficitária por si) ou de políticos.

Esta conta deve fechar com um déficit de cerca de R$ 150 bilhões em 2016, podendo a chegar a R$ 200 bilhões em 2017. Qualquer déficit é coberto pelo Tesouro: o INSS não tem obrigação de fechar suas contas sozinho e nem teria poder para mudar regras a fim de cortar benefícios ou aumentar alíquotas das contribuições, o que compete ao Congresso. Tal fato torna ainda mais inusitada essa celeuma: seja o RGPS superavitário ou deficitário, os benefícios sempre serão pagos. Cabe observar também que essa apresentação de contas já foi sucessivamente referendada pelo Tribunal de Contas da União (TCU), que não valida o argumento da Previdência superavitária.

Um primeiro questionamento deste argumento pede a exclusão dos trabalhadores rurais, porque a Previdência urbana seria “sempre” superavitária2. A lógica é que os benefícios do campo exigem menor contrapartida contributiva, arrecadando pouco e despendendo muito,  e assim deveriam ser custeados diretamente pelo governo (como um benefício assistencial).

De fato, a chamada Previdência urbana foi superavitária nos últimos anos, mas principalmente pelo excepcional momento do mercado de trabalho formal. Na realidade, ela também apresentou déficits até 2009, e deve voltar a apresentar um em 2016, já de cerca de R$ 30 bilhões. Em que se pese a conjuntura de desemprego que piora a arrecadação, o envelhecimento da população por si só deve fazer com que os déficits pré-2009 voltem a ser a regra.

A crítica levanta, porém, aspectos da Previdência rural que de fato devem ser discutidos na próxima reforma. Existem problemas com a comprovação de efetivo trabalho no campo, sonegação e excessiva judicialização, e não havia disposição política no governo anterior para enfrentar a questão. Ainda assim, há preocupações dos representantes rurais de que a exclusão desse trabalhador da Previdência, com os benefícios sendo tratados como assistenciais, possam no futuro gerar cortes adicionais. De todo modo, com ou sem os rurais na contabilidade do INSS, os benefícios vão continuar sendo pagos e a mudança na prática é apenas como trocar o dinheiro dos bolsos de uma mesma calça (o Tesouro).

Todavia, o questionamento principal do argumento da “farsa do déficit” é do lado da receita, que deveria incorporar a arrecadação de contribuições sociais como a Cofins e a CSLL. Hoje essas contribuições já podem ser usadas para cobrir o “déficit”, mas defende-se que elas integrem a contabilidade antes da apuração do resultado. O argumento é especialmente contrário à Desvinculação de Receitas da União (DRU), que permite que 30% das contribuições sociais sejam usadas livremente pelo governo, o que é entendido como um “desvio” de dinheiro da Previdência para outros fins, inclusive o pagamento da dívida pública, não se podendo falar, portanto, em déficit.

Em verdade, historicamente, os grandes perdedores da DRU sempre foram os Estados e Municípios, e não a Previdência. Desde os anos 90, inicialmente como Fundo Social de Emergência (FSE) e Fundo de Estabilização Fiscal (FEF), a DRU foi instrumento para o governo federal ampliar a sua arrecadação sem aumentar impostos, que são obrigatoriamente divididos com os entes subnacionais. A saída foi aumentar as contribuições sociais, desobrigando que essa arrecadação fosse usada somente na Seguridade Social, permitindo na prática que o governo aumentasse tributos para pagar suas despesas em qualquer área. A partir daí, com a DRU renovada por sucessivos governos, a União aumentou alíquotas e expandiu a base das contribuições sociais.

No argumento do déficit, esses recursos são vistos como sendo da Previdência, e desviados para outras finalidades. No entanto, o histórico do mecanismo deixa claro que sem a DRU as contribuições não arrecadariam  tanto quanto hoje e que ela funcionou como instrumento para não compartilhar recursos com os Estados e Municípios, não com a Previdência.

Há ainda uma visão de que a DRU seria “inconstitucional”, por não respeitar o texto original da Constituição de 1988. Este é um argumento mais frágil, já que as modificações sempre foram feitas por emendas constitucionais e já que o Congresso Nacional de fato tem poder para modificar a Constituição (“poder constituinte derivado”), respeitado o devido trâmite e preservadas as cláusulas pétreas. Ou nas palavras de Paulo Tafner, um dos maiores especialistas brasileiros em Previdência, o texto original de 1988 não deve ser tido como “uma verdade revelada” por Deus3.

Também precisa ficar claro que a DRU apenas desvincula as receitas, mas não as vincula novamente para nenhum fim. Assim, não existe impeditivo para elas voltarem para a própria Seguridade, cobrindo o déficit da Previdência. Também deve ficar claro que a DRU não é necessariamente usada para pagar “juros da dívida”, até porque, com o agravamento da crise fiscal, nenhuma receita de tributos tem sido usada para pagar qualquer despesa com a dívida (pelo contrário, estamos nos endividando cada vez mais). No argumento da “farsa do déficit”, falta ainda coragem para especificar que despesas devem parar de ser financiadas pela DRU (educação? investimento público? Bolsa Família?).

Outro ponto a ser esclarecido neste burocrático debate sobre DRU e contribuições da Seguridade é que esta não é sinônimo de Previdência. A Previdência é apenas um dos três pilares da Seguridade, que abrange ainda a Saúde e a Assistência Social. Supondo que todo o dinheiro da DRU fosse agora ser vertido para a Seguridade, a sociedade ainda teria que escolher como dividir os recursos entre essas áreas carentes.

Isso também deve ficar claro quando se diz que não existe déficit na Previdência porque “a Seguridade deve ser analisada como um todo”. O que parece uma platitude na verdade esconde uma lógica mais séria: mais recursos da Seguridade para a Previdência necessariamente implica menos recursos para a Saúde ou para Assistência, áreas certamente carentes. Adicionalmente, mesmo a noção de superávit na Seguridade foi rejeitada no relatório final do Fórum de Debates sobre Políticas de Emprego, Trabalho e Renda e de Previdência ainda no governo Dilma Rousseff.

Por fim, a ideia de uma Previdência superavitária também passa por algumas bandeiras inquestionavelmente justas: a recuperação da dívida ativa, o combate à sonegação e a redução de desonerações e isenções. Todas são medidas importantes e louváveis, mas certamente insuficientes perante o acentuado processo de envelhecimento da população. A promessa de soluções fáceis nessas áreas deve ser vista com algum ceticismo, especialmente porque com frequência são apresentadas por entidades corporativas, que legitimamente estão defendendo a relevância das competências de suas carreiras.

De toda esta discussão, deve ser absorvida a motivação de corrigir distorções, mas não se deve desviar o foco da discussão que mais importa para o país: o processo de transição demográfica, seu agressivo papel no aumento da despesa pública e, consequentemente, seu efeito nos nossos objetivos constitucionais de garantir o desenvolvimento nacional e reduzir desigualdades. Fugir deste debate sob o pretexto de que mudando a contabilidade a Previdência passa a ser superavitária é uma lógica digna de Donald Trump, ou nos termos de Fabio Giambiagi, dos que dizem que “Elvis não morreu”4.

Como conseguiremos crescer com juros reais tão altos sufocando empreendimentos, pressionados pela percepção de risco de insolvência ligado ao envelhecimento da população?  Como a economia poderá se dinamizar com a necessidade de custear a Previdência e criar cada mais vez impostos sobre uma carga tributária já tão distorciva?

Como os governos, federais e subnacionais, arranjarão espaço fiscal para os investimentos em infraestrutura e educação necessários para o país se desenvolver, se essas despesas discricionárias vão ser cada vez mais comprimidas pela obrigatória e ascendente despesa com o pagamento de benefícios5? Como o Estado terá capacidade financeira para dar mais oportunidades aos mais pobres, se os gastos que os beneficiam, como de saneamento básico, saúde pública e programas assistenciais, serão comprimidos por um componente que hoje já é responsável por mais da metade dos gastos da União e que cresce sem parar?

Construímos com nossa Previdência o que seria a segunda maior folha de pagamento do mundo, maior do que a de qualquer multinacional, governo ou exército6. Mais de 90% das famílias brasileiras estão direta ou indiretamente cobertas por ela. É por isso que a Previdência é uma conquista da sociedade brasileira e é por isso também que se impõe como um desafio.

Distorções em seu desenho nunca vão tornar ninguém milionário, mas amplificadas pelo seu gigantesco tamanho, podem colocar restrições severas ao desenvolvimento de um país que está longe de ser rico. Mal temos uma das 80 maiores rendas per capita do planeta: neste campeonato estamos na 4ª divisão, perigando cair para a 5ª ao fim desta década. Este é um problema de ação coletiva, muito diferente dos embates com soluções fáceis em que existem vilões para culpar, como sonegadores, corruptos, rentistas ou entreguistas responsáveis pelos males nacionais.  A ausência de um vilão para apontar o dedo não deve ser substituída pelo mero negacionismo que ignore esse problema inconveniente. O elefante na sala não é uma farsa.

 

______________

1 No Brasil, também os militares defendem mudanças na contabilidade da sua previdência, que reduzem significativamente o déficit da forma como foi historicamente entendido.

2  No entanto, este ponto não é defendido pela tese da professora Gentil.

3 TAFNER, P.; BOTELHO, C.; ERBISTI, R. (Org.). Reforma da Previdência: A Visita da Velha Senhora. Brasília: Gestão Pública, 2015.

4 http://noblat.oglobo.globo.com/geral/noticia/2016/08/sobre-canarinhos.html

5 Especialmente se for a aprovada a “PEC do teto dos gastos”.

6 Em tese, perdemos apenas para o  “INSS americano”, a Social Security Administration (SSA).

 

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Por que é tão difícil reformar a Previdência? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2871&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-e-tao-dificil-reformar-a-previdencia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2871#comments Tue, 04 Oct 2016 14:19:27 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2871 Introdução: economia política da reforma da Previdência

A reforma da Previdência surge como principal item da agenda do governo do Presidente Temer, bem como já tinha sido apontada em 2016 pela ex-Presidente Dilma Rousseff como “a questão mais importante para o país”1.  De fato, há um razoável grau de convergência entre economistas do governo, da academia e da iniciativa privada de que a questão fiscal hoje deve ser o principal tema da agenda econômica e de que a despesa previdenciária, item dominante do gasto primário federal (54%), continuará crescendo aceleradamente. No entanto, existe uma elevada dificuldade de responder ao problema previdenciário do país, não pela ausência de estudos, diagnósticos ou prescrições de soluções, mas pelos obstáculos políticos de empreender as mudanças2. A reforma esperada para os próximos meses foi considerada publicamente pelo Presidente como “uma luta feroz”3. Neste sentido, este texto se propõe a introduzir a economia política associada à reforma da Previdência.

Alguns dados ilustram essa dificuldade. Segundo Mendes (2014a), dentre 223 projetos de lei de iniciativa parlamentar sobre Previdência que tramitavam no Congresso em 2014, 78% gerava agravamento da situação das contas públicas.  Em 2015, conforme o Quadro 1 abaixo, mais de 800 emendas parlamentares foram apresentadas às três MPs que trataram da Previdência no ano. Dessas, 594 impactavam as despesas, sendo 590 (99%) pressionando gastos (atenuando ou eliminando os efeitos das medidas) e apenas 4 (1%) reduzindo-os.

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As dificuldades políticas de reformar um sistema de seguridade social não são exclusivas do Brasil. Nos anos 90, quando ganharam ímpeto em países desenvolvidos, reformas da previdência contribuíram para derrubar governos na Itália, Áustria e Alemanha4.

O principal ponto de partida para entender as dificuldades da reforma é o conhecido problema da lógica de ação coletiva5. Por que é tão difícil empreender algumas reformas, mesmo quando tecnocratas e governo têm convicção de que elas são benéficas para o conjunto da população? Grosso modo, a formulação da lógica de ação coletiva responde que é difícil tomar medidas com perdas concentradas e ganhos difusos. Como as perdas são concentradas, os que se sentem perdedores conseguem perceber de maneira palpável o impacto da mudança e se mobilizam para bloqueá-la. Por sua vez, como os ganhos são difusos, os que ganham com a medida não percebem seu efeito e/ou acabam não sendo estimulados para defendê-la.

No caso da Previdência, trabalhadores inseridos há mais tempo no mercado de trabalho visualizam bem como mudanças nas regras afetam sua vida, e tendem a se opor de forma mais vocal a reformas. Mendes (2014) observa ainda que parte do grupo que se sente mais afetado é homogêneo e tem boa capacidade de mobilização por estarem ligados ao mercado de trabalho formal e, portanto, mais habituados à organização sindical. Tafner et al. (2015)  percebem esse grupo como dispondo de “maior rede social, maior poder e prestígio social e econômico.” Já Bonoli (2000) avalia, com base em reformas em outros países, que os mais afetados também costumam ser de um grupo de eleitores de renda média politicamente influente.

Por outro lado, o grupo que mais se beneficiaria — principalmente no futuro — com as mudanças, como trabalhadores mais jovens ou mesmo crianças, não se sente afetado e não reage (ou nas palavras do ex-ministro Marcelo Neri “os jovens no Brasil ainda não perceberam que a grande causa deles é a reforma da Previdência”6).

Outros ganhos propagados da reforma são ainda mais invisíveis e difusos, como maior moderação nos juros,  maior estabilidade na carga tributária e menor compressão do investimento público necessário para a renda crescer, bem como das despesas voltadas para redução da pobreza e da desigualdade (além de outras rubricas orçamentárias que seriam abatidas pelo gasto previdenciário ascendente). A maioria da população seria favorável a tais avanços, mas pode não perceber sua relação com uma reforma da Previdência, assim como a natureza difusa dos benefícios (na população e no tempo) impede a formação de grupos de interesse organizados para defendê-los (ex: associações, federações, etc.). Havendo reforma, não observaremos, como no impeachment, a Esplanada dos Ministérios sendo dividida por um muro para separar manifestante a favor e contra a proposta.

No entanto, um complicador importante da reforma é mais particular do Brasil: a inscrição de várias normas previdenciárias na Constituição, que chega a detalhar a idade e o tempo de contribuição para aposentadoria do “professor que comprove exclusivamente tempo de efetivo exercício das funções de magistério na educação infantil e no ensino fundamental e médio”. Dessa forma, vários pontos do que se entende por reforma da Previdência precisam passar pelo complexo processo legislativo constitucional, facilitando o bloqueio de mudanças no Congresso Nacional pelos interessados.

Para Bonoli (2000), reformas previdenciárias são marcadas por um “impressionante nível de controvérsia”. Ele defende que os formuladores de políticas na área “precisam prestar excepcional atenção ao lado político” da questão. Nesse sentido, aqui apresentamos objetivamente que possibilidades surgem da experiência internacional e da literatura acadêmica para contornar as dificuldades de ação coletiva e do processo legislativo inerentes à reforma da Previdência.

Reforma como iniciativa de governos de esquerda e direita

A análise comparada aponta que não é peculiar apenas ao Brasil a apresentação de propostas de reforma por governos de orientações ideológicas diferentes. Exemplos de países que tiveram reformas propostas por governos sucessivos tanto de esquerda quanto de direita incluem França, Itália e Reino Unido7.

A esse respeito, Bonoli (2000) defende que, na verdade, a disputa nas reformas de previdência se deslocou do eixo esquerda-direita para um antagonismo entre governos e uma ampla coalizão de grupos, em geral liderada pelo movimento sindical.  Segundo ele, também a esquerda adere às propostas, quando está no governo, uma vez que as condições econômicas não dão muito espaço para manobras alternativas.

Isso não implica dizer, evidentemente, que as oposições nos Legislativos apoiem essas reformas, mesmo que, quando na situação, tenham adotado medidas semelhantes. Na Teoria dos Jogos aplicada à Ciência Política, este fenômeno é descrito pelo blame game (“jogo de culpa”, “jogo de empurra”): um partido no parlamento pode concordar com uma proposta impopular, mas racionalmente rejeitá-la para criar um contraste e obrigar um presidente a se indispor com o eleitorado8.

Um modelo de criação de consenso e acordo multipartidário é a reforma previdenciária da Espanha dos anos 90, ou Pacto de Toledo, já renovado em 2001, 2006 e 20109.  O Pacto tratava o tema como uma questão de Estado, evitando que ele fosse explorado política e eleitoralmente.  Para Reynaud (2000), o acordo foi guiado por “espírito conciliatório” e pelo “desejo de fazer as mudanças no sistema com o máximo de concordância possível”.

Pontos de veto

Bonoli (2000) apresenta cinco possíveis “pontos de veto” (veto points10) que podem existir em um país dificultando especificamente uma reforma da previdência. O significado de veto aqui não é o mesmo de no processo legislativo: pontos de veto são entendidos como instituições políticas capazes de obstruir ou bloquear uma mudança no status quo11.

Os pontos, apresentados no Quadro 2, são presidencialismo; bicameralismo; representação proporcional; referendos; e Executivo dual, estando os três primeiros presentes no Brasil. Para Bonoli, o padrão de distribuição do poder decorrente desses pontos de veto é um fator importante na abordagem de governos ao problema previdenciário.

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Resumidamente, para o autor, o presidencialismo permite que os parlamentares, sensibilizados pelo lobby de grupos organizados, votem contra o governo sem se preocupar com a sua sobrevivência (o que ocorreria no parlamentarismo). Já no caso do bicameralismo, quando os membros das duas casas legislativas são eleitos de forma diferente (como no Brasil), cria-se um ponto de veto adicional para a reforma. Por sua vez, o sistema de voto proporcional estaria associado a um grande número de partidos no Legislativo e propiciaria mais oportunidades de “veto” para os que se opõem à nova legislação.

Para Bonoli, os “pontos de veto podem ser um formidável obstáculo à reforma previdenciária”. Ele aponta ainda que esses pontos de veto podem ser mais ou menos fortes no tempo, por conta das circunstâncias impostas pelo calendário eleitoral: o governo seria mais forte imediatamente após a sua eleição, enquanto os grupos contrários se fortaleceriam nas proximidades de novos pleitos.

No Brasil, a presença de muitas regras previdenciárias na Constituição também fortalece os três pontos de veto: para bloquear mudanças (emendas à Constituição) bastam 40% dos votos em uma das quatro votações que ocorrem na Câmara dos Deputados e no Senado.

Ainda, pelo mesmo motivo, podemos especular a existência de um ponto de veto adicional no Brasil: o Supremo Tribunal Federal (STF)12, que é frequentemente provocado nessa matéria via Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). A título de exemplo, um dos principais itens da segunda reforma da Previdência (Emenda Constitucional no 41, de 2003), a contribuição de servidores inativos, foi considerado inconstitucional em ADI por quatro ministros, incluindo a relatora, além do Procurador-Geral da República (PGR) – o entendimento terminou derrotado pelo apertado placar de 7 a 413.

Compensações

Ainda para Bonoli (2000), o esforço para que reformas previdenciárias sejam bem sucedidas tende a envolver um processo de negociação com compensações para determinados grupos. À medida que a orientação política do governo (esquerda ou direita) perderia importância nessa discussão, os pontos de veto apresentados anteriormente ganhariam relevância, dando grande força política para os grupos opositores capazes de explorá-los. Assim, governos tenderiam a fazer compensações específicas a estes grupos, e essas estratégias podem funcionar, segundo Bonoli. Nos países analisados pelo autor, os principais alvos dessas estratégias foram o movimento sindical ou corporações públicas.

Em especial, ainda de acordo com Bonoli, teria sido comum, durante reformas em outros países, mudanças em critérios da contabilidade do sistema: “em particular, os elementos não-contributivos que foram integrados a esses sistemas, para alcançar objetivos mais gerais de política sociais, têm sido removidos”. No Brasil, também observamos no debate a presença de grupos contrários à forma de apresentação de contas do Regime Geral de Previdência Social (RGPS). Eles defendem que a contabilidade exclua despesas com benefícios de menor contrapartida contributiva, bem como que inclua determinadas receitas e haja maior esforço arrecadatório do governo (tema explorado anteriormente no blog).

Segundo Bonoli, a separação de benefícios não-contributivos, relacionados mais à política social, dos benefícios estritamente previdenciários foi uma demanda chave do movimento sindical na França, na Itália, no Reino Unido e na Suíça. Para o pesquisador, a aceitação deste pleito durante reformas previdenciárias “pode garantir apoio do movimento sindical, ou pelo menos consentimento [às mudanças]”. A questão também foi tema da reforma da previdência na Espanha, como primeira recomendação do Pacto de Toledo.

Outros pleitos das centrais sindicais no Brasil, no âmbito da reforma, que poderiam ser objeto de compensação nos moldes defendidos por Bonoli, incluem, além da revisão de desonerações sobre a folha de pagamento: revisão da isenção das contribuições para instituições filantrópicas e da alíquota paga pelo agronegócio; combate à sonegação; esforços para recuperação da dívida ativa (incluindo um  “Refis previdenciário”); venda de imóveis do INSS; regulamentação de bingos e jogos de azar, com destinação das receitas para a Previdência; e a recriação do Ministério da Previdência Social.

Dados confiáveis e bem-aceitos

Reynaud (2000) defende que a análise comparada de reformas da previdência fornece “lições úteis”, salientando dois aspectos principais que facilitam a aprovação da reforma: i) a existência de dados confiáveis para subsidiar a discussão; e ii) a existência de órgão plural para assessoramento e debate.

Em relação ao primeiro ponto, Reynaud salienta a importância da disponibilidade de dados confiáveis e “aceitos pelos vários atores” em relação à situação financeira do sistema e perspectivas futuras, que possam servir de insumo às decisões.

O próprio déficit atuarial do Regime Geral, que deveria ser um dos pontos de partida do debate, é uma informação publicamente conhecida apenas por projeções do Tribunal de Contas da União (TCU), que insiste que o Balanço Geral da União deva apresentar essa informação.

Colegiados para assessorar a reforma

O segundo “fato estilizado” levantado por Reynaud (2000) é que precedem reformas bem sucedidas o debate em órgãos ou grupos de trabalho, permanentes ou provisórios, que posteriormente subsidiam a tomada de decisão sobre mudanças. Neste sentido, é saliente o caso do Japão, em que o órgão permanente contribui para a atualização do sistema previdenciário a cada cinco anos.

Segundo Reynaud, esses órgãos que auxiliam o processo decisório em questão previdenciária costumam contar com representantes de empregadores, sindicatos, além de acadêmicos e a burocracia especializada. Além de permanentes, como no exemplo japonês, podem ser temporários, como o Fórum de Debates sobre Políticas e Emprego, Trabalho e Renda de Previdência Social de 201514. Entretanto, no passado, o funcionamento de grupos de trabalho provisórios como esse foi objeto de críticas no Brasil pela sua aparente baixa eficácia, sendo o Fórum Nacional de Previdência Social (FNPS), de 2007, caracterizado desde como “de baixa fertilidade em decisões concretas” até “um zero” ou “uma perda de tempo”15.

Giambiagi e Tafner (2010), que consideraram o Fórum “um retumbante fracasso”, avaliam que a ausência de resultados se deveu ao bom momento da economia (e da arrecadação) e à ausência de participação de parlamentares e políticos. Já Rolim (2016) sugere a recriação do Conselho Nacional de Seguridade Social16 “como fórum permanente de avaliação e revisão” do sistema. Contemplando a crítica destes especialistas, pode-se a aventar a criação no Brasil de uma estrutura consultiva permanente e com participação do Congresso Nacional.

Diálogo

Consoante com a seção anterior, Sarfati e Ghelab (2012), analisando em publicação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) as reformas ocorridas após a crise mundial de 2008, defendem que reformas conduzidas de maneira apressada, mais unilateral e com pouco diálogo com os atores sociais relevantes, mesmo se aprovadas, tendem a ter resultados menos sustentáveis: “não há alternativa crível e viável ao diálogo social como ferramenta para idealizar e implantar reformas da previdência sustentáveis”.

De maneira similar, Bonoli (2000) argumenta que os pontos de veto existentes em um país podem ser “neutralizados” não apenas com a estratégia de compensações descrita anteriormente, mas também integrando potenciais opositores ao processo de formulação da proposta de reforma.

A Presidência e a Previdência: o papel da liderança do Executivo

Se por um lado a literatura e a experiência internacional sugerem a relevância de colegiados para assessorar a reforma e a manutenção de diálogo, por outro não se descarta a importância de um Executivo forte liderando o processo. A atuação do Executivo comandando uma reforma previdenciária não é óbvia: os ganhos ficam principalmente com sucessores do governante, enquanto o ônus se dá no curto prazo e pode penalizá-lo já no próximo ciclo eleitoral.

Entretanto, muitos pesquisadores e instituições consideram que é fundamental que o Executivo encabece a proposta de reforma. A Associação Internacional de Seguridade Social (ISSA, 2010), em estudo sobre o processo de reformas na América Latina, considera que “o mais elevado nível de liderança política é vital”. Por sua vez, DiSalvo (2015), analisando reformas previdenciárias ocorridas nos cinquenta estados americanos após a crise de 2008 observa que nelas lideranças surgiram com entendimento sobre o tema e disposição para enfrentar a questão: “Reformas requerem uma pessoa com credibilidade para servir como a face pública da mudança”.

A esse respeito, Botelho e Tafner (2015) afirmam sobre o caso do Brasil:

é uma responsabilidade, principalmente, do líder do Executivo brasileiro. Dada a nossa estrutura de funcionamento de regime político-institucional, onde se configura aquilo que os especialistas chamam de presidencialismo de coalizão, cabe ao presidente da República a condução das mudanças estruturais brasileiras. Ele é o maior detentor de capital político e desfruta de poderes capazes de mobilizar as prioridades dentro do Congresso e da opinião pública, por isso o melhor candidato para viabilizar as mudanças no cenário previdenciário.

Sintomática da baixa prioridade dada à condução da questão no Executivo é o fato de, entre 2003 e 2016, o comando do Ministério da Previdência Social ter sido o mais trocado de toda a Esplanada (dez vezes, mesmo número do Ministério dos Transportes)17. Comparativamente, os Ministérios da Fazenda e da Justiça passaram por apenas quatro trocas, e os do Meio Ambiente e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome somente por três.

Campanha publicitária

Em Giambiagi (2015d), identifica-se entre os requisitos para uma reforma previdenciária persuasão e energia do governo que a propõe. Bonoli (2000), em pesquisa comparada, ressalta a importância de campanhas publicitárias. Já a ISSA (2010), com base na América Latina, afirma ser necessária “educação sobre previdência para informar o entendimento do público sobre como a sociedade gerencia o risco social”, enquanto DiSalvo (2015), baseado no caso americano, defende a importância de “campanhas sérias de educação cívica”.

Para James e Brooks (2001), cabe ao governo no âmbito da reforma não apenas aumentar a quantidade de “ganhadores” e reduzir a de “perdedores” com a mudança, mas também alterar a percepção das pessoas sobre a qual desses grupos ela pertencem. Para a autora, a geração mais jovem deve ser convencida de que, apesar do risco, será beneficiada, e a geração mais velha deve receber a promessa de que não será afetada.

No mesmo sentido, pesquisa de agosto de 2016 apontava que 86% da população afirmava “saber pouco ou nada” sobre o funcionamento da Previdência Social18. O governo Temer tem de fato sinalizado que irá promover campanhas publicitárias sobre a reforma.

Regras de carência e transição

Um último ponto, comum a reformas da seguridade em outros países e considerado crucial pela literatura,19 já está bem absorvido nas propostas de reforma da Previdência do país: a necessidade de regras de carência e/ou transição para mudanças.

Além de fazer justiça ao planejamento das famílias com as normas vigentes, as regras servem para reduzir a oposição à reforma, ao isentar das mudanças total ou parcialmente os trabalhadores para quem a aposentadoria não é um plano distante. A carência compreende um período de tempo até que as regras novas passem a valer (para não afetar, por exemplo, quem está em vias de aposentar) e a transição um período em que regras intermediárias entre as antigas e as novas ficam valendo (atingindo, por exemplo, um grupo mais velho que ainda não está em idade de se aposentar, mas não é considerado jovem).

Diferenças de posicionamento nas unidades federativas no Congresso Nacional

Adicionalmente à literatura existente e à experiência internacional, especulamos que as disparidades nos valores recebidos do INSS pelas Unidades Federativas (UF) – decorrentes de diferenças demográficas e diferenças no mercado de trabalho – podem também trazer diferença no padrão de votação dos parlamentares de diferentes regiões. Observamos que, onde as transferências do INSS são maiores (Estados com população mais envelhecida e com mercado de trabalho formal mais sólido), houve maior tendência de posicionamento de contrarreforma no biênio de 2015/2016, ainda que uma relação de causalidade não esteja rigorosamente identificada20.

Confirmada tal relação, seria possível concluir que uma eventual reforma contaria com menor resistência de representantes dos Estados mais pobres (como os do Norte e Nordeste), que hoje têm uma estrutura demográfica mais jovem e recebem benefícios de menor valor (ex: aposentadoria por idade, rural). Analogamente, Estados do Sul e do Sudeste concentrariam maior oposição.

De maneira ilustrativa, observamos um grau de correlação positivo de 0,35, entre uma medida de grau de “voto contrarreforma” e um indicador de transferências do INSS nas UF. O grau de voto contrarreforma corresponde ao percentual de votos, na bancada de cada UF na Câmara dos Deputados, favoráveis a itens da Previdência na chamada “pauta-bomba” em 2015: destaques votados no âmbito de Medidas Provisórias criando a fórmula 85/95 (MP das pensões), reajuste real para todos os benefícios (MP do salário mínimo) e desaposentadoria (MP com componente móvel à 85/95). Já o indicador de transferências do INSS inclui o valor transferido a título de todos os benefícios, dividido sobre o total da população, concentrando no indicador tanto a participação de beneficiários do INSS na população (ligado ao envelhecimento) quando o valor dos benefícios (ligado a um mercado de trabalho mais forte).

O Gráfico 1, abaixo, apresenta tal relação.

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Outro exercício, bem mais simples e no mesmo sentido, é apresentado no Gráfico 2. Trata-se da média, em cada região, do número de emendas por parlamentar apresentadas às MPs 664/2014, 672/2016, 676/2015 e também 739/2016 (já no novo governo, referente à perícia do auxílio-doença e aposentadoria por invalidez, e ainda não votada)21. Em média, parlamentares do Sul apresentaram 50% mais emendas às MPs tratando de ajustes na Previdência em 2015/2016 do que parlamentares do Norte, e 80% a mais do que os do Centro-Oeste. As diferenças de ativismo em emendar as propostas do Executivo podem sugerir resistência à futura reforma, que pode não ser uniforme entre as bancadas estaduais.

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Considerações finais

Resumidamente, a literatura de economia política e a experiência internacional apontam que reformas previdenciárias são propostas por governos tanto de esquerda, quanto de direita (normalmente com oposição do movimento sindical). Apontam também que alguns fatores que facilitam a aprovação da reforma são:

  • A ausência de pontos de vetos como o presidencialismo, bicameralismo, representação proporcional (presentes no Brasil);
  • Compensações a grupos contrários, observada em vários países mudanças na contabilidade do sistema, nos moldes do defendido por vários grupos no Brasil;
  • Dados confiáveis e bem-aceitos para subsidiar o debate e facilitar a aceitação do diagnóstico que justifica as mudanças;
  • Colegiados para assessoramento, incluindo empregadores, sindicatos, acadêmicos e burocratas especializados;
  • Mecanismos de diálogo, como estratégia para reduzir oposições;
  • Liderança do Poder Executivo;
  • Campanhas publicitárias; e
  • Regras de carência e transição.

Já as evidências sobre as diferenças regionais relativas às transferências do INSS sugerem que a resistência à futura reforma no Brasil pode não ser uniforme entre as bancadas estaduais, com maior oposição no Sul e no Sudeste.

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A tendência no Brasil parece ser de enfrentar as dificuldades políticas e não mais adiar a reforma, sinalizada pelo Presidente Temer e também pela ex-Presidente Dilma Rousseff. As referências à Previdência dominaram seu discurso de abertura do ano legislativo no Congresso Nacional em 2016, enquanto discurso de posse, em 2015, a Previdência não havia sido citada – uma ilustração da mudança de prioridades (naquela ocasião as principais referências eram ao investimento e à educação, vide Gráfico 322).

Também o Presidente Temer, em seu discurso de posse, destacou, entre outras reformas, a da Previdência: “Esta agenda, difícil, complicada, não é fácil, ela será balizada, de um lado pelo diálogo e de outro pela conjugação de esforços”.  Na iminência da proposta de uma ampla reforma da Previdência, resta ainda, portanto, a dúvida sobre se nossa democracia conseguirá solucionar o problema da ação coletiva e garantir o interesse das maiorias sem voz do país.

Esse texto está baseado no Texto para Discussão nº 207 da Consultoria Legislativa do Senado. Disponível em: HTTP://www.senado.gov.br/estudos.

 

______________

1 Ver: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-01/dilma-diz-que-previdencia-e-assunto-que-mais-preocupa-governo
2 Para diagnósticos e prescrições, ver, entre outros, Caetano (2014), Tafner et al. (2015) e Giambiagi (2015a).
3 Temer: Quero liberdade para medidas que coloquem o Brasil nos trilhos. Valor Econômico, 12 de agosto de 2016.
4 Ver, entre outros, Sarfati e Ghellab (2012) e Schludi (2005).  Na Itália, a perda de apoio político do norte industrial parcialmente decorrente da reforma levou à renúncia do premiê Silvio Berlusconi e à formação de um governo tecnocrático (que a continuou). Na Alemanha, a reforma teria sido uma das principais razões para a derrota eleitoral do chanceler democrata-crisão Helmut Kohl, após 16 anos no cargo. Na Áustria, a reforma teria contribuído para a perda de cadeiras dos sociais democratas liderados pelo primeiro-ministro Viktor Klima, levando a formação de um novo governo.
5 Olson (1965).
6 Ver: http://brasil.elpais.com/brasil/2016/04/05/economia/1459884081_486535.html.
7 Ver: Texto para Discussão no 190 – Idade Mínima: Perguntas e respostas (item 21)
8 Ver McCarty e Meirowitz (2007).
9 Ver Giambiagi e Tafner (2007) e Sarfati e Ghellab (2012).
10 Outras traduções incluem poder de obstrução, instâncias de veto, pontos de bloqueio.
11 Tsebelis (2002).
12 Ver também Melo e Anastasia (2005).
13 ADI 3128.
14 Decreto nº 8.443, de 30 de abril de 2015.
15 Lopez (2009).
16 Extinto nos anos 90. Neste sentido, tramita no Senado Federal o Projeto de Lei no 178, de 2007, do Senador Paulo Paim, que o “recria” o órgão com gestão quadripartite (participação de trabalhadores, empregadores, aposentados e Governo) nos moldes do inciso VII do art. 194 da Constituição.
17 Até a reforma ministerial da Medida Provisória no 726, de 12 de maio de 2016.
18 Ver: http://oglobo.globo.com/economia/aposentadoria-maioria-dos-brasileiros-nao-entende-funcionamento-19979215
19 Ver, entre outras, James e Brooks (2001).
20 Outros fatores podem explicar diferenças no padrão de votação, como maior ou menor composição de parlamentares de oposição ao governo Dilma Rousseff.
21 Ao contrário do Quadro 1, neste exercício usamos o total de emendas apresentadas. Evidentemente, parte das emendas pode não ter relação com o conteúdo da MP
22 O governo acabara de lançar o slogan “Pátria Educadora”.

 

Referências

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Pode-se dizer que a MP simultaneamente:

  1. faz parte do esforço de ajuste fiscal, sendo um dos frutos baixos da árvore, ao não exigir aumento de tributos ou a repactuação com o Congresso de novas regras para benefícios;
  2. prepara o terreno para a terceira reforma da Previdência, ao apresentar à sociedade que pagamentos indevidos estão sendo revistos antes de medidas mais impopulares serem tomadas; e
  3. tenta responder aos efeitos da judicialização da Previdência, tema introduzido neste texto.

O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), maior litigante da Justiça Federal, já teria 10% de seus benefícios sendo pagos por decisão judicial, segundo a Associação Nacional dos Médicos Peritos (ANMP). Isso seria equivalente a cerca de 3 milhões de benefícios pagos por mês. Entre os benefícios mais concedidos por decisão judicial1, além dos objetos da MP 739/2016 (auxílio-doença e aposentadoria por invalidez), estão a aposentadoria rural (a Justiça pode aceitar provas alternativas de comprovação do tempo de trabalho no campo) e o Benefício de Prestação Continuada (a Justiça pode reavaliar a incapacidade de quem alega deficiência ou modificar o critério  usado para aferir pobreza – o que já foi discutido no blog). A judicialização atinge milhares de casos individuais, mas também dezenas de ações civis públicas propostas principalmente pelo Ministério Público em diferentes regiões do país.

Auxílio-doença e aposentadoria por invalidez

A exposição de motivos da MP 739 aponta que as despesas com auxílio-doença cresceram 85% em apenas 10 anos, atingindo R$ 23,2 bilhões em 2015. Em especial, chama a atenção a quantidade de benefícios sendo pagos há mais de 2 anos: quase 850 mil, mais da metade de todos os benefícios. Apenas nesses casos a despesa total por ano é de R$ 13 bilhões2,  ou  o equivalente a dois terços das despesas com o Minha Casa Minha Vida em 2015.  Por que tantas pessoas recebem um benefício provisório por tanto tempo?

Além da crônica dificuldade do INSS de realizar perícias médicas e de reabilitar os segurados3, a judicialização desempenha um papel.  Nos casos individuais, o Judiciário pode discordar da perícia do INSS que não considerava alguém incapacitado, e conceder o benefício. Também são muitos os casos em que a Justiça até mesmo expande a lista de doenças que, independentemente de contribuição, dão direito à aposentadoria por invalidez e ao auxílio-doença. Os peritos previdenciários se queixam que o Judiciário não teria a expertise necessária para tomar tais decisões. Por sua vez, o INSS não tem tido capacidade de deslocar peritos para participar de audiências na Justiça: casos em que há participação do perito do INSS tendem a ter decisões mais favoráveis ao órgão.

Já nas ações civis públicas a Justiça tem obrigado o INSS a conceder automaticamente o auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e o BPC da pessoa com deficiência se a perícia não puder ser realizada em um determinado prazo. Note que, também nesse caso, a dificuldade da Previdência com a mão de obra pericial tem um papel fundamental.

Entretanto, como esse prazo máximo para que a perícia seja feita não está previsto em lei, as ações civis públicas também tem o efeito adverso de adicionar mais complexidade à operação do INSS, um órgão nacional com a missão de administrar a segunda maior folha de pagamento do mundo. Nas agências de Roraima, ação civil pública determina que perícia deve ser feita em no máximo 30 dias ou os benefícios devem ser automaticamente concedidos, prazo que é de 45 dias nas agências Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Maranhão.

Os problemas com perícias e a judicialização se relacionariam com os R$ 13 bi pagos por ano a quem recebe o auxílio-doença por mais de 2 anos.

Por isso, a MP 739 propõe que o auxílio-doença concedido judicialmente tenha uma estimativa de quando o pagamento deverá ser cessado (já há recomendação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no mesmo sentido). Caso não haja a previsão sobre a recuperação do beneficiário, ele será interrompido após quatro meses. Prevê ainda que a qualquer momento quem recebe auxílio-doença e aposentadoria por invalidez por determinação judicial poderá ser reavaliado.

(Do lado administrativo, a MP prevê um bônus por perícia para os médicos do INSS, na tentativa de manter os médicos no quadro e efetivamente trabalhando nas agências. Nesse sentido, o ano passado foi marcado por uma malsucedida tentativa de terceirizar as perícias no âmbito da MP 664 (para o setor privado e o SUS) e por uma longa greve da categoria).

O governo pretende, com a Medida Provisória, reduzir em cerca de R$ 6 bilhões os benefícios pagos a quem não está incapacitado, ou mesmo quem de fato continua trabalhando. O grosso da redução deve ser no auxílio-doença e, residualmente, na aposentadoria por invalidez. Grupos contrários receiam que a MP prejudique subgrupos com incapacidade menos evidente, como pessoas com transtornos psiquiátricos, e anunciam intenção de recorrer a cortes internacionais4.

Benefício de Prestação Continuada

O BPC, operado pelo INSS, é objeto residual da MP 739, mas é alvo de intensa judicialização. Previsto na Constituição, trata-se de benefício assistencial destinado ao idoso ou deficiente pobre. A Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), que concretizou o benefício, considera como critério de pobreza para recebimento do benefício a renda per capita familiar abaixo de um quarto de salário mínimo. Ou seja, em valores de 2016, a renda per capita de até R$ 220 na família do idoso ou deficiente pobre daria direito ao recebimento do benefício no valor de R$ 880.

Note que há uma enorme discrepância em relação à linha de corte e ao valor do benefício em relação aos critérios do Bolsa Família (renda per capita de até R$ 85 para um benefício de R$ 85, ou renda per capita de até R$ 170, se houver crianças para um benefício de R$ 39). Assim, o critério de pobreza do BPC pode ser quase 3 vezes maior do que o do “famigerado” Bolsa Família, para um benefício 22 vezes maior de acordo com a legislação.  Mesmo assim, o critério de pobreza do BPC é considerado inadequado, e é o principal tema das ações judiciais que tratam do benefício.

Existem no Brasil dezenas de ações civis públicas em relação ao BPC. No que tange ao critério de pobreza, elas dividem-se em dois tipos: i) as que excluem do cálculo da renda per capita a renda recebida a título de BPC por outra pessoa da família ou até mesmo a aposentadoria ou pensão (de um salário mínimo); e ii) as que avaliam a pobreza subjetivamente ou que desconsideram no cálculo despesas essenciais, notadamente com medicamentos.

O Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDSA, 2016) aponta que contribuiu para essa tendência a previsão do Estatuto do Idoso (Lei no 10.741, de 1º de outubro de 2003) de desconsiderar no cálculo da renda o BPC recebido por outro idoso da família, entendimento que foi sucessivamente expandido pelo Judiciário (ex: desconsiderar o BPC da pessoa com deficiência, aposentadorias e pensões).

As ações também ganharam fôlego com um importante julgado recente do Supremo Tribunal Federal (STF)5, discutido previamente no blog, que reviu o posicionamento da corte e ampliou o critério da pobreza para recebimento do BPC de um quarto do salário mínimo como renda per capita para meio salário mínimo (ou de R$ 220 para R$ 440 em 2016).

Além da óbvia iniquidade e dificuldades administrativas causadas por essa série de decisões serem descoordenadas e aplicadas em regiões diferentes do país, o atropelo dos critérios pactuados pelo Executivo e o Legislativo causam distorções impressionantes. Se uma decisão individual está guiada por boas intenções e pode ter custos baixos, o seu acúmulo vai exatamente à direção contrária a pretendida, retirando recursos dos que mais precisam.

Conjugando os critérios dessas decisões, podemos, ilustrativamente, analisar as distorções em quatro famílias fictícias de três pessoas. Uma primeira família tem dois aposentados que ganham o salário mínimo, de R$ 880, vivendo com um deficiente com renda de R$ 1320 (total R$ 3080). Essa família não seria considerada pobre pela legislação, mas seria pelos critérios do Judiciário apresentados acima. Ela teria o direito de receber o BPC, no valor de R$ 880, totalizando uma renda de R$ 3960 (ou R$ 1320 per capita).

Suponha uma segunda família, também com três pessoas: um deficiente sem renda, um desempregado sem renda e alguém recebendo um salário de R$ 1321. Ela não se enquadra nos critérios de pobreza definidos pelo legislador ou pelo Judiciário e sequer receberia o benefício. A renda dessa segunda família fica sendo 3 vezes menor do que a da primeira, porque o Judiciário decidiu que o dinheiro recebido a título de aposentadoria não é renda para a definição de pobreza, o que permitiu aquela família receber além desses proventos, também o benefício assistencial para o deficiente.

Ainda ilustrativamente, considere outra família de três pessoas com renda total de apenas R$ 511.  Elas não têm direito nem ao BPC nem ao Bolsa Família, se não houver no grupo familiar idoso, deficiente ou criança. Esta é uma família significativamente mais pobre, com capacidade muito menor de judicializar a questão. Assim, a primeira família de três pessoas, com renda de R$ 3080, pode receber mais R$ 880 pelo entendimento do Judiciário, mas a terceira família com renda de R$ 511, sequer pode receber os R$ 85 do benefício básico do Bolsa Família. A diferença da renda per capita será de 8 vezes, por distorções, cumulativamente, das leis que regem o Bolsa Família e o BPC, e da intervenção do Judiciário.

Partindo desde último exemplo, podemos chegar a uma quarta família: se uma das pessoas do terceiro exemplo fosse uma criança (ex: uma mãe desempregada, um pai com salário de R$ 511 e um filho de até 15 anos), a família poderia receber o benefício variável de R$ 39 do Bolsa Família. Este é o auxílio que esta criança pobre poderá receber, ainda significativamente abaixo dos R$ 880 que a primeira família, com renda de mais de R$ 3 mil, teria direito. (Cabe observar que os valores usados aqui para o Bolsa Família já contam com o controverso reajuste dado pelo presidente interino Michel Temer).

Os casos são ilustrativos e anedóticos. Porém, já fica claro que: i) benefícios direcionados a crianças pobres têm menor chance de serem, e não são, judicializados; e ii) os benefícios recebidos por este grupo possuem valores muito menores e parâmetros mais duros para o recebimento. O mais grave é um terceiro ponto: é justamente nas famílias com crianças que a pobreza se concentra no Brasil.

Camarano et al. (2014) mostram que, no estrato de renda mais pobre, um terço dos indivíduos são crianças, mas apenas 6% tem mais de 60 anos. Por sua vez, no estrato de renda mais alto, somente cerca de 10% são crianças6. A discrepância na legislação e nas decisões judiciais em relação aos benefícios voltados para crianças e para idosos não seria um problema se fosse comum uma configuração familiar em que idosos vivessem com crianças.Entretanto, o que ocorre no Brasil é exatamente o oposto. Tafner, Botelho e Erbisti (2015) mostram que, no caso de benefícios previdenciários, 88% dos idosos beneficiários não possuem crianças ou jovens abaixo de 15 anos em sua família. Apenas 3,5% possuem pelo menos duas crianças.

Tafner (2006) mostra ainda que este fato (a pobreza no Brasil ser desproporcionalmente concentrada nas crianças em relação às outras faixas etárias) quase não encontra paralelo no resto do mundo. Seria razoável, por óbvias diferenças no padrão de consumo, que houvesse distinção nos benefícios direcionados a estes dois grupos demográficos, mas está claro que a magnitude da discrepância acumulada pela legislação e pelo Judiciário é preocupante.

Ainda, os gastos pró-crianças têm evidentemente um potencial maior para transformar o futuro, estando cada vez mais claro o seu importante papel não só em combater a pobreza, mas também a desigualdade e em aprimorar o crescimento da produtividade da economia. Esta é em especial uma bandeira do Prêmio Nobel James Heckman, que defende que políticas para este grupo beneficiam não só as crianças, mas a sociedade como um todo78.

No Brasil, este grupo vulnerável está desamparado por essas decisões e não tem quase nenhuma capacidade de judicializar a questão: crianças não contratam advogados ou batem nas portas da Defensoria Pública, e seus pais, que recebem os benefícios voltados a ela, são pouco estimados pela sociedade (nas últimas eleições apenas 40% da população era a favor do programa9).

Só que este não é o único problema: o foco dos três Poderes nas transferências para grupos mais velhos drena quantidade significativa de recursos, sufocando ações que beneficiam este grupo, como o investimento em saneamento básico, creches e educação básica (além de transferências diretas como o próprio Bolsa Família). Segundo a ANMP, em 2015 o INSS pagava R$ 20 bilhões em benefícios decididos judicialmente. No total do orçamento, o Brasil já gasta 54% apenas com benefícios previdenciários e o BPC.

Este é um debate difícil: é evidente que os entusiastas da judicialização estão bem intencionados e que os critérios legais para concessão dos benefícios são discutíveis. Entretanto, a invasão da competência do Executivo e do Legislativo (mais bem posicionados para avaliar a questão) e a expressiva quantidade de decisões concedendo benefícios sem fonte de custeio podem não ser a melhor maneira de erradicar a pobreza no Brasil, reduzir as desigualdades e promover o crescimento da renda.

É possível que o governo lance mão de medidas administrativas para identificar pagamentos indevidos do BPC a quem não se enquadraria nos critérios de renda, bem como é provável que o benefício seja incluído na reforma da Previdência (transformando o valor recebido proporcional às contribuições do beneficiário ao INSS). No entanto, é incerta a maneira que a judicialização do benefício vai evoluir nos próximos anos: eventuais mudanças legislativas vão dirimir ou estimular a judicialização? Hoje, de cada 4 BPC concedidos, 1 já seria por decisão judicial1011. No total de benefícios mantidos, a estatística varia de 28% no benefício da pessoa com deficiência em Alagoas a 1% no do idoso no Amazonas, segundo o MDSA.

Outras ações civis públicas

Além das dezenas de ações civis públicas sobre a concessão automática do auxílio-doença e aposentadoria por invalidez e os critérios do BPC, outros casos anedóticos de judicialização da Previdência por este instrumento incluem:

  • pagamento de BPC para estrangeiros, proposta pelo Ministério Público Federal em  Rondônia;
  • pagamento do salário-maternidade a índias de tribos específicas, independentemente de contribuição ou da idade mínima de 16 anos para se tornar segurada (adolescentes pobres da cidade não são contempladas, podendo contar somente com o Bolsa Família); e
  • pagamento do salário-maternidade sem comprovação de relação de emprego a desempregadas pelo INSS no Rio de Janeiro.

Causas da judicialização

Marques (2016) relaciona a judicialização, entre outros:

  • ao alto volume de segurados e ao aumento do número de advogados no país (o que alude ao termo “advogado de porta de INSS”);
  • à fraqueza da defesa do INSS;
  • ao número insuficiente de servidores; e
  • a minúcia da Constituição ao tratar de Previdência.

Já Coelho (2014) ressalta a interiorização da Justiça Federal, enquanto o Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (2016) aponta também a possibilidade de delegação da competência em ações que envolvam o INSS da Justiça Federal para a Justiça estadual. Marques aponta ainda que apenas cerca de um terço das ações contra o INSS são consideradas improcedentes.

Considerações finais

Tratando de maneira mais ampla do problema da judicialização de políticas públicas, Di Pietro (2014) aponta que a intervenção judicial é feita a partir de casos concretos, que quando somados correspondem a políticas públicas:

feitas sem qualquer planejamento (que o Judiciário, pela justiça do caso concreto, não tem condições de fazer) e sem atentar para as deficiências orçamentárias que somente se ampliam em decorrência de sua atuação, desprovida que é da visão de conjunto que seria necessária para a definição de qualquer política pública que se pretenda venha em benefício de todos e não de uma minoria privilegiada pelo acesso à Justiça.

A MP 739/2016 trouxe à tona a judicialização da Previdência, questão de difícil solução e que carece de mais estudo. É necessário identificar quando existem vácuos que corretamente são preenchidos pelo Judiciário ou quando há invasão de competência da Presidência e do Congresso, mais aptos e legitimados para aprovação das normas que guiam a máquina previdenciária.

Para os próximos anos, não se pode descartar que a judicialização aumente ainda mais, frente ao natural crescimento da demanda por benefícios previdenciários decorrente do envelhecimento da população e das inevitáveis alterações legislativas que serão feitas (reformas), que podem inspirar os operadores do Direito (como no caso do Estatuto do Idoso e o BPC) ou dar vazão ao discurso de “perdas de direitos” típico desse tipo de mudança.

 

Referências

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________________

1 Considerando a desaposentadoria como revisão de um benefício, e não concessão.

2 http://odia.ig.com.br/economia/2016-07-01/inss-vai-passar-pente-fino-para-detectar-fraudes-em-auxilio-doenca.html.

3 No ritmo atual e apenas com o estoque existente hoje, levariam 50 anos para o INSS reabilitar os que recebem o benefício há mais tempo. Ver: http://noticias.r7.com/economia/metade-dos-segurados-que-recebem-o-auxilio-doenca-do-inss-vao-passar-por-reavaliacao-26072016

4 Ver: http://www.redebrasilatual.com.br/trabalho/2016/07/sindicatos-va-questionar-mp-que-mexe-com-beneficios-da-previdencia.

5 Recurso Extraordinário (RE) nº 567.985/MT, julgado em 2013.

6 Cabe observar que o resultado dos autores, obtido a partir do Censo do IBGE, leva em conta a renda per capita de uma família. Crianças entre os 20% mais pobres estão em famílias pobres, enquanto crianças entre os 20% mais ricos estão em famílias ricas. Assim, não se considera “natural” este resultado, o que poderia ser argumentado caso se interpretasse erroneamente que crianças estão entre os 20% mais pobres simplesmente porque não trabalham.

7 Entre outros: HECKMAN, J. J.; MASTEROV, D. V. The Productivity Argument for Investing in Young Children. 2007. Disponível em: http://jenni.uchicago.edu/human-inequality/papers/Heckman_final_all_wp_2007-03-22c_jsb.pdf. e ALMOND, D.; CURRIE, J. Human Capital Development Before Age Five. Handbook of Labor Economics. Volume 4b. Elsevier, 2010. Disponível em: https://www.princeton.edu/~jcurrie/publications/galleys2.pdf.

8 Co-autor frequente de Heckman no tema, o pesquisador Flávio Cunha aparece como o brasileiro mais citado na academia nos últimos 25 anos. Ver: https://t.co/VvLrwKQFVs.

9 Ver: https://www.academia.edu/13218971/Mapping_and_understanding_perceptions_about_the_
Family_Stipend_based_upon_a_mixed_methods_approach?auto=download
.

10 Alguém tem que Cuidar da Qualidade do Gasto. Valor Econômico, 8 de julho de 2016.

11 Proporção próxima do benefício mais judicializado, a aposentadoria rural, com 30%, segundo o Relatório do Fórum de Debates sobre Políticas de Emprego, Trabalho e Renda e de Previdência Social de 2016.

 

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Por que o fator previdenciário não adia as aposentadorias? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2761&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-o-fator-previdenciario-nao-adia-as-aposentadorias https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2761#comments Thu, 24 Mar 2016 12:48:32 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2761 Em 2002, o israelense Daniel Kahneman foi o primeiro psicólogo a receber o prêmio Nobel em Economia, por “integrar insights da psicologia à ciência econômica1. Kahneman, é a principal referência do campo conhecido como “Economia Comportamental”, área “proveniente da incorporação, pela economia, de desenvolvimentos teóricos e descobertas empíricas no campo da psicologia”2. O enfoque da economia comportamental vai ao sentido de aprimorar a concepção do ser humano tido como “excessivamente” racional na teoria econômica tradicional, concepção que é pejorativamente conhecida como “homo economicus”.

Mais recentemente, a economia comportamental saiu da academia e chegou aos governos, orientando em muitos países a implantação de políticas públicas (conforme discutido no blog aqui).  Uma questão que é especialmente relevante para a economia comportamental é a aposentadoria. Segundo Sunstein (2013):

de acordo com a teoria econômica padrão, as pessoas irão considerar tanto o curto prazo quanto o longo prazo. Nós temos em conta as incertezas; nós sabemos que o futuro é imprevisível e que grandes mudanças podem acontecer.

No entanto, o que se verifica frequentemente segundo Sunstein (2013) são escolhas por opções com “benefícios líquidos de curto prazo e custos líquidos de longo prazo”. Segundo o autor, decisões “míopes” e curtoprazistas ocorrem em parte porque as pessoas simplesmente não conseguem considerar interesses futuros como sendo de fato seus.

Por sua vez, Hershfield et. al (2011) realizaram experimento usando “realidade virtual imersiva”3, em que parte dos participantes eram inseridos em um avatar, uma representação visual de seus corpos e rostos no futuro: observou-se que aqueles que se “visualizaram” no futuro exibiram tendência maior de aceitar recompensas financeiras posteriores ao invés de recompensas imediatas. Os pesquisadores defendem que a dificuldade de os indivíduos se visualizarem aposentados seria responsável por uma crise de poupança para aposentadoria nos Estados Unidos, relacionada à inclinação das pessoas de colocar maior peso na gratificação de curto prazo em relação aos ganhos de longo prazo.

Ariely (2008) avalia ser uma fraqueza humana comum ceder a “impulsos” durante a consecução de objetivos de longo prazo, dificuldade que estaria na raiz de problemas tão diversos quanto se manter em uma dieta ou conseguir uma aposentadoria satisfatória. O fracasso — repetidamente — em alcançar esses objetivos seria a fonte de boa parte da “miséria” humana: “temos problemas com autocontrole, relacionados à gratificação imediata e (gratificação) postergada”.

Decisões como a da aposentadoria parecem ser de interesse especial para a economia comportamental por envolver uma das questões que mais lhe é cara: a distribuição de ganhos e perdas de uma decisão no curto e no longo prazo. Ariely (2008), que observa que a decisão de aposentadoria é sensível no mundo todo, contrasta a abordagem da economia comportamental com a da teoria econômica tradicional nesta questão. Na concepção tradicional, um benefício de aposentadoria insatisfatório seria decorrente de decisões racionais de um indivíduo, o que teria de pressupor que “não ligamos para o futuro, (…) aguardamos experenciar a pobreza quando aposentados, (…) esperamos que nossos filhos cuidem de nós, (…) ou temos esperança de ganhar na loteria”. A provocação evidencia que a racionalidade como concebida na teoria econômica tradicional, embora extremamente útil para várias abordagens, não parece se adequar a (más) decisões de aposentadoria.

 

A aposentadoria por tempo de contribuição no Brasil e a economia comportamental

A escolha de quando se aposentar no Brasil pode estar especialmente sujeita aos vieses que a economia comportamental diagnostica, por conta da existência do benefício de aposentadoria por tempo de contribuição (ATC), sem idade mínima. Este tipo de aposentadoria do Regime Geral de Previdência Social é a principal modalidade de aposentadoria da classe média no país (excluídos os servidores públicos). Não havendo um limite mínimo de idade obrigatório na aposentadoria por tempo de contribuição, os trabalhadores têm uma amplitude de tempo ainda maior para decidir quando devem parar de trabalhar.

Este espaço de tempo abre um leque de escolhas também por conta da existência do fator previdenciário: criado para contornar a ameaça à sustentabilidade da Previdência Social devido à ausência da idade mínima, o fator calcula o benefício da aposentadoria por tempo de contribuição de acordo com a expectativa de sobrevida do segurado (quanto maior, menor o benefício) e com o próprio tempo de contribuição (quanto maior, maior o benefício). Assim, cumpridos os requisitos de 35 anos de tempo de contribuição para homens e 30 para mulheres, o trabalhador pode continuar trabalhando ou, a qualquer tempo, pedir a aposentadoria. Ainda, é possível que o trabalhador opte pelas duas coisas: continuar trabalhando e receber a aposentadoria — o que não é proibido e de fato é muito comum.

 

A decisão de se aposentar na teoria econômica tradicional

A teoria econômica tradicional, baseada na já discutida noção de racionalidade, teve dificuldade em lidar satisfatoriamente com o problema da decisão da aposentadoria. Em verdade, a percepção da importância de itens como a educação previdenciária para os cidadãos precede a ascensão da própria economia comportamental4. Este campo se mostrou relevante mais por identificar com clareza — empiricamente  —  os vieses que afetam decisões como esta e por sua prescrição de instrumentos (como os nudges, discutidos aqui), e não por reconhecer pioneiramente que, na prática, decisões sobre aposentadoria não são completamente racionais (na acepção da teoria econômica).

Por exemplo, Tafner, Botelho e Erbisti (2015) argumentam que a própria intervenção dos governos em prover previdência pública, de uma maneira mais ampla, já se basearia no diagnóstico de alguma deficiência. Os autores enfatizam deficiências de informação e de capacidade de decisão neste processo. Diz Oliveira (1982 apud TAFNER, BOTELHO e ERBISTI 2015):

A decisão de quanto, quando e como poupar (…) de modo a garantir um fluxo de rendas suficientes durante o período de inatividade é, certamente, muito complexa. O indivíduo deveria ter disponível um conjunto de informações extremamente amplo e preciso sobre seus futuros riscos.

Oliveira inclui entre esses riscos possíveis doenças, suas durações e custos, bem como as expectativas de vida do segurado e de seus dependentes “Mesmo que essas informações fossem disponíveis, a análise (…) seria tarefa árdua para uma equipe de atuários e de analistas de investimento”.

No entanto, a abordagem tradicional da “economia da aposentadoria” se baseia na racionalidade de um agente. Leonesio (1996) descreve estes modelos como partindo de modelos de escolha entre trabalho e lazer, onde se incluiria também a decisão de aposentadoria: “todos (são) partes de um problema mais geral de decidir como usar o tempo”. Em geral, estes modelos partiriam da noção de que um indivíduo tomaria uma decisão racional maximizando sua “satisfação” (função utilidade), baseada em quantidades de consumo, lazer e em sua “taxa de preferência temporal” (que pondera o valor dessas variáveis no presente e no futuro). Este processo de maximização se sujeitaria a uma restrição orçamentária também intertemporal. Com base nesses parâmetros, o indivíduo tomaria a decisão ótima referente ao número de anos que deve trabalhar e quanto deve poupar ao longo de sua vida laboral. Ao leitor interessado em conhecer mais sobre os modelos de aposentadoria na teoria econômica tradicional, consultar Nery (2016).

 

A decisão de se aposentar na economia comportamental

De acordo com as pesquisas da ciência comportamental, decisões como a da aposentadoria poderiam sofrer variadas influências não captadas pela teoria tradicional. Entre essas influências, se encontram heurísticas, “regras de bolso” que simplificam a tomada de decisões complexas, e vieses cognitivos, os erros sistemáticos de decisão resultantes do uso de heurísticas5.

Cabe notar que essas influências e conceitos discutidos pela economia comportamental, que se contrapõem a modelos mais formalizados, como os citados anteriormente, e que serão apresentadas nesta subseção, se aplicam de maneira ampla ao problema de aposentadoria e de formação de poupança como um todo, e não especificamente apenas ao caso brasileiro.

Conceitos destacados para a economia comportamental para melhor compreender problemas com as decisões de aposentadoria e poupança incluem:

  • Desconto hiperbólico: a ideia que “recompensas recebidas no presente pesam mais do que recompensas futuras”, e, em especial, que os “valores atribuídos a recompensas decrescem rapidamente para pequenos períodos de adiamento” (Samson, 2015).
  • Viés do presente: relacionado ao item anterior, “refere-se à tendência de dar um peso maior a recompensas que estão mais próximas do tempo presente quando consideramos os trade-offs entre dois momentos futuros” (Samson, 2015).
  • Escolhas com inconsistência temporal (ou dinâmica): escolhas a partir das ideias anteriores, que ocorrem quando as “pessoas são desproporcionalmente atraídas por gratificações disponíveis imediatamente” e que não teriam sido feitas se fossem contempladas por uma “perspectiva desapaixonada” segundo Hoch e Loewenstein (1991).
  • Autocontrole: diferentemente das ideias anteriores, seria para Nunes, Rogers e Cunha (2015), “a capacidade de executar planos anteriormente definidos e, portanto, realizar escolhas intertemporais consistentes”. Por sua vez, Rick e Loewenstein (2015) enfatizam que “além de reconhecer e dar atenção às consequências futuras das nossas ações presentes, também precisamos ser capazes de controlar nosso comportamento de forma a implementar a linha de comportamento desejada”, o que poderia ser chamado também de “força de vontade”.
  • Viés de otimismo (ou otimismo irrealista): segundo Samson (2015), seria a tendência de superestimar a probabilidade de cenários positivos e de subestimar a de cenários negativos (por exemplo, o de ter um câncer no futuro).

 

Complexidade e insatisfação na aposentadoria por tempo de contribuição

Fica claro que a decisão de pedir o benefício da aposentadoria por tempo de contribuição, frente aos incentivos colocados pelas fórmulas do fator previdenciário e a da fórmula 85/95 móvel, é especialmente complexa. Nos veículos de comunicação, as dúvidas em relação à aposentadoria aparecem com frequência. Há profusão de reportagens em jornais buscando orientar os cidadãos sobre o funcionamento da previdência no país e sobre como decidir qual “o melhor momento de se aposentar”.  Diversos sites da internet disponibilizam ainda simuladores de aposentadoria, frequentemente ligados a sindicatos. Dados dos primeiros meses de vigência da fórmula 85/95 mostram que os segurados têm se dividido entre as duas formas de cálculo, ou seja, as decisões em relação à fórmula de cálculo do benefício não têm sido uniformes (pelo menos a princípio).

A complexidade percebida pelos segurados não é o único problema: um contingente significativo daqueles que se aposentam por tempo de contribuição consideram insatisfatório o valor de seus benefícios.  Muitos se arrependem da data em que se aposentaram, sendo esta, porém, uma decisão irrevogável. Como reflexo, o Congresso Nacional recebe muitas demandas para conceder aumentos reais aos benefícios  e para permitir a desaposentadoria (recálculo das aposentadorias dos trabalhadores que continuaram trabalhando, em geral sem devolução dos benefícios já recebidos). Esta última seria objeto também de mais de 120 mil ações no Judiciário segundo a Advocacia-Geral da União (AGU). Em verdade, no ano de 2015, duas medidas provisórias foram aprovadas no Congresso Nacional com emendas atendendo estes dois pleitos (reajustes reais para todos os benefícios e desaposentadoria), vetadas posteriormente pela Presidência.

Entre outras demandas que resultam em projetos de lei ou emendas parlamentares estão também a extinção definitiva do fator previdenciário ou a fixação de parâmetros de seu cálculo que sejam mais favoráveis aos segurados (ex: não atualizar a expectativa de sobrevida após satisfeitos os requisitos de 35/30 anos de contribuição).  A título de ilustração, estudo da Consultoria Legislativa do Senado mostrou que em dezembro de 2014 tramitavam no Congresso Nacional 223 proposições acerca de benefícios previdenciários, sendo que 78% na direção de aumentar os benefícios recebidos6. Da mesma forma, outro estudo apontou que entre 1.048 emendas apresentadas às quatro Medidas Provisórias que tratavam de benefícios da Seguridade em 2015, 73% também objetivavam aumentar as despesas previdenciárias7.

Essa relativa complexidade e a insatisfação podem estar associadas às idades precoces praticadas na aposentadoria por tempo de contribuição. A percepção de complexidade pode ajudar a explicar a miopia dos segurados em se aposentar cedo, apesar do cálculo do benefício com o fator previdenciário ser muito mais favorável com alguns anos de espera. Por sua vez, os valores “baixos” recebidos por conta do fator previdenciário que incide com a idade e tempo de contribuição menores podem ajudar a explicar a enorme insatisfação dos beneficiários.

Os dados apresentados por Pereira (2013) coadunam com esta noção. Mesmo doze anos depois da criação do fator, os pedidos de ATC parecem “não obedecer” à sua lógica: em 2012 essas aposentadorias se deram em média com apenas cinco meses além do requisito mínimo de 35 anos no caso dos homens (35,44) e dois meses além do requisito mínimo de 30 anos no caso das mulheres (30,2 anos)8. Menos de um terço dos benefícios dos homens e apenas cerca de um quarto dos benefícios das mulheres foram concedidos com pelo menos um ano de contribuição adicional além do mínimo de 35/30.

Ilustrativamente, um homem de 55 anos que se aposentasse naquele ano com os 35,44 anos de contribuição correspondentes à média teria um benefício apenas 1,5% maior do que o que teria com o mínimo de 35 anos exatos. No mesmo sentido, uma mulher de 50 anos que se aposentasse com os 30,2 anos de contribuição da média daquele ano teria um benefício menos de 1% maior do que o que receberia com apenas 30 anos, o que evidentemente é uma vantagem ainda muito pequena. Uma das possibilidades constantemente usada para explicar este fenômeno de aposentadorias precoces perante o fator previdenciário seria a percepção, bastante difundida, de que o cálculo do fator “piora” anualmente por conta da revisão da expectativa de sobrevida da população, o que tornaria prudente pedir o benefício o quanto antes9 10.

Sunstein (2013) avalia que a “complexidade pode ter sérios efeitos não intencionais, incluindo (gerar) indiferença (…) e confusão” nos cidadãos. A complexidade da decisão referente à ATC no Brasil, conjugada com a insatisfação em relação aos benefícios, pode dar ensejo ao uso de nudges para melhorar a tomada de decisão daqueles que pedem esse benefício, a partir do uso das principais descobertas da economia comportamental, ajudando-os a escolher quando se aposentar.

Esta pode ser uma tentativa de abordar o “paradoxo” das aposentadorias por tempo de contribuição: elas têm regras consideradas ao mesmo tempo pouco generosas pelos segurados que as recebem e muito generosas pelos especialistas que analisam as contas da Previdência. Este “empurrão” seria uma intervenção simples, focada em melhorar o planejamento dos segurados e reduzir as resistências aos benefícios, com sorte atenuando a judicialização de questões previdenciárias e a pressão política por aumento de gastos.

Um nudge tem o objetivo de superar vieses inconscientes usados em decisões que não são consideradas racionais, “reenquadrando” as escolhas possíveis. Esta “arquitetura da escolha” não obriga ninguém a escolher alguma alternativa específica, nem proíbe qualquer opção. Um nudge também não altera a estrutura de incentivos econômicos existentes. Segundo Thailer e Sunstein (2008):

As pessoas irão precisar de nudges para decisões que são difíceis e raras, para quais elas não recebem pronto feedback, e quando elas têm problema em traduzir aspectos da situação em termos que elas consigam facilmente entender (…) para escolhas que têm efeitos postergados; as que são difíceis, infrequentes, e oferecem feedback pobre; e para aquelas em que a relação entre escolha e experiência é ambígua.

Estas características parecem estar presentes no caso do benefício da aposentadoria por tempo de contribuição (ATC). Como em outros países, esta é uma decisão obviamente rara e infrequente (uma mesma pessoa não se aposenta diversas vezes na vida). No Brasil, pode ser especialmente difícil por conta do cálculo a ser feito em relação à fórmula do fator previdenciário, que já chegou a ser considerada até em uma decisão da Justiça Federal como “extremamente complexa – (de) complexidade absurda11. Como vimos, a complexidade do cálculo do benefício foi significativamente aumentada em 2015 após a aprovação da fórmula 85/95 móvel para o cálculo da aposentadoria por tempo de contribuição (que, cabe observar, não extinguiu o fator).  A coexistência dessas duas formas de cálculo torna mais complicada a tarefa das pessoas de traduzir aspectos da situação em termos que elas consigam facilmente entender.

Ainda em relação às características listadas por Thaler e Sunstein, esta é uma decisão em que não se recebe um pronto feedback, que tem efeitos postergados, e em que a relação entre escolha e experiência é ambígua. Estes três aspectos se aplicariam especialmente ao caso da aposentadoria por tempo de contribuição no Brasil por duas características peculiares do benefício no país já citadas: i) a inexistência da idade mínima, que gera aposentadorias em idades precoces (média de 55 anos para homens, 52 para as mulheres); e ii) a possibilidade de acúmulo das rendas do trabalho e da aposentadoria. Essas duas características fazem com que haja frequentemente um grande distanciamento da experiência de viver de fato como idoso e de receber como renda de fato apenas a aposentadoria em relação à realidade imediatamente posterior à escolha de pedir o benefício (ao redor dos 54 anos e talvez acumulando outras rendas).

No caso aqui analisado, nudges poderiam consistir na apresentação, para o segurado que deseja se aposentar por tempo de contribuição, de maneira clara e intelegível, de informações tais como12:

  • Valor estimado do benefício para cada ano adicional de contribuição além dos mínimos de 35/30;
  • Data estimada em que seria possível se aposentar com a fórmula 85/95 móvel;
  • Data estimada em que o valor do benefício calculado pelo fator previdenciário seria maior do que o calculado pela fórmula 85/95 móvel (fator previdenciário maior que 1);
  • Diferenças (“perdas”) entre o valor do benefício calculado naquela data e os valores referentes aos itens anteriores;
  • Alerta de que a aposentadoria é irrenunciável;
  • Alerta de que contribuições adicionais do aposentado que continua em atividade não aumentam o valor do benefício;
  • Dados sobre a satisfação de beneficiários que se aposentaram em condições semelhantes.

Estas informações poderiam melhorar a tomada de decisão do segurado de quando se aposentar diante da coexistência das duas fórmulas de cálculo, inclusive uma delas com regra de transição (a da 85/95). Note ainda que os últimos dois itens informariam sobre a impossibilidade de obter a desaposentadoria (pelo menos por via administrativa). Informações como essas poderiam melhorar o entendimento do segurado sobre o sistema, garantir que sua decisão sobre quando se aposentar seja sólida e contribuir para que sua escolha não resulte em um benefício que ele venha a considerar insatisfatório no futuro.

Conceitos da economia comportamental que se relacionam com a proposta acima incluem efeitos de enquadramento ou contexto; ancoragem; aversão à perda; disponibilidade; saliência; alertas; e influências sociais13.

Thaler e Sunstein (2008) advogam pelos nudges: “um bom sistema de arquitetura da escolha ajuda as pessoas a aprimorar suas capacidades de planejar e consequentemente de escolher opções que as farão ficar em situação melhor”. No mesmo sentido, as diretrizes do decreto assinado em 2015 pelo presidente Barack Obama sobre o uso da economia comportamental no governo americano recomendam que gestores encorajem ou facilitem que os cidadãos tomem ações específicas como poupar para a aposentadoria, e, ao fazê-lo, considerem como o timing, a frequência, a apresentação ou outros incentivos podem de modo mais efetivo e eficiente promover este tipo de ação.

 

Ressalvas

Cabe ressaltar, porém, que, conforme discutido anteriormente, a pertinência do nudge proposto será menor com o eventual advento de uma idade mínima para a aposentadoria por tempo de contribuição, já que é justamente a inexistência da idade mínima que cria um amplo espaço de possibilidades para a decisão relativa à ATC. A idade mínima foi publicamente defendida pela Presidenta Dilma Rousseff em 2016[14]. No entanto, a idade mínima por si não retira a importância de nudges nos moldes sugeridos, já que ela poderá vir com regras de transição, manter a possibilidade de aposentados continuarem trabalhando e manter as formas de cálculo do benefício (inclusive o fator previdenciário) – todos itens que complicam a decisão para o segurado, mesmo na presença de uma idade mínima.

Outra observação relevante é que este tipo de nudge correria o risco de ser mal interpretado pelo segurado, que pode ser levado a crer que tem algum direito adquirido em relação a valores futuros do benefício. As estimativas se baseariam em uma inserção contínua no mercado de trabalho formal, o que não é a realidade de parcela significativa dos segurados. Os valores de fato calculados no futuro dependerão do emprego e do salário do segurado no período, e podem ser inferiores ao inicialmente estimado. Assim, um desafio seria ressaltar o caráter de estimativa que as informações possuiriam, não vinculando o valor do benefício em nenhuma data. Este desafio não é trivial, já que um nudge deve ser simples e claro como os exemplos apresentados, e não denso como um contrato cheio de cláusulas: quanto maior a quantidade de observações e ressalvas apresentadas, menor será a sua eficácia.

 

Considerações finais

A popularidade dos nudges em governos de países desenvolvidos passou até a gerar preocupações sobre um possível excesso. George Loewenstein e Peter Ubel, alguns dos mais eminentes pesquisadores da área, alertaram no The New York Times que “a economia comportamental está sendo usada como um expediente político, permitindo aos formuladores de políticas públicas evitar soluções dolorosas, porém mais efetivas baseadas na economia tradicional15.

Richard Thaler, porém, considera que intervenções paliativas baseadas na economia comportamental podem ser válidas quando a resistência a remédios mais tradicionais for grande, citando o caso do jurista Cass Sunstein quando chefiou um importante órgão do governo americano: na impossibilidade política de criar um imposto sobre o petróleo, medidas amparadas na economia comportamental foram usadas para melhorar a eficiência energética de combustíveis16. Nesse sentido, cabe ressaltar que as graves questões conhecidas em relação à Previdência no Brasil certamente exigem medidas impopulares, aprovação de leis e de emendas à Constituição. Por mais meritórios e eficazes que possam ser, cabe ressaltar que nudges não têm potencial para mudar a dramática trajetória do país nesta questão.

 

Este texto é baseado no Texto para Discussão no 188 da Consultoria Legislativa do Senado Federal (“Errar é Humano: economia comportamental aplicada à aposentadoria”). Disponível em: http://www.senado.gov.br/estudos.

 

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______________

1Formalmente o “Prêmio de Ciências Econômicas em Memória de Alfred Nobel”.
2Definição da recém-lançada versão do Guia de economia comportamental e experimental em português (organização de Flávia Ávila e Ana Maria Bianchi). Disponível em:  http://www.economiacomportamental.org/guia-economia-comportamental.pdf.
3Immersive virtual reality.
4Sobre educação previdenciária e educação financeira como um todo ver, entre outros, Giambiagi (2014, 2015).
5O termo heuristic (heuristics) também é traduzido como heurístico (heurísticos), no masculino.
6Texto para Discussão nº 164, de 2014 (“Projetos de iniciativa parlamentar sobre Previdência Social: uma avaliação qualitativa de impacto fiscal”). Disponível em: http://www.senado.leg.br/estudos.
7São elas às MPs nºs 664, 665, 672 e 676. Ver Boletim Legisativo nº 33, de 2015 (“A visão das agências internacionais de classificação de risco sobre o Congresso Nacional”). Disponível em: http://www.senado.leg.br/estudos.
8Cabe ressaltar, porém, que o contingente de aposentadorias especiais, como o de professores, pode reduzir essa média, por serem exigidos menos anos de tempo de contribuição.
9É pertinente notar que, embora a Tábua de Mortalidade do IBGE que fornece a expectativa de sobrevida usada no cálculo do fator de fato seja atualizada anualmente, com o passar dos anos a própria idade do segurado, além de seu tempo de contribuição, aumentam, o que tende a tornar o cálculo do benefício mais favorável. Ainda, quanto maior a idade, menor tenderá a ser a expectativa de sobrevida de uma pessoa, melhorando ainda mais a conta do fator previdenciário. Por isso, via de regra, faria pouco sentido a lógica de que quem trabalhar mais terá uma aposentadoria menor.
10 Outras possibilidades mais de acordo com o conceito de racionalidade seriam a de pedir a aposentadoria esperando judicialmente conseguir um benefício maior no futuro, ou ainda esperando que o mercado de trabalho seja desproporcionalmente desfavorável a pessoas mais velhas. Ainda, o segurado que recebe ao redor de um salário mínimo pode considerar que pouco adianta contribuir mais se a aposentadoria será eventualmente maior de qualquer jeito com aumentos reais ao salário mínimo (que é também o piso da Previdência).
11 Processo nº 0009542-49.2010.403.6183 da Justiça Federal em São Paulo.  Íntegra da decisão disponível em: http://www.jfsp.jus.br/assets/Uploads/administrativo/NUCS/decisoes/2010/101202fatorprevidenciario.pdf
12O Projeto de Lei de Conversão no 4, de 2015, aprovado pelo Congresso Nacional, acatava a Emenda no 50, da  Senadora Lúcia Vânia, à Medida Provisória no 676, com conteúdo semelhante.  Tal dispositivo foi vetado pela Presidência, por impor ao INSS “a necessidade de significativa realocação de recursos humanos e materiais”.
13Ver Samson (2015).
14`Vamos encarar a reforma da Previdência`, afirma Dilma. Folha de São Paulo, 7 de janeiro de 2016. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/01/1726862-ajuste-e-prioridade-e-inflacao-ficara-dentro-da-meta-em-2016-afirma-dilma.shtml.
15 Economics behaving badly. The New York Times, 14 de julho de 2014. Disponível em: http://www.nytimes.com/2010/07/15/opinion/15loewenstein.html?_r=0
16 Behavioural economics and public policy. Financial Times, 14 de março de 2014.  http://www.ft.com/intl/cms/s/2/9d7d31a4-aea8-11e3-aaa6-00144feab7de.html.

 

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Um guia para o ajuste fiscal na economia brasileira: as 23 medidas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2742&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=um-guia-para-o-ajuste-fiscal-na-economia-brasileira-as-23-medidas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2742#comments Wed, 16 Mar 2016 12:37:45 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2742 1. Introdução

Apesar da constante negativa dos técnicos do governo, resta evidente que a situação fiscal da economia brasileira tem se deteriorado nos últimos anos. Tanto isso é verdade que, desde 2011, a equipe econômica do governo vem anunciando seguidos ajustes fiscais. Por exemplo, no início de 2011 o governo anunciou um ajuste da ordem de R$ 50 bilhões. Já em fevereiro de 2012 outro pacote fiscal foi anunciado, desse feita da ordem de R$ 55 bilhões.Em 2015 novo pacote de ajustes foi anunciado. A rigor nenhum desses ajustes foi levado a termo, contudo seu simples anúncio denota a preocupação das autoridades nacionais.

Em favor da estabilidade das contas públicas pode-se fazer referência aos seguidos superavits primários obtidos. Contudo, três observações se fazem necessárias nesse assunto: 1) boa parte do superávit tem sido obtida por meio de aumento na arrecadação de tributos, e não com a redução do gasto; 2) ocorreu uma verdadeira operação de maquiagem das contas públicas; e 3) mesmo se levando em consideração os itens 1 e 2, ainda assim o superavit primário tem se reduzido, tendo se convertido em déficit a partir de 2014. Isto é, a sustentabilidade fiscal da economia brasileira suscita dúvidas pertinentes

Do ponto de vista macroeconômico não restam dúvidas de que o lado fiscal desempenha papel importante no desenvolvimento econômico de longo prazo do país. Certamente existem agendas políticas e econômicas distintas. Contudo, é consenso geral de que o equilíbrio fiscal é uma meta de política econômica a ser perseguida. No momento em que escrevemos esse texto, nossa compreensão do cenário atual sugere a necessidade de um forte ajuste fiscal na economia Brasileira.

Este ensaio é apartidário, não se refere a nenhum candidato ou preferência ideológica específica. Aqui constatamos apenas que um forte ajuste fiscal terá que ser levado a cabo nos próximos anos. Este texto é então um guia prático para a realizaçào de tal ajuste. Além dessa introdução, na Seção 2 apresentamos um panorama geral do ajuste fiscal necessário para colocar a economia brasileira numa trajetória sustentável. A Seção 3 traz mais detalhes sobre cada proposta elaborada na seção anterior.A Seção 4 conclui este ensaio.

 

2. Panorama Geral do Ajuste Fiscal

O orçamento federal para o ano de 2012 era de R$ 866 bilhões, com o “corte” anunciado de R$ 55 bilhões ele se reduziu para R$ 811 bilhões. Contudo, dependendo de considerações técnicas, o governo federal teve uma despesa primária no ano de 2011 entre R$ 724 e R$ 757 bilhões. Isto é, o Brasil passou a ser o primeiro país no mundo que anunciou um ajuste fiscal que aumentavaem mais de 50 bilhões de reais (ao invés de diminuir) o gasto público.Mesmo em termos reais, o anunciado ajuste fiscal implicava aumento de despesas! No ano de 2015 não tem sido diferente, o governo anuncia cortes em relação ao orçamento, mas tem pouca capacidade de cortar os gastos em relação ao executado no ano anterior. No Brasil, ajuste fiscal deve ser feito por cortes de gastos em relação ao ano anterior, e não por anúncio de cortes orçamentários (que tal como no exemplo acima, podem implicar aumento de gastos).

Quando se conhece a estrutura do gasto público no Brasil, o primeiro detalhe que chama a atenção é a impossibilidade de se fazer grandes cortes de gastos num único ano. Assim, qualquer pacote fiscal deve ter em mente um horizonte mínimo de 3 a 4 anos. Grandes ajustes dependem de consistentes alterações ao longo dos anos. Essa é a única maneira de se produzir um ajuste fiscal sério no país. Junto com a redução do gasto público deve ser realizada uma reforma que reduza a carga tributária no Brasil.

Quem conhece contas públicas sabe que só existem 5 maneiras de se realizar grandes cortes orçamentários num único ano: 1) cortar investimentos; 2) cortar gastos sociais e transferências; 3) congelar o salário mínimo; 4) aumentar impostos; e 5) inflação. Estou desconsiderando a possibilidade de aumentar os restos a pagar, pois isso apenas transfere a dívida de um ano para outro – ainda assim, o Governo Dilma utilizou reiteradamente este instrumento.

Abaixo estão especificadas as medidas necessárias para a promoção de um ajuste fiscal duradouro na economia Brasileira. Frisamos novamente que a estrutura do gasto público impede sua redução se não forem feitas reformas importantes. De pouco adiantam medidas pontuais aqui. É fundamental que tanto a sociedade quanto a classe política compreendam que sem esse ajuste a situação de longo prazo de nossa economia tende a patamares inviáveis. Muitas vezes ouvimos a grande mídia repercutir sobre os ajustes fiscais ocorridos em alguns paises europeu, tais como na Grécia, como se os mesmos fossem uma questão de escolha política. Não, tais ajustes não foram questão de escolha, foram a consequência inevitável do colapso fiscal de determinados países.

No ritmo em que caminha a situação fiscal brasileira, em breve seremos obrigados a fazer ajustes dolorosos, independente de vontade ou negociação política. Sendo assim, sugerimos que devemos realizar tais ajustes antes do colapso fiscal, isto é, devemos realizar esses ajustes enquanto ainda existem margens de manobra e espaço para negociação política.

 

3. O Ajuste Fiscal Proposto

Dividimos essa seção em duas partes: a) redução do tamanho do Estado na economia pelo lado da despesa; e b) redução do tamanho do Estado na economia pelo lado da receita.

 

A. REDUÇÃO DO TAMANHO DO ESTADO NA ECONOMIA: LADO DA DESPESA

Medida 1: Tesouro – BNDES.

A mais fácil medida a ser tomada para o ajuste fiscal é o fim imediato das operações entre Tesouro Nacional e BNDES. Tais operações geram pesados ônus ao erário, e ao mesmo tempo fragilizam a situação fiscal do país.

De acordo com relatório do TCU,em 2011, o valor dos subsídios decorrentes das operações Tesouro-BNDES foram de R$ 19,2 bilhões (mais R$ 3,6 bilhões de custo orçamentário). Dados da Secretaria do Tesouro Nacional indicam que tais subsídios foram de R$ 7,6 bilhões em 2010, e R$ 1,4 bilhão em 2009. Observem a velocidade da evolução desses custos. Em 2014, após a aprovação da MP 633, o BNDES (e a FINEP) tiveram autorização para emprestar mais R$ 50 bilhões de reais a juros subsidiados. O custo para o contribuinte, apenas em relação a equalização de juros da expansão de R$ 50 bilhões, será de R$ 12,3 bilhões. No ano de 2015 outros R$ 30 bilhões foram transferidos do Tesouro para o BNDES. Tais transferências precisam parar imediatamente.

 

Medida 2: Substituir Investimento Público por Parcerias ou Concessões

Reduzir os gastos com investimento público. Essa é a maneira mais efetiva de se diminuir gastos no curto prazo. Em compensação o estímulo a parcerias público-privadas, ou a concessão a entes privados, pode ser uma política muito mais efetiva para melhorar a infra-estrutura do país.

Sem incluir empresas estatais, o investimento do governo central, estados e municípios é de aproximadamente de 2,3% do PIB.

 

Medida 3: Acabar com a regra atual de reajuste do salário mínimo.

Tal regra implica umpesado ônus para as contas públicas. Além disso, os efeitos deletérios dessa política sobre o mercado de trabalho podem parecer pequenos quando a economia está aquecida e a taxa de desemprego está baixa. Contudo, numa situação de retração econômica e de desemprego alto, esta regra de reajuste tem potencial para aumentar a taxa de desemprego entre os trabalhadores menos qualificados.

Congelar o salário mínimo ajuda muito nas contas da previdência e nas contas de alguns estados e municípios. Cada 1 real de aumento no salário mínimo pode impactar nas contas públicas em algo em torno de 350 milhões de reais/ano.

 

Medida 4: Minimizar os custos decorrentes da Copa do Mundo de 2014.

A escolha de sediar a Copa do Mundo foi um equívoco. Os recursos destinados à construção de estádios poderiam ter sido melhor utilizados numa série outra de programas. Dado que essa alternativa não é mais viável, faz-se necessário uma política pública que minimize os custos de manutenção com estádios. Nesse sentido, propomos duas frentes: a) recuperar o investimento público que foi feito por meio de empréstimos para a construção de estádios; e b) repassar a administração dos estádios a iniciativa privada.

 

Medida 5: Minimizar os custos decorrentes de sediar as Olimpíadas de 2016.

As mesmas ressalvas do item anterior se aplicam aqui. Afinal, num país sem esgoto e sem água encanada, isso não pode ser prioridade de políticas públicas.

 

Medida 6: Projeto de Lei que aumente a idade mínima para aposentadoria para 67 anos.

Não apenas a idade mínima de aposentadoria por idade deve ser aumentada, com uma regra de transição, como a aposentadoria por tempo de serviço deve ser extinta (novamente com regra de transição). Além disso, tanto homens como mulheres devem se aposentar com a mesma idade. Não se deve tentar corrigir problemas do mercado de trabalho (como a discriminação e a jornada dupla da mulher) no sistema de previdência. ESSA MEDIDA É FUNDAMENTAL PARA O EQUILÍBRIO DE LONGO PRAZO DAS CONTAS PÚBLICAS.

 

Medida 7: FIM da aposentadoria por tempo de serviço.

É simplesmente insustentável permitir que um trabalhador saudável se aposente aos 50 anos de idade.

 

Medida 8: Não elevação dos gastos com o bolsa família e implementação de uma regra compulsória de saída.

O problema do bolsa família não está na falta de recursos e nem em sua abrangência (com quase 14 milhões de famílias atendidas e orçamento para o ano de 2015 de R$ 27,7 bilhões). O problema do bolsa família está na ausência de uma regra de saída. Além disso, existem limites para o tamanho da população que pode ser mantida dentro desse sistema. Hoje aproximadamente 1 em cada 4 brasileiros depende do bolsa família. Não parece ser necessário aumentar ainda mais essa proporção.

 

Medida 9: Pente fino na necessidade de se realizar novos concursos públicos

Em anos de ajuste fiscal, a contratação de novos servidores deve ser vista com cautela. O que for possível postergar deve ser postergado.

 

Medida 10:Congelar o Salário dos Servidores Públicos.

Cada caso deve ser analisado separadamente. A regra de ouro aqui é, gradativamente, diminuir parte da excessiva atratividade do setor público. Salários altos, e risco, são características do setor privado. Quem quer ir para o setor público terá menos risco, mas ao custo de um salário menor. Sugestão pontual: congelar o salário dos servidores em 2016 (economia estimada de R$ 15 bilhões).

 

Medida 11: Forte redução com gastos de publicidade.

Deve-se incluir nessa redução não somente o gasto em publicidade do governo federal, mas também o gasto das empresas estatais e dos bancos públicos em propaganda.

 

Medida 12: Proibição do Banco do Brasil e da CEF de comprarem participação em bancos privados.

Tais operações costumam ser onerosas e cheias de risco. Se isso não for legalmente possível, então é melhor vendê-los.

 

Medida 13: Forte redução na quantidade de Ministérios.

Não faz o menor sentido uma estrutura federal composta de 39 ministérios. Tal número deve ser reduzido com a imediata redução do número de funcionários comissionados não concursados presentes nos mesmos. Reduzir o número de ministérios para 20, cortando em torno de 3000 cargos comissionados, e redução de estruturas físicas, tem o potencial de gerar uma economia entre R$ 500 milhões e R$ 1 bilhão (dependendo de quais estruturase de quais cargos seriam cortados).

 

Medida 14: Imediata auditoria nos repasses para todas as ONG´s

Escândalos recentes mostram como é importante, do ponto de vista de moralidade do gasto público, verificar com rigor o repasse de entes governamentais a Organizações Não-Governamentais, abrindo inclusive processo judicial quando se fizer o caso. Inclui-se aqui também o fim do repasse para qualquer ONG ligada a movimentos ilegais (tais como as ligadas ao MST).

 

Medida 15: Revisão das Concessões de Indenização aos grupos denominados “Perseguidos Políticos”

Já se aproxima da casa de R$ 1 bilhão de reais por ano o valor de benefícios concedidos aos anistiados políticos. É fundamental rever o valor das indenizações que esse grupo recebeu nos últimos anos, inclusive com ações judiciais para recuperar somas indevidamente pagas. Adicionalmente, devem ser suspensos novas concessões de indenização a pessoas que dizem ter sido perseguidas pelo regime militar até que sejam esclarecidas as dúvidas aqui levantadas (sobre a utilização desse fundo para beneficiar grupos que nada ou pouco perderam em decorrência da perseguição sofrida durante o regime militar). Caberia, ainda, cassar as indenizações de quem for condenado em crimes contra o erário.

 

Medida 16: Regra para o “Restos a pagar”

Em grande parte das ocasiões, “restos a pagar” é uma maneira de o governo enganar a opinião pública (dizendo que economizou um dinheiro que na verdade gastou). É fundamental para a transparência das contas públicas a aprovação de uma lei que regule “restos a pagar”, impondo limites ao montante de despesa que pode ser postergado para outros exercícios..

 

Medida 17: Redução nas despesas com saúde

De acordo com dados preliminares é possível reduzir os gastos federais com saúde numa magnitude ao redor de 3 bilhões.

 

Medida 18: Redução dos gastos federais em educação

De acordo com dados preliminares é possível reduzir os gastos federais com educação numa magnitude ao redor de 3 bilhões.

 

Medida 19: Abandonar, pelos próximos 4 anos, os grandes projetos tais como o programa Minha Casa Minha Vida ou o PAC

Tais programas são dispendiosos, e antes de se aventurar neles é fundamental sanar as contas públicas do país. O governo deve finalizar imediatamente tais programas, passando imediatamente àiniciativa privada a responsabilidade por tais obras. Na ausência de interesse do setor privado recomenda-se a extinção de TODOS esses grandes projetos quando tal alternativa se faça possível.

 

B. REDUÇÃO DO TAMANHO DO ESTADO NA ECONOMIA: LADO DA RECEITA

Medida 20: Suspensão de vários dos incentivos tributários concedidos nos últimos anos

Não há espaço orçamentário para muitas concessões. Entre os incentivos tributários concedidos ao longo dos últimos anos, a mais famosa foi a desoneração sobre a folha de pagamentos, mas um amplo conjunto adicional de medidas foi implementado para levar benefícios fiscais a setores específicos da economia. Tais incentivos devem ser revogados. Apenas em 2014 essa conta chegou a R$ 88 bilhões. Pelo menos 1/3 desses benefícios deve ser revisto, gerando uma economia aproximada de R$ 30 bilhões.

 

Medida 21: Fim da Isenção de IR para LCI e LCA

Igualar as regras de Imposto de Renda que já incide sobre os CDB’s nas Letras de Crédito Imobiliário (LCI) e nas Letras de Crédito do Agronegócio (LCA). Receita estimada R$ 5 bilhões.

 

Medida 22: Grande processo de privatização de empresas públicas

Captar ao menos R$ 50 bilhões com a venda de ativos públicos (empresas públicas e participações acionárias em empresas privadas).

 

Medida 23: Ampla revisão da legislação ambiental

Essa legislação é um embaraço constante a realização de investimentos privados. Além disso, tal legislação trava também as parecerias público-privadas, e os próprios investimentos públicos.

 

4. Considerações Finais

Ajuste fiscal é isso. Ajuste fiscal corta gastos e corta projetos que talvez sejam importantes, mas que não são urgentes. As medidas anunciadas aqui são certamente impopulares, mas são necessárias para colocar o Brasil novamente numa trajetória fiscal sustentável.

Adicionalmente, faço um alerta: existe uma maneira política mais fácil de se fazer o ajuste fiscal. O nome da saída fácil é inflação. Na presença de taxas de inflação elevadas, os gastos do governo sofrem considerável redução (principalmente a folha de salários, que corresponde a aproximadamente 4,5% do PIB). Além disso, não devemos esquecer que o imposto inflacionário também é uma fonte extra de receita para o governo. Sendo assim, e como o governo é capaz de indexar seus tributos, altas taxas de inflação melhoram as contas públicas. Espero que tenhamos a sabedoria de não incorrer nesse caminho fácil. Querer melhorar as contas públicas por meio de inflação é o mesmo que decepar a mão para se livrar da unha encravada. De maneira alguma devemos recorrer ao expediente inflacionário para sanar nossos problemas fiscais.Infelizmente o governo já está indo nessa direção.

Por fim, deve-se ressaltar que as contas fiscais dos estados e municípios também estão em situação precária, com vários dos entes federativos a beira do colapso fiscal. Em vez de realizar um trabalho sério, e doloroso, de ajuste fiscal, o governo prefere ajustes fiscais fictícios que se baseiam em aumento da arrecadação, truques contábeis, e ganhos com o processo inflacionário. Esse não é o caminho para estabilizar as contas públicas brasileiras no longo prazo.

 

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