Reforma – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 05 Feb 2018 14:17:10 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Contos da Reforma Trabalhista https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3157&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=contos-da-reforma-trabalhista Mon, 05 Feb 2018 14:17:10 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3157 Miranda queria comemorar a causa que ganhou: ele aproveitou a sexta-feira e chamou os colegas do escritório para um bar badalado. A noite não foi tão divertida: reclamou com o dono do estabelecimento, Emanuel, que o atendimento do grupo foi ruim e não conseguiam fazer seus pedidos porque faltavam garçons.

João acaba de sair do ensino médio em uma escola pública, sem boas perspectivas. Quer ingressar em uma faculdade, mas não tem dinheiro para pagar uma particular ou o cursinho para passar no Enem. Sem experiência, não consegue um emprego. Na verdade, gostaria de pelo menos um bico, que o ajudasse a pagar as despesas e que também permitisse que tivesse tempo para os estudos.

Emanuel gostaria de contratar mais garçons para o fim de semana, para atender clientes como o advogado Miranda. Porém, a lei o impede: se contratar, tem que ser pra semana toda, dinheiro que ele não tem. Pensou então em contratar garçons informalmente apenas para as sextas e sábados. Desistiu porque da última vez que tentou recebeu uma condenação da Justiça que pesou em suas despesas.

Consumidores tais quais Miranda continuarão mal atendidos, Emanuel continuará sem funcionários para parte da semana e João continuará sem trabalho. Como João, um a cada quatro jovens procurando não têm empregos. A taxa de desemprego entre eles é mais do que o dobro da média nacional.

*

Renato está feliz: concluiu um ano no emprego com carteira assinada em uma pequena empresa e tem recebido elogios de clientes e patrões. O trabalho finalmente deu a segurança que faltava para sustentar sua filha pequena sem contar só com o Bolsa Família, e as perspectivas no emprego são boas.

Sua chefe Dora reconhece seu esforço e as metas que bate na firma, e pensou em promove-lo para a função de Mauricio – um empregado mais antigo que está desmotivado no posto. Entretanto, como Mauricio tem 10 anos na função não pode mais perde-la. Não existe lei com esta obrigação, mas a determinação de um tribunal superior. A pequena empresa não consegue pagar duas pessoas para o trabalho de uma, e, portanto, Renato não receberá a gratificação.

Dora pensou então em dar um adicional a Renato pela boa avaliação que recebe dos clientes. Porém, da última vez que tentou fazer isso recebeu uma condenação da Justiça. Como Renato ocupa formalmente o mesmo cargo que outros funcionários, Dora poderá ser processada pelos colegas de Renato, ou funcionários da outra filial, ou funcionários que a empresa eventualmente contratar no futuro.

Renato não receberá o aumento. Com o tempo, ficará desmotivado como Mauricio. Dora não vai ouvir mais elogios das famílias que usam o estabelecimento.

*

Cristina finalmente terminou o curso de técnica em enfermagem. Foi em boa hora: se casou há pouco tempo e agora quer ter filhos. Cristina tentará uma vaga em um hospital.  Ela disputará a vaga com um colega do mesmo curso, com o mesmo nível de experiência e qualificação.

Luiz, responsável pelo RH do hospital, nota a aliança no dedo e a juventude de Cristina. Luiz sabe que se Cristina engravidar o hospital deverá pagar o afastamento dela durante a gestação e simultaneamente arcar com outra pessoa em seu lugar. A exigência existe há pouco tempo para gestantes em locais com qualquer nível de insalubridade. Luiz também sabe que Cristina tem restrições legais a fazer horas-extras.

Esses impeditivos não existem para o colega do curso de Cristina, que é homem. Ele levará a vaga.

No Brasil, o desemprego entre mulheres é quase 30% maior que dos homens. O grupo mais afetado pelo desemprego é o de mulheres jovens, como Cristina.

*

José está animado. Depois de anos trabalhando no setor de construção, virou um reconhecido especialista em terraplenagem em Fortaleza. Limpeza de terreno, locação topográfica, escavação, corte, aterro, compactação, fundação. Nada escapa a perícia de José, que consegue fazer o serviço de modo mais eficiente, poupando custos para a construtora e reduzindo o tempo de entrega das obras para os consumidores.

Por isso, José se demitiu para criar um pequeno negócio especializado na tarefa. Quer que sua firma de terraplenagem preste serviços para várias construtoras cearenses. Confiante, José investiu em equipamentos e contratou o primo e o cunhado para ajudá-lo.

José confia no seu taco: acha que contratar seu serviço será mais vantajoso para as empresas do que manter pessoal pouco especializado ou um quadro fixo que só trabalha algumas vezes durante o ano.

Nenhuma construtora contratará o serviço de José. Ele vai falir e seu negócio jamais existirá. José, o primo e o cunhado entrarão para a fila de desempregados no Nordeste, onde a taxa de desemprego é quase o dobro da do Sul e mais de 20% acima da média nacional.

As construtoras temem ser processadas. Dr. César é um dos juízes que proibiu construtoras de terceirizar este serviço. Ele entende que, embora eventual, o serviço faz parte da “atividade-fim” dessas empresas, não de sua “atividade-meio”. Embora não exista lei com esta proibição ou distinção, existe uma determinação de um tribunal superior, que Dr. César acatou.

O gabinete de César tem muitos processos. Para ajudá-lo, ele conta com o auxílio de assessoras como Kátia. Compete a Kátia fazer a pesquisa de jurisprudência, aplica-la ao caso concreto e redigir os votos que César assinará.

Seu trabalho, com o de outros assessores, é supervisionado por César, que assim pode dedicar seu tempo e energia a outras atividades que considera mais importantes para o trabalho eficiente do gabinete.

A decisão escrita por Kátia e assinada por Dr. César diz que as construtoras não podem contratar com terceiros atividades que lhe são inerentes, que há subordinação estrutural entre as partes e ordena então que desembolsem uma determinada quantia para equiparar os terceirizados.

*

Miranda está irritado. Com o escritório de vento em popa, ele está sem internet no celular logo no meio da semana. Ligou para o call-center da empresa de telefonia, que atende Miranda com lentidão e não consegue resolver o seu problema.

O call-center é de responsabilidade de Helena. Engenheira, ela era na verdade uma promissora profissional da área de mercado digital e inovação. Porém, a empresa optou por transferi-la da área onde pesquisava novos aplicativos e big data para que montasse uma estrutura para atender os clientes por telefone. Uma decisão judicial obrigou a empresa a ter seu próprio call-center.

Com a ajuda de Kátia, Dr. César foi o responsável pela decisão. Nenhuma lei obriga empresas telefônicas a terem seu próprio call-center, mas César entende que a atividade-fim de uma telefônica inclui falar ao telefone, ao contrário de outras firmas, que podem terceirizar a tarefa.

Sem poder contratar empresas especializadas para fazer o serviço, coube a Helena gerenciar o novo setor sem profissionais com know-how para auxiliá-la. Os novos aplicativos disponibilizados aos consumidores pela equipe especializada do antigo setor de Helena vão ter que esperar, e o atendimento da companhia por telefone demorará para ter a mesma eficiência.

Miranda não vai ser atendido hoje – como outros milhares de consumidores que perderão tempo de trabalho e convívio familiar com a inoperância do novo call-center.

*

A reforma trabalhista entra em vigor em novembro. Se ela já valesse, João poderia ser contratado formalmente por Emanuel, o dono bar; Renato poderia pegar a função de Mauricio ou receber o adicional por produtividade; Cristina talvez fosse contratada pelo hospital em vez de seu colega homem; José poderia abrir sua empresa de terraplenagem; Helena poderia se dedicar a produzir para a sociedade aquilo que ela faz melhor; e Miranda seria um consumidor mais satisfeito.

Nem todos ganham com a reforma. Mauricio terá que competir com trabalhadores mais jovens. Miranda teria menos para comemorar no bar porque ações trabalhistas não poderão ser disparadas a esmo, a Justiça do Trabalho terá menor poder para legislar, e a nova lei impede algumas criações judiciais – como a “equiparação em relação ao paradigma remoto” que impede o aumento de Renato. (Advogados e o Judiciário trabalhista continuarão a ter um papel essencial no combate a ilegalidades, como a de Emanuel – aliás, a multa para empregar trabalhadores informais subiu 7 vezes.)

Os personagens representam uma parcela da população que é difusa e desorganizada, invisível neste debate. Essa massa contrasta com a organização e articulação de grupos como os que representam os trabalhadores já inseridos no mercado de trabalho formal (sindicatos) e os que representam o status quo da estrutura judicial.

Rara exceção neste debate foi a campanha dos trabalhadores da Guararapes contra o Ministério Público do Trabalho – evidentemente apoiada pela empresa e por um movimento político – mas que serviu para mostrar o rosto de uma massa prejudicada pela regulação atual do trabalho no Brasil e que é tipicamente invisível.

Um mercado de trabalho que funcione bem é vital para redução da pobreza e das desigualdades. A reforma trabalhista não é bala de prata para solucionar todos os seus problemas, mas permite a inclusão de excluídos com novas formas de contratação; dá segurança jurídica para a criação de empregos formais; e estimula o crescimento da produtividade (renda). Mesmo no bom momento do mercado de trabalho na primeira metade da década, a produtividade permaneceu estagnada e a informalidade muito alta, enquanto a baixa taxa média de desemprego escondia os indicadores piores para jovens, mulheres, negros e estratos mais pobres da população.

É fato conhecido que a pobreza no Brasil se concentra desproporcionalmente nas crianças e jovens, que moram em famílias com inserção precária no mercado de trabalho e sem pessoas mais velhas (que comumente recebem benefícios da Seguridade Social). Entre os 20% mais pobres da população, o desemprego é 7 vezes maior do que entre os mais ricos, e a informalidade cerca de 4 vezes maior. São estas as famílias que mais tem a ganhar. Estimativas iniciais sugerem entre 1,5 e 2,3 milhões de novas vagas apenas por conta da reforma.

É evidente que a reforma também beneficia os empregadores, afinal o empresariado apoiou a proposta. Não é por benevolência deles que os empregos formais ou a renda aumentarão. Toda contratação faz parte da busca por lucro pelo empresário. Cabe à legislação estabelecer regras do jogo para que, em sua procura pelo lucro, os patrões também maximizem os níveis de emprego e salários – e não que os prejudiquem. Afinal, a escolha da sociedade brasileira em sua Constituição foi por uma economia de mercado, e a regulação do trabalho deve ser ciente disso.

Além dos casos dos personagens do artigo, a reforma ataca muitas outras situações em que a CLT ou o Judiciário estabelecem condições que à primeira vista parecem favoráveis ao trabalhador, mas acabam não o sendo porque ignoram a premissa de um empregador que se comporta racionalmente e objetiva o lucro. O comportamento do empregador não deve ser idealizado.

Por exemplo, decisões bem-intencionadas de juízes para que o tempo no transporte oferecido voluntariamente pelo empregador aos empregados seja contado como horas-extras provocam a reação defensiva do empresário que, para preservar o lucro, desiste de fornecer o transporte. A situação do trabalhador piora: perderá mais tempo e dinheiro na rede de transporte pública, normalmente pior.

Autorização médica

Para o Prêmio Nobel indiano Amartya Sen, autor de Desenvolvimento como Liberdade, a pobreza é a privação de oportunidade. A reforma precisa ser melhor compreendida para vencer os esforços contrarreformistas de algumas entidades sindicais, da advocacia trabalhista e de parte do Judiciário/MP. No mesmo sentido do caso Guararapes, as pequenas fábulas aqui contadas precisam chamar atenção para um imperativo: a necessidade de defender os mais pobres de seus defensores.

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 20 de outubro de 2017.

 

Download

  • Veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
Reforma trabalhista rumo ao ‘planalto’ https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3148&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=reforma-trabalhista-rumo-ao-planalto Mon, 29 Jan 2018 13:59:27 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3148 Rússia, Moçambique, Ucrânia, Comores, Venezuela, Panamá, Angola e Bielorrússia são alguns do grupo de apenas 12 países com legislação trabalhista mais rígida que a brasileira. Entre 144 nações, o Brasil ocuparia a 132ª posição em ranking de flexibilidade da legislação, segundo índice criado em anos recentes por pesquisadores do Institute of Labor Economics (IZA)1.

O indicador compara o tratamento das diferentes legislações para temas como a possibilidade de modalidades alternativas de contrato (como o trabalho intermitente); custos de contratação; custos e procedimentos de demissão; e jornada anual (que considera férias e feriados).  É pacífica na literatura a noção de que indicadores como este, em vez de serem usados para identificar causalidade entre a legislação e o crescimento econômico ou a taxa de desemprego de um país, são mais úteis quando analisados conjuntamente com medidas sobre o mercado de trabalho.  Se o índice aponta uma legislação trabalhista rígida, mas para um país que dispõe de bons dados para emprego, formalização e produtividade, não haveria problema.

Não é o caso do Brasil. O novo conjunto de indicadores divulgados pelo IBGE a partir de setembro de 2016 revela que cerca metade da força de trabalho não está abrangida pela legislação trabalhista. São os milhões de desempregados, informais e os integrantes da “força de trabalho potencial”, isto é, os desalentados que não apareciam nas estatísticas de desemprego porque já desistiram de procurar uma ocupação, embora quisessem uma. Nos Estados Unidos ele compõem uma taxa chamada de “taxa de desemprego real”.

Essas medidas ruins se somam aos indicadores de produtividade, estagnados há décadas, e ao índice de rigidez da legislação trabalhista para manifestar a necessidade de reforma nas leis do trabalho.

O Banco Mundial aponta os desafios de desenhar uma legislação trabalhista em países emergentes. Uma bem-intencionada legislação trabalhista, generosa, mas alienada, pode prejudicar exatamente os trabalhadores que tenta proteger, ao impedir a criação de vagas formais e o crescimento da produtividade (e da renda). Por outro lado, uma legislação exageradamente flexível pode levar à desproteção do trabalhador.

Esses dois extremos de regulação excessiva ou insuficiente são chamados de abismos. Não se sugere uma legislação “ideal”, ou a existência de um pico único para a performance do mercado de trabalho, mas sim a presença de múltiplos picos. Entre os abismos, há um planalto de possibilidades para esta legislação, que não levem o mercado de trabalho ao abismo do desemprego e da pobreza, nem ao abismo da precarização. Neste espaço, a regulação adereça as falhas de mercado sem prejudicar a eficiência. É neste planalto que o legislador quer chegar.

Figura 1 – Planalto e abismos da legislação trabalhista

Fonte: Betcherman (2014). Disponível em: https://wol.iza.org/uploads/articles/57/pdfs/designing-labor-market-regulations-in-developing-countries.pdf

 

Os dados sugerem que a regulação do mercado de trabalho no Brasil, pela CLT e pela jurisprudência trabalhista, nos coloca hoje em um desses abismos. Queremos subir ao planalto, mas sem correr o risco de cair no outro abismo2.

Este é o desafio da reforma trabalhista. A possibilidade que o negociado tenha a força do legislado contribui para que tenhamos contratos mais eficientes, com novas condições mutuamente benéficas para empregadores e empregados. É preciso, no entanto, ter a sensibilidade para reconhecer a desigualdade de poder negocial que pode existir nessa relação. A reforma impõe uma série de requisitos para as negociações coletivas, mas cortou subitamente a principal fonte de financiamento dos sindicatos (a impolular contribuição obrigatória).

Na teoria, se essa desigualdade leva uma das partes (o empregador) a conseguir termos mais favoráveis do que a outra, a liberdade contratual deixa de ser real e o resultado é uma falha de mercado, dando ensejo à proteção do arcabouço jurídico. Para que uma transação seja de fato mercado, é essencial a autonomia para veto em uma negociação.

Por sua vez, a incompreendida terceirização pode melhor entendida como um mecanismo para que a informação flua melhor no mercado de trabalho. Em A Reinvenção do Bazar: Uma história dos mercados, o falecido economista de Stanford John McMillan ensina que este mecanismo é um dos requisitos para o bom funcionamento de qualquer mercado, sob pena de reduzir quantidade e valor de transações.

No mercado de trabalho, isso significa desemprego e salários menores. A terceirização minimiza os custos de transação, entre eles o custo de busca. O desafio aqui para a regulação deste mecanismo é fazê-lo ser veículo de redução justamente desses custos, e não de custos com encargos trabalhistas (sonegação). O Judiciário aqui terá um papel fundamental: contrariamente ao que é divulgado, a reforma não liberou a terceirização “irrestrita”, mas sim a terceirização da atividade-fim: fraudes continuam sendo proibidas.

Há um mito no debate sobre a legislação e a Justiça trabalhistas no Brasil: o de que beneficiam e protegem demais o trabalhador. A pergunta é qual trabalhador. Se contribuem para nos levar ao abismo do desemprego, da informalidade e da renda baixa, não podem ser consideradas benéficas ao conjunto de trabalhadores. Cabe à reforma trabalhista mudar essa situação sem levar nosso mercado de trabalho ao abismo da precarização, mas sim ir rumo ao planalto.

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 26 de abril de 2017 sob o título “Para a reforma trabalhista ir do abismo para o planalto”.

 

________________

1 Pelo Instituto Frasier, estaríamos em 144 de 159 países.

2 Note que este arcabouço também contempla a própria oposição à reforma. Para opositores, a legislação já estaria no planalto, mas a reforma nos levaria ao outro abismo. Um importante argumento divulgado é o de que o Brasil teria tido pleno emprego no início dos anos 2010 com legislação anterior. Cabe frisar que neste período convivemos com altos níveis de informalidade e produtividade estagnada, bem como que a taxa global esconde o alto nível de desemprego entre mulheres, jovens, negros e pobres. No melhor dos casos, tivemos um “pleno emprego do homem branco”. Ademais, o argumento, mesmo que aceito, não implica negar que as taxas poderiam ser ainda melhores sob outra legislação. Por fim, o argumento é valido ao apontar que o nível de emprego depende de outros fatores, como a atividade econômica e políticas de emprego ativas.

 

Download

  • Veja este artigo também em versão pdf (clique aqui).
]]>
Por que instituir a previdência complementar do servidor público? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=236&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-instituir-a-previdencia-complementar-do-servidor-publico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=236#comments Fri, 25 Feb 2011 02:10:10 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=236 As duas reformas da previdência brasileira, feitas em 1998 e em 2003, embora tenham repercutido basicamente no regime de previdência do servidor público, ainda estão inacabadas. Isso porque uma das principais alterações aprovadas ainda não foi regulamentada em nenhum dos entes federativos: o estabelecimento da previdência complementar do setor público.

Os sistemas previdenciários podem operar, basicamente, na forma de dois regimes: capitalização e repartição. No regime de capitalização, os benefícios de cada indivíduo são custeados pela capitalização prévia das contribuições feitas ao longo da vida ativa. No regime de repartição, os trabalhadores ativos financiam as aposentadorias e pensões em curso, esperando que, no futuro, seus benefícios previdenciários sejam custeados por outros

A previdência complementar, onde vige o regime de capitalização, complementa a previdência básica regida pela repartição (sistema vigente no INSS e no serviço público federal), subdividindo-se em previdência complementar fechada (acessível apenas aos empregados de patrocinadoras ou associados de sindicatos, associações, etc) e aberta (acessível a qualquer pessoa física). No primeiro caso, ao contrário do segundo, há a participação financeira do empregador, quando este existe.

A previdência complementar do setor público será, assim, regida pela capitalização, complementará o regime básico, que continuará a existir, e contará com a participação financeira do ente federado, que, de acordo com o art. 202 da Constituição, não poderá superar a do segurado.

De acordo com o art. 40, §§ 14, 15 e 16 da Constituição Federal, , o ente federado (União, estado ou município), desde que institua regime de previdência complementar, poderá fixar, para as aposentadorias e pensões de seus servidores, o mesmo teto vigente no INSS, que hoje corresponde a cerca de 6,8 salários mínimos. Ou seja, não será necessário para esses governos pagar aposentadorias em valores equivalentes ao salário da ativa. Para receber maior renda de aposentadoria, os servidores terão a opção de adesão à previdência complementar.

A nova regra, todavia, só se aplicará compulsoriamente aos servidores que entrarem no serviço público após a implantação do respectivo plano de previdência complementar (para os demais, a adesão será facultativa).

Ademais, considerando que os planos de benefício da previdência complementar do servidor público deverão se restringir à modalidade de contribuição definida, na qual os benefícios futuros dependem da capitalização de contribuições, o novo regime de previdência do servidor deverá ter a seguinte configuração: a) até o teto do INSS, continuará a viger o sistema de benefício definido, em que o valor do benefício é garantido pelo ente federativo; b) para o valor que exceder o teto, caberá ao servidor a assunção dos riscos.

Contudo, por falta de legislação regulamentando a matéria, nada disso ocorreu até o momento.

O grande problema da postergação na efetivação do novo modelo é que, embora as reformas previdenciárias empreendidas tenham conseguido controlar a tendência explosiva dos gastos, o déficit do regime ainda é e continuará sendo elevado, já que ainda não se conseguiu reduzir efetivamente a pressão fiscal advinda dos encargos previdenciários.

As despesas com o regime próprio dos servidores se encontram estabilizadas em relação ao PIB. Na União, têm oscilado em torno de 2% do PIB, com tendência decrescente no longo prazo, conforme mais e mais servidores passem a receber benefícios previdenciários de acordo com as regras estabelecidas nas reformas da previdência empreendidas.

Ademais, mesmo considerando que os servidores públicos em atividade ficaram sujeitos a regras de transição, já se observa que a idade média de aposentadoria subiu (de 58 para 62 anos, no caso dos homens, e de 54 para 58 anos, no das mulheres), bem como aumentou o tempo de permanência no serviço público, tendências que seguirão seu curso ascendente até que as regras de transição se esgotem.

Não obstante, as despesas e o déficit do regime previdenciário dos servidores continuam sobremaneira elevados. Em 2009, enquanto as despesas do INSS, que abrange 23,2 milhões de beneficiários, somaram 7,1% do PIB; as do regime dos servidores, com apenas 3,1 milhões de beneficiários, totalizaram 4,3%. Em termos de déficit, o do primeiro regime representou 1,7% do PIB e o do segundo, 1,4%.

Essa situação se dá por duas razões básicas. Por um lado, porque as reformas estabelecidas e seus efeitos levam tempo para surtir efeitos fiscais plenos, tendo em vista as regras de transição. Por outro, porque ainda não existe um valor máximo para os benefícios previdenciários dos servidores públicos, o que só será possível depois do estabelecimento, mediante legislação ordinária, da previdência complementar desses trabalhadores.

Nesse último caso, pode-se afirmar que não há como restringir o montante do déficit do sistema sem a existência de um teto. A razão é que, de acordo com a estrutura de custeio do regime de repartição hoje existente no setor público, as contribuições sociais arrecadadas dos servidores públicos ativos, dos aposentados e dos pensionistas equivalem a menos de 12% dos gastos correntes da União com aposentadorias e pensões. Ou seja, os 88% restantes precisam ser bancados pelos contribuintes de tributos federais. Além disso, a imposição do teto no regime próprio dos servidores significa a aproximação entre este regime e o existente para os demais trabalhadores do País, prática que hoje representa tendência internacional.

Do ponto de vista da política fiscal, os efeitos de curto e longo prazo redundantes da mudança do regime de previdência dos servidores são distintos. No curto, existem os elevados gastos envolvidos com a transição de um regime integralmente de repartição, como o vigente, para outro em que parte será regida pela capitalização. Os custos são elevados por que os futuros servidores, ou seja, os que ingressarem no serviço público após a constituição da respectiva previdência complementar, passarão a contribuir apenas até o teto do regime, que, sendo igual ao do INSS, hoje equivale a R$ 3.689,66. Com isso, menor arrecadação será revertida para financiar as aposentadorias integrais em manutenção, cujos valores médios para a União correspondem a: R$ 6.177,00, no Executivo (civis), R$ 19.281, no Legislativo, e R$ 15.563 no Judiciário (MPO, 2010). Resultado: caberá ao Tesouro Nacional aportar, por vários anos, ainda mais recursos para financiar esses benefícios.

Cabe observar que a aplicação compulsória das novas regras apenas para os novos servidores amenizará o custo de transição, na medida em que o sistema previdenciário antigo continuará a contar com as contribuições integrais dos servidores públicos em exercício, o que minimizará a perda de arrecadação.

Mesmo assim, a vigência de um valor máximo para os benefícios dos novos servidores públicos redundará em um custo de transição entre o regime antigo e o novo estimado em torno de 0,1% do PIB nas duas primeiras décadas.

No longo prazo, todavia, a situação tende a se acomodar, já que a quantidade de aposentadorias integrais se reduz paulatinamente enquanto as novas crescem. Após um razoável período de tempo, a situação se reverte completamente, passando, então, a gerar a fundamental redução dos gastos públicos no âmbito do regime próprio de previdência do servidor público. Paralelamente, a previdência complementar dos servidores estará captando e capitalizando as contribuições adicionais, bem como aplicando a poupança em investimentos de longo prazo. Ao final do processo, as aposentadorias de maior valor deixarão de ser financiadas pelo Estado e, consequentemente, por toda a sociedade.

O gráfico a seguir mostra a trajetória estimada do custo de transição como proporção do PIB, caso a previdência complementar tivesse sido instituída na União em 2009. Verifica-se que tal custo apresenta três fases distintas. Nas duas décadas iniciais, é elevado. Na década seguinte, embora o custo de transição ainda seja positivo, sua trajetória já é descendente. A partir da terceira década, as vantagens advindas da limitação das aposentadorias ao teto do RGPS começam a superar os custos associados às perdas de arrecadação, fazendo com que os ganhos fiscais atinjam algo próximo a 0,2% do PIB.

Custo de transição da previdência complementar dos servidores públicos da União (em % do PIB)

Fonte: CAETANO, Marcelo A. “Previdência complementar para o serviço público no Brasil”. Sinais Sociais, v.3. nº 8, set/dez 2008. Rio de Janeiro: SESC, 2008.

Ressaltem-se ainda duas situações específicas que recomendam a tempestiva reformulação do regime previdenciário do servidor público. Em primeiro lugar, o Brasil encontra-se em fase de crescimento, o que torna menos difícil custear a transição. Em segundo, quase 40% dos servidores públicos federais possuem hoje mais de 50 anos de idade, o que configura um perfil envelhecido de trabalhadores (superior ao verificado no conjunto da nossa força de trabalho e mesmo nos países da OECD). Nesta segunda situação, embora haja uma pressão das despesas previdenciárias no médio prazo, há também a oportunidade de repor esses servidores por novos já inseridos num também novo regime de previdência sujeito ao teto do INSS e complementado por fundo de pensão do setor público. Se o processo de renovação dos servidores ocorrer antes da mudança de regime, os custos fiscais serão maiores e o tempo de maturação do novo regime será mais amplo.

Por fim, cabe fazer um alerta em relação à exigência constitucional de que os fundos de pensão dos servidores deverão ter natureza pública. Já que tal figura não possui significação jurídica estabelecida, caberá à lei que vier a instituir a previdência complementar a normatização da matéria. Se esta for no sentido do estabelecimento de institutos de previdência constituídos como fundações ou autarquias públicas, estar-se-á quebrando um dos pilares da organização da previdência complementar no Brasil, que sempre teve natureza privada. Além disso, correr-se-á o risco de o sistema ficar mais vulnerável às ingerências políticas. Ademais, caso venham a ser fundos públicos, o Governo Federal poderá encontrar dificuldades para supervisionar e regular as entidades criadas por estados e municípios, devido aos princípios constitucionais de autonomia federativa.

Downloads:

  • veja este artigo também em versã o pdf (clique aqui).

Para ler mais sobre o tema:

AMARO, Meiriane N. Terceira Reforma da Previdência: até quando esperar? Brasília: Centro de Estudos da Consultoria do Senado, fev/2010 (Texto para Discussão nº 84). Disponível no site: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm

]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=236 13
Por que precisamos reformar a previdência? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=162&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-precisamos-reformar-a-previdencia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=162#comments Sun, 20 Feb 2011 23:48:12 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=162 No Brasil existem dois regimes de previdência pública: o dos servidores públicos e o do INSS. Além disso, há a previdência privada. Já empreendemos duas reformas da previdência social, uma no Governo FHC, outra no Governo Lula. No entanto, ambas repercutiram basicamente no regime próprio de previdência dos servidores e, em menor proporção, no regime privado de previdência complementar, deixando as condições que regem o regime geral de previdência social praticamente inalteradas.

Enquanto isso, a restrição fiscal que motivou o encaminhamento ao Congresso Nacional da primeira proposta de reforma previdenciária, em 1995, continua. Agora potencializada pelo aumento dos gastos do INSS.

Entre 1988 e 2009, a despesa do INSS triplicou seu peso relativo na economia, passando a comprometer 7,2% do PIB e perto de um terço da despesa não financeira da União (despesa total menos juros). É o maior item de despesa da União, superando os gastos com o pagamento de pessoal (4,8% do PIB) e com juros (4% do PIB).

Quase metade da receita líquida federal é hoje destinada à previdência (36,8% para o INSS e 10,2% para inativos e pensionistas). A metade que sobra tem, assim, que custear todos os outros gastos da máquina pública, cuja maioria não pode ser descontinuada. Resultado: nosso ajuste fiscal acaba sendo feito pela compressão do investimento público, que representa apenas 1% do PIB e menos de 7% da despesa primária.

Estudos mostram que, embora ainda sejamos um país jovem, gastamos com previdência o mesmo que gastam países desenvolvidos e com estrutura etária já envelhecida, como o Reino Unido, e que, para custear tal nível de despesas, também aplicamos elevadíssimas alíquotas de contribuição previdenciária.

Essa asfixia fiscal, ao comprometer a necessária expansão dos investimentos em infraestrutura, educação e capacitação da mão-de-obra (afora outras áreas fundamentais, como saúde e segurança pública), compromete nosso potencial de crescimento e de melhoria da qualidade de vida da população mais pobre.

A situação é ainda mais grave quando confrontada com os prognósticos demográficos. A população brasileira está envelhecendo, e a uma velocidade mais rápida do que a verificada nos países do Velho Mundo, que, ao contrário de nós, enriqueceram antes de envelhecer. A proporção de idosos (indivíduos com mais de 60 anos) na população total do Brasil triplicará nos próximos quarenta anos, passando de 6,8% para 22,7%. O impacto desse envelhecimento na previdência social é grande.

Sendo nossa previdência pautada pelo “regime de repartição”[1],

é a população em idade ativa que sustenta a inativa. Isso significa que, enquanto hoje 6,45 indivíduos em atividade potencialmente podem gerar recursos para cada beneficiário, em 2050 deverão ser apenas 1,9. Em outras palavras, haverá cada vez menos pessoas trabalhando e, assim, sustentando o crescente número de idosos no Brasil.

Nesse contexto, fica evidente que, se nada fizermos agora, nossas despesas previdenciárias simplesmente explodirão, comprometendo o futuro das próximas gerações de brasileiros.

O irreversível envelhecimento da população no mundo representa uma questão tão grave, que pode hoje ser considerada como uma das principais variáveis a definir o futuro econômico e social das nações. Diante disso, muitos países se encontram engajados na reformulação dos seus sistemas de previdência, movidos pela assunção de que é melhor aumentar agora os anos de contribuição em relação aos de aposentadoria, bem como reduzir um pouco o benefício em relação ao salário, do que, daqui a alguns anos, ser forçado a elevar sobremaneira as contribuições sociais e/ou diminuir o valor dos benefícios previdenciários em manutenção.

Suas experiências constituem importantes ensinamentos. Em primeiro lugar, mostram que as idades de aposentadoria nos países avançados são bem maiores do que as relativas à aposentadoria por tempo de contribuição dos trabalhadores brasileiros da iniciativa privada (54 anos para homem e 52 para mulher). Isso ocorre porque continuamos a ser um dos únicos países do mundo que concede aposentadoria sem impor limite mínimo de idade (os outros são Nigéria, Argélia, Turquia, Eslováquia e Egito). Ademais, ao contrário do que aqui ocorre, muitos países aplicam a mesma idade mínima para homens e mulheres.

A experiência internacional também mostra que o valor dos nossos benefícios previdenciários como proporção dos salários é muito elevado. No caso da aposentadoria, embora muitos países permitam aposentadoria antecipada aos 60 anos de idade (vejam bem: antecipada), depois de 40 anos de contribuição (enquanto aqui o máximo exigido são 35 anos), isso implica redução de 40% no valor de benefício. No Brasil, um homem na mesma situação não terá qualquer perda monetária. Ou seja, sua aposentadoria equivalerá a 100% do salário.

Além disso, em relação à aposentadoria por idade, embora haja limite etário para a concessão do benefício, exige-se apenas quinze anos de contribuição, o que é muito pouco, especialmente quando se compara ao que ocorre no mundo. Afinal, um homem que espere 50 anos para começar a contribuir para a previdência poderá se aposentar aos 65 anos e receber o benefício por mais 16,3 anos, de acordo com sua expectativa de sobrevida. No caso da mulher, serão 15 anos de contribuição versus 19,1 de recebimento do benefício. Ademais, esses segurados receberão aposentadorias equivalentes a 100% de seus salários, enquanto que, se forem empregados, terão recolhido 8%, 9% ou 11% dos salários, de acordo com o rendimento que tinham, que, somados aos 20% do empregador, corresponderão à contribuição mensal de apenas 28%, 29% ou 31% do salário. É fácil perceber que a conta não fecha e será cada vez mais inconsistente, em vista dos prognósticos populacionais.

No caso das pensões, a situação é ainda mais discrepante. Representamos um dos poucos países que não exige qualquer condição de qualificação para a concessão do benefício. Não há, por exemplo, qualquer limitação relacionada à carência contributiva, ao tempo de casamento ou união, à idade do cônjuge sobrevivente e dos filhos, ao número de filhos, à renda do cônjuge sobrevivente, ao período de recebimento do benefício ou ao seu acúmulo com outros benefícios. Como resultado, nosso gasto com pensões é tão significativo que representa o segundo maior na estrutura de despesas do INSS, e, em termos de participação no PIB, representa o triplo da média internacional.

Mas é na indexação do piso previdenciário ao salário mínimo onde reside o maior propulsor da elevação das despesas com benefícios. Entre 1995 e 2010, o salário mínimo teve um aumento real de 122% (44% no Governo FHC e 54% no Governo Lula). Como o piso da previdência social é vinculado a esse salário, isso significa que o valor do piso foi elevado na mesma proporção; o que também é verdade para o benefício de prestação continuada da assistência social (que favorece idosos e deficientes físicos de baixa renda), igualmente atrelado ao mínimo.

A despesa da previdência social é fortemente influenciada pelo piso dos benefícios, já que dois em cada três segurados o recebem. A receita, por outro lado, depende principalmente dos benefícios superiores. Por isso, a elevação do salário mínimo impacta mais a despesa que a receita: a cada R$ 1 real de aumento do salário mínimo, os gastos com benefícios previdenciários sobem R$ 198 milhões e as receitas, apenas R$ 14 milhões, fazendo com que o déficit cresça em R$ 184 milhões. Agregando as despesas da previdência e da assistência social, observa-se que o déficit do INSS cresce R$ 230 milhões a cada R$ 1,00 de elevação no valor do mínimo.

É importante sublinhar que, no âmbito da assistência social, a vinculação do benefício de prestação continuada ao salário mínimo, além das implicações fiscais diretas, carrega consigo outro importante condicionante: desestimula a inclusão previdenciária, limitando, assim, o universo de contribuintes e, consequentemente, a elevação das receitas do sistema.

Isso ocorre porque a maior parte dos trabalhadores informais, mesmo sem qualquer contribuição prévia, quando atingirem 65 anos (mesma idade exigida dos homens para efeito de concessão da aposentadoria previdenciária por idade), poderão pleitear um benefício assistencial de valor idêntico ao piso da previdência social, desde que comprovem possuir renda familiar per capita inferior a ¼ do salário mínimo.

Daí cabe perguntar: qual o incentivo que esses trabalhadores têm para contribuir para a previdência social quando sabem que poderão usufruir, a partir da mesma idade (no caso dos homens), da mesma aposentadoria que será concedida à maioria dos trabalhadores do mercado formal de trabalho, que, com muito esforço, contribuem sistematicamente sobre seus rendimentos mensais de um salário mínimo?

Outro importante ponto a destacar é que o efeito do salário mínimo sobre a pobreza é quase residual atualmente e, no que diz respeito à pobreza extrema, é nulo. Resultado da expressiva escalada de aumentos reais verificada nos últimos anos, quem hoje recebe aposentadoria não mais pode ser considerado pobre.

Assim, defender os elevados gastos com a previdência social sob o argumento de que constituem importante instrumento de redução da pobreza esconde uma grande verdade: se parcela dos gastos redundantes do sistemático aumento do piso previdenciário for alocada na expansão de programas sociais focalizados nos estratos inferiores de renda, como por exemplo, o Programa Bolsa Família, que representa menos de 2% da despesa primária da União, a pobreza e a miséria diminuirão muito mais

As constatações apresentadas reclamam a urgente modificação de parâmetros básicos no âmbito da previdência dos trabalhadores da iniciativa privada, a maior parte de cunho constitucional, com destaque para as seguintes alterações:

a)      aposentadoria por tempo de contribuição: imposição de idade mínima;

b)      aposentadoria por idade: aumento da carência para concessão do benefício;

c)      pensão por morte: imposição de condicionalidades que reflitam o grau de dependência do cônjuge ou parceiro sobrevivente e filhos;

d)     piso da previdência social: fim da vinculação ao salário mínimo (atualização pela inflação passada);

e)      diferenças por sexo, setor (rural versus urbano) e categoria profissional (professor em sala de aula versus demais trabalhadores): extinção;

f)       benefício de prestação continuada da assistência social: fim da vinculação ao mínimo (atualização pela inflação passada), valor inferior ao do piso previdenciário e elevação da idade de 65 para 70 anos.

Ressalte-se, por fim, que as mudanças propostas não devem afetar os aposentados e pensionistas, devendo ser, em contraposição, integralmente aplicadas aos novos trabalhadores. Com relação aos trabalhadores em atividade, sugere-se o estabelecimento de regras de transição com extensa carência e lenta progressividade. A carência para início da aplicação das regras de transição poderia ser de quatro, cinco ou mais anos e a implantação progressiva dos novos parâmetros poderia ocorrer durante uma ou mais décadas. As únicas alterações que deveriam ter aplicação imediata para todos são as relativas à vinculação dos benefícios ao salário mínimo e às novas regras para concessão de pensão.

A extensa carência e lenta progressividade na aplicação das regras de transição aos trabalhadores já inseridos no mercado de trabalho é fator fundamental para que se consiga apoio político às mudanças. Outra opção, talvez mais pragmática, do ponto de vista político, seja executar imediatamente as mudanças relativas ao mínimo e às pensões e aplicar as demais alterações apenas aos novos trabalhadores.

Se houvéssemos considerado isso em 1995, quando começaram os debates em torno da necessária reformulação da nossa previdência social e o Poder Executivo apresentou sua primeira proposta sobre a matéria, e tivéssemos efetuado uma reforma mais profunda que se aplicasse apenas aos novos trabalhadores, por exemplo, todos aqueles que entraram no mercado de trabalho nos últimos quinze anos já seriam regidos pelo novo sistema. Assim, já teríamos passado pela fase mais dura do período de transição e, certamente, as contas públicas estariam em condições muito melhores, permitindo ao governo investir em infraestrutura e educação, dois itens fundamentais para o sucesso das futuras gerações de brasileiros.

Para ler mais sobre o tema:

AMARO, Meiriane N. Terceira Reforma da Previdência: até quando esperar? Brasília: Centro de Estudos da Consultoria do Senado, fev/2010 (Texto para Discussão nº 84). Disponível no site: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm

Downloads:

  • veja este artigo também em versã o pdf (clique aqui).

[1] No regime de repartição, os trabalhadores ativos financiam as aposentadorias e pensões em curso, esperando que, no futuro, seus benefícios previdenciários sejam custeados por outros. No de capitalização, ao contrário, o trabalhador financia sua própria aposentadoria, aportando contribuições em sua conta individual que, capitalizadas, serão depois retiradas na forma de uma renda mensal.

]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=162 5
O fator Previdenciário deve acabar? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=233&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-fator-previdenciario-deve-acabar https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=233#comments Sat, 12 Feb 2011 01:56:38 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=233 Por ocasião da discussão da primeira reforma da previdência social, o Congresso Nacional rejeitou a imposição de idade mínima para habilitação à aposentadoria por tempo de contribuição no regime geral de previdência social (embora a tenha aceito para o regime do servidor público), o que foi um duro golpe para o Executivo, que considerava essa a principal medida de contenção das despesas do INSS.

Ocorre que, embora a Emenda Constitucional nº 20, de 1998, não tenha estabelecido um limite de idade, ela retirou do texto da Constituição a regra de cálculo da aposentadoria, o que abriu caminho para substancial inovação em sua metodologia: a aplicação do fator previdenciário, introduzido mediante a Lei nº 9.876, de 26 de novembro de 1999.

Mas o que é exatamente o fator previdenciário?

É um índice utilizado para definir o valor da aposentadoria. Ele multiplica o valor médio das contribuições à previdência social de cada segurado do seguinte modo:

Valor da aposentadoria = (valor médio das contribuições) x fator previdenciário

Esse índice (diferente para cada segurado) está estruturado de forma a incluir a idade, a expectativa de sobrevida e o tempo de contribuição do segurado ao se aposentar (além da alíquota de contribuição), nos seguintes termos:

Fator previdenciário =  Tc x a x   (1 + Id + Tc x a) onde:

Es                       100

Tc = tempo de contribuição do segurado

a = alíquota de contribuição do segurado = 0,31 (20% da empresa + 11% do empregado)

Es = expectativa de sobrevida do segurado na data da aposentadoria (fornecida pelo IBGE)

Id = idade do segurado na data da aposentadoria

Na primeira parte da equação, busca-se uma proporção entre o total de contribuições pagas pelo indivíduo e o tempo que se espera que ele receberá a aposentadoria. Suponha-se, por exemplo, um empregado que tenha trabalhado durante 30 anos. Como a contribuição mensal paga ao INSS correspondeu a 0,31% do seu salário de contribuição (11% do empregado mais 20% do empregador),a contribuição total acumulada seria suficiente para pagar sua aposentadoria por 9,3 anos (30 x 0,31). Portanto, se sua expectativa de sobrevida também for 9,3 anos, a primeira parte do fator estará equilibrada (corresponderá à unidade): suas contribuições foram suficientes para pagar sua aposentadoria ao longo do período esperado de sobrevida. Se ele estiver se aposentando ainda jovem, a sua expectativa de sobrevida será alta, o que reduz o valor da primeira parte da equação, reduzindo o fator previdenciário e, consequentemente, o valor mensal da aposentadoria. Se ele vai viver mais tempo, terá que receber menos por mês, para que a sua contribuição durante o período ativo seja suficiente para financiar sua aposentadoria. Efeito similar ocorrerá se o tempo de contribuição for baixo.

Na segunda parte, está sendo pago um prêmio para os segurados que permanecerem mais tempo em atividade, de modo que a aposentadoria é maior para aquele que permanece trabalhando por mais tempo e vice-versa.

Fundamental entender que o fator previdenciário é uma forma de fazer um “regime de repartição” funcionar de modo similar a um “regime de capitalização”.

No regime de capitalização o indivíduo faz contribuições mensais que, capitalizadas, serão depois retiradas na forma de uma renda mensal de aposentadoria. No regime de repartição são os trabalhadores ativos que financiam os benefícios dos aposentados e pensionistas, pressupondo que, no futuro, seus benefícios previdenciários serão custeados pela nova geração de trabalhadores.

O problema do regime de repartição é que, com o envelhecimento da população e ampliação da expectativa de vida, há cada vez menos trabalhadores na ativa para remunerar aposentados e pensionistas. Assim, uma transição para um regime de capitalização torna o sistema previdenciário menos deficitário.

Com o fator previdenciário, cria-se um estímulo para que o trabalhador permaneça mais tempo na ativa para ter uma aposentadoria maior. Tudo se passa como se ele estivesse mais tempo na ativa para acumular mais contribuições em uma conta de capitalização.

Além disso, o resultado final da aplicação do fator atende plenamente ao princípio de equidade que deve reger o sistema de previdência social, conforme dispõe o art. 194 da Constituição. Afinal, é razoável considerar que aquele que opte por se aposentar por tempo de contribuição (35 anos para homens e 30 para mulheres) em idade precoce receba benefício inferior a de outro que prefira se aposentar com idade mais elevada. Esse último, além de ter contribuído por maior período, deverá receber o benefício por menos tempo, sendo, justo, pois, que aufira uma renda mensal mais elevada que o primeiro.

Outra qualidade do fator previdenciário é que ele tende a equilibrar o fluxo de caixa do sistema previdenciário no curto e médio prazo, já que o segurado que sai mais cedo, provocando desembolso antecipado, recebe, em contrapartida, aposentadoria de menor valor. Ademais, possui o mérito de ajustar automaticamente os valores das aposentadorias ao contínuo aumento da expectativa de sobrevida da população brasileira, o que é essencial num sistema previdenciário de repartição como o nosso.

Diante de tantas qualidades, cabe questionar se ainda há necessidade de impor idade mínima para concessão de aposentadoria por tempo de contribuição. A resposta é sim. O necessário equilíbrio financeiro da previdência social continua a demandar o estabelecimento de uma idade mínima para concessão de qualquer tipo de aposentadoria.

Isso ocorre porque a incidência do fator previdenciário teve um efeito moderado em termos de incentivo à postergação da aposentadoria, sendo razoável supor que muitas pessoas prefiram se aposentar cedo, com menores aposentadorias. Assim fazendo podem complementar seus rendimentos mensais com a concessão de benefício complementar (no caso daquelas vinculadas a um regime privado de previdência) ou, mais frequentemente, com a renda proveniente de novo trabalho, já que não se proíbe que o aposentado volte a trabalhar.

Com efeito, a idade média de aposentadoria por tempo de contribuição ainda é muito baixa (54 para homens e 52 anos para mulheres), especialmente quando comparada à experiência internacional. Confrontando essas idades com as respectivas expectativas de sobrevida (Tábua de Mortalidade 2009/IBGE), nos deparamos com a seguinte situação: os homens que se aposentam aos 54 anos de idade deverão receber aposentadoria por mais 23,7 anos; as mulheres que se aposentam com 52 anos de idade, por mais 29,2 anos (quase o mesmo tempo mínimo de contribuição, que é de 30 anos).

É fácil perceber a inconsistência existente e o quanto se agravará, em face do irrefutável envelhecimento da nossa população. Há que se considerar, ainda, que a contribuição representa 31% do salário, enquanto a aposentadoria corresponde a 75% e 61%[1] desse valor, respectivamente para homens com 54 e mulheres com 52 anos (se o fator não fosse aplicado, a deficiência atuarial seria ainda mais grave, já que o benefício reporia 100% do salário para ambos os sexos).

O distanciamento entre as regras vigentes no Brasil, um dos seis únicos países do mundo que ainda concede aposentadoria sem limite de idade, e as aplicadas nos países desenvolvidos aponta para a relevância de introduzir tal limite para a aposentadoria por tempo de contribuição.

Enquanto no Brasil o fator previdenciário permite que alguém se aposente com 53 anos de idade, 35 de contribuição e benefício em torno de 70% da média dos salários de contribuição; nos países da OCDE, não apenas a idade de aposentadoria é muito mais elevada, como são requeridos 40 anos de contribuição e 70% do salário é o valor máximo do benefício.

Isso significa que no Brasil, não obstante a aplicação do fator previdenciário, ainda se recebe aposentadoria por mais tempo e com maior valor em relação ao salário médio de contribuição do que o verificado nos países desenvolvidos. Mesmo assim, há atualmente significativa pressão política em favor da eliminação do fator previdenciário.

Esse índice utiliza as informações sobre expectativa de sobrevida da população brasileira por sexo e faixa etária fornecidas pelo IBGE, que, em face do paulatino envelhecimento da população brasileira, é maior a cada ano.

Isso significa que os trabalhadores passaram a se deparar com a seguinte escolha: ou aceitam receber benefícios cada vez menores ou contribuem por cada vez mais tempo para fazer jus a proventos de aposentadoria de valor idêntico ao dos segurados já aposentados. Muitos argúem que tal situação não é justa, em especial porque impede o trabalhador de conhecer antecipadamente sua situação quando da aposentadoria, em vista dos constantes aumentos anuais da expectativa de sobrevida da população.

Diante da pressão política, o Congresso Nacional tentou extinguir o fator previdenciário em várias ocasiões. Na mais recente, aprovou a Lei nº 12.254, de 2010, que continha dispositivo que o eliminava, mas que acabou sendo vetado pelo Presidente da República.

Com isso, nos deparamos hoje com a ameaça de nem com o fator previdenciário contarmos no futuro, o que significaria caminhar na contramão do que ocorre no mundo, onde cada vez mais países utilizam fatores de cálculo que permitem a capitalização virtual das contribuições ao sistema previdenciário, de forma a aproximar os fluxos de contribuições passadas e de renda futura de benefícios.

A Suécia e a Itália, por exemplo, não obstante possuam sistemas previdenciários enormes e com graves restrições demográficas, conseguiram reduzir sobremaneira os efeitos do envelhecimento de suas populações a partir da criação de vínculos mais estreitos entre contribuições e benefícios. Isso foi possível mediante a instituição das chamadas “contas nocionais de previdência” (também adotadas pela Polônia e por mais três pequenos países), que consideram fatores demográficos e macroeconômicos no cálculo do benefício previdenciário, de forma similar ao nosso fator previdenciário.

Tomando como exemplo o sistema sueco, quando o indivíduo chega à idade de se aposentar (61 anos), o valor do seu benefício corresponde ao valor de suas contribuições acumuladas mais os juros nocionais (calculados de acordo com parâmetros estabelecidos pelo governo), dividido pela expectativa de sobrevida aos 61 anos. Se ele decide se aposentar um ano mais tarde, suas contribuições durante o ano adicional de trabalho são também acumuladas à taxa de juros nocional e o resultado final é dividido pela expectativa de sobrevida média aos 62 anos de idade e assim sucessivamente.

É fácil perceber que esse sistema de contas nocionais aproxima-se da sistemática que rege a aplicação do fator previdenciário no Brasil, com diferenças, dentre as quais a de que, ao contrário do caso brasileiro, no europeu se impõe uma idade mínima para habilitação ao benefício previdenciário.

A experiência desses países ensina que não deveríamos  extinguir o fator previdenciário. Pelo contrário, deveríamos, sim, refletir sobre a necessidade de impor idade mínima para a concessão de aposentadoria por tempo de contribuição, bem como sobre o aperfeiçoamento desse índice e ampliação dos benefícios previdenciários cujo cálculo utilize sua metodologia.

É inquestionável que o fim do fator dificultará muito mais o necessário controle do desequilíbrio financeiro e atuarial da previdência social brasileira. De acordo com estimativa da Consultoria de Orçamentos da Câmara dos Deputados, o impacto orçamentário e financeiro de tal extinção teria correspondido a cerca de R$ 1,2 bilhão, em 2009, R$ 2,5 bilhões, em 2010, e R$ 3,9 bilhões em 2011[2].

Por fim, cabe destacar que as aposentadorias por tempo de contribuição são majoritariamente concedidas aos trabalhadores melhor qualificados e com maior rendimento. Prova disso é que tal aposentadoria é o benefício mais alto da previdência social. Seu valor médio equivale a R$ 1.205,83, mais do dobro da média dos valores recebidos pelos trabalhadores que se aposentam por idade (R$ 521,58), que representam o maior contingente de beneficiários do sistema.

E quem paga por isso é toda a população brasileira, direcionando cerca de 34% da renda nacional para pagar tributos, enquanto continua a conviver com uma péssima saúde pública, baixíssima qualidade do ensino e níveis assustadores de violência.

Downloads:

  • veja este artigo também em versã o pdf (clique aqui).

Para ler mais sobre o tema:

AMARO, Meiriane N. Terceira Reforma da Previdência: até quando esperar? Brasília: Centro de Estudos da Consultoria do Senado, fev/2010 (Texto para Discussão nº 84). Disponível no site: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm


[1] Na aplicação do fator previdenciário, são somados 5 anos ao tempo de contribuição das
mulheres e dos professores do ensino básico (10 anos se forem mulheres).

[2] CAMBRAIA, Túlio. Os Efeitos da extinção do fator previdenciário e do retorno à média curta. COFF/CD. Estudo Técnico nº 02, abr 2009. http://www.camara.gov.br/internet/orcament/principal/.

A estimativa também leva em consideração a diminuição do período de cálculo da contribuição média do segurado.

]]>
https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=233 6