recursos naturais – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Tue, 26 Mar 2013 11:50:19 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Conservar a natureza é estratégia de desenvolvimento? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1759&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=conservar-a-natureza-e-estrategia-de-desenvolvimento https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1759#comments Mon, 18 Mar 2013 13:03:49 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1759 As economias sustentam-se ou não a depender do adequado manejo dos bens e serviços fornecidos pelos ecossistemas. No Brasil, a conservação da natureza é fundamento para o desenvolvimento e a melhoria da qualidade de vida intergeracional, conforme o art. 225 da Constituição da República.

Em termos de pesquisas que balizem a racionalidade necessária ao tema, o estudo intitulado A Economia dos Ecossistemas e da Biodiversidade (na sigla em inglês, TEEB1) aponta a importância de se incorporarem variáveis ecológicas às políticas públicas, dada a dependência direta de bilhões de pessoas aos recursos naturais, base da segurança alimentar e de praticamente todas as atividades econômicas.O País participa do estudo por meio do projeto TEEB Brasil, ainda em fase de desenvolvimento, sem dados publicados.

O TEEB nasceu da Iniciativa de Potsdam2 para proteção da biodiversidade e analisa valores econômicos dos bens (por exemplo, água) e dos serviços ecossistêmicos (por exemplo, recarga natural de aquíferos e ciclagem de nutrientes) – definidos como externalidades ambientais positivas – com o intuito de incorporá-los ao processo decisório de governos e empresas. Esses bens são, em geral, públicos, sem mercados nem preços estabelecidos, o que dificulta sua regulação, mesmo quando próximos à exaustão.  Já os serviços ambientais são comumente prestados de forma gratuita e, consequentemente, sua perda ou degradação com frequência não é assimilada pelo sistema de incentivos econômicos. De fato, em especial no Brasil – dada sua abundância em recursos naturais – são insuficientes os mecanismos para incentivar indivíduos ou grupos a protegerem ecossistemas.

Destacam-se a seguir exemplos de impactos econômicos dos serviços prestados pela natureza, com dados apresentados no relatório do TEEB direcionado a formuladores de políticas públicas3:

  • Na Costa Rica, a presença de agentes polinizadores que habitam florestas nativas incrementa em 20% as colheitas de café das fazendas localizadas a menos de um quilômetro dessas matas;
  • Um terço das cem maiores cidades do mundo depende da água fornecida a partir de florestas localizadas em áreas protegidas, a um custo significativamente menor em comparação com outras formas de abastecimento. A título de exemplo, em Nova Iorque, o custo de preservação dos mananciais hídricos da bacia de Catskills, que fornece água para a metrópole, é de US$ 1 a 1,5 bilhão, em comparação com os US$ 6 e 8 bilhões necessários para a implantação de um sistema de tratamento da água captada em mananciais não preservados;
  • Áreas protegidas já cobrem cerca de 14% da superfície da Terra e o ecoturismo é uma das áreas mais dinâmicas da indústria de turismo. Nos EUA, essas atividades responderam por aproximadamente 1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2006, totalizando US$ 122 bilhões, de acordo com o Serviço de Pesca e Vida Selvagem.

Os impactos econômicos de medidas conservacionistas podem ser ainda maiores, a depender da realidade socioeconômica da região investigada, já que para populações rurais de baixa renda, por exemplo, tais bens e serviços são essenciais, devido à sua dependência direta desses recursos locais como alimento, abrigo, medicamento e energia. De fato, segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), 70% das populações que passam fome encontram-se em áreas rurais.

Populações sujeitas à fome foram fortemente atingidas pela alta do preço de alimentos ocorrida em 2008, e aqui cabem ressalvas acerca da valoração econômica de bens oriundos da natureza, no caso da comoditização e da conversão de ativos naturais em derivativos financeiros. Em 1999, o Governo dos EUA desregulamentou o mercado futuro de commodities, o que permitiu aos bancos moldar derivativos agrícolas como um mercado de ações e atuar com uma liberdade de negociação antes restrita aos setores diretamente relacionados à produção agrícola.

Com as crises da década de 2000, esses derivativos eram um porto seguro para grandes investidores. Isso criou uma bolha especulativa e determinou parte considerável do aumento dos insumos agrícolas e de quase 80% no preço mundial de alimentos, de 2005 a2008. A alta explica o ingresso de 250 milhões de pessoas em situação de vulnerabilidade alimentar, classificação que alcançou 1 bilhão de pessoas em 2008, de acordo com a FAO4.

Portanto, deve-se avaliar com olhar crítico a valoração econômica da natureza –em especial se servir à comoditização e à criação de derivativos financeiros (como no exemplo dos alimentos) – de maneira a torná-la um instrumento de proteção ambiental e de promoção da dignidade humana, em vez de mera forma de lucro aos mercados.

De todo modo, estudos como o TEEB reforçam a racionalidade na utilização dos recursos naturais. O marco regulatório brasileiro também, ao vincular o conceito de conservação ao uso racional, em vez de uma natureza intocada.

Os princípios ambientais definidos na Constituição – em especial o dever imposto ao Poder Público de preservar os processos ecológicos essenciais, proteger a diversidade genética e definir espaços protegidos – já haviam sido previstos pela Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, e que no art. 1º definiu como uma de suas finalidades assegurar condições ao desenvolvimento socioeconômico. Esses princípios foram reforçados por meio da Lei nº 9.985, de 15 de julho de 2000, que instituiu o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Lei do SNUC) e trouxe a definição de conservação da natureza no art. 2º, inciso II. Esses dispositivos legais determinam o manejo do uso humano da natureza e sua utilização sustentável com vistas ao desenvolvimento econômico e social.

Um exemplo dessa racionalidade pode ser encontrado no caso das culturas de grãos, que em geral envolvem processos agrícolas modernos, com métodos adaptados aos trópicos, como o plantio direto5. Nos cultivos de soja em cerrados do Piauí, os custos de fertilização e controle de processos erosivos nas terras que utilizaram esse tipo de plantio foram cerca de 6% menores que os custos no plantio convencional, na safra de soja 2007/2008. O manejo racional de um agroecossistema, portanto,resulta em melhoria na estrutura do solo e na produtividade agrícola, em função da melhor ciclagem de nutrientes6.

Um dos maiores desafios econômicos das próximas décadas será atender a demanda por alimentos e, ao mesmo tempo, manter os sistemas naturais de suporte à atividade. Entretanto, no Brasil, a modernidade agrícola mencionada no caso do plantio direto da soja convive com um histórico de ineficiência no campo, incluindo técnicas rudimentares adotadas desde o Século XVI, como as queimadas, que acarretam a literal combustão de nossa diversidade biológica.

Nesse sentido, a expansão da fronteira agrícola tem resultado na instalação de grandes extensões de propriedades dedicadas à pecuária de baixa produtividade, que ocupam 211 milhões de hectares, cerca de 25% das terras brasileiras (e que correspondem a 76% da área ocupada pela agropecuária). A adoção de técnicas mais eficientes propiciaria um aumento médio de produtividade que liberaria em torno de 69 milhões de hectares (hoje dedicados a esse tipo de pecuária) ao estoque de terras agrícolas7. Um dos principais benefícios seria a preservação do repositório de patrimônio genético contido em matas nativas, dado seu incalculável valor potencial diante dos avanços em biotecnologia.

Na Amazônia, a pecuária ocupa cerca de 60% da área desmatada e tem sido considerada um dos principais vetores do desmatamento. Por outro lado, desde pelo menos 2008, ações coordenadas de comando e controle têm conseguido conter e até diminuir os índices de desmate, mesmo com as altas nos preços das commodities agrícolas8.

Se conservar implica uso racional de recursos naturais (e não natureza intocada), esperam-se avanços de eficiência no caso da agropecuária, com destaque para a governança fundiária e a disseminação de tecnologias, em especial por meio de assistência técnica adaptada à agricultura tropical. Dado o potencial de avanço da fronteira agrícola, dessas medidas dependem, de forma considerável, a manutenção dos bens e serviços fornecidos pelo estoque de ecossistemas ainda existentes: cerca de 85% da Amazônia, 51% do Cerrado e 88% do Pantanal, apenas para citar os biomas mais preservados.

Conservar a natureza é estratégia de desenvolvimento, e o Brasil pode consolidar-se como um dos países com maior capacidade biológica do planeta, em áreas que estão na vanguarda do avanço econômico e científico, destacando-se a biotecnologia9 para fins medicinais e alimentares, assim como a produção de energia. Além disso, temos uma das mais fortes capacidades do mundo em ciência da conservação. Em próximo artigo, abordaremos essas questões, com foco na associação entre diversidade biológica e desenvolvimento e nas principais políticas públicas de proteção da natureza brasileira.

(Este texto tem por base o trabalho “Serviços e Bens Fornecidos pelos Ecossistemas: Conservação da Natureza como Estratégia de Desenvolvimento”.  O estudo integral consta do Texto para Discussão nº 120 do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado, disponível no seguinte link: http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao.htm)

_____________

1The Economics of Ecosystems and Biodiversity, versão em português do relatório preliminar disponível em http://www.teebtest.org/wp-content/uploads/Study%20and%20Reports/Additional%20Reports/Interim%20report/
TEEB%20Interim%20Report_Portuguese.pdf
(acesso em 6/11/12).

2 A iniciativa resultou da reunião entre ministros do meio ambiente de países do G8, ocorrida em Potsdam, na Alemanha, em março de 2007. Foram estabelecidas metas, destacando-se avaliações sobre o impacto econômico da perda da diversidade biológica e sobre padrões de produção e consumo. Essas avaliações fundamentam o TEEB.

3Disponível em http://www.teebtest.org/teeb-study-and-reports/main-reports/local-and-regional-policy-makers/ (acesso em 6/11/12).

4Cultivo conservacionista em que se busca manter o solo sempre por plantas em desenvolvimento e por resíduos vegetais, com a finalidade de protegê-lo da erosão, de potencializar a ciclagem de nutrientes e de aumentar sua capacidade de retenção de água.

5Dantas, K. P. e Monteiro, M. S. L. (2010). Valoração econômica dos efeitos internos da erosão: Impactos da Produção de Soja no Cerrado Piauiense. Revista de Economia e Sociologia Rural, Vol. 48, nº 4, pp. 619-633. Piracicaba/ SP.

6Sparovek, G., Barreto, A., Klug, I. ePapp, L. (2010). A Revisão do Código Florestal Brasileiro, Novos Estudos vol. 88,), pp.181-205. Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), São Paulo/ SP.

7How Goldman Sachs Created the Food Crisis, por Frederic Kaufman.ForeignPolicy, 27/11/11. Disponível em http://www.foreignpolicy.com/articles/2011/04/27/how_goldman_sachs_created_the_food_crisis?page=0,1 (Acesso em 28/11/12).

8Avaliação do Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), 2010. Elaborado, a pedido do MMA, pela Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (Cepal), pela Cooperação Alemã para o Desenvolvimento por meio da Deutsche GesellschaftfürInternationaleZusammenarbeit (GIZ) e pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Disponível em http://www.eclac.org/ddsah/publicaciones/sinsigla/xml/7/45887/
IPEA_GIZ_Cepal_2011_Avaliacao_PPCDAm_2007-2011_web.pdf
(acesso em 14/12/2012).

9Conjunto de tecnologias que utilizam sistemas biológicos, organismos vivos ou seus derivados em produtos e processos para usos específicos (médicos, industriais, agrícolas, alimentares, etc.).

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Será o pré-sal um bilhete premiado, sem riscos ou custos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=528&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=sera-o-pre-sal-um-bilhete-premiado-sem-riscos-ou-custos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=528#comments Tue, 17 May 2011 17:08:36 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=528 Em visita a Brasília, em 1976, Takeo Fukuda, que logo se tornaria primeiro-ministro do Japão, disse a seus anfitriões: “após a crise do petróleo, tornou-se claro que os recursos são limitados. Este é um grande evento na história da humanidade. Seu país é uma potência no século 21, uma potência de recursos”[1]. Esse tipo de discurso tornou-se corriqueiro, passando a ser um protocolo da diplomacia de outros países em relação ao Brasil. Agora o discurso está se tornando realidade.

A expansão das exportações de commodities trouxe uma abundância de recursos ao Brasil, uma vez que é líder mundial nas exportações de minério de ferro, soja, carne bovina, aves, celulose e muitos outros. Guiado pela Embrapa, instituto de pesquisa agrícola do governo, o país passou a utilizar novas técnicas, transformando o cerrado em uma das regiões agrícolas mais produtivas do mundo.

No entanto, o mais rico dos recursos brasileiros deve ser a água. O Brasil é dotado de 13% do abastecimento mundial de água doce. Um membro do Instituto Fernand Braudel, residente em Pequim, Arthur Kroeber, editor do China Economic Quarterly, disse, em um de nossos seminários no mês passado, que a maior limitação no desenvolvimento a longo prazo da China é a água. Ele acrescentou que a China espera importar água do Brasil, sob a forma de produtos agrícolas. Enquanto isso, o Brasil terá que superar a escassez iminente de abastecimento de água para suas próprias cidades, devido à má gestão e falta de investimento público[2].

A idéia do Brasil como “potência de recursos” foi reforçada por uma nova fronteira na exploração petrolífera. Possivelmente uma das últimas fronteiras desse tipo de recurso natural. Em 2006, a Petrobras, em parceria com empresas privadas, começou a perfurar a cerca de 7.000 metros abaixo da superfície do Atlântico Sul, penetrando sedimentos antigos que se encontram abaixo de uma cama de sal de mais de 2.000 metros de espessura, para encontrar os restos de micróbios fossilizados que viveram 130 milhões anos atrás, quando dinossauros ainda vagueavam pelo interior do continente brasileiro. Presos sob estrutura maciça de sal, estes micróbios foram transformados pelo calor, pressão e tempo no hoje conhecido campo de Tupi. Já rebatizado de “Lula”, esse é um dos maiores campos do mundo em petróleo e gás, também considerado a maior descoberta das últimas décadas. Ao todo, dez campos gigantes foram anunciados até agora nas águas profundas da Bacia de Santos.

O Brasil é hoje o maior mercado do mundo para bens e serviços do setor petrolífero em alto mar. A Petrobras é a maior compradora individual. Alguns consultores acreditam que a Petrobrás poderá gastar US$ 1 trilhão nos próximos anos, em investimentos e custos operacionais do projeto em águas profundas[3], valor equivalente à metade do Produto Interno Bruto (PIB) de 2010, no maior empreendimento industrial da história do Brasil. Os gastos anuais de capital da Petrobrás nesta década já acumulam mais de US$ 45 bilhões. São muito mais do que o orçamento anual da Nasa nos anos 60, em dólares atualizados, quando os Estados Unidos se preparavam para enviar um homem à Lua[4]. Em cinco anos a estatal receberia 224 bilhões de dólares em investimento: o maior investimento do setor petrolífero nos dias atuais, que corresponde a 10% do investimento bruto em capital fixo do Brasil.

Riscos sempre foram inerentes à indústria petrolífera, tanto em termos físicos quanto financeiros. No entanto, isso pode ser mitigado quando as companhias conseguem a integração vertical, controlando o fluxo da produção, transportes, refino e comercialização. A Standard Oil Trust, de John D. Rockefeller, conseguiu a integração nos primeiros anos de existência do setor, assim como as maiores companhias – Exxon, Shell e algumas outras – até que a revolução da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), nos anos 70, reduziu o controle delas sobre as reservas.

Desde a sua criação em 1954, a Petrobras desenvolveu-se espetacularmente. Com suas descobertas desde a década de 70, a Petrobras agora se posiciona como uma das empresas petrolífera mais importantes e integradas do mundo, dominando seu grande mercado nacional, com apoio do governo e com acesso privilegiado às enormes reservas em águas profundas das bacias de Campos e Santos. No entanto, o sucesso comercial da exploração do pré-sal depende da superação de desafios relacionados à geologia, tecnologia, logística, segurança, finanças, política, recursos humanos e governança corporativa. Descrevo alguns desses desafios a seguir.

Desafio Político

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou essas descobertas de um “bilhete premiado”. A euforia do pré-sal produziu na classe política a ilusão de recursos ilimitados no horizonte. Ao propor uma legislação para criar um novo conjunto de leis para regular a exploração dessa riqueza, os ministros do governo Lula declararam que os riscos da exploração são extremamente baixos, com grande rentabilidade esperada. A sucessora de Lula, Dilma Rousseff, coordenou a elaboração da nova legislação enquanto presidia o conselho da Petrobras, antes de entrar na campanha eleitoral de 2010.

O intenso debate dessa nova proposta legal no Congresso centrou-se quase exclusivamente na distribuição de royalties entre estados e municípios, negligenciando a governança e as questões técnicas decorrentes da exploração e produção em águas profundas. Tudo se passava como se os recursos já estivessem disponíveis, e restasse apenas a tarefa de dividir o dinheiro.

Em seu discurso de posse como presidente, Dilma declarou que as descobertas do pré-sal seriam “o nosso passaporte para o futuro”, mas advertiu que “recusaremos o gasto apressado que reserva às futuras gerações apenas as dívidas e o desespero“. No entanto, o novo regime de partilha de produção fortifica um regime de capitalismo de Estado, sujeito a amplo poder discricionário do governo e pouca transparência. Reforçou-se o monopólio da Petrobras, reduzindo-se a concorrência de mercado e a diversificação de risco entre várias empresas. A nova legislação obriga a Petrobras a se tornar a operadora, com uma participação de 30%, no mínimo, de todas as fases de exploração na “estratégica” zona de águas profundas, abrangendo 149.000 km2. Tal obrigação pode ser um peso grande para uma empresa que já se encontra sobrecarregada em relação a recursos humanos e capacidade técnico-financeira.

Todas as decisões operacionais da Petrobras e das empresas privadas, incluindo contratação de pessoal, fornecedores e prestadores de serviços, serão decididas pelo comitê operacional, que terá metade de seus integrantes, incluindo o presidente, com direito a veto, indicado por uma nova empresa estatal, Petróleo Pré-Sal S/A, criada para fiscalizar as empresas da área do pré-sal. O espaço para intervenção política nas decisões técnicas é, portanto, muito grande.

Desafio Geológico

As camadas de sal na Bacia de Santos são muito espessas, chegando em alguns lugares a cinco mil metros. São plásticas, móveis e heterogêneas, contendo tipos diferentes de sal. Elas mudam de posição à medida que as perfurações são realizadas. Essas formações geológicas, com potencial de petróleo, se estendem mar adentro no Atlântico Sul em profundidades ainda maiores.

Estas formações não seriam acessíveis hoje sem os recentes desenvolvimentos das sondas de sísmica e no processamento de dados sísmicos. “Perfurar esses reservatórios de pré-sal implica desafios gigantescos”, observaram os engenheiros da Petrobrás durante a Offshore Technology Conference (OTC), em Houston[5]. “De todos esses desafios, o deslizamento do sal é o mais comum e mais difícil de administrar”. As camadas de sal são tão instáveis que podem engolir as brocas de perfuração e derrubar a carcaça que envolve o tubo de perfuração. “Os reservatórios de microcarbonatos ainda são pouco conhecidos”, disse um engenheiro veterano. “O petróleo sai do reservatório muito quente para chegar a um ambiente frio, com apenas 4º centígrados, e congela, virando uma cera, bloqueando o tubo, a menos que produtos químicos especiais sejam adicionados e esse tubo seja continuamente lubrificado.” A instabilidade das camadas de sal impede a perfuração horizontal para aumentar a recuperação dos reservatórios imediatamente abaixo do sal. Este é apenas um dos problemas envolvidos no desenvolvimento desses recursos.

Desafio de Engenharia e Logística

“Nas descobertas de pré-sal, temos dois tipos de problemas logísticos”, disse o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, numa entrevista: “O primeiro tem a ver com pessoas, e é um problema de distância. Na Bacia de Campos, atualmente nossa principal área de produção, transportamos em helicópteros mais de 60 mil pessoas entre a costa e as plataformas, que se situam a 150 km de distância. Mas os blocos de pré-sal na Bacia de Santos podem estar a uma distância de 300 quilômetros, longe demais para transportarmos tanta gente por helicóptero. Assim, precisamos, em primeiro lugar, reduzir o número de pessoas trabalhando nas plataformas, por meio de maior automação. Precisamos colocar plataformas a meio caminho entre a costa e as descobertas de pré-sal para servirem como centros logísticos e também como dormitórios, de modo que os trabalhadores que chegam por barcos possam ser distribuídos por helicópteros para as plataformas de produção, depois de passarem a noite no centro logística. O segundo problema é o suprimento de equipamentos para as operações em alto-mar. É preciso transportar produtos químicos, máquinas, eletricidade. Provavelmente teremos plataformas especiais para geração de eletricidade e outras para a mistura de substâncias química para os fluidos de perfuração.”[6]

Uma dificuldade para criar essas plataformas logísticas é garantir a estabilidade em mar agitado para permitir a atracação segura, como também a chegada e saída de navios e helicópteros. “Todo mundo acha que é óbvio, mas não é”, disse José Formigli, diretor de operações do pré-sal da Petrobrás. “E o preço? Já foi oferecido até um porta-aviões. Só que um porta-aviões se ficar parado tem o péssimo hábito de ficar virando de um lado para outro. Tem casco fininho porque precisa ter velocidade, e quando para, rola. E aí o helicóptero não pousa”.[7]

A estratégia da Petrobras pode ser a automação de operações sempre que isso for possível, reduzindo o número de trabalhadores no mar. Na Bacia de Santos, base para grandes frotas de helicópteros e navios de apoio, devem ocorrer mudanças na ecologia do litoral, com o porto de Santos se tornando um novo centro de gerenciamento das explorações em alto-mar. Guilherme Estrella, diretor de exploração e produção da Petrobrás, imagina 50 plataformas operando na área das descobertas iniciais, cada uma consumindo 100 megawatts de eletricidade. Isso totaliza 5 mil megawatts de capacidade gerada por 200 turbinas movidas a gás, o equivalente ao consumo de energia na região da Grande São Paulo, que tem aproximadamente 20 milhões de habitantes.

Desafio no suprimento industrial

Em 2009, a Petrobrás dominava o mercado mundial em sistemas de produção flutuantes em águas profundas (FPSOs), na maior parte superpetroleiros adaptados para receber, armazenar e descarregar petróleo e gás extraídos do leito marinho. A Petrobras opera 23 dos 49 FPSOs em uso no mundo atualmente, e 10 das 17 plataformas de produção semi-submersíveis usadas globalmente[8]. Em 2020, as operações da Petrobrás absorverão mais 58 plataformas de perfuração (que custam mais de US$ 600 milhões cada uma), 45 plataformas de produção adicionais e 300 superpetroleiros e barcos de apoio.

Nos próximos anos, a Petrobrás deverá encomendar 330 geradores à turbina, 610 mil válvulas, 10 mil quilômetros de cabos elétricos submarinos, 17 mil quilômetros de tubos flexíveis, 4,8 milhões de toneladas de aço, milhares de peças de complexos equipamentos submarinos. Tudo isso envolverá 68 milhões de homens-hora de engenharia e um bilhão de horas de trabalho para a construção e montagem[9].

Gabrielli alertou para “áreas críticas” ou “estrangulamento” na cadeia de abastecimento. “Uma delas é a de sondas. Uma sonda leva de três a quatro meses para perfurar poços a mais de 2 mil metros de profundidade da lâmina d’água. Uma FSPCO (sigla em inglês de plataforma de produção de petróleo) usa de 15 a 20 poços. Portanto, com uma sonda você leva quatro anos para montar um sistema de produção. É um elemento crítico e o Brasil não fabrica”. Também faltam “sistemas submersos, tubulações que ligam o fundo do mar à superfície (…). Hoje, temos a capacidade mundial praticamente contratada e vamos precisar de mais. Empresas inglesas e francesas estão vindo para o Brasil porque aqui é onde está a demanda. Precisamos avançar na área de grandes turbo-compressores, que são geradores flutuantes de eletricidade. É uma área que precisa crescer para atender à nossa demanda. Estamos falando de uma quantidade gigantesca de equipamentos (…)Cada sistema de produção produz entre 100 e 180 mil barris por dia. Então, se vamos produzir 4,5 milhões de barris por dia em 2020, precisamos ter 40, 41 sistemas desse. Cada sistema custa algo em torno de US$ 3 bilhões. Para funcionar, cada um precisa, em média, de cinco barcos de apoio. Estamos falando, portanto, de 200 barcos de apoio de todo tipo (rebocadores, chata, ‘anchor handling’, navio-bombeiro etc.). Para produzir 4 milhões de barris, vamos precisar de muitos petroleiros para transportar tudo isso. Se pensarmos em termos de Suezmax [petroleiro com capacidade de carga de 1,1 milhão de barris], vamos precisar diariamente em torno de 20 a 30 navios.”[10]

Desafio Financeiro

Em setembro de 2010, a Petrobras captou 70 bilhões de dólares com lançamento de ações. Deste, US$ 45 bilhões foram em dinheiro do governo, incluindo US$ 16 bilhões do seu fundo soberano e do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), elevando a participação federal na Petrobras de 40% para 48%. O Ministério da Fazenda emitiu R$ 30 bilhões em títulos e os repassou ao BNDES, e este usou os recursos para comprar ações da Petrobras. Dos US$ 70 bilhões recebidos pela Petrobras, a título de capitalização, US$ 45 bilhões foram devolvidos ao Tesouro para pagar os direitos de exploração de um reservatório que, supostamente, contém 5 bilhões de barris de óleo. Estas transferências representam uma operação circular, que eleva o grau de estatização e de dependência da Petrobras em relação ao Tesouro. Alguns analistas dizem que a Petrobras pode ter de levantar ainda mais capital em poucos anos.

Conclusões

A Petrobras e o governo podem vencer todos esses desafios? Políticos, gestores e técnicos se deparam com esses riscos com uma coragem beirando a temeridade. As descobertas do pré-sal criaram o mito dos recursos ilimitados, que acabam gerando incentivos a gastos sem comedimento. O Brasil realmente precisa investir no desenvolvimento do pré-sal a esta velocidade e escala? Será que esses investimentos acelerados não criarão distorções na economia do país? Serão os investimentos em petróleo os mais importantes para o futuro do Brasil? Ou seriam preferíveis investimentos para corrigir enormes deficiências como no ensino público, portos, aeroportos, geração e transmissão de eletricidade, comunicações, saneamento básico e infra-estrutura de transporte?

Embora os recursos de petróleo do Brasil em águas profundas sejam um dos principais alvos na busca mundial por novas reservas, a Petrobras pode ter de trabalhar com mais cautela e tempo para superar as limitações na capacidade financeira, técnica e de recursos humanos. Terá sido correto estabelecer em lei a obrigatoriedade de participação da Petrobras em pelo menos 30% de todos os campos de exploração de petróleo? Isso não levará a empresa a uma exaustão financeira?

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Para ler mais sobre o tema:

Gall, N. (2011) O risco do petróleo em águas profundas. O Estado de S. Paulo, 30 de janeiro de 2011. Disponível em:  http://pt.braudel.org.br/noticias/arquivos/downloads/tecnologia-e-logistica-em-aguas-profundas.pdf

Gall, N. (2011) Tecnologia e logística em águas profundas. O Estado de S. Paulo, 27 de fevereiro de 2011. Disponível em:  http://pt.braudel.org.br/noticias/arquivos/downloads/tecnologia-e-logistica-em-aguas-profundas.pdf

Gall, N. (2011) O desafio industrial do pré-sal. O Estado de S. Paulo, 27 de março de 2011. Disponível em:  http://pt.braudel.org.br/noticias/arquivos/downloads/o-desafio-industrial-do-pre-sal.pdf


[1] Citado em Gall, Norman, “The rise of Brazil”, Commentary, Janeiro de 1977, p. 45.

[2] Roberto Rockmann, “Especial Água: segurança na fonte”, Valor Econômico, 22 de março de 2011.

[3] Veja, por exemplo: Steve Robertson e Thom Payne, Global Offshore Prospects. Londres; Douglas-Westwood, apresentação em 17 de fevereiro de 2011, p. 29; Joe Leahy, Brazil, plataform for growth, Financial Times, 15 de março de 2011.

[4] Wikipedia, NASA Budget. Consultado em 20 de fevereiro de 2011.

[5] Alves, I. et all. Pre-salt Santos basin: well construction learning curve aceleration. OTC 20177, maio de 2009.

[6] Entrevista gravada com Sérgio Gabrielli em 30 de outubro de 2009.

[7] Cláudia Schuffner, Petrobras já planeja novo gasoduto e dez plataformas no pré-sal. Valor Econômico, 27 de dezembro de 2010.

[8] Douglas-Westwood, The world deepwater market report 2010-2014. pp. 91 e 97.

[9] Booz & Co., Agenda de competitividade da cadeia produtiva de óleo e gás offshore no Brasil. Agosto de 2011, p. 82-86.

[10] Cristiano Romero, Licitação acelerada do pré-sal pode levar a desindustrialização, Valor Econômico de 6 de dezembro de 2010.

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