recessão – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Fri, 17 Dec 2021 20:46:27 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 A sofrência do PIB https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3544&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-sofrencia-do-pib Fri, 17 Dec 2021 20:45:25 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3544 A sofrência do PIB, que é mais forte no ‘per capita’

 

Candidatos presidenciais precisam aprender e indicar como enfrentariam a péssima situação da economia

  

Por Roberto Macedo*

 

O termo sofrência ganhou projeção como modalidade de música sertaneja, fama esta que cresceu muito com o recente falecimento da famosa cantora Marília Mendonça, líder dessa modalidade. Meu dicionário (Houaiss) não contém esse termo, mas Roberto Teixeira da Costa, economista voltado para o mercado de capitais e relações internacionais, escreveu neste espaço, em 25 de novembro passado, o artigo Saindo da sofrência em busca da crescência, e esclareceu que no dicionário que consultou “a palavra é definida como substantivo feminino, condição de pessoa que sofre, que não consegue se livrar de uma situação de tristeza e de sofrimento”.

Usou o termo para se referir à situação atual do Brasil, afirmando que em “(…) mais de 60 anos de vida profissional (…)” não se recordava de ter “vivido um período de tamanha descrença no País e no seu futuro”. Também tenho o mesmo período de vida profissional e o mesmo sentimento. Teixeira da Costa aplicou o termo ao Brasil, e seu texto inspirou-me a usar sofrência para a situação que há muito tempo, desde os anos 1980, marca o Produto Interno Produto (PIB), indicador econômico das agruras por que passa o País.

Começando pelos dados mais recentes, no dia 2 deste mês o IBGE publicou o resultado do PIB no terceiro trimestre deste ano, mostrando queda de 0,1% relativamente ao trimestre anterior. A imprensa destacou esse resultado, mas a notícia mais importante do relatório do IBGE sobre o assunto foi que a taxa do segundo trimestre foi revisada de -0,1% para -0,4%, uma queda bem maior. A taxa do primeiro trimestre também foi revisada, e para cima, de 1,2% para 1,3%, mas essa alteração ficou longe de compensar essas duas quedas nos trimestres seguintes.

Com esses números, dentro de 2021 o PIB cresceu apenas 0,8%, relativamente ao quarto trimestre de 2020, uma taxa muito ruim. E o quarto trimestre de 2021 já começou mal, com o mês de outubro indicando quedas setoriais na indústria, no comércio e nos serviços. E o índice do Banco Central que prevê o crescimento do PIB mostrou queda de 0,4% no mesmo mês.

Mas a sofrência não fica por aí, pois, como venho apontando em vários artigos neste espaço, desde 2015 a economia se encontra numa depressão, e ainda não retomou o PIB que tinha em 2014! Supondo que o PIB não cresça nada no último trimestre deste ano, ele precisaria subir 2,3% em 2022 para voltar ao PIB de 2014. As previsões para 2022 estão longe dessa taxa, e, assim, isso não deve acontecer.

Passando ao PIB per capita, ele leva em conta o crescimento da população, atualmente perto de 0,7% ao ano. Quanto maior for essa taxa, menor o crescimento do PIB per capita. Estudo recente do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas, citado por este jornal no dia 13 deste mês, estimou que o PIB precisaria crescer 2,1% ao ano para retomar, só em 2028 (!), o valor que apresentava em 2013(!).

E há a sofrência ainda mais antiga. O PIB brasileiro mostrou tendência persistente de crescimento a partir de 1900 até a década de 1970, quando alcançou a taxa média anual de 8,8% (!), trazendo o País para o grupo de países de renda média. A partir daí, e até a década de 2010, esse crescimento caiu para taxa média anual próxima de apenas 2,5%, levando o Brasil à chamada armadilha da renda média.

E permanecemos dentro dela. A sofrência vem provocando um aumento recorde do número de brasileiros que vivem no exterior em busca de melhores oportunidades profissionais e condições de vida que as disponíveis no Brasil. O site do Deutsche Welle (DW), uma grande empresa alemã de comunicações que publica matérias em português, noticiou recentemente que dados do nosso Ministério das Relações Exteriores mostram que o número de brasileiros fora do País passou de 1,9 milhão, em 2012, para 4,2 milhões (!), em 2020. Ou seja, mais que dobrou. E esta semana veio a notícia de que o El País, prestigioso jornal espanhol, encerrou a edição brasileira, que contava com o apoio local de 17 jornalistas, após oito anos no País sem resultados que assegurassem a sustentabilidade econômica dessa edição.

E quem é responsável por toda esta sofrência? A resposta daria uma grande história, pois estamos falando de quatro décadas. Olhando mais o momento recente, a classe política brasileira, salvo raríssimas exceções, não demonstra o menor interesse pela economia que tão mal conduz. Não vejo nem o presidente nem o Congresso atuando como socorristas da sofrência. Seu interesse dominante é o de renovar mandatos nas eleições de 2022, custe isso o que custar, inclusive com ações fiscais que também contribuem para prejudicar a economia.

Como não se pode perder a esperança, ela seria estimulada se os candidatos à Presidência apresentassem suas propostas sobre o que fazer na economia. O eleito irá herdá-la nesta péssima situação, e é preciso aprender e indicar como enfrentá-la, pois não haverá saída se ele não tiver essa disposição.

 

 

* Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 16 de dezembro de 2021.

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PIB do terceiro trimestre pode vir com recessão https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3531&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-do-terceiro-trimestre-pode-vir-com-recessao Thu, 18 Nov 2021 21:40:25 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3531 PIB do terceiro trimestre pode vir com recessão

Há uma previsão de taxa positiva e outra, de taxa negativa, ambas de valor absoluto próximo de 0,1%

 

Por Roberto Macedo*

 

O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgará no início de dezembro a variação do produto interno bruto (PIB) no terceiro trimestre deste ano. No primeiro, foi de 1,2%, relativamente ao trimestre anterior, uma ótima taxa trimestral. Mas ficou por aí, e no segundo teve até pequena queda, de 0,1%. As perspectivas para o terceiro trimestre, examinadas mais à frente, são péssimas. Pode vir até outra taxa negativa, o que levaria o PIB a uma “recessão técnica”, marcada por dois trimestres consecutivos de queda. Se vier, será rasa em sua profundidade, mas incomodará, pois será mais um sinal de que a economia brasileira vai mal.

Passando à política econômica do governo Bolsonaro, ela é marcada pelo desgoverno. Desde o início, o presidente só pensa naquilo, ou seja, em ganhar a eleição de 2022. Despreza a questão fiscal, agora com a compra de votos no atacado, ao oferecer R$ 400,00 mensais de Auxílio Brasil para angariar apoio principalmente no Nordeste, onde sua rejeição é maior e Lula atrai a maioria. Mas Lula, também com pouco apego à questão fiscal, na sua campanha poderá prometer R$ 600,00, em lugar dos R$ 400,00 de Bolsonaro, e dizer, ainda, que estes só valerão até dezembro de 2022, e sua proposta seria de algo permanente.

Na economia também há forte inflação, no que a própria política governamental tem parte da culpa, porque a questão fiscal foi agravada com a PEC dos Precatórios, com o maior teto de gastos e com a insistência da Câmara dos Deputados nas chamadas emendas do relator, que acabaram tendo um assim-não-dá do Supremo Tribunal Federal. Mas o governo vai insistir, e tudo isso gera incertezas na economia, refletindo-se na taxa cambial, que aumenta e gera mais inflação, o que, por sua vez, leva a aumentos de juros pelo Banco Central, desestimula consumidores de bens e serviços e desencoraja empresários a fazer investimentos em formação bruta de capital fixo (mais infraestrutura, fábricas, fazendas e outros investimentos), que poderiam expandir o PIB e gerar mais empregos.

Empresários se orientam pela perspectiva de lucros e por um cenário que garanta a realização deles, e este é prejudicado pelas incertezas que vêm do lado fiscal. A certeza é de que o governo não tem compromisso com esse lado.

No detalhe, o terceiro trimestre foi de entressafra agrícola, com o que o PIB do setor agropecuário deve mostrar taxa negativa. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre-FGV), em fase de divulgação, espera-se que a indústria como um todo não tenha crescimento, caindo a produção da indústria extrativa, a da indústria de transformação e a de eletricidade – quedas aliviadas pelo bom desempenho da construção civil. Ainda que com queda do comércio, mas impulsionado pelos transportes e por outros serviços, espera-se um crescimento do setor de serviços. Com essas e outras informações, o Ibre-FGV prevê crescimento de apenas 0,1% no terceiro trimestre. Quase nada.

Na terça-feira passada, vieram números de uma segunda fonte de dados trimestrais, o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br), que procura prever as variações do PIB. A previsão para o terceiro trimestre foi de uma queda à taxa de 0,14%, que, se confirmada pelo IBGE neste ou noutro valor negativo, marcaria o início de mais uma recessão técnica, conforme já explicado acima. Entre as duas previsões citadas, prefiro ver confirmada a taxa negativa do IBC-Br. A diferença entre as duas é pequena, mas a notícia de uma nova recessão acentuaria mais o mau estado da economia, que talvez assim recebesse atenção maior do governo e da sociedade.

Até agora, o PIB não voltou ao seu valor de 2014 (!), nem deve voltar no final deste ano. Aliás, é enganosa, no que se refere à realidade atual, a taxa esperada para o PIB segundo o mais recente boletim Focus, do Banco Central (BC) – um aumento de 4,9% em 2021, relativamente ao PIB de 2020. Enganosa porque a parte mais importante dela, de 3,6%, ocorreria mesmo que o PIB tivesse crescimento nulo dentro de 2021, pois o cálculo é feito relativamente ao buraco que teve em 2020, quando caiu 4,1% e fez uma recuperação em V até o fim do ano. Mas, olhando apenas o crescimento dentro de 2021, a taxa esperada é de apenas 1,3%, que, somada à citada parcela de 3,6%, levaria aos 4,9%.

Vem aí a época de festas, mas, no caso do PIB, só haverá o que lamentar. E Bolsonaro? Certamente, comemorará as 400 pratas que distribuirá por meio de sua nova versão do Bolsa Família, esperando que seja reverenciado por quem teve a sorte de levar o dinheiro. E o presidente também quer um inoportuno reajuste salarial para o funcionalismo público federal.

Quanto ao Brasil e seu PIB, o legado que Bolsonaro vai deixar já pode ser previsto, e é lamentável. As taxas do PIB durante o seu mandato devem ficar em 1,2% (2019), -4,1% (2020), 4,9% (2021) e 0,9% (2022), as duas últimas conforme previsões do mais recente boletim Focus. A média aritmética delas ficaria em 0,73%, uma das mais baixas da história dos mandatos presidenciais brasileiros.

 

*  Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo em 18 de novembro de 2021.

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PIB do segundo trimestre de 2021 ainda não voltou ao de 2013 https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3498&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=pib-do-segundo-trimestre-de-2021-ainda-nao-voltou-ao-de-2013 Fri, 17 Sep 2021 12:41:56 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3498 PIB do segundo trimestre de 2021 ainda não voltou ao de 2013!

 

Por Roberto Macedo

 

No dia 1º de setembro o IBGE divulgou os resultados do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil relativos ao segundo trimestre deste ano. O relatório sobre o assunto retroage a dados de 1996 apresentados num de seus gráficos, mostrado a seguir.

A linha azul do PIB observado mostra que até o quarto trimestre de 2008 ele seguia uma trajetória de crescimento que então foi interrompida por uma crise financeira nos Estados Unidos, que teve repercussões internacionais, alcançando também o Brasil. Aqui ela provocou uma recessão, que os economistas definem como uma sequência de dois trimestres consecutivos de queda do PIB, e foi seguida de uma recuperação rápida que retornou o PIB a seu maior valor anterior e a uma nova tendência de aumento que durou até o terceiro trimestre de 2013, quando atingiu o seu maior valor da série apresentada.

Começou, então, uma nova recessão, que se encerrou no primeiro trimestre de 2017, quando o PIB voltou a crescer, mas a taxas inferiores às que crescia antes da crise de 2008, conforme se percebe pela menor inclinação das linhas que vão de 2017 a 2019, relativamente àquelas 2009 e 2013.

No início de 2020 veio novamente uma recessão, associada à pandemia da Covid-19, que durou até o primeiro trimestre de 2021, quando a economia cresceu 1,2% relativamente ao último trimestre de 2020, retornando o PIB ao valor que tinha no último trimestre de 2019, conforme se observa pela linha do PIB ajustado.

Entretanto, não retornou ainda ao maior valor da série, já referido, o do terceiro trimestre de 2013. Com isso, a economia saiu de uma recessão, mas num contexto mais amplo ela permanece em depressão, este um movimento mais longo e mais grave que o de recessões.

A recuperação da recessão da pandemia da Covid-19 foi chamada de recuperação em V, formato que a linha do PIB mostrou em 2020. E como mostra o gráfico, a depressão que assola a economia desde 2013 tem um formato mais longo e achatado, como o da parte inferior de um U, mas a ponta de sua haste direita ainda está abaixo da ponta da haste esquerda.

A conclusão do exposto é que a economia brasileira está numa situação mais grave que a ressaltada sobre o noticiário econômico, mais focado no curto prazo e nessa recuperação em V, sem essa visão de um passado mais longo, a da depressão ainda em curso.

Uma estimativa da taxa que o PIB precisaria crescer para sair dela seria de 3% a partir do terceiro trimestre deste ano, mas o cenário é o de que, com muita sorte, o Brasil só conseguiria isso no final de 2022. Na contramão desse cenário, o PIB do segundo trimestre de 2021 caiu 0,1% e até o final do ano os analistas do mercado financeiro, conforme se depreende das recentes edições do Boletim Focus do Banco Central, estão indicando que nesse período ele só vai crescer algo próximo de 0,5%.

 

Roberto Macedo é economista (UFMG, USP e Harvard), professor sênior da USP e membro do Instituto Fernand Braudel.

 

Artigo publicado no site da Fundação Espaço Democrático em 14 de setembro de 2021.

 

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Por que fazer reforma da Previdência no meio de uma recessão? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2927&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-fazer-reforma-da-previdencia-no-meio-de-uma-recessao https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2927#comments Thu, 15 Dec 2016 15:15:45 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2927 Introdução: a reforma da Previdência

Em 2017, quando o pior momento da crise econômica for sentido no mercado de trabalho, o Brasil estará discutindo uma reforma da Previdência.  A reforma  compreende uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC no 287, de 2016) e projetos de lei (ainda a serem enviados pelo governo), alterando, entre outros, regras de acesso a benefícios, forma de cálculo e financiamento dos regimes previdenciários.

A opção do governo foi por uma proposta de reforma paramétrica, e não estrutural, mantendo as características essenciais dos regimes. Os regimes continuam sendo de repartição, em que os benefícios dos trabalhadores inativos são financiados pelos trabalhadores em atividade no mercado de trabalho. A mudança se dá nos parâmetros do regime, e não em sua estrutura, como seria uma mudança para um regime de capitalização (em que o benefício de cada trabalhador é custeado pelas suas próprias contribuições no passado, capitalizadas), típico da previdência privada no Brasil e da previdência pública em outros países emergentes1, e tipicamente considerado uma opção “neoliberal”.

Segundo o orçamento anual de 2017, as despesas com Previdência em todos os regimes, mais o Benefício de Prestação Continuada (BPC-Loas), corresponderão a cerca de 55% do total da despesa primária. Comparativamente, a participação das despesas com os servidores ativos será de 13%, saúde 7%, educação 3%, PAC 3% e Bolsa Família 2%. A soma das demais despesas corresponde a 17%. Esses dados são apresentados no Gráfico 1, a seguir, e evidenciam que a Previdência não é só uma questão relevante no futuro, mas também no presente, como a crise dos Estados também mostra.

Previdência e economia

A crise econômica, com a queda de arrecadação e a instauração de sucessivos déficits primários, trouxe à tona o crescimento estrutural da despesa previdenciária e abriu uma janela de oportunidade para a discussão sobre a necessidade de reforma. Reformas anteriores foram feitas em 1998 e 2003. Em 2016 também o governo Dilma Rousseff anunciara a intenção de fazer uma reforma, tendo a Presidente afirmado que a Previdência era no momento “a questão mais importante para o país2.

Por um lado, as despesas previdenciárias têm evidentes efeitos em curto prazo sobre a demanda. O efeito multiplicador sobre o PIB de cada real despendido pelo RGPS seria de cerca de 0,5 (equivalente ao do RPPS). Para o Benefício de Prestação Continuada (BPC-Loas), o efeito seria de 1,23.

Por outro lado, a ênfase do governo em priorizar a reforma da Previdência durante a recessão é consoante com o diagnóstico de especialistas de que o crescimento da despesa previdenciária coloca e colocará mais restrições ao crescimento da economia no futuro.

Segundo essa visão, a Previdência estaria associada a um tripé de baixo crescimento4: carga tributária elevada, investimento público baixo e juros altos. Diante da tendência de aumento do gasto, esses efeitos só ficariam mais fortes no futuro.

Carga tributária

Na ausência de mudanças, a carga tributária seria cada vez mais pressionada. Em 2015, ainda no governo Dilma Rousseff, o Ministro da Fazenda Joaquim Levy propôs a recriação da CPMF, desta vez não para custear a saúde, mas a  Previdência. Enquanto isso, especialistas calculavam que na ausência de mudança de regras, já seria necessária a criação de uma nova CPMF por ano para financiar as despesas da Previdência5.

Outro exercício, apresentado em reportagem da revista The Economist, apontava que sem reformas as contribuições de empregados e empregadores sobre a folha de pagamento deveriam subir dos atuais 31% (na soma de empregador e empregado) para 86% em 2050 a fim de cobrir os benefícios6. Tal majoração da carga sobre a folha seria inviável, porque alíquotas tão altas erodiriam a base de tributação (o nível de emprego) muito antes que se pudesse chegar a esse patamar.

Aceitando a noção de que o sistema tributário brasileiro é ineficiente, mais impostos sobre ele apenas acentuariam seu efeito deletério sobre a economia7. Diante da urgência de arrecadação para cobrir o crescimento da despesa previdenciária e de dificuldades políticas, o provável é que as escolhas seriam no futuro elevar (ou criar) tributos com maior potencial arrecadatório, e não aqueles com efeitos distorcivos menores sobre a economia ou efeitos regressivos menores na distribuição de renda.

Investimento público

O segundo item deste “tripé” é o investimento público. Considera-se que é o investimento que aumenta a capacidade produtiva da economia no futuro. No entanto, investimentos, como os em infraestrutura ou ciência e tecnologia, por mais necessários que sejam para o país se desenvolver, constituem despesas “discricionárias”. Esse tipo de despesa se contrapõe à despesa obrigatória, que não pode ser reduzida e integra cerca de 92% do orçamento federal.

São exemplos de despesas obrigatórias a Previdência e os salários do funcionalismo. Diante do crescimento das despesas previdenciárias, o governo tem três opções principais8: elevar os impostos, aumentar o endividamento (que pressiona os juros, o que será visto a seguir) e reduzir outras despesas. Para acomodar o crescimento dos gastos com Previdência, seriam as despesas discricionárias as com maior chance de ser comprimidas, o que atinge o investimento público. Esta questão afeta diretamente não só o governo federal, mas também os subnacionais.

Ilustrativamente, em 2015 – ano de ajuste fiscal – enquanto a rubrica “outras despesas de capital”, que reflete o investimento público federal, teve redução de mais 30%, as despesas da Previdência (urbana e real) cresceram mais de 1% acima da inflação.

Juros reais

Finalmente, de modo simplificado, os juros reais estão associados à percepção de risco em relação à capacidade do governo de honrar seus compromissos9. A chance de insolvência no futuro, por conta de uma despesa estruturalmente crescente, pressionaria os juros para cima. Por sua vez, os juros reais altos sufocariam os empreendimentos que o país precisa para crescer.

A Figura 1 a seguir, sintetiza a lógica entre despesa previdenciária e seus efeitos no crescimento da economia, bem como na distribuição de renda.

Confiança

Ainda, segundo o diagnóstico do governo sobre a necessidade de ajuste fiscal, a reforma contribuiria para ganhos de confiança que induziriam a recuperação da economia. No mesmo sentido, o ex-Ministro da Fazenda Nelson Barbosa, em declaração ao Fórum criado no governo Dilma Rousseff para discutir a reforma, entendia como benefício imediato da reforma a melhora das expectativas fiscais, que “reduz a volatilidade cambial, possibilita a queda das taxas de juros de longo prazo e incentiva o investimento e a geração de emprego10.

Poupança e produtividade

Por fim, outros efeitos no crescimento da economia relacionados ao desenho da Previdência (e não exatamente à despesa previdenciária) discutidos pela literatura incluem a redução da poupança doméstica11 e a retirada precoce de trabalhadores produtivos da força de trabalho12. Adicionalmente, o envelhecimento da população está associado a um menor nível de inovação e de crescimento da produtividade13.

 

Previdência e teto de gastos

A Emenda Constitucional do teto de gastos (antiga PEC no 55, de 201614) congela a despesa total do governo federal em termos reais por 10 anos (Novo Regime Fiscal). O teto será anualmente reajustado pela inflação (passados 10 anos outro indexador será escolhido). Podemos dizer que a reforma da Previdência é irmã gêmea da reforma fiscal.

Isso porque a despesa previdenciária cresce aceleradamente em termos reais. Para as despesas federais caberem no teto, outras despesas deverão ser reduzidas na mesma magnitude. Se cumprir o teto, o governo não poderá mais recorrer ao aumento do endividamento ou da arrecadação para cobrir suas despesas primárias15.

Assim, com o teto, o crescimento da despesa previdenciária obrigaria o governo a cortes profundos em diversas outras áreas, o que tornaria a reforma da Previdência mais urgente. Nas palavras do relator da PEC do teto na Câmara, Deputado Darcísio Perondi, o novo regime fiscal “não sobrevive sem a reforma da Previdência (…) É uma dependência biológica entre os pulmões e o coração, um não vive sem o outro.”16

O Gráfico 3, abaixo, apresenta um exercício do impacto, com a vigência do teto, do crescimento da despesa da Previdência nas outras despesas do governo federal. Consideramos 2017 o primeiro ano da aplicação integral do teto17. Sem mudanças, a participação dos gastos previdenciários no gasto total da União passaria gradualmente de cerca de 55% em 2017 (um valor já alto) para cerca de 75% em 2026.

Isso quer dizer que, com o teto e sem reforma da Previdência, todas as despesas primárias do governo federal (excluída a Previdência), que em 2017 deveriam caber em 45% do orçamento, deverão caber em apenas 25% em 2026 – quase a metade. O corte em várias áreas deverá ser ainda maior, uma vez que outras despesas com elevada participação no gasto da União também não podem ser reduzidas, como a com o funcionalismo18. Este resultado coaduna com a visão de Paulo Tafner, um dos principais especialistas em Previdência do país, para quem o problema fiscal existente no Brasil é na essência um problema previdenciário.

Em verdade, mesmo com a reforma da Previdência o resultado pode ser próximo ao apresentado no Gráfico já que, para respeitar o planejamento das famílias de acordo com as regras vigentes, bem como para atenuar a oposição às alterações, a reforma da Previdência possui regras de transição para que as mudanças sejam graduais no tempo.

A partir de 2026 o teto poderá ser reajustado por outro indexador diferente da inflação, como o crescimento do PIB, atenuando os efeitos do crescimento da despesa previdenciária.  Como ilustração, apresentamos no Gráfico 5, tal qual o Gráfico anterior, a tendência de participação do gasto previdenciário nos últimos 10 anos do teto, caso não haja mudança de indexador.

Ressaltamos que este exercício é meramente ilustrativo, com o intuito de evidenciar a tendência de participação do crescimento da despesa previdenciária no total da despesa primária. A estimativa é sensível aos parâmetros escolhidos pelo governo no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (2017).

Evidentemente o cenário apresentado no Gráfico 4 é improvável: tanto o indexador quanto a legislação previdenciária seriam modificados antes de ele se concretizar. Entretanto, o exercício sugere que sem a reforma o efeito sobre outras políticas públicas e o investimento público seria devastador. Anedoticamente, neste cenário ilustrativo, a partir de meados da década de 2030 chegaríamos ao extremo da União pagar apenas despesas previdenciárias (na ausência de reformas, mudança do indexador e com o teto sendo estritamente cumprido).

Dessa forma, é útil revisitarmos a Figura 1, que apresentava os mecanismos pelos quais o crescimento da despesa afeta a economia. Conforme a Figura 2, a seguir, com o teto respeitado, a pressão sobre a carga tributária e a taxa de juros seria aliviada.

Entretanto, o impacto via redução do investimento público seria exacerbado, bem como se amplificaria a compressão de outras rubricas melhor posicionadas para reduzir a pobreza e a desigualdade de renda. Este seria a concretização do cenário de “canibalização dos gastos sociais”19.

Chegamos a outro ponto sobre a interação do teto do gasto com a Previdência.  Até agora, nesta discussão, consideramos que o teto seria respeitado e que, por isso, o crescimento da despesa previdenciária obrigaria reformar a Previdência e/ou promover profundos ajustes nas políticas públicas e investimentos feitos por despesa discricionária.

Entretanto, outro cenário provável é que a União não consiga cumprir o teto, o que acarretaria as vedações previstas pela Emenda até que o limite fosse reestabelecido. Essas vedações incluem inicialmente reajustes a remunerações do serviço público, criação de cargos e admissão de pessoal, entre outros itens afetos ao funcionalismo.

Todavia, o relatório do Deputado Darcísio Perondi, aprovado na Comissão Especial e no Plenário da Câmara dos Deputados, criou uma última vedação adicional: o aumento real do salário mínimo. Esta possibilidade também constava da proposta de reforma fiscal do Ministro da Fazenda Nelson Barbosa apresentada ainda no governo Dilma Rousseff (Projeto de Lei Complementar (PLP) no 257, de 2016).

Como dois terços dos benefícios previdenciários estão hoje atrelados ao salário mínimo, esta vedação atingiria diretamente a Previdência Social, ao proibir a prorrogação da política de valorização do salário mínimo ou política semelhante. Atualmente, o salário mínimo é reajustado segundo a inflação do ano anterior e o crescimento do PIB de dois anos antes, componente real da fórmula prevista na Lei no 13.152, de 29 de julho de 2015, cuja vigência se estende até 2019.

Assim, caso o teto não seja respeitado e as medidas de contenção de gastos via funcionalismo não sejam suficientes, o reajuste dos menores benefícios da Previdência seria afetado. Dessa forma, sem alterações na Previdência, o que eleva a chance de descumprimento do teto, as vedações impostas Emenda Constitucional do limite dos gastos garantem parcialmente uma espécie de “reforma automática”.

Assim, resumidamente, temos dois cenários de interação entre o teto e a Previdência:

 

Cenário 1: teto é respeitado

  • O crescimento acelerado das despesas previdenciárias obrigará a aprovação de alterações na Previdência; e/ou
  • O crescimento acelerado das despesas previdenciárias reduzirá substancialmente o espaço fiscal para políticas públicas e investimentos financiados por despesas discricionárias.

 

Cenário 2: teto não é respeitado

  • Reajustes reais do salário mínimo são vedados, atenuando parte do crescimento da despesa da Previdência.

 Ainda, como o crescimento esperado para as despesas previdenciárias é decorrente principalmente da transição demográfica, e não apenas do aumento do salário mínimo, é plausível que elementos dos dois cenários sejam observados (reforma da Previdência; redução de despesas discricionárias; e reajustes apenas nominais aos menores benefícios da Previdência).

 

Considerações finais

O impacto da reforma nos dez primeiros anos, acumulado, seria de R$ 678 bi em relação à trajetória anterior, o que pode ser insuficiente para “caber” no teto de gastos20. Para Fabio Giambiagi, um dos principais especialistas brasileiros no tema, a reforma seria adequada em relação ao ano de 2032 em diante, mas insuficiente para os próximos anos: “o governo eleito em 2018 talvez tenha que fazer outra reforma referente às condições de aposentadoria na década de 202021. Já o Ministro-Chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, avalia que a aprovação da reforma apenas moderaria o crescimento da despesa até 2025, que subiria consistentemente dali em diante22.

É certo que a reforma da Previdência não soa como item de uma “agenda de crescimento”, na forma romântica que o termo é normalmente compreendido. Entretanto diante da situação dramática da trajetória do gasto previdenciário no Brasil, ela se apresenta como uma necessária correção de rota para evitar um cenário de instabilidade econômica e social muito pior do que o atual.

 

(Este texto é baseado no Boletim Legislativo nº 52 do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, disponível no seguinte link:http://www.senado.gov.br/estudos)

 

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1 Como no Chile. O regime de capitalização se caracteriza por um menor risco demográfico, mas maiores riscos financeiros, do que o regime de repartição. Ainda, na capitalização os riscos envolvidos são mais individuais, enquanto no regime de repartição, mais solidário, os riscos recaem sobre os trabalhadores da ativa ou, em última instância, sobre toda a sociedade. Uma reforma estrutural que migrasse da repartição para a capitalização envolveria significativos “custos de transição”, decorrentes do fato do regime antigo continuar pagando benefícios enquanto as novas contribuições são vertidas para o novo regime. Há ainda um terceiro tipo de regime, o de contas nocionais, em que as contribuições individuais são remuneradas (como na capitalização), mas por “juros fictícios”, sendo elas na prática vertidas para financiar os benefícios dos inativos (como na repartição). Trata-se de um modelo utilizado há poucos anos, na Suécia, Itália, Polônia e Noruega. Ver, entre outros, Tafner (2007): TAFNER, P. Seguridade e Previdência: Conceitos Fundamentais. In: TAFNER, P.; GIAMBIAGI, F. (Org.) Previdência no Brasil: debates, dilemas e escolhas. Rio de Janeiro: Ipea, 2007.

2Ver: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-01/dilma-diz-que-previdencia-e-assunto-que-mais-preocupa-governo.

3Comparativamente, os multiplicadores do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), abono salarial, seguro-desemprego e Bolsa Família são, respectivamente, de 0,39; 1,06; 1,06 e 1,78. Ver Neri et al. (2013): NERI, M.; VAZ, F. M.; SOUZA, P. H. G. F. Efeitos Macroeconômicos do Programa Bolsa Família: Uma Análise Comparativa das Transferências Sociais. In: CAMPELLO, T. NERI, M. (Org.) Programa Bolsa Família: Uma Década de Inclusão e Cidadania. Brasília: Ipea, 2013.

4Ver Giambiagi (2007). GIAMBIAGI, F. Reforma da Previdência, o encontro marcado:a difícil escolha entre nossos pais ou nossos filhos. Rio de Janeiro: Campus, 2007.

5 O foco do problema. O Globo. 16 de setembro de 2015. Disponível em: http://blogs.oglobo.globo. com/miriam-leitao/post/foco-do-problema.html.

6Baseado em estimativas do demógrafo Bernardo Queiroz, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Brazil’s pension system: Tick, tock. The Economist. 24 de março de 2012. Disponível em: http://www.economist.com/node/21551093.

7 Ver, entre outros, Afonso (2016). AFONSO, J, R. Ambiente de Negócios: Simplificação da Legislação Tributária. Apresentação no Seminário Ambiente de Negócios: Segurança Jurídica, Transparência e Simplicidade.  IBRE/FGV e Direito-Rio/FGV. Rio de Janeiro,23 de setembro de 2016.

8 Uma quarta opção seria emitir moeda e financiar o aumento do gasto via inflação. Por outro lado, umataxa de crescimento muito alta do PIB poderia atenuar o problema por um período de tempo, ao aumentar a arrecadação sem necessidade de aumento de tributos.

9Aqui, deve-se considerar o conceito de taxa implícita de juros, e não a taxa Selic, que não tem a mesma participação que tinha no passado na remuneração dos títulos públicos.

10Barbosa defende que reforma da Previdência seja feita agora, gradualmente. Correio Braziliense, 17 de fevereiro de 2016. Disponível em: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2016/02/17/internas_economia,518253/barbosa-defende-que-reforma-da-previdencia-seja-feita-agora-gradualme.shtml.

11 Ver, entre outros, Oliveira et al. (1998).  OLIVEIRA, F. E. B.; BELTRÃO, K. I.; DAVID, A. C. A. Previdência, Poupança e Crescimento Econômico: Interações e Perspectivas. Texto para Discussão no 607. Rio de Janeiro: Ipea, novembro de 1998.

12 Ver, entre outros, Paiva et al. (2016). PAIVA, L. H.; RANGEL, L. A.; CAETANO, M. A. O Impacto das Aposentadorias Precoces na Produção e na Produtividade dos Trabalhadores Brasileiros.Texto para Discussão no 2.211. Rio de Janeiro: Ipea, julho de 2016.

13 O que não corrobora o argumento de que o crescimento da produtividade poderia resolver o problema previdenciário. Não só o crescimento da produtividade gera um passivo previdenciário no futuro (como contrapartida do aumento da arrecadação), como ele seria restringido pelo próprio envelhecimento da população. Ver, entre outros, Maestaset al. (2016). MAESTAS, N.; MULLEN, K. J.; POWELL, D. The Effect of Population Aging on Economic Growth, the Labor Force and Productivity. NBER WorkingPaper No. 22452. Julho de 2016.

14Na Câmara, a matéria tramitou como PEC 241/2016.

15Evidentemente que a criação ou aumento de tributos não está proibida, mas elas serviriam, pelo menos nos dez primeiros anos do Novo Regime Fiscal, para melhorar o resultado primário: a princípio reduzindo o déficit e posteriormente gerando um superávit. Em verdade, a estabilização da relação dívida e PIB é o objetivo da proposta.

16Ver: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2016/10/so-nao-vai-ter-ganho-real-mas-e-reajuste-diz-perondi-sobre-pec-do-teto-dos-gastos-publicos-7729952.html.

17Na primeira semana de outubro o governo indicou que o teto só valeria para as áreas de saúde e educação a partir de 2018. Não consideramos essa mudança em relação à proposta original neste exercício, o que afeta os valores absolutos estimados, mas não a tendência do resultado.

18Diante desse cenário, alguns especialistas defendem que a PEC seja modificada para que seja dado um tratamento mais duro às despesas com funcionalismo, incluindo congelamento real de salários. Ver, entre outros http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/09/1817880-para-analistas-teto-precisa-de-limite-para-despesa-com-pessoal.shtml?cmpid=compfb  e http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,em-13-anos-salario-do-servico-publico-subiu-tres-vezes-mais-que-o-privado,10000079369.

19Proposto por Fabio Giambiagi. Ver: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/09/22/politica/1442935579_665784.html.

20Ver: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/12/1838400-reforma-da-previdencia-pode-gerar-economia-de-r-678-bi-diz-governo.shtml.

21 Ver: http://oglobo.globo.com/economia/mesmo-com-reforma-governo-federal-tera-de-cortar-mais-300-bi-20419663.

22 Ver: http://br.reuters.com/article/domesticNews/idBRKBN12Z2TR.

 

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O F.A.Q. da Crise https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2592&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-faq-da-crise https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2592#comments Mon, 31 Aug 2015 12:53:08 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2592 Foi publicado recentemente neste site o texto “Por que a economia brasileira foi para o buraco?”. Com base no diagnóstico ali traçado, listamos uma série de perguntas frequentes sobre a crise econômica, oferecendo as nossas respostas.

 

1 – A crise que estamos vivendo é consequência da crise econômica internacional?

R: Não. A crise fiscal, a inflação alta, o desemprego crescente, a baixa capacidade de crescimento da economia brasileira são fundamentalmente consequência de desequilíbrio fiscais estruturais (a despesa pública cresce mais que o PIB há 30 anos) somada a uma política econômica equivocada adotada a partir de 2005/2006.

Na verdade, a situação econômica internacional existente entre 2003 e 2011 foi muito favorável ao Brasil, devido a dois fenômenos: o grande aumento nos preços dos nossos produtos de exportação (commodities) e a fartura de crédito no mercado financeiro internacional. O nosso governo tomou essas duas situações passageiras como se fossem definitivas e passou a conduzir a política econômica acreditando que os preços das commodities nunca iriam mudar e que haveria dinheiro barato para sempre no mercado financeiro internacional.

Por isso, acelerou os gastos públicos, concedeu isenções tributárias, distribuiu benefícios creditícios, interferiu no processo de decisão das grandes empresas, congelou preços públicos e fez muitas outras políticas criticáveis, com descrito em detalhe no postPor que a economia brasileira foi para o buraco?” Enquanto os ventos na economia internacional eram favoráveis, o Brasil ia bem apesar dos erros de política econômica. Contudo, tais erros acumularam distorções (déficits público e no balanço de pagamentos crescentes, aumento da inflação, insustentabilidade da dívida pública).

Agora que os ventos favoráveis vindo do exterior mudaram (queda nos preços das commodities e tendência de aumento das taxas de juros internacionais), como seria de se prever, o governo passa a culpar tais mudanças pela crise brasileira. Se durante o período de bonança tivéssemos adotado uma política econômica responsável, não estaríamos enfrentando uma situação tão dura. Se tivéssemos aproveitado os tempos bons para fazer reformas que consertassem as inconsistências no gasto público, estaríamos mais bem preparados para o momento atual. Assim como um organismo fragilizado é mais vulnerável a contrair doenças, uma economia desajustada sofre mais quando há uma crise na economia internacional. Basta comparar o desempenho da economia brasileira com a de países latino-americanos que praticam melhores políticas macroeconômicas, como Chile e Colômbia. Esses dois países estão sentido o impacto da crise internacional, mas com intensidade muito menor que o Brasil.

2 – Se a economia está em recessão, por que fazer ajuste fiscal, que aprofunda mais a recessão? Será que esse tipo de remédio não irá matar o paciente?

R: Em primeiro lugar, é preciso dizer que a recessão começou ANTES do ajuste fiscal. O Comitê de Datação de Ciclos Econômicos (Codace) da FGV mostrou recentemente que a recessão começou em meados de 2014. Portanto, mais de seis meses antes da posse do Ministro Levy e do início do ajuste fiscal.

Essa recessão se deu pelo esgotamento de um padrão de crescimento do gasto público acima do crescimento do PIB, somado a uma política econômica populista e insustentável, adotada a partir de 2005/2006. A crise é composta por vários problemas: inflação alta e crescente, visível esgotamento financeiro do Tesouro e incapacidade de continuar a subsidiar investimentos, paralisação do setor de óleo e gás pela mudança do marco regulatório do pré-sal, ameaça de racionamento de energia, sobre-endividamento da maior empresa do país, queda da produtividade da economia (devido aos inúmeros gargalos produtivos, como a infraestrutura deficiente, legislação tributária e trabalhista inadequadas e interferência do governo nas decisões privadas), sobre-endividamento das famílias, crescente risco de rebaixamento da nota de crédito do Governo Federal para o nível de investimento especulativo.

Enquanto a China puxava nossa economia, parte desses problemas não aparecia ou era menor. Acabado o estímulo externo, a crise se impôs.

Na situação em que nos encontramos, o ajuste fiscal não é uma das políticas possíveis. Ele é o único caminho responsável a ser trilhado. Esse ajuste é condição necessária para que o país tenha alguma esperança de retomar o crescimento no futuro. Sem o ajuste fiscal, a dívida pública vai crescer rapidamente, o Tesouro não terá como financiá-la (porque os investidores não vão querer correr o risco de levar o calote) e será preciso emitir moeda para pagar a dívida pública. Voltaremos à época da hiperinflação. E quem viveu nos anos 80 sabe que com hiperinflação não se vai a lugar nenhum.

Embora seja necessário (o único caminho possível, a não ser que se considere o caos econômico como opção válida), o ajuste fiscal não será suficiente para garantir a retomada do crescimento. Estão certos os que dizem que o ajuste vai aprofundar a recessão. A única possibilidade de o ajuste fiscal não gerar mais recessão seria fazê-lo por meio de reformas que permitissem reduzir o gasto público corrente, abrindo espaço para que, ao mesmo tempo em que o superávit primário aumentasse, a carga tributária pudesse ser mantida constante e houvesse investimentos de qualidade em infraestrutura.

Porém, não é esse o padrão de ajuste fiscal de curto prazo viável no Brasil. Como no passado, o ajuste será feito por meio de aumento de tributos e mais repressão ao investimento. Não há como não derrubar a economia fazendo tal ajuste. Mesmo assim, é melhor fazer esse ajuste sub-ótimo do que não fazer nenhum ajuste e rumar para a hiperinflação.

Ou seja: o ajuste em curso vai ajudar a derrubar a economia no curto prazo. Mas a recíproca não é verdadeira: o “não-ajuste” não fará a economia crescer. Irá, isso sim, nos levar para uma situação ainda pior: a hiperinflação e a desestruturação da economia. Há, ainda, o risco de ficarmos no meio do caminho: um ajuste insuficiente que não evitará o pior, e ainda imporá custos à sociedade.

3 – A tentativa de resolver a crise econômica na Europa por meio de medidas de austeridade fiscal falhou. Por que vamos insistir nesse remédio que não funcionou em outros lugares?

R: É incorreto dizer que a política de ajuste na Europa foi apenas de austeridade fiscal. Irlanda, Portugal e Espanha implantaram não apenas duros ajustes fiscais, mas também fizeram reformas importantes: vendas de ativos, flexibilização do mercado de trabalho, reforma orçamentária.

Também é incorreto dizer que esse conjunto de medidas não deu resultado. Esses três países sofreram as dores do ajuste, mas estão todos emergindo da crise e voltando a crescer, assim como diversos países do leste europeu, como Polônia, Hungria e os países bálticos.

A lição que devemos tirar do caso europeu é justamente o contrário da afirmação feita na pergunta: o país que se recusou a se ajustar, a Grécia, é que foi para uma crise aguda. O caso grego é um exemplo do que ocorrerá com o Brasil se não fizermos um adequado ajuste fiscal. Diga-se de passagem, apesar de todo o barulho político feito por seu governo populista, a Grécia acabou tendo que por em prática um programa de ajuste fiscal e de reforma estrutural do setor público. Não apenas por exigência dos credores, mas por uma questão de sobrevivência da economia do país.

Deve-se dizer, por fim, que a contração econômica nos ajustes fiscais feitos nos países do Euro tende a ser maior do que em um país que tem moeda própria, como o Brasil. Isso porque os países do Euro não têm a opção de se ajustar por meio da desvalorização cambial, já que a moeda é única. Por isso, para reduzir os custos internos e se tornarem mais produtivos, eles precisam de uma grande contração econômica, para gerar grande desemprego e, com isso, reduzir os salários e os custos das empresas. No Brasil, a desvalorização cambial pode fazer uma parte desse serviço, sendo necessária menor contração do PIB.

4 – Não seria contraditório acabar com a desoneração da folha de pagamentos no momento em que as empresas estão sofrendo com a crise econômica?

R: Sem dúvida que seria melhor fazer um ajuste fiscal baseado em redução da despesa pública, sem a necessidade de elevar tributos. Isso não aumentaria os custos das empresas, geraria menos desemprego e abriria mais espaço para o investimento privado. Porém, o orçamento público brasileiro é muito rígido. Se não fizermos reformas que reduzam o ritmo de crescimento de despesas da previdência, das políticas sociais ou da folha de pagamento, não haverá como conter a expansão do gasto.

Nessa situação, como já afirmado acima, é melhor que se faça um ajuste de baixa qualidade (via aumento de impostos e corte de investimentos) do que não se fazer ajuste nenhum.

O risco, como já apontado na resposta à questão 1, é que o ajuste “politicamente possível” não seja suficiente para reequilibrar as contas e conter o crescimento da dívida. Aí os sacrifícios serão em vão.

5 – O ajuste fiscal vai ser pago pelos mais pobres?

R: Não necessariamente os pobres pagarão pelo ajuste fiscal. Como afirmado ao longo do texto “Por que a economia brasileira foi para o buraco?”, o gasto público no Brasil beneficia todas as camadas de renda. Se fizermos uma reforma fiscal que contenha a expansão dos gastos feitos a favor das classes alta e média, poderemos ter um efeito de redistribuição de renda. Uma reforma da previdência social, por exemplo, que requeira maior tempo de trabalho para a aposentadoria, tende a ser redistribuidora de renda, pois o seu custo recairá sobre a classe média e alta urbana. O mesmo se pode dizer de um maior controle na contratação e remuneração de servidores públicos, que, em sua maioria, estão entre os 5% mais ricos do país. O fim dos subsídios creditícios a grandes empresas também teria importante efeito redistributivo de renda. Um redirecionamento do gasto público em educação do nível universitário para o ensino básico também beneficiaria os mais pobres, principalmente se fosse instituída a cobrança de mensalidades nas universidades públicas. Mesmo alguns programas normalmente identificados como sendo de atendimento aos mais pobres, como o abono salarial e o seguro desemprego, atendem camadas de renda acima do nível de pobreza: o seu redesenho pode levar à redução de despesas sem afetar os mais pobres.

Deve-se lembrar, ainda, que o não-ajuste levará a aumento da inflação; esta sim muito prejudicial aos pobres e concentradora de renda.

6 – Por que não fazemos o ajuste tributando os bancos?

R: Uma lição básica em economia é a de que o custo dos tributos não incide, necessariamente, sobre o agente econômico que é tributado. Sempre que a pessoa física ou jurídica que é tributada pode passar para frente o custo do imposto pago, ela passará. Uma maior tributação dos bancos (que já são bastante tributados) se converterá, total ou parcialmente, em aumento das taxas de juros por eles cobradas. Quem pagará uma parte ou a totalidade do imposto será o indivíduo ou a empresa que precisar tomar crédito.

Não obstante isso, tendo em vista o exíguo espaço político para se cortar despesas, é possível que se acabe optando por tributar as operações de crédito, pois essa é uma forma dissimulada de se ampliar a tributação sobre a população como um todo, disfarçando-a de tributação sobre os bancos.

7- Por que não fazemos o ajuste tributando os ricos, através da criação do Imposto sobre Grandes Fortunas?

Esse imposto, sozinho, não resolveria o problema. Mesmo que não se preveja nenhuma isenção, nem se leve em conta a fuga de capitais que ele provocaria, sua arrecadação dificilmente passaria de R$ 5 bilhões por ano. O valor é irrisório frente às necessidades fiscais do Tesouro Nacional.

Pode-se discutir a progressividade ou regressividade do sistema tributário brasileiro e, com isso, a possibilidade de tributos que incidam sobre os mais ricos. Porém, não se pode esperar que esse tipo de tributação gere receita suficiente para fechar as contas públicas. Somente os aumentos previstos nas áreas de previdência, saúde e educação para os próximos anos está na casa de R$ 22 bilhões por ano.

Tributar grandes fortunas pode também trazer o impacto indesejado de reduzir ainda mais a já reduzida taxa de poupança doméstica.

8 – As despesas com juros são da ordem de R$ 417 bilhões por ano. Por que não fazemos o ajuste fiscal cortando a taxa de juros fixada pelo Banco Central? Não seria muito mais fácil do que cortar programas sociais?

R: Isso já foi tentado pelo Governo, no âmbito da “nova matriz econômica”. Entre agosto de 2011 e outubro de 2012 a taxa Selic foi sistematicamente reduzida, passando de 12,5% a.a. para 7,25% a.a.. Porém, a redução forçada dos juros, sem que haja uma correspondente redução do déficit primário, aumenta a inflação e não se sustenta. O déficit do governo coloca renda na mão das pessoas e aumenta o consumo. Como a oferta de bens e serviços é rígida (há uma série de obstáculos à expansão da produção no Brasil, como descrito no texto), o aumento da demanda leva a aumento de preços.

Por isso, o ajuste das contas não financeiras deve preceder a redução dos juros pelo Banco Central. Tentar começar pelos juros, apesar de ser a conta mais elevada, não é algo consistente ou sustentável. Ademais, a maior parte dos valores pagos a títulos de amortização e juros da dívida não vêm diretamente da tributação imposta à população, e sim de novos empréstimos, que rolam os antigos. Um corte abrupto dos juros reduzirá a oferta de novos empréstimos ao Governo. Com isso, seriam necessários cortes nas outras despesas com vistas a alocar mais recursos para pagar amortização e juros da dívida.

9 – Muitos economistas advogam que, para o país crescer mais rápido, é necessário aumentar a poupança. Mas se todo mundo poupar, qual será o estímulo para as empresas investirem, se não haverá quem consome?

Há uma confusão de conceitos. Poupar não é o mesmo que deixar de gastar. Um indivíduo que deixa de gastar em bens de consumo final (alimentos, roupas, festas, etc) para comprar tijolos e construir uma casa, em verdade, está poupando. Sua poupança está sendo gasta na aquisição de bens de investimento (no caso, os tijolos). Poupar (e sua contrapartida, investir), portanto, é simplesmente trocar o consumo de bens e serviços finais hoje por bens e serviços finais no futuro. Assim, um aumento da taxa de poupança de um país somente altera o mix de produção, com a economia passando a produzir mais bens de capital, insumos para construção civil ou produtos para exportação (que lhes permite adquirir ativos no exterior). Naturalmente, economias que investem mais, crescem mais rapidamente. Não é por menos que os países emergentes do leste asiático, cuja taxa de poupança é acima de 30% do PIB (enquanto no Brasil é em torno de 15% do PIB), são os que mais rapidamente crescem.

10 – Um modelo de crescimento do estilo asiático, baseado em elevada taxa de poupança e câmbio depreciado, não está associado a piores condições para o trabalho?

No curto prazo, é correto. Se o país poupa muito, há poucos recursos para programas assistenciais e de previdência. Além disso, a taxa de câmbio depreciada implica salários reais menores. Entretanto, essa é uma visão estática. Como esses países investem mais, o que lhes permite crescer mais rapidamente, no longo prazo, o padrão de vida da população tende a ser melhor. Coréia do Sul e Brasil tinham níveis de renda per capita semelhantes na década de 1960 e, hoje, a renda per capita sul-coreana é cerca do triplo da brasileira. Da mesma forma, a renda per capita da China já se aproxima da brasileira, quando era menos da metade há vinte anos. Pode-se fazer uma analogia com o bem-estar de uma família. Se tivermos dois domicílios com a mesma renda inicial, aquele que poupar mais terá menor qualidade de vida no curto prazo. Entretanto, no longo prazo, o que poupou mais terá maior renda (decorrente das aplicações financeiras feitas ao longo da vida), o que lhe permitirá auferir maior bem estar.

11 – Corremos o risco de uma nova década perdida?

Infelizmente, sim. Tomando o PIB per capita como medida de bem estar individual, temos que o pico deste ocorreu em 2013 (R$ 27,4 mil, em valores de dezembro de 2014). Considerando que o PIB cresceu 0,15% em 2014 e a população tem crescido em torno de 0,9% a.a., e assumindo que o PIB diminuirá 2% em 2015 e 0,5% em 2016, crescendo 1,5% na média dos anos seguintes, temos que o PIB per capita cairá até 2017, recuperando-se lentamente depois disso, até voltar ao patamar de 2013 apenas em 2023 ou 2024. Trata-se de cenário bastante plausível. Não havendo reformas substanciais que aumentem a poupança pública e a produtividade, teremos baixa taxa média de crescimento econômico no período 2017-2024, em face do esgotamento da principal fonte de crescimento econômico do passado recente (qual seja, o aumento da taxa de ocupação da mão de obra), combinado com nosso histórico de incrementos reduzidos na produtividade do trabalho.

 

Os autores agradecem os comentários de Pedro Fernando Nery.

 

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