produtividade – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Mon, 05 Feb 2018 14:17:10 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Contos da Reforma Trabalhista https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3157&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=contos-da-reforma-trabalhista Mon, 05 Feb 2018 14:17:10 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3157 Miranda queria comemorar a causa que ganhou: ele aproveitou a sexta-feira e chamou os colegas do escritório para um bar badalado. A noite não foi tão divertida: reclamou com o dono do estabelecimento, Emanuel, que o atendimento do grupo foi ruim e não conseguiam fazer seus pedidos porque faltavam garçons.

João acaba de sair do ensino médio em uma escola pública, sem boas perspectivas. Quer ingressar em uma faculdade, mas não tem dinheiro para pagar uma particular ou o cursinho para passar no Enem. Sem experiência, não consegue um emprego. Na verdade, gostaria de pelo menos um bico, que o ajudasse a pagar as despesas e que também permitisse que tivesse tempo para os estudos.

Emanuel gostaria de contratar mais garçons para o fim de semana, para atender clientes como o advogado Miranda. Porém, a lei o impede: se contratar, tem que ser pra semana toda, dinheiro que ele não tem. Pensou então em contratar garçons informalmente apenas para as sextas e sábados. Desistiu porque da última vez que tentou recebeu uma condenação da Justiça que pesou em suas despesas.

Consumidores tais quais Miranda continuarão mal atendidos, Emanuel continuará sem funcionários para parte da semana e João continuará sem trabalho. Como João, um a cada quatro jovens procurando não têm empregos. A taxa de desemprego entre eles é mais do que o dobro da média nacional.

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Renato está feliz: concluiu um ano no emprego com carteira assinada em uma pequena empresa e tem recebido elogios de clientes e patrões. O trabalho finalmente deu a segurança que faltava para sustentar sua filha pequena sem contar só com o Bolsa Família, e as perspectivas no emprego são boas.

Sua chefe Dora reconhece seu esforço e as metas que bate na firma, e pensou em promove-lo para a função de Mauricio – um empregado mais antigo que está desmotivado no posto. Entretanto, como Mauricio tem 10 anos na função não pode mais perde-la. Não existe lei com esta obrigação, mas a determinação de um tribunal superior. A pequena empresa não consegue pagar duas pessoas para o trabalho de uma, e, portanto, Renato não receberá a gratificação.

Dora pensou então em dar um adicional a Renato pela boa avaliação que recebe dos clientes. Porém, da última vez que tentou fazer isso recebeu uma condenação da Justiça. Como Renato ocupa formalmente o mesmo cargo que outros funcionários, Dora poderá ser processada pelos colegas de Renato, ou funcionários da outra filial, ou funcionários que a empresa eventualmente contratar no futuro.

Renato não receberá o aumento. Com o tempo, ficará desmotivado como Mauricio. Dora não vai ouvir mais elogios das famílias que usam o estabelecimento.

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Cristina finalmente terminou o curso de técnica em enfermagem. Foi em boa hora: se casou há pouco tempo e agora quer ter filhos. Cristina tentará uma vaga em um hospital.  Ela disputará a vaga com um colega do mesmo curso, com o mesmo nível de experiência e qualificação.

Luiz, responsável pelo RH do hospital, nota a aliança no dedo e a juventude de Cristina. Luiz sabe que se Cristina engravidar o hospital deverá pagar o afastamento dela durante a gestação e simultaneamente arcar com outra pessoa em seu lugar. A exigência existe há pouco tempo para gestantes em locais com qualquer nível de insalubridade. Luiz também sabe que Cristina tem restrições legais a fazer horas-extras.

Esses impeditivos não existem para o colega do curso de Cristina, que é homem. Ele levará a vaga.

No Brasil, o desemprego entre mulheres é quase 30% maior que dos homens. O grupo mais afetado pelo desemprego é o de mulheres jovens, como Cristina.

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José está animado. Depois de anos trabalhando no setor de construção, virou um reconhecido especialista em terraplenagem em Fortaleza. Limpeza de terreno, locação topográfica, escavação, corte, aterro, compactação, fundação. Nada escapa a perícia de José, que consegue fazer o serviço de modo mais eficiente, poupando custos para a construtora e reduzindo o tempo de entrega das obras para os consumidores.

Por isso, José se demitiu para criar um pequeno negócio especializado na tarefa. Quer que sua firma de terraplenagem preste serviços para várias construtoras cearenses. Confiante, José investiu em equipamentos e contratou o primo e o cunhado para ajudá-lo.

José confia no seu taco: acha que contratar seu serviço será mais vantajoso para as empresas do que manter pessoal pouco especializado ou um quadro fixo que só trabalha algumas vezes durante o ano.

Nenhuma construtora contratará o serviço de José. Ele vai falir e seu negócio jamais existirá. José, o primo e o cunhado entrarão para a fila de desempregados no Nordeste, onde a taxa de desemprego é quase o dobro da do Sul e mais de 20% acima da média nacional.

As construtoras temem ser processadas. Dr. César é um dos juízes que proibiu construtoras de terceirizar este serviço. Ele entende que, embora eventual, o serviço faz parte da “atividade-fim” dessas empresas, não de sua “atividade-meio”. Embora não exista lei com esta proibição ou distinção, existe uma determinação de um tribunal superior, que Dr. César acatou.

O gabinete de César tem muitos processos. Para ajudá-lo, ele conta com o auxílio de assessoras como Kátia. Compete a Kátia fazer a pesquisa de jurisprudência, aplica-la ao caso concreto e redigir os votos que César assinará.

Seu trabalho, com o de outros assessores, é supervisionado por César, que assim pode dedicar seu tempo e energia a outras atividades que considera mais importantes para o trabalho eficiente do gabinete.

A decisão escrita por Kátia e assinada por Dr. César diz que as construtoras não podem contratar com terceiros atividades que lhe são inerentes, que há subordinação estrutural entre as partes e ordena então que desembolsem uma determinada quantia para equiparar os terceirizados.

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Miranda está irritado. Com o escritório de vento em popa, ele está sem internet no celular logo no meio da semana. Ligou para o call-center da empresa de telefonia, que atende Miranda com lentidão e não consegue resolver o seu problema.

O call-center é de responsabilidade de Helena. Engenheira, ela era na verdade uma promissora profissional da área de mercado digital e inovação. Porém, a empresa optou por transferi-la da área onde pesquisava novos aplicativos e big data para que montasse uma estrutura para atender os clientes por telefone. Uma decisão judicial obrigou a empresa a ter seu próprio call-center.

Com a ajuda de Kátia, Dr. César foi o responsável pela decisão. Nenhuma lei obriga empresas telefônicas a terem seu próprio call-center, mas César entende que a atividade-fim de uma telefônica inclui falar ao telefone, ao contrário de outras firmas, que podem terceirizar a tarefa.

Sem poder contratar empresas especializadas para fazer o serviço, coube a Helena gerenciar o novo setor sem profissionais com know-how para auxiliá-la. Os novos aplicativos disponibilizados aos consumidores pela equipe especializada do antigo setor de Helena vão ter que esperar, e o atendimento da companhia por telefone demorará para ter a mesma eficiência.

Miranda não vai ser atendido hoje – como outros milhares de consumidores que perderão tempo de trabalho e convívio familiar com a inoperância do novo call-center.

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A reforma trabalhista entra em vigor em novembro. Se ela já valesse, João poderia ser contratado formalmente por Emanuel, o dono bar; Renato poderia pegar a função de Mauricio ou receber o adicional por produtividade; Cristina talvez fosse contratada pelo hospital em vez de seu colega homem; José poderia abrir sua empresa de terraplenagem; Helena poderia se dedicar a produzir para a sociedade aquilo que ela faz melhor; e Miranda seria um consumidor mais satisfeito.

Nem todos ganham com a reforma. Mauricio terá que competir com trabalhadores mais jovens. Miranda teria menos para comemorar no bar porque ações trabalhistas não poderão ser disparadas a esmo, a Justiça do Trabalho terá menor poder para legislar, e a nova lei impede algumas criações judiciais – como a “equiparação em relação ao paradigma remoto” que impede o aumento de Renato. (Advogados e o Judiciário trabalhista continuarão a ter um papel essencial no combate a ilegalidades, como a de Emanuel – aliás, a multa para empregar trabalhadores informais subiu 7 vezes.)

Os personagens representam uma parcela da população que é difusa e desorganizada, invisível neste debate. Essa massa contrasta com a organização e articulação de grupos como os que representam os trabalhadores já inseridos no mercado de trabalho formal (sindicatos) e os que representam o status quo da estrutura judicial.

Rara exceção neste debate foi a campanha dos trabalhadores da Guararapes contra o Ministério Público do Trabalho – evidentemente apoiada pela empresa e por um movimento político – mas que serviu para mostrar o rosto de uma massa prejudicada pela regulação atual do trabalho no Brasil e que é tipicamente invisível.

Um mercado de trabalho que funcione bem é vital para redução da pobreza e das desigualdades. A reforma trabalhista não é bala de prata para solucionar todos os seus problemas, mas permite a inclusão de excluídos com novas formas de contratação; dá segurança jurídica para a criação de empregos formais; e estimula o crescimento da produtividade (renda). Mesmo no bom momento do mercado de trabalho na primeira metade da década, a produtividade permaneceu estagnada e a informalidade muito alta, enquanto a baixa taxa média de desemprego escondia os indicadores piores para jovens, mulheres, negros e estratos mais pobres da população.

É fato conhecido que a pobreza no Brasil se concentra desproporcionalmente nas crianças e jovens, que moram em famílias com inserção precária no mercado de trabalho e sem pessoas mais velhas (que comumente recebem benefícios da Seguridade Social). Entre os 20% mais pobres da população, o desemprego é 7 vezes maior do que entre os mais ricos, e a informalidade cerca de 4 vezes maior. São estas as famílias que mais tem a ganhar. Estimativas iniciais sugerem entre 1,5 e 2,3 milhões de novas vagas apenas por conta da reforma.

É evidente que a reforma também beneficia os empregadores, afinal o empresariado apoiou a proposta. Não é por benevolência deles que os empregos formais ou a renda aumentarão. Toda contratação faz parte da busca por lucro pelo empresário. Cabe à legislação estabelecer regras do jogo para que, em sua procura pelo lucro, os patrões também maximizem os níveis de emprego e salários – e não que os prejudiquem. Afinal, a escolha da sociedade brasileira em sua Constituição foi por uma economia de mercado, e a regulação do trabalho deve ser ciente disso.

Além dos casos dos personagens do artigo, a reforma ataca muitas outras situações em que a CLT ou o Judiciário estabelecem condições que à primeira vista parecem favoráveis ao trabalhador, mas acabam não o sendo porque ignoram a premissa de um empregador que se comporta racionalmente e objetiva o lucro. O comportamento do empregador não deve ser idealizado.

Por exemplo, decisões bem-intencionadas de juízes para que o tempo no transporte oferecido voluntariamente pelo empregador aos empregados seja contado como horas-extras provocam a reação defensiva do empresário que, para preservar o lucro, desiste de fornecer o transporte. A situação do trabalhador piora: perderá mais tempo e dinheiro na rede de transporte pública, normalmente pior.

Autorização médica

Para o Prêmio Nobel indiano Amartya Sen, autor de Desenvolvimento como Liberdade, a pobreza é a privação de oportunidade. A reforma precisa ser melhor compreendida para vencer os esforços contrarreformistas de algumas entidades sindicais, da advocacia trabalhista e de parte do Judiciário/MP. No mesmo sentido do caso Guararapes, as pequenas fábulas aqui contadas precisam chamar atenção para um imperativo: a necessidade de defender os mais pobres de seus defensores.

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 20 de outubro de 2017.

 

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Reforma trabalhista rumo ao ‘planalto’ https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3148&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=reforma-trabalhista-rumo-ao-planalto Mon, 29 Jan 2018 13:59:27 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3148 Rússia, Moçambique, Ucrânia, Comores, Venezuela, Panamá, Angola e Bielorrússia são alguns do grupo de apenas 12 países com legislação trabalhista mais rígida que a brasileira. Entre 144 nações, o Brasil ocuparia a 132ª posição em ranking de flexibilidade da legislação, segundo índice criado em anos recentes por pesquisadores do Institute of Labor Economics (IZA)1.

O indicador compara o tratamento das diferentes legislações para temas como a possibilidade de modalidades alternativas de contrato (como o trabalho intermitente); custos de contratação; custos e procedimentos de demissão; e jornada anual (que considera férias e feriados).  É pacífica na literatura a noção de que indicadores como este, em vez de serem usados para identificar causalidade entre a legislação e o crescimento econômico ou a taxa de desemprego de um país, são mais úteis quando analisados conjuntamente com medidas sobre o mercado de trabalho.  Se o índice aponta uma legislação trabalhista rígida, mas para um país que dispõe de bons dados para emprego, formalização e produtividade, não haveria problema.

Não é o caso do Brasil. O novo conjunto de indicadores divulgados pelo IBGE a partir de setembro de 2016 revela que cerca metade da força de trabalho não está abrangida pela legislação trabalhista. São os milhões de desempregados, informais e os integrantes da “força de trabalho potencial”, isto é, os desalentados que não apareciam nas estatísticas de desemprego porque já desistiram de procurar uma ocupação, embora quisessem uma. Nos Estados Unidos ele compõem uma taxa chamada de “taxa de desemprego real”.

Essas medidas ruins se somam aos indicadores de produtividade, estagnados há décadas, e ao índice de rigidez da legislação trabalhista para manifestar a necessidade de reforma nas leis do trabalho.

O Banco Mundial aponta os desafios de desenhar uma legislação trabalhista em países emergentes. Uma bem-intencionada legislação trabalhista, generosa, mas alienada, pode prejudicar exatamente os trabalhadores que tenta proteger, ao impedir a criação de vagas formais e o crescimento da produtividade (e da renda). Por outro lado, uma legislação exageradamente flexível pode levar à desproteção do trabalhador.

Esses dois extremos de regulação excessiva ou insuficiente são chamados de abismos. Não se sugere uma legislação “ideal”, ou a existência de um pico único para a performance do mercado de trabalho, mas sim a presença de múltiplos picos. Entre os abismos, há um planalto de possibilidades para esta legislação, que não levem o mercado de trabalho ao abismo do desemprego e da pobreza, nem ao abismo da precarização. Neste espaço, a regulação adereça as falhas de mercado sem prejudicar a eficiência. É neste planalto que o legislador quer chegar.

Figura 1 – Planalto e abismos da legislação trabalhista

Fonte: Betcherman (2014). Disponível em: https://wol.iza.org/uploads/articles/57/pdfs/designing-labor-market-regulations-in-developing-countries.pdf

 

Os dados sugerem que a regulação do mercado de trabalho no Brasil, pela CLT e pela jurisprudência trabalhista, nos coloca hoje em um desses abismos. Queremos subir ao planalto, mas sem correr o risco de cair no outro abismo2.

Este é o desafio da reforma trabalhista. A possibilidade que o negociado tenha a força do legislado contribui para que tenhamos contratos mais eficientes, com novas condições mutuamente benéficas para empregadores e empregados. É preciso, no entanto, ter a sensibilidade para reconhecer a desigualdade de poder negocial que pode existir nessa relação. A reforma impõe uma série de requisitos para as negociações coletivas, mas cortou subitamente a principal fonte de financiamento dos sindicatos (a impolular contribuição obrigatória).

Na teoria, se essa desigualdade leva uma das partes (o empregador) a conseguir termos mais favoráveis do que a outra, a liberdade contratual deixa de ser real e o resultado é uma falha de mercado, dando ensejo à proteção do arcabouço jurídico. Para que uma transação seja de fato mercado, é essencial a autonomia para veto em uma negociação.

Por sua vez, a incompreendida terceirização pode melhor entendida como um mecanismo para que a informação flua melhor no mercado de trabalho. Em A Reinvenção do Bazar: Uma história dos mercados, o falecido economista de Stanford John McMillan ensina que este mecanismo é um dos requisitos para o bom funcionamento de qualquer mercado, sob pena de reduzir quantidade e valor de transações.

No mercado de trabalho, isso significa desemprego e salários menores. A terceirização minimiza os custos de transação, entre eles o custo de busca. O desafio aqui para a regulação deste mecanismo é fazê-lo ser veículo de redução justamente desses custos, e não de custos com encargos trabalhistas (sonegação). O Judiciário aqui terá um papel fundamental: contrariamente ao que é divulgado, a reforma não liberou a terceirização “irrestrita”, mas sim a terceirização da atividade-fim: fraudes continuam sendo proibidas.

Há um mito no debate sobre a legislação e a Justiça trabalhistas no Brasil: o de que beneficiam e protegem demais o trabalhador. A pergunta é qual trabalhador. Se contribuem para nos levar ao abismo do desemprego, da informalidade e da renda baixa, não podem ser consideradas benéficas ao conjunto de trabalhadores. Cabe à reforma trabalhista mudar essa situação sem levar nosso mercado de trabalho ao abismo da precarização, mas sim ir rumo ao planalto.

Publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 26 de abril de 2017 sob o título “Para a reforma trabalhista ir do abismo para o planalto”.

 

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1 Pelo Instituto Frasier, estaríamos em 144 de 159 países.

2 Note que este arcabouço também contempla a própria oposição à reforma. Para opositores, a legislação já estaria no planalto, mas a reforma nos levaria ao outro abismo. Um importante argumento divulgado é o de que o Brasil teria tido pleno emprego no início dos anos 2010 com legislação anterior. Cabe frisar que neste período convivemos com altos níveis de informalidade e produtividade estagnada, bem como que a taxa global esconde o alto nível de desemprego entre mulheres, jovens, negros e pobres. No melhor dos casos, tivemos um “pleno emprego do homem branco”. Ademais, o argumento, mesmo que aceito, não implica negar que as taxas poderiam ser ainda melhores sob outra legislação. Por fim, o argumento é valido ao apontar que o nível de emprego depende de outros fatores, como a atividade econômica e políticas de emprego ativas.

 

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Quem protege o trabalhador da Justiça do Trabalho? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3088&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quem-protege-o-trabalhador-da-justica-do-trabalho Mon, 06 Nov 2017 14:38:37 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3088 É comum o argumento de que a legislação e a Justiça do Trabalho são exageradamente pró-trabalhador. A afirmação é falaciosa: sempre se deve querer o bem do trabalhador. A questão é que na verdade esta estrutura normativa o prejudica com frequência, especialmente quando peca por idealizar o comportamento dos patrões. A Justiça do Trabalho é uma justiça de decisões bem intencionadas e efeitos adversos.

A CLT prevê que o empregador pode oferecer transporte aos empregados, sem que isso conte como tempo da jornada. O transporte dado livra o empregado de passar mais tempo em deslocamento e de usar o precário sistema de transporte público. Há duas exceções: o transporte será computado como tempo de jornada se o local de trabalho for de difícil acesso ou não servido por transporte público regular.

Muitos juízes reinterpretam estes dois termos. A intenção pode ser boa, uma vez que o empregado ganha uma indenização. O resultado não é: diante da insegurança jurídica, as empresas ficam na defensiva e deixam de oferecer o transporte. Quem perde?

Outro bom exemplo é o engessamento de políticas de remuneração. Quando um juiz decide pela incorporação definitiva de um adicional eventual de produtividade, o empregador tende a resistir em conferir este tipo de prêmio.

Representativa desta miopia é a Súmula 277 do TST, derrubada pelo STF. Ela previa que condições benéficas concedidas temporariamente aos trabalhadores em negociações coletivas deveriam ser incorporadas definitivamente ao contrato individual. Quantos empregadores vão estar predispostos a negociar essas concessões temporárias?

A teoria microeconômica não é romântica ao descrever o comportamento de uma firma: seu objetivo é o de maximizar o seu lucro. Assim, a escolha racional de empregadores diante de decisões trabalhistas como essas será prejudicial justamente aos empregados. O Judiciário trabalhista tem sido pródigo em, ao julgar ações, decidir de maneira que nos casos concretos parece favorável os trabalhadores, mas que acaba sendo deletéria a eles. Este resultado ocorre, ironicamente, por idealizar o comportamento (natural) das empresas.

Individualmente, os julgamentos podem fazer sentido. No agregado, não. Mesmo o TST, que poderia ter uma melhor visão do todo, não tem os insumos do Parlamento para legislar, e também falha ao não antecipar a reação empresarial. A regulação do trabalho no Brasil precisa trabalhar com esta restrição: buscar o melhor para o trabalhador ciente que o DNA da empresa é visar o lucro.

Um segundo problema que existe no arcabouço que rege o trabalho no Brasil é o seu confinamento na lógica de mais valia e na oposição entre capital e trabalho. Outra oposição, talvez mais relevante, é a oposição tácita entre incluídos e excluídos. Cerca de metade de força de trabalho está incluída na legislação trabalhista, e metade está excluída, desempregada ou informal. O instinto protetor sobre o primeiro grupo pode penalizar o segundo.

Pelo dilema “insider-outsider”, o ganho do incluído pode significar perda para o excluído, e vice versa. Um exemplo presente na reforma trabalhista é a inovação do trabalho intermitente, uma controversa nova forma de contratação, por hora. Um bar poderia ampliar o número de garçons contratados no fim de semana, permitindo a inclusão de excluídos: como desempregados para quem trabalhar algumas horas por mês é um avanço em relação a não trabalhar hora nenhuma.

Por outro lado, a mudança permitiria que o bar tenha menos empregados no seu quadro fixo, pela menor demanda nos outros dias. Isso seria perda para incluídos contratados por toda a semana que passariam a trabalhar apenas no fim de semana. Este dilema ainda aparece pouco no debate sobre a legislação e Justiça trabalhistas, em que predomina a visão do conflito capital-trabalho, sem que se perceba que existe um terceiro grupo afetado por estas normas e decisões e sem que se note o conflito invisível entre incluídos e excluídos.

Um terceiro raciocínio que precisa ser aprimorado nesta discussão é o que defende que não precisamos de mudanças na CLT ou no Judiciário, uma vez que mudanças não aconteceram nos últimos anos, nem quando o desemprego caiu, nem quando o desemprego subiu. O argumento, expressado nas redes pela atriz Camila Pitanga, tem lógica: uma mudança na legislação não é uma varinha de condão que resolve sozinha os problemas de renda do país. Entretanto, mesmo quando esteve bom, o funcionamento do mercado de trabalho era muito ruim.

Até no período de boom, com desemprego em baixa, convivemos com informalidade alta e produtividade estagnada, negativa em alguns setores. As estatísticas também escondiam o desemprego oculto pelo desalento, o que se refere ao “desempregado raiz”: o desempregado que já desistiu de procurar ocupação e não aparece mais nos dados oficiais. A baixa taxa oficial também não revelava a “desigualdade de desemprego”: os indicadores muito piores para mulheres, negros e jovens, grupos normalmente esquecidos nesta discussão.

Cabe ao Juiz do Trabalho ativista entender melhor que os indicadores do mercado de trabalho – que não se resumem à taxa de desemprego – são sensíveis às suas decisões; que a soma de decisões individuais bem-intencionadas pode gerar a exclusão de largas parcelas da população; e que o empresário tende a reagir racional e defensivamente ao seu ativismo, transferindo riscos para o trabalhador (inclusive o excluído, quando foge da contratação formal).  Sem essa visão mais ampla, a Justiça do Trabalho periga continuar sendo vista como o elefante na loja de cristais.

 

* Este texto foi publicado sob o título “Boas intenções, efeitos adversos” no jornal O Estado de São Paulo, de 24 de junho de 2017.

 

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Precisa-se de imigrantes https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3008&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=precisa-se-de-imigrantes https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3008#comments Tue, 18 Jul 2017 16:03:07 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3008 Em 1872,  excluindo os nascidos em Portugal e África, havia apenas 120.000 estrangeiros no Brasil. O país tinha 10 milhões de habitantes (entre as quais 16% eram pessoas escravizadas), renda per capita inferior à da Somália de hoje e a expectativa de vida ao nascer não passava dos 28 anos. Do total de brasileiros, apenas 1,5 milhão sabia escrever. Mesmo em 1910, apenas 12% das crianças estavam na escola.

Guiada por motivos racistas e econômicos, a imigração foi promovida e mudou o país. Entre 1872 e 1920, mais de 3,2 milhões de estrangeiros entraram no país. No fim do período, a população brasileira chegou a 30 milhões, dos quais 5,1% eram estrangeiros ou naturalizados.

Uma larga parcela de imigrantes era pobre e mal educada, mas fizeram a diferença em um país cuja população se encontrava em situação ainda pior. Essa onda de imigração nas primeiras décadas do século passado foi essencial para o desenvolvimento brasileiro. Os estrangeiros trouxeram conhecimentos diversos e criaram o mercado que impulsionou a industrialização.

Diversos estudos mostram que o impacto dessa onda imigratória se mostra ainda hoje na população e na economia brasileiras. Eu calculei que 16% dos trabalhadores formais têm sobrenomes não-ibéricos. Há evidências de que persistem as vantagens de trabalhar em cidades com pessoas de origem diversas. Philipp Ehrl e eu estimamos, em estudo recente-  que um aumento de 10% no percentual de trabalhadores brasileiros com ancestralidade não-ibérica (estimada pelo sobrenome)  causa um incremento de 2,2% nos salários de todos.

Lamentavelmente, o Brasil voltou a ser um país demasiadamente fechado.  Hoje, a parcela de estrangeiros no país mal chega a 0,9% da população, valor semelhante ao observado em 1872.  Uma parcela  irrisória quando comparado com os 13% dos Estados Unidos ou 27% na Austrália de pessoas que nasceram fora desses países. O número de  30 mil refugiados que o Brasil recebe por ano pode assustar alguns, mas também é ínfimo perto dos 3 milhões de brasileirinhos que nascem no mesmo período.

A  recém-sancionada Lei de Migração deu passos importantes para retirar os entraves mais anacrônicos à vinda de migrantes. É claro que  nenhum estrangeiro – por si só –  fará o Brasil melhorar seu ensino, reduzir a violência ou ofertar saneamento básico para a população. Porém, é um passo importante para o desenvolvimento de longo prazo.

Eu quase posso ouvir o contra-argumento: “Ah, mas dessa vez é diferente! Falta emprego. Antes eles vieram para empreender; agora o imigrante do século XXI é de outro tipo”.

Em primeiro lugar, o número de empregos em uma sociedade não é fixo. Obviamente, os imigrantes demandam bens e serviços que geram empregos para os locais. O leitor não precisa acreditar em mim, ou na Teoria Econômica; basta olhar a dinâmica de cidades como Londres, Nova Iorque e Los Angeles. Lá – onde se observa uma centena de nacionalidades –  não falta emprego.

Além disso, os que querem selecionar os imigrantes se esquecem que todos os grupos  étnicos já foram vistos como ameaças. Apesar da justificativa inicial à imigração ter se baseado no “branqueamento” da sociedade brasileira, os imigrantes não portugueses passaram a ser mal vistos e se transformaram em ameaça.  Logo depois da revolução de 30,  Vargas legislou que as firmas deveriam ter no mínimo de ⅔ de trabalhadores brasileiros. Em seguida, foram criados regimes de cotas por nacionalidade baseados nos históricos de entrada no país. Nessa campanha de nacionalização, os alvos eram os japoneses e os alemães, considerados “quistos étnicos” pela dificuldade de se integrarem à sociedade brasileira.  Os italianos eram mais bem vistos, mas – mesmo assim – houve temores por estarem associados a movimentos anarquistas.

Muitas dessas restrições persistiram e imigrar para o Brasil seguiu sendo um problema. O Estatuto do Estrangeiro de 1980 o via como uma ameaça e, entre 1988 e 1996, nem mesmo as universidade públicas puderam contratar professores estrangeiros como servidores públicos. Era justamente o período no qual o fim do império soviético fez com que cientistas altamente qualificados buscassem emprego pelo globo afora. O Brasil perdeu grandes chances.

Ainda hoje, uma startup tem que esperar pelo seu quinto aniversário para pedir visto para seus administradores no Brasil. 5 anos é tempo demais em setores mais dinâmicos. Outras restrições administrativas fazem com que apenas as firmas maiores, já estabelecidas, consigam cumprir os requisitos para a obtenção de vistos de permanência e possam contratar estrangeiros legalmente. Isso reduz a competição e a inovação na economia brasileira.

Faz sentido tratar imigrantes diferentemente de acordo com origem ou religião? Não. Uma característica une os migrantes: mesmo quando pobres, eles são mais empreendedores que seus semelhantes no país de origem. Afinal, só assim para arriscarem a vida em um país estranho. A tarefa de definir qual cor, sotaque ou religião de imigrante seria melhor para o Brasil não só é moralmente errada, como também destinada ao fracasso. No século XIX os britânicos consideraram os japoneses preguiçosos e os alemães, desonestos. Em partes dos EUA, a chegada de irlandeses católicos foi vista como ameaça grave e reprimida com violência. Em suma, todos os povos, em certo momento da sua história, já foram mal vistos. No Brasil, imigrantes africanos, do oriente-médio, caribenhos e sul-americanos, hoje vítimas de preconceito, podem ter papel-chave no desenvolvimento do país nas próximas décadas.

Em meados dos anos 1950, um adolescente boliviano, franzino, filho de sapateiro, só com Ensino Médio, chegou no Brasil. Era meu pai. Ele se formou em Medicina e passou toda a sua vida profissional atendendo no Hospital do Câncer do Rio de Janeiro. Milhões de nós temos histórias semelhantes. Quanto mais rápida e mais fácil for a integração dos recém-chegados, mais certo é que relatos como esse continuarão a acontecer.

 

Este texto foi originalmente publicado no Indigo, em 5 de julho de 2017.

 

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Como a reforma trabalhista pode reduzir o desemprego e aumentar os salários? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3003&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-a-reforma-trabalhista-pode-reduzir-o-desemprego-e-aumentar-os-salarios https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3003#comments Tue, 11 Jul 2017 21:00:33 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3003 No século passado, Getúlio Vargas decretou uma norma sob a premissa de que a situação econômica e a desorganização do trabalho ensejavam a intervenção do Estado em favor dos trabalhadores. O decreto obrigava todos os trabalhadores desempregados a se registrarem perante as autoridades: caso contrário, estariam sujeitos a processo por vadiagem, nos termos das leis penais.

A norma ficou conhecida como lei dos dois terços, e possuía além do espírito autoritário também um espírito xenófobo, ao proibir empresas de terem em seu quadro mais de um terço de trabalhadores estrangeiros.

Este era o Decreto nº 19.482, de 12 de dezembro de 1930. Ele antecede a fase ditatorial do presidente Getúlio Vargas e o decretamento da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). O Decreto ilustra o momento histórico que o país vivia e a origem autoritária das normas trabalhistas da época.

Após diversas modificações ao longo das décadas, a CLT é agora objeto justamente de uma “modernização”, termo pelo qual também é conhecida a reforma trabalhista. O desafio da reforma é o mesmo da CLT: regular um dos mercados de trabalho mais desiguais do mundo.

INCLUSÃO DOS EXCLUÍDOS

A proposta de modernização trabalhista é motivada pela inclusão das pessoas excluídas. A taxa de desemprego ronda os 14%, enquanto outros 6% da força de trabalho integram a chamada taxa de desemprego “oculto pelo desalento”, ou seja, abdicaram de buscar ativamente uma ocupação ainda que desejem uma.

Além destes cerca de 20% de pessoas desempregadas, temos ainda, entre as ocupadas, 40% de informais. São pessoas sem direitos, que não contam com as proteções constitucionais previstas pelas legislações trabalhista e previdenciária.

Neste grupo estão sobrerrepresentados os jovens, as mulheres, os negros e os pobres. A eles é necessário um olhar mais fraternal e solidário. Na prática a CLT é uma legislação para o homem branco.

As políticas de seguridade social só conseguem amparar esses grupos precarizados parcialmente. Emprego e salário são vitais para redução das desigualdades e erradicação da pobreza: a inclusão no mercado de trabalho é a melhor política social.

A reforma trabalhista tem o potencial de incluir estes grupos com novas modalidades de contratação e mais segurança jurídica para os contratos. Mercados precisam de boas escolhas institucionais para florescer, e no mercado de trabalho não é diferente.

A possibilidade de contratação em jornadas menores do que a jornada de 44h permite que o ajuste no mercado de trabalho se dê na quantidade de horas contratadas, e não no número de empregos formais (gerando desemprego, informalidade).

Ao contrário do que ocorre em outros mercados, no mercado de trabalho o ajuste à demanda não se dá pelo preço (salários), devido à irredutibilidade salarial e ao próprio salário mínimo (e seus encargos). Sem modalidades alternativas de contratação o desemprego e a informalidade são maiores.

Ainda que estas jornadas não sejam as ideais para parte dos trabalhadores, entende-se que possam funcionar como “porta de entrada” para o mercado de trabalho para trabalhadores mais vulneráveis.

Pela literatura, a resistência às novas formas de contratação pode ser explicada – além de pelo medo e a aversão à perda naturais em mudanças como essa – pela teoria de emprego insider-outsider.

Ela preconiza que no mercado de trabalho o que é ganho para o excluído (outsiders) pode ser perda para o incluído (insiders), que tentam bloquear mudanças, frequentemente por meio de sindicatos.

O trabalho intermitente é anedótico neste sentido, porque pode ser entendido como um jogo de soma zero. Suponha um restaurante cuja demanda nos fins de semana exige 40 garçons, mas durante a semana apenas 20.

Hipoteticamente, a sua função de produção é tal que na legislação atual ele emprega no ponto médio: 30 pessoas. Há, portanto, um excesso de garçons ao longo da semana, mas uma escassez no fim de semana.

Com o trabalho intermitente o restaurante, de fato, poderia contratar apenas 20 garçons de modo permanente (demanda do dia de semana), o que seria prejuízo para 10 de seus garçons. Por outro lado, poderia contratar outros 20 de modo intermitente (para a demanda do fim de semana), o que é vantajoso para 10 trabalhadores, por exemplo, desempregados.

Evidentemente os números do exemplo são arbitrários. Poderíamos considerar que sem o trabalho intermitente o restaurante emprega só 20 garçons (seriam geradas então 20 novas vagas) ou considerar que ele já emprega 40 garçons (nenhuma vaga seria gerada, e 20 pessoas ficariam em situação pior).

Os efeitos dependem da realidade de cada firma, mas este exemplo do trabalho intermitente ilustra a lógica de inclusão dos excluídos e de resistência dos incluídos nas novas formas de contratação – que incluem o fortalecimento das jornadas parciais e trabalhos temporários.

Por sua vez, as alterações propostas que afetam procedimentos na Justiça do Trabalho também têm o objetivo de ampliar o emprego formal. A bem-vinda e necessária conduta protetora do Judiciário não pode ser confundida com voluntarismo. Ao inibir o bom funcionamento do mercado, a incerteza jurídica afeta especialmente os trabalhadores, inclusive o informal ou desempregado. A viabilização de contratos depende do “império da lei”.

SEGURANÇA PARA NEGOCIAÇÕES

Em especial, fica fortalecida a segurança jurídica das negociações coletivas, nos moldes do que já vinha decidindo o Supremo Tribunal Federal (STF). As negociações, previstas na Constituição, são estimuladas em outros países e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), como instrumento para geração de ganhos mútuos entre as partes.

Atualmente no Brasil o que for firmado nessas negociações, que contam com a participação dos sindicatos, pode ser anulado pelo Judiciário – que se autoconferiu o papel de decidir o que é bom ou não para cada grupo de trabalhadores.

É simbólica deste entendimento uma decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que proclamou que o “o empregado merece proteção, inclusive contra a sua própria necessidade ou ganância”. É um nível de tutela que não tem respaldo nas leis e na Constituição. Deveríamos condenar a busca por prosperidade e melhores condições de vida?

Frisa-se que a prevalência do negociado sobre o legislado não afeta dezenas de direitos indisponíveis, ou seja, que não poderão ser objeto de negociação. Entre eles estão o 13º, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), o seguro-desemprego, o número de dias de férias, o aviso prévio e normas de saúde, higiene, e segurança do trabalho.

Um importante argumento que precisa ser esclarecido também é o de que as negociações só serão vantajosas para patrões, porque os trabalhadores não têm condição de negociar. O contraexemplo se dá por aquela que é a talvez variável mais importante do contrato de trabalho: o salário.

A legislação não define o salário de todos os trabalhadores. É permitido negociar, individual ou coletivamente, termos melhores do que mínimo exigido por lei. Fosse verdadeiro o argumento de que todos trabalhadores que buscarem condições mais favoráveis de trabalho serão imediatamente demitidos, todos os brasileiros contratados formalmente receberiam apenas o salário mínimo.

Por sua vez, é intuitivo que quanto mais aquecido for o mercado de trabalho, maior poder de barganha terão os trabalhadores. A tentativa de incluir dezenas de milhões de pessoas no mercado de trabalho formal afeta este poder de negociação, que será tão maior quanto mais alternativas os trabalhadores possuírem.

O fim da contribuição sindical obrigatória, em longo prazo, também pode contribuir nesse sentido. Na visão otimista, a maior liberdade sindical estimula exatamente uma participação mais ativa dos sindicatos. A faculdade de contribuir para um sindicato tenderá a ser exercida quanto mais representativo um sindicato for.

Os bons sindicatos poderão ser fortalecidos. Já a visão pessimista é que o fim da compulsoriedade gere escassez de recursos e facilite a captura do sindicato pelos empregadores, prejudicando as negociações. A atuação do sindicato tem características de “bem público”, por afetar tanto quem contribui quanto quem não contribui, e poderia ser subfinanciada – por esta ótica.

A drástica mudança na forma de financiamento poderia idealmente também ser o prelúdio de uma reforma sindical. O fim da unicidade necessita de emenda à Constituição, enquanto a reforma trabalhista é apenas um projeto de lei. Eventual competição dos sindicatos tenderia fortalecer a representação dos trabalhadores.

PRODUTIVIDADE E RENDA

As novas formas de contratação e o negociado sobre o legislado dominaram este debate, mas outro aspecto essencial da modernização trabalhista tem ficado esquecido na discussão: a busca por ganhos de produtividade. O crescimento da produtividade do trabalho é o que dita a capacidade que os salários têm de crescer de maneira persistente e sustentável.

Grosso modo, não sendo pelo crescimento da produtividade, países tem apenas outra possibilidade para crescer: pelo aumento de quantidade de trabalhadores. A produtividade se refere, portanto, a capacidade de aumentar o Produto Interno Bruto (PIB) sem mudanças no número de trabalhadores1. Nas palavras do Prêmio Nobel Paul Krugman “a produtividade não é tudo, mas em longo prazo é quase tudo.”

Aqui é pertinente fazer uma digressão em relação ao popular argumento que diz que a reforma não gera emprego, porque “o que gera emprego é crescimento econômico”. Por outro prisma, poder-se-ia dizer que o que gera crescimento é emprego e produtividade. Não dá pra considerar o crescimento do PIB como exógeno ao mercado de trabalho.

A ênfase que o aperfeiçoamento das leis trabalhistas dá à produtividade não é redundante: este indicador esteve estagnado no Brasil nos últimos anos, e apresentou até evolução negativa em alguns setores da economia. O desempenho ruim persistiu mesmo no bom momento do mercado de trabalho, de boom das commodities e demografia favorável, que ampliaram o emprego formal.

Nossa performance deixou muito a desejar não só em termos absolutos, mas também relativos. Ficamos muito para trás de economias emergentes, como a China, ou maduras, como os Estados Unidos.

São vários os mecanismos por quais as mudanças na CLT permitirão o crescimento da produtividade e, portanto, da renda. Concede-se maior liberdade para que as empresas remunerem por desempenho, possibilidade hoje travada porque judicialmente estas parcelas temporárias podem ser incorporadas definitivamente ao salário ou estendidas a outros trabalhadores com o mesmo cargo, ainda que em outra cidade ou ano.

Outros instrumentos para ganhos de produtividade incluem a terceirização, que encoraja a especialização, e o estímulo para concessão de transporte pelos empregadores, evitando que as pessoas percam tempo e energia nas caóticas redes de transporte das grandes cidades.

A própria prevalência do negociado sobre o legislado tende a permitir ajustes que propiciem condições de trabalho mais amigáveis à produtividade, assim como as novas formas mais flexíveis de jornada tendem a aumentar a permanência nos postos de trabalho e diminuir a rotatividade, outra grande inimiga da produtividade.

A rotatividade é cronicamente elevada no Brasil, e os trabalhadores permanecem pouco tempo em um mesmo posto de trabalho. Ninguém investe em vínculos que tendem a durar pouco, com graves prejuízos para qualificação profissional.

Por sua vez, o problema do desemprego também tem uma intersecção com o problema da produtividade: a inclusão dos excluídos permite o crescimento da produtividade pela via da experiência (on-the-job learning). Trabalhadores que estariam fora do mercado de trabalho passarão a ter mais experiência, ainda que não em contratos permanentes de 44 horas.

EXPERIÊNCIA INTERNACIONAL

Uma das principais polêmicas da tramitação da proposta se refere ao efeito no emprego de reformas trabalhistas em experiências internacionais. Se do ponto de vista teórico da economia do trabalho a fundamentação é sólida de que a flexibilização das leis trabalhistas vai ao sentido de mais emprego, o resultado de experiências internacionais é objeto de disputa.

Uma primeira controvérsia se refere aos estudos que aplicam técnicas econométricas para estimar a relação de causalidade entre rigidez da legislação e desemprego (ou crescimento). Nesta metodologia estatística esta relação é isolada, ou seja, são controlados os efeitos de outras variáveis que afetam o emprego. A rigidez é medida por um índice – que é arbitrário por construção.

Os críticos da reforma trabalhista apontam estudo publicado pela OIT em 2015, com dados de 63 países para 20 anos, que não detectou relação entre o índice de rigidez e o nível de emprego, mantidos outros fatores constantes2.

Os autores do estudo são mais cautelosos a respeito das conclusões do que os seus entusiastas brasileiros, afirmando que uma legislação trabalhista rígida pode não afetar o nível de emprego se cuidadosamente desenhada. Ainda, o desenho desta legislação deveria levar em conta as condições específicas do mercado de trabalho em cada país. Reconhecem também que o efeito sobre o emprego pode variar entre grupos da população (ex: jovens).

Com metodologia semelhante, outros estudos chegaram à conclusão divergente daquela do estudo da OIT, isto é, concluíram que a rigidez trabalhista afeta negativamente o nível de emprego. Entre eles podemos destacar o de Andrei Schleifer, o economista mais citado do mundo na academia, que com seus co-autores analisou 85 países3; e o do Prêmio Nobel James Heckman, que teve amostra de 43 países e ênfase na América Latina4.

A ausência de um resultado consensual entre estudos de fontes respeitadas é frustrante, mas pode ser explicada. Fora a dificuldade de controlar estatisticamente o impacto de outras variáveis nesta relação, os próprios indicadores de rigidez trabalhista e de desemprego são pouco apropriados para esse tipo de estudo.

Os índices de rigidez trabalhista são construídos artificialmente: embora muito interessantes para fazer comparações no tempo e entre países, são menos pertinentes para identificar causalidade entre variáveis. São atributos que outros índices também possuem, como o de desenvolvimento humano (IDH).

Por sua vez, análises comparadas de desemprego são sempre questionáveis porque as definições de desemprego variam em cada país, e compatibilizá-las não é trivial.

Outro objeto de disputa no debate sobre a reforma trabalhista se refere a experiências individuais de alguns países. São populares os casos de economias grandes que fizeram reformas em anos recentes, como Espanha, México e Alemanha.

Com frequência, se apontou que estas reformas “precarizaram” as relações de trabalho sem trazer ganhos no desemprego. Porém, desta vez, não é apontada evidência empírica como base.

No caso da Espanha, que fez sua reforma em 2012, foram identificados efeitos positivos, e rápidos, da reforma trabalhista sobre o emprego, por estudos de pesquisadores espanhóis5 e da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)6, entre outros. Para o caso mexicano, ainda há carência de estudos.

Já em relação às reformas trabalhistas na Alemanha feita na década passada, a OCDE apontou em 2016 que elas tornaram o mercado de trabalho mais forte e que, graças a elas, a taxa desemprego continuou a cair e é agora a mais baixa da União Europeia7.

Em outra oportunidade, a OCDE defendeu que o desempenho macroeconômico alemão acima de seus vizinhos, inclusive em relação ao desemprego, teve como “base” as reformas trabalhistas feitas a partir de 20028.

Há uma série de outros trabalhos empíricos reconhecendo os efeitos positivos das reformas trabalhistas alemãs, inclusive atribuindo a elas o bom desempenho durante a crise econômica mundial – comumente chamado de “milagre”9.

Na França, que também se prepara para uma reforma trabalhista sob o presidente Emmanuel Macron, publicação dos Ministérios da Economia e Finanças e do Comércio Exterior explica que a maior parte dos milhões de empregos criados na Alemanha foram em contratos em regime de tempo parcial ou temporários – que são fortalecidos na proposta brasileira10.

Adicionalmente, há estudos apontando que a partir de 2010 a expansão do emprego pelas jornadas parciais foi dando espaço a uma expansão de empregos em tempo integral11.

Note que as novas modalidades de contrato previstas pela modernização brasileira são, junto com o fortalecimento da segurança jurídica, o principal mecanismo pelo qual se espera incluir os excluídos. São modalidades que em outros países são usadas por jovens e mulheres. Na Holanda, 60% das mulheres empregadas trabalham menos de 30 horas semanais (e apenas 18% dos homens), segundo a OCDE.

Essas evidências de outros países não integraram o debate da modernização trabalhista no Brasil nos últimos meses. Experiências individuais de outros países foram usadas em geral para se opor à reforma, com base em evidências apenas anedóticas.

Evidentemente que experiências de país A ou B não devem vincular qualquer opção de política pública no Brasil. Mesmo as conclusões dos estudos sobre reformas trabalhistas, sejam positivas ou negativas, precisam ser vistas com cautela, uma vez que o teor das reformas pode ser em muito diferente da proposta para o Brasil.

Portanto, parece ser mais conveniente a abordagem de Gordon Betcherman, preconizada em estudo do Banco Mundial, que reconhece a existência de um amplo espaço para as legislações trabalhistas de países emergentes no espectro “flexibilidade-rigidez”12. Desde que se evitem os extremos, seja de flexibilidade (baixo desemprego e informalidade, mas alta precarização) seja de rigidez (pobreza, com muitos “direitos” que não saem do papel), haveria muitas opções para o legislador.

Também é promissor o tratamento sugerido pelos professores Nauro Campos e Jeffrey Nugent para os índices de rigidez da legislação trabalhista. A comparação de um país com outros deveria ser cotejada com os dados domésticos de desempenho do mercado de trabalho13.

Na comparação internacional, temos uma das legislações menos flexíveis do mundo, com a 132a posição entre 144 países (LAMRIG, publicado pelo Instituto de Economia do Trabalho (IZA)) ou a 144ª entre 159 países (Instituto Fraser).  Nos dois rankings, Japão, Hong Kong, Nova Zelândia, Estados Unidos e Canadá aparecem na liderança, e Angola e Venezuela nas últimas posições.

A comparação por si não é um problema, mas infelizmente no Brasil temos também altas taxas de desemprego e informalidade, e uma baixa taxa de crescimento da produtividade. O conjunto desses indicadores cronicamente ruins sugere a necessidade de mudanças.

PREVIDÊNCIA E TERCEIRIZAÇÃO

Há no debate uma genuína preocupação de que as inovações da modernização trabalhista prejudiquem a Previdência. Ela se somaria a outras tendências estruturais de economias modernas, como a indústria 4.0, que tendem a enfraquecer a arrecadação previdenciária.

Isso seria especialmente deletério no Brasil, cuja previdência, com uma das tributações sobre a folha mais pesadas do mundo, é especialmente dependente da contribuição patronal tradicional.

Por outro lado, se existem mudanças estruturais ocorrendo no mercado de trabalho, não seria melhor justamente permitir a formalização de outras formas de contratos de trabalho? Desde que não sejam usadas de maneira espúria, a segurança jurídica para o trabalho intermitente e o autônomo exclusivo, por exemplo, poderiam, ao contrário, ampliar a arrecadação.

Cabe observar também que, sendo a reforma bem-sucedida em incluir os excluídos (desempregados e informais), aumenta-se a massa salarial sujeita à tributação. Ainda no âmbito da arrecadação previdenciária, é louvável a majoração da reforma da multa por empregado informal, que sobe em até 7 vezes, para R$ 3.000.

Da mesma forma, há um sincero medo de que a terceirização da atividade-fim também prejudique a arrecadação. Este é um debate que foi mal embasado, a partir de estudo rudimentar que apontava que o terceirizado ganha 25% menos do que o contratado diretamente.

No mercado de trabalho, os salários são determinados pelas forças da demanda por trabalho pelos empregadores e da sua oferta pelos trabalhadores. Eles não deveriam ser afetados pela forma de contratação, se direta ou indiretamente.

Em verdade, a pesquisa, da Central Única dos Trabalhadores (CUT), meramente comparou a remuneração média de funcionários em setores classificados como tipicamente de terceirizados e tipicamente de contratação direta. Não foi comparada a remuneração de trabalhadores terceirizados e trabalhadores contratados diretamente com as mesmas funções.

Seria o mesmo, portanto, que comparar o salário de um juiz e de um faxineiro do fórum, e explicar a diferença pelo fato do faxineiro ser terceirizado. Estudos que realmente fizeram a comparação apropriada identificaram diferenças muitos menores, e até positivas em ocupações de maior qualificação14.

Também não é consistente a lógica do argumento de que a terceirização da atividade-fim permitirá que trabalhadores contratados diretamente sejam demitidos para que outros mais baratos sejam contratados.

Sendo os salários determinados pelas forças de mercado, não haveria razão para que, por exemplo, o porteiro João fosse demitido para que um terceirizado José seja contratado com um salário menor. Se José já estava disponível e aceitava um salário menor, porque o condomínio esperaria a terceirização para o contratar?

Há duas exceções a este raciocínio: a terceirização no serviço público, uma vez que os salários não são determinados pelo mercado, e a terceirização espúria: a mera intermediação de mão de obra com o objetivo de sonegar encargos. Assim, há um importante argumento de que a vedação à terceirização da atividade-fim é principalmente um instrumento para evitar que se fuja da tributação.

Cabe, porém, refletir sobre as perdas decorrentes da insegurança jurídica que a vedação à terceirização gera, diante da impraticalidade de exigir que burocratas distingam o que são atividades meio e fim de milhares de empresas.

A terceirização em atividades-fim é amplamente adotada fora do país. Empresas terceirizam desde o estabelecimento de seus preços (McDonalds, Coca-Cola, General Eletric, Nestlé) até o desenho dos produtos (Samsung, Ford, Intel, Lufthansa). A gigante Ikea até faz o desenho dos móveis que vende, mas não fabrica nenhum deles.

Esses arranjos, que potencialmente geram emprego e incrementam a produtividade, e por isso, a renda, teriam segurança para nascer no Brasil?

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É importante salientar que os mecanismos por meio das quais a reforma trabalhista tem potencial para aumentar o emprego e a renda não são explicados por suposta benevolência dos empregadores. Ao contrário, a regulação do mercado de trabalho deve ser consciente de que a motivação das firmas é de expandir seus lucros.

Qualquer contratação pressupõe a busca do empresário pelo lucro. Não é possível esperar que os empregadores vão empregar mais porque são “bonzinhos”. A legislação e a jurisprudência trabalhistas devem, portanto, ser elaboradas com ciência dessa restrição que opera em uma economia de mercado.

A aversão que temos aos patrões não pode ser maior do que o desejo de melhorar a vida dos brasileiros. A reforma gera os mecanismos para que o emprego formal e a renda floresçam dentro da lógica do capital.

A regulação do mercado de trabalho não é trivial e nossos anseios por proteção podem justamente prejudicar quem se busca proteger. Ilustrativamente, estudo econométrico sobre a PEC das Domésticas concluiu que em decorrência da medida o emprego se reduziu e mulheres de baixa qualificação foram movidas para fora da força de trabalho ou para empregos piores15.

Evidentemente que a reforma trabalhista não é capaz de, sozinha, propiciar o desenvolvimento e a redução das desigualdades, e nem terá fortes efeitos imediatos no emprego e na produtividade. É preciso desfazer o nó fiscal, que tanto reprime a economia com redução de investimentos público, elevada carga tributária e juros altos.

São necessárias reformas, também microeconômicas, que melhorem o ambiente de negócios, a qualidade da educação e deem mais eficiência e progressividade às despesas do Estado e ao sistema tributário.

Por outro lado, é natural que um projeto de lei com tantas mudanças sofra resistência, porque é difícil concordar com todos os seus dispositivos. Por exemplo, talvez pudessem ser deixadas para negociações coletivas itens que integrarão o texto da lei (salvo veto) e consistem em demanda de profissionais de áreas específicas, com ganhos menos evidentes para o conjunto de trabalhadores.

É o caso das demandas de médicas e enfermeiras (possibilidade de gestante e lactante trabalharem em local de baixa insalubridade) e bancárias (fim do intervalo de 15 minutos antes das horas-extras).

Outra reflexão é se a velocidade da tramitação da proposta, conjugada com tantos eventos políticos relevantes no país nos últimos meses, não prejudicou a sua assimilação – e até aceitação – pelos operadores do Direito. A almejada segurança jurídica depende também do convencimento deles, e não apenas de dispositivos em uma lei.

De todo modo, é urgente que o debate sobre as normas trabalhistas, que irá continuar depois de apreciação da reforma, perca o seu componente maniqueísta, em que os que são favoráveis à manutenção do status quo atual possuem o monopólio das boas intenções e do interesse no bem-estar dos trabalhadores.

 

Versão deste texto foi originalmente publicada no portal JOTA, em 2 de julho de 2017, sob o título “Reforma trabalhista é aposta para o crescimento do emprego”.

 

Sugestões de leitura:

Ao longo da tramitação da reforma trabalhista, o Senado ouviu os principais especialistas do Brasil em Economia do Trabalho, cujas apresentações seguem abaixo:

André Portela

Sérgio Firpo

José Pastore 1 e 2

José Márcio Camargo

Hélio Zylberstajn

A respeito especificamente do tema produtividade, também é de interesse o estudo dos professores Roberto Ellery, Ricardo Paes de Barros e Diana Grosner, publicado pelo Ipea e coletâneas organizadas recentemente por Regis Bonelli, Fernando Veloso e Armando Castelar Pinheiro, do IBRE, FGV; e Luiz Ricardo Cavalcante e Fernanda DeNegri, do Ipea.

Parecer da Comissão de Assuntos Econômicos do Senado Federal.

 

_______________

1 Rigorosamente, essa seria na verdade a produtividade média do trabalho, que se distingue da produtividade marginal do trabalho. Para os fins deste texto não diferenciamos os conceitos.

2 FENWICK, C.; MARTINSSON, S.; PIGNATTI, C.; RUSCONI, G. Labour Regulation and Employment Patterns. World Employment and Social Outlook. Genebra: OIT, 2015.

3 SCHLEIFER, A.; DJANKOV, S.; LA PORTA, R.; LOPEZ-DE-SILANDEZ, F. The Regulation of Labor. National Bureau of Economic Research Working Paper nº 9756. Junho de 2003.

4  HECKMAN, J.; PAGÉS-SERRA, C. The Cost of Job Security Regulation: Evidence from Latin American Labor Markets. Economia 2, 109-154. 2000.

5 AGUIRREGABIRIA, V.; ALONSO-BORREGO, C. Labor Contracts and Flexibility: Evidence from Labor Market Reform in Spain. Economic Inquiry, volume 52, issue 2, pp 930-957. Abril de 2014.

6 OCDE. The 2012 Labour Market Reform in Spain: A Preliminary Assessment. OECD Publishing, 2014.

7 OCDE. OECD Economic Surveys: Germany. Abril de 2016.

8 OCDE. Germany Keeping the Edge: Competitiveness for Inclusive Growth. Fevereiro de 2014.

9 BURDA, M. C.; HUNT, J. What Explains the German Labor Market Miracle in the Great Recession? Brookings Papers on Economic Activity. The Brookings Institution, 2011.

10 BOUVARD, F.; RAMBERT, L.; ROMANELLO, L.; STUDER, N. How have the Hartz reforms shaped the German labour market?. Trésor-Economics, nº 110. Ministère de l’Économie, et des Finances et Ministère du Commerce Extérieur  março de 2013.

11 BURDA, M. C. The German Labor Market Miracle, 2003 -2015: An Assessment. SFB 649 Discussion Paper 2016-005. Fevereiro de 2016.

12 BETCHERMAN, G. Labor Market Regulations: What do we know about their Impacts in Developing Countries?. The World Bank Research Observer, vol. 30, no. 1. Fevereiro de 2015.

13 CAMPOS, N. F.; NUGENT, J. B. The Dynamics of the Regulation of Labor in Developing and Developed Countries since 1960. IZA Discussion Paper No. 6881. Setembro de 2015.

14 STEIN, G. ZYLBERSTAJN, G.; ZYLBERSTAJN, H. Diferencial de salários da mão de obra terceirizada no Brasil. Working Paper 4/2015. Center for Applied Microeconomics, São Paulo School of Economics. Agosto de 2015.

15 PIRES, P. O. M. Labor Rights, Formality and Spillovers: Evidence from Brazil. Dissertação apresentada à Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas. Orientador Rodrigo dos Reis Soares. São Paulo, 2016.

 

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O Brasil deveria receber os refugiados sírios? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2960&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-brasil-deveria-receber-os-refugiados-sirios https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2960#comments Tue, 21 Feb 2017 12:56:16 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2960 Todos nós aprendemos a conviver com o conflito da Síria. Quando o telejornal mostra as cenas de destruição, crianças mutiladas e o desespero dos refugiados tentando uma vida melhor na Europa, mandamos os filhos saírem da sala. Assim, podemos ficar indignados com Putin, Assad, islamistas ou americanos, e esperar a novela começar.

Enquanto isso, milhões de sírios não têm para onde ir. Alemanha e Suécia, seguindo o imperativo moral de ajudar ao próximo, receberam centenas de milhares de refugiados, mas já têm tentado fechar a porteira. É a vez do Brasil fazer algo para aplacar a dor das vítimas.

Que país melhor que o nosso para receber uma parcela dos refugiados? Recebemos milhões de imigrantes nos últimos 200 anos e podemos fazer o mesmo hoje. Desde o começo do século XX, sírios e libaneses chegaram para plantar café, comerciar, estudar e contribuir para nossa civilização. Centenas de seus descendentes se sobressaíram na arte, cultura, ciências, política e esporte. E milhões de outros, anônimos, são nossos vizinhos e colegas.

Mas receber refugiados é caro. E não temos dinheiro sobrando.

É mais caro, entretanto, para a Europa. Os números não mentem. A quantidade de pedidos de asilo quintuplicou nos últimos anos. Se tomarmos a iniciativa, podemos negociar um acordo no qual a Comunidade Europeia e os Estados Unidos pagariam a conta para a instalação de algumas centenas de milhares de refugiados no Brasil. Para criar uma barreira à migração aos países europeus, a Turquia recebeu € 6 bilhões da Comunidade Europeia. Com ajuda financeira dos países ricos, poderíamos oferecer um lar permanente aos refugiados.

E não estaríamos apenas alimentando nossa consciência tranquila. Os refugiados sírios, em geral, têm maior nível de escolaridade que a população brasileira, e depois de um período de transição e adaptação, aumentariam a produtividade média. Uma oferta maior de mão de obra qualificada teria o efeito de reduzir a desigualdade e seria bem-vinda já que, em breve, teremos uma redução da força de trabalho com o envelhecimento da população.

Ao fazer parte da solução, o Brasil estabeleceria papel de protagonista. Afinal, país grande não é apenas aquele cujo presidente tem seu jato ou cujas construtoras subornam ditadores de países mequetrefes, mas sim aqueles que demonstram força moral e liderança por um mundo melhor.

Quando o terremoto no Haiti deixou centenas de milhares desabrigados, nos faltou coragem no coração para agir. Os poucos haitianos que aqui chegaram, por conta própria, conseguiram se estabelecer, embora em condições às vezes precárias e já contribuem para nosso país.

Nós sempre carregaremos a vergonha da abolição tardia da escravidão, mas podemos nos orgulhar de termos sido o Eldorado para muitas gerações passadas de imigrantes, hoje brasileiros.

Somos fortes porque temos diversidade. Também podemos ser bons.

 

Originalmente publicado em edição de O Globo, de 24 de novembro de 2016.

 

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Por que fazer reforma da Previdência no meio de uma recessão? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2927&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-fazer-reforma-da-previdencia-no-meio-de-uma-recessao https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2927#comments Thu, 15 Dec 2016 15:15:45 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2927 Introdução: a reforma da Previdência

Em 2017, quando o pior momento da crise econômica for sentido no mercado de trabalho, o Brasil estará discutindo uma reforma da Previdência.  A reforma  compreende uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC no 287, de 2016) e projetos de lei (ainda a serem enviados pelo governo), alterando, entre outros, regras de acesso a benefícios, forma de cálculo e financiamento dos regimes previdenciários.

A opção do governo foi por uma proposta de reforma paramétrica, e não estrutural, mantendo as características essenciais dos regimes. Os regimes continuam sendo de repartição, em que os benefícios dos trabalhadores inativos são financiados pelos trabalhadores em atividade no mercado de trabalho. A mudança se dá nos parâmetros do regime, e não em sua estrutura, como seria uma mudança para um regime de capitalização (em que o benefício de cada trabalhador é custeado pelas suas próprias contribuições no passado, capitalizadas), típico da previdência privada no Brasil e da previdência pública em outros países emergentes1, e tipicamente considerado uma opção “neoliberal”.

Segundo o orçamento anual de 2017, as despesas com Previdência em todos os regimes, mais o Benefício de Prestação Continuada (BPC-Loas), corresponderão a cerca de 55% do total da despesa primária. Comparativamente, a participação das despesas com os servidores ativos será de 13%, saúde 7%, educação 3%, PAC 3% e Bolsa Família 2%. A soma das demais despesas corresponde a 17%. Esses dados são apresentados no Gráfico 1, a seguir, e evidenciam que a Previdência não é só uma questão relevante no futuro, mas também no presente, como a crise dos Estados também mostra.

Previdência e economia

A crise econômica, com a queda de arrecadação e a instauração de sucessivos déficits primários, trouxe à tona o crescimento estrutural da despesa previdenciária e abriu uma janela de oportunidade para a discussão sobre a necessidade de reforma. Reformas anteriores foram feitas em 1998 e 2003. Em 2016 também o governo Dilma Rousseff anunciara a intenção de fazer uma reforma, tendo a Presidente afirmado que a Previdência era no momento “a questão mais importante para o país2.

Por um lado, as despesas previdenciárias têm evidentes efeitos em curto prazo sobre a demanda. O efeito multiplicador sobre o PIB de cada real despendido pelo RGPS seria de cerca de 0,5 (equivalente ao do RPPS). Para o Benefício de Prestação Continuada (BPC-Loas), o efeito seria de 1,23.

Por outro lado, a ênfase do governo em priorizar a reforma da Previdência durante a recessão é consoante com o diagnóstico de especialistas de que o crescimento da despesa previdenciária coloca e colocará mais restrições ao crescimento da economia no futuro.

Segundo essa visão, a Previdência estaria associada a um tripé de baixo crescimento4: carga tributária elevada, investimento público baixo e juros altos. Diante da tendência de aumento do gasto, esses efeitos só ficariam mais fortes no futuro.

Carga tributária

Na ausência de mudanças, a carga tributária seria cada vez mais pressionada. Em 2015, ainda no governo Dilma Rousseff, o Ministro da Fazenda Joaquim Levy propôs a recriação da CPMF, desta vez não para custear a saúde, mas a  Previdência. Enquanto isso, especialistas calculavam que na ausência de mudança de regras, já seria necessária a criação de uma nova CPMF por ano para financiar as despesas da Previdência5.

Outro exercício, apresentado em reportagem da revista The Economist, apontava que sem reformas as contribuições de empregados e empregadores sobre a folha de pagamento deveriam subir dos atuais 31% (na soma de empregador e empregado) para 86% em 2050 a fim de cobrir os benefícios6. Tal majoração da carga sobre a folha seria inviável, porque alíquotas tão altas erodiriam a base de tributação (o nível de emprego) muito antes que se pudesse chegar a esse patamar.

Aceitando a noção de que o sistema tributário brasileiro é ineficiente, mais impostos sobre ele apenas acentuariam seu efeito deletério sobre a economia7. Diante da urgência de arrecadação para cobrir o crescimento da despesa previdenciária e de dificuldades políticas, o provável é que as escolhas seriam no futuro elevar (ou criar) tributos com maior potencial arrecadatório, e não aqueles com efeitos distorcivos menores sobre a economia ou efeitos regressivos menores na distribuição de renda.

Investimento público

O segundo item deste “tripé” é o investimento público. Considera-se que é o investimento que aumenta a capacidade produtiva da economia no futuro. No entanto, investimentos, como os em infraestrutura ou ciência e tecnologia, por mais necessários que sejam para o país se desenvolver, constituem despesas “discricionárias”. Esse tipo de despesa se contrapõe à despesa obrigatória, que não pode ser reduzida e integra cerca de 92% do orçamento federal.

São exemplos de despesas obrigatórias a Previdência e os salários do funcionalismo. Diante do crescimento das despesas previdenciárias, o governo tem três opções principais8: elevar os impostos, aumentar o endividamento (que pressiona os juros, o que será visto a seguir) e reduzir outras despesas. Para acomodar o crescimento dos gastos com Previdência, seriam as despesas discricionárias as com maior chance de ser comprimidas, o que atinge o investimento público. Esta questão afeta diretamente não só o governo federal, mas também os subnacionais.

Ilustrativamente, em 2015 – ano de ajuste fiscal – enquanto a rubrica “outras despesas de capital”, que reflete o investimento público federal, teve redução de mais 30%, as despesas da Previdência (urbana e real) cresceram mais de 1% acima da inflação.

Juros reais

Finalmente, de modo simplificado, os juros reais estão associados à percepção de risco em relação à capacidade do governo de honrar seus compromissos9. A chance de insolvência no futuro, por conta de uma despesa estruturalmente crescente, pressionaria os juros para cima. Por sua vez, os juros reais altos sufocariam os empreendimentos que o país precisa para crescer.

A Figura 1 a seguir, sintetiza a lógica entre despesa previdenciária e seus efeitos no crescimento da economia, bem como na distribuição de renda.

Confiança

Ainda, segundo o diagnóstico do governo sobre a necessidade de ajuste fiscal, a reforma contribuiria para ganhos de confiança que induziriam a recuperação da economia. No mesmo sentido, o ex-Ministro da Fazenda Nelson Barbosa, em declaração ao Fórum criado no governo Dilma Rousseff para discutir a reforma, entendia como benefício imediato da reforma a melhora das expectativas fiscais, que “reduz a volatilidade cambial, possibilita a queda das taxas de juros de longo prazo e incentiva o investimento e a geração de emprego10.

Poupança e produtividade

Por fim, outros efeitos no crescimento da economia relacionados ao desenho da Previdência (e não exatamente à despesa previdenciária) discutidos pela literatura incluem a redução da poupança doméstica11 e a retirada precoce de trabalhadores produtivos da força de trabalho12. Adicionalmente, o envelhecimento da população está associado a um menor nível de inovação e de crescimento da produtividade13.

 

Previdência e teto de gastos

A Emenda Constitucional do teto de gastos (antiga PEC no 55, de 201614) congela a despesa total do governo federal em termos reais por 10 anos (Novo Regime Fiscal). O teto será anualmente reajustado pela inflação (passados 10 anos outro indexador será escolhido). Podemos dizer que a reforma da Previdência é irmã gêmea da reforma fiscal.

Isso porque a despesa previdenciária cresce aceleradamente em termos reais. Para as despesas federais caberem no teto, outras despesas deverão ser reduzidas na mesma magnitude. Se cumprir o teto, o governo não poderá mais recorrer ao aumento do endividamento ou da arrecadação para cobrir suas despesas primárias15.

Assim, com o teto, o crescimento da despesa previdenciária obrigaria o governo a cortes profundos em diversas outras áreas, o que tornaria a reforma da Previdência mais urgente. Nas palavras do relator da PEC do teto na Câmara, Deputado Darcísio Perondi, o novo regime fiscal “não sobrevive sem a reforma da Previdência (…) É uma dependência biológica entre os pulmões e o coração, um não vive sem o outro.”16

O Gráfico 3, abaixo, apresenta um exercício do impacto, com a vigência do teto, do crescimento da despesa da Previdência nas outras despesas do governo federal. Consideramos 2017 o primeiro ano da aplicação integral do teto17. Sem mudanças, a participação dos gastos previdenciários no gasto total da União passaria gradualmente de cerca de 55% em 2017 (um valor já alto) para cerca de 75% em 2026.

Isso quer dizer que, com o teto e sem reforma da Previdência, todas as despesas primárias do governo federal (excluída a Previdência), que em 2017 deveriam caber em 45% do orçamento, deverão caber em apenas 25% em 2026 – quase a metade. O corte em várias áreas deverá ser ainda maior, uma vez que outras despesas com elevada participação no gasto da União também não podem ser reduzidas, como a com o funcionalismo18. Este resultado coaduna com a visão de Paulo Tafner, um dos principais especialistas em Previdência do país, para quem o problema fiscal existente no Brasil é na essência um problema previdenciário.

Em verdade, mesmo com a reforma da Previdência o resultado pode ser próximo ao apresentado no Gráfico já que, para respeitar o planejamento das famílias de acordo com as regras vigentes, bem como para atenuar a oposição às alterações, a reforma da Previdência possui regras de transição para que as mudanças sejam graduais no tempo.

A partir de 2026 o teto poderá ser reajustado por outro indexador diferente da inflação, como o crescimento do PIB, atenuando os efeitos do crescimento da despesa previdenciária.  Como ilustração, apresentamos no Gráfico 5, tal qual o Gráfico anterior, a tendência de participação do gasto previdenciário nos últimos 10 anos do teto, caso não haja mudança de indexador.

Ressaltamos que este exercício é meramente ilustrativo, com o intuito de evidenciar a tendência de participação do crescimento da despesa previdenciária no total da despesa primária. A estimativa é sensível aos parâmetros escolhidos pelo governo no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (2017).

Evidentemente o cenário apresentado no Gráfico 4 é improvável: tanto o indexador quanto a legislação previdenciária seriam modificados antes de ele se concretizar. Entretanto, o exercício sugere que sem a reforma o efeito sobre outras políticas públicas e o investimento público seria devastador. Anedoticamente, neste cenário ilustrativo, a partir de meados da década de 2030 chegaríamos ao extremo da União pagar apenas despesas previdenciárias (na ausência de reformas, mudança do indexador e com o teto sendo estritamente cumprido).

Dessa forma, é útil revisitarmos a Figura 1, que apresentava os mecanismos pelos quais o crescimento da despesa afeta a economia. Conforme a Figura 2, a seguir, com o teto respeitado, a pressão sobre a carga tributária e a taxa de juros seria aliviada.

Entretanto, o impacto via redução do investimento público seria exacerbado, bem como se amplificaria a compressão de outras rubricas melhor posicionadas para reduzir a pobreza e a desigualdade de renda. Este seria a concretização do cenário de “canibalização dos gastos sociais”19.

Chegamos a outro ponto sobre a interação do teto do gasto com a Previdência.  Até agora, nesta discussão, consideramos que o teto seria respeitado e que, por isso, o crescimento da despesa previdenciária obrigaria reformar a Previdência e/ou promover profundos ajustes nas políticas públicas e investimentos feitos por despesa discricionária.

Entretanto, outro cenário provável é que a União não consiga cumprir o teto, o que acarretaria as vedações previstas pela Emenda até que o limite fosse reestabelecido. Essas vedações incluem inicialmente reajustes a remunerações do serviço público, criação de cargos e admissão de pessoal, entre outros itens afetos ao funcionalismo.

Todavia, o relatório do Deputado Darcísio Perondi, aprovado na Comissão Especial e no Plenário da Câmara dos Deputados, criou uma última vedação adicional: o aumento real do salário mínimo. Esta possibilidade também constava da proposta de reforma fiscal do Ministro da Fazenda Nelson Barbosa apresentada ainda no governo Dilma Rousseff (Projeto de Lei Complementar (PLP) no 257, de 2016).

Como dois terços dos benefícios previdenciários estão hoje atrelados ao salário mínimo, esta vedação atingiria diretamente a Previdência Social, ao proibir a prorrogação da política de valorização do salário mínimo ou política semelhante. Atualmente, o salário mínimo é reajustado segundo a inflação do ano anterior e o crescimento do PIB de dois anos antes, componente real da fórmula prevista na Lei no 13.152, de 29 de julho de 2015, cuja vigência se estende até 2019.

Assim, caso o teto não seja respeitado e as medidas de contenção de gastos via funcionalismo não sejam suficientes, o reajuste dos menores benefícios da Previdência seria afetado. Dessa forma, sem alterações na Previdência, o que eleva a chance de descumprimento do teto, as vedações impostas Emenda Constitucional do limite dos gastos garantem parcialmente uma espécie de “reforma automática”.

Assim, resumidamente, temos dois cenários de interação entre o teto e a Previdência:

 

Cenário 1: teto é respeitado

  • O crescimento acelerado das despesas previdenciárias obrigará a aprovação de alterações na Previdência; e/ou
  • O crescimento acelerado das despesas previdenciárias reduzirá substancialmente o espaço fiscal para políticas públicas e investimentos financiados por despesas discricionárias.

 

Cenário 2: teto não é respeitado

  • Reajustes reais do salário mínimo são vedados, atenuando parte do crescimento da despesa da Previdência.

 Ainda, como o crescimento esperado para as despesas previdenciárias é decorrente principalmente da transição demográfica, e não apenas do aumento do salário mínimo, é plausível que elementos dos dois cenários sejam observados (reforma da Previdência; redução de despesas discricionárias; e reajustes apenas nominais aos menores benefícios da Previdência).

 

Considerações finais

O impacto da reforma nos dez primeiros anos, acumulado, seria de R$ 678 bi em relação à trajetória anterior, o que pode ser insuficiente para “caber” no teto de gastos20. Para Fabio Giambiagi, um dos principais especialistas brasileiros no tema, a reforma seria adequada em relação ao ano de 2032 em diante, mas insuficiente para os próximos anos: “o governo eleito em 2018 talvez tenha que fazer outra reforma referente às condições de aposentadoria na década de 202021. Já o Ministro-Chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha, avalia que a aprovação da reforma apenas moderaria o crescimento da despesa até 2025, que subiria consistentemente dali em diante22.

É certo que a reforma da Previdência não soa como item de uma “agenda de crescimento”, na forma romântica que o termo é normalmente compreendido. Entretanto diante da situação dramática da trajetória do gasto previdenciário no Brasil, ela se apresenta como uma necessária correção de rota para evitar um cenário de instabilidade econômica e social muito pior do que o atual.

 

(Este texto é baseado no Boletim Legislativo nº 52 do Núcleo de Estudos e Pesquisas da Consultoria Legislativa do Senado, disponível no seguinte link:http://www.senado.gov.br/estudos)

 

______________________

1 Como no Chile. O regime de capitalização se caracteriza por um menor risco demográfico, mas maiores riscos financeiros, do que o regime de repartição. Ainda, na capitalização os riscos envolvidos são mais individuais, enquanto no regime de repartição, mais solidário, os riscos recaem sobre os trabalhadores da ativa ou, em última instância, sobre toda a sociedade. Uma reforma estrutural que migrasse da repartição para a capitalização envolveria significativos “custos de transição”, decorrentes do fato do regime antigo continuar pagando benefícios enquanto as novas contribuições são vertidas para o novo regime. Há ainda um terceiro tipo de regime, o de contas nocionais, em que as contribuições individuais são remuneradas (como na capitalização), mas por “juros fictícios”, sendo elas na prática vertidas para financiar os benefícios dos inativos (como na repartição). Trata-se de um modelo utilizado há poucos anos, na Suécia, Itália, Polônia e Noruega. Ver, entre outros, Tafner (2007): TAFNER, P. Seguridade e Previdência: Conceitos Fundamentais. In: TAFNER, P.; GIAMBIAGI, F. (Org.) Previdência no Brasil: debates, dilemas e escolhas. Rio de Janeiro: Ipea, 2007.

2Ver: http://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2016-01/dilma-diz-que-previdencia-e-assunto-que-mais-preocupa-governo.

3Comparativamente, os multiplicadores do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), abono salarial, seguro-desemprego e Bolsa Família são, respectivamente, de 0,39; 1,06; 1,06 e 1,78. Ver Neri et al. (2013): NERI, M.; VAZ, F. M.; SOUZA, P. H. G. F. Efeitos Macroeconômicos do Programa Bolsa Família: Uma Análise Comparativa das Transferências Sociais. In: CAMPELLO, T. NERI, M. (Org.) Programa Bolsa Família: Uma Década de Inclusão e Cidadania. Brasília: Ipea, 2013.

4Ver Giambiagi (2007). GIAMBIAGI, F. Reforma da Previdência, o encontro marcado:a difícil escolha entre nossos pais ou nossos filhos. Rio de Janeiro: Campus, 2007.

5 O foco do problema. O Globo. 16 de setembro de 2015. Disponível em: http://blogs.oglobo.globo. com/miriam-leitao/post/foco-do-problema.html.

6Baseado em estimativas do demógrafo Bernardo Queiroz, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Brazil’s pension system: Tick, tock. The Economist. 24 de março de 2012. Disponível em: http://www.economist.com/node/21551093.

7 Ver, entre outros, Afonso (2016). AFONSO, J, R. Ambiente de Negócios: Simplificação da Legislação Tributária. Apresentação no Seminário Ambiente de Negócios: Segurança Jurídica, Transparência e Simplicidade.  IBRE/FGV e Direito-Rio/FGV. Rio de Janeiro,23 de setembro de 2016.

8 Uma quarta opção seria emitir moeda e financiar o aumento do gasto via inflação. Por outro lado, umataxa de crescimento muito alta do PIB poderia atenuar o problema por um período de tempo, ao aumentar a arrecadação sem necessidade de aumento de tributos.

9Aqui, deve-se considerar o conceito de taxa implícita de juros, e não a taxa Selic, que não tem a mesma participação que tinha no passado na remuneração dos títulos públicos.

10Barbosa defende que reforma da Previdência seja feita agora, gradualmente. Correio Braziliense, 17 de fevereiro de 2016. Disponível em: http://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/economia/2016/02/17/internas_economia,518253/barbosa-defende-que-reforma-da-previdencia-seja-feita-agora-gradualme.shtml.

11 Ver, entre outros, Oliveira et al. (1998).  OLIVEIRA, F. E. B.; BELTRÃO, K. I.; DAVID, A. C. A. Previdência, Poupança e Crescimento Econômico: Interações e Perspectivas. Texto para Discussão no 607. Rio de Janeiro: Ipea, novembro de 1998.

12 Ver, entre outros, Paiva et al. (2016). PAIVA, L. H.; RANGEL, L. A.; CAETANO, M. A. O Impacto das Aposentadorias Precoces na Produção e na Produtividade dos Trabalhadores Brasileiros.Texto para Discussão no 2.211. Rio de Janeiro: Ipea, julho de 2016.

13 O que não corrobora o argumento de que o crescimento da produtividade poderia resolver o problema previdenciário. Não só o crescimento da produtividade gera um passivo previdenciário no futuro (como contrapartida do aumento da arrecadação), como ele seria restringido pelo próprio envelhecimento da população. Ver, entre outros, Maestaset al. (2016). MAESTAS, N.; MULLEN, K. J.; POWELL, D. The Effect of Population Aging on Economic Growth, the Labor Force and Productivity. NBER WorkingPaper No. 22452. Julho de 2016.

14Na Câmara, a matéria tramitou como PEC 241/2016.

15Evidentemente que a criação ou aumento de tributos não está proibida, mas elas serviriam, pelo menos nos dez primeiros anos do Novo Regime Fiscal, para melhorar o resultado primário: a princípio reduzindo o déficit e posteriormente gerando um superávit. Em verdade, a estabilização da relação dívida e PIB é o objetivo da proposta.

16Ver: http://zh.clicrbs.com.br/rs/noticias/noticia/2016/10/so-nao-vai-ter-ganho-real-mas-e-reajuste-diz-perondi-sobre-pec-do-teto-dos-gastos-publicos-7729952.html.

17Na primeira semana de outubro o governo indicou que o teto só valeria para as áreas de saúde e educação a partir de 2018. Não consideramos essa mudança em relação à proposta original neste exercício, o que afeta os valores absolutos estimados, mas não a tendência do resultado.

18Diante desse cenário, alguns especialistas defendem que a PEC seja modificada para que seja dado um tratamento mais duro às despesas com funcionalismo, incluindo congelamento real de salários. Ver, entre outros http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/09/1817880-para-analistas-teto-precisa-de-limite-para-despesa-com-pessoal.shtml?cmpid=compfb  e http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,em-13-anos-salario-do-servico-publico-subiu-tres-vezes-mais-que-o-privado,10000079369.

19Proposto por Fabio Giambiagi. Ver: http://brasil.elpais.com/brasil/2015/09/22/politica/1442935579_665784.html.

20Ver: http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/12/1838400-reforma-da-previdencia-pode-gerar-economia-de-r-678-bi-diz-governo.shtml.

21 Ver: http://oglobo.globo.com/economia/mesmo-com-reforma-governo-federal-tera-de-cortar-mais-300-bi-20419663.

22 Ver: http://br.reuters.com/article/domesticNews/idBRKBN12Z2TR.

 

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Melhorar a educação é fundamental para qualquer sociedade crescer de forma sustentável no longo prazo com justiça social. A educação melhora a produtividade dos trabalhadores e de suas firmas, facilitando inovações tecnológicas e a aplicação de novas técnicas gerenciais. Além disso, como a elite econômica de qualquer país já tem um alto nível educacional, aumentos posteriores na escolaridade e na qualidade da educação favorecem principalmente as famílias mais pobres, aumentando a ascensão social e a mobilidade intergeracional e diminuindo a pobreza e a desigualdade.

A agenda social no Brasil mudou muito nos últimos 20 anos. No passado tinha-se a ideia de que para melhorar a vida dos mais pobres era apenas necessário formar elites esclarecidas, que formulariam políticas econômicas corretas que, por sua vez, ajudariam a reduzir a pobreza indiretamente através do crescimento econômico. Hoje em dia está mais sedimentada a ideia de que as crianças nascidas em famílias mais pobres deveriam ter condições iniciais parecidas com as nascidas em famílias mais ricas, para poderem exercer livremente suas escolhas e também contribuir para o crescimento e desenvolvimento do país, através de um mercado competitivo.

Mas, como a sociedade pode dar condições iniciais iguais para todos? Fornecendo serviços de saúde e educação de qualidade para que as pessoas possam atingir um nível de capital humano no início da vida adulta que os permita competir em igualdade de condições no mercado de trabalho, independentemente de sua condição social. O objetivo de fazer com que as crianças nascidas em famílias pobres consigam sair da pobreza no longo prazo por seus próprios meios. O sucesso pleno do programa bolsa família ocorrerá quando ele não for mais necessário.

No Brasil, o processo de inclusão social mais recente começou com a estabilização da economia em meados da década de 90 e continuou com os programas de transferência condicionais de renda. Nesses programas as famílias mais pobres recebem uma transferência monetária desde que seus filhos frequentem a escola e façam exames de saúde. Esses programas começaram com a Bolsa-Escola, que foi implementada em algumas capitais do país desde a década de 90 e foram unificada aos demais programas sociais no início desse século e transformados no Bolsa-Família. Esses programas são os mais eficazes e modernos existentes atualmente. Várias avaliações de impacto realizadas sobre o programa bolsa-família, por exemplo, mostram que o programa foi efetivo em aumentar o acesso à escola das famílias mais pobres, diminuir a pobreza extrema e a desigualdade, sem afetar a oferta de trabalho dos pais.

Entretanto, programas de transferência de renda não são suficientes para dar condições iniciais iguais para todos, independentemente da condição social. A desigualdade de renda continua elevada no Brasil e a mobilidade entre as gerações ainda é uma das mais baixas do mundo. Mesmo que as famílias mais pobres tenham colocado seus filhos na escola, as condições da criança nos primeiros anos de vida e a qualidade da escola pública impedem que a maioria das crianças mais pobres consiga permanecer na escola até o final do ensino médio.  As que permanecem não conseguem aprender o suficiente para poder ingressar no mercado de trabalho com condições de obter um emprego qualificado no setor formal da economia. Desta forma, a agenda social tem que lidar com esse desafio.

Assim, sugerimos nesse artigo uma proposta para continuar transformando a vida das famílias mais pobres. A ideia é melhorar a qualidade da educação, sugerindo um programa em que o governo federal incentiva os estados e municípios a adotarem práticas eficazes para melhorar o aprendizado nas escolas públicas..

 

Evolução da Educação no Brasil

O principal problema do nosso país é que não conseguimos combinar crescimento da produtividade com avanço social. A Figura 1 mostra isso claramente ao comparar o crescimento dos anos médios de escolaridade no Brasil e em outros países do mundo entre 1960 e 2010. Podemos observar que já em 1960 a população brasileira tinha apenas pouco mais do que dois anos de estudo em média, assim com o México, ao passo que na Coréia a população tinha apenas três anos de escolaridade em média. Nesses países, a maioria da população era analfabeta. Em comparação,a população chilena já tinha mais do que cinco anos de estudo em média e a americana já alcançava nove (ou seja, mais do que o ensino fundamental completo). Entre 1960 e 1980, o Brasil avançou muito pouco em termos educacionais. Nossa prioridade nessa época foi aumentar a produtividade do país através da transferência de grande parcela da população do campo para a cidade, saindo do setor agrícola pouco produtivo para a indústria que crescia. Entretanto, como pensávamos que esse processo iria durar para sempre, nos esquecemos de educar nossos trabalhadores. Enquanto isso,a Coréia atingiaoito anos de escolaridade média já em 1985, o Chile atingiu esse patamar em 1990, ao passo que o Brasil só iria alcançá-lo em 2010 (25 anos após a Coreia). Nos Estados Unidos a população adulta tem quase 14 anos de estudo atualmente.

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O grande avanço brasileiro ocorreu entre 1990 e 2010. Vários fatores podem explicar esse avanço educacional. Em primeiro lugar, a constituição de 1988 incentivou a descentralização da gestão da educação para os municípios e estabeleceu limites mínimos de gastos com educação. Além disso, o Fundef em 1998 redistribuiu os gastos dos municípios ricos com poucos alunos para os municípios pobres com mais alunos, equalizando os gastos por aluno dentro de cada Estado. Além disso, os programas de progressão continuada (ciclos) diminuíram as grandes taxas de repetência que vigoravam no Brasil (cerca de 40%) e assim diminuíram a evasão. Finalmente, os programas Bolsa-Escola e Bolsa-Família aumentaram a frequência escolar entre as famílias mais pobres, pois exigiam essa frequência como contrapartida para a transferência de renda.

Vale notar, porém, que nos últimos anos já está ocorrendo uma desaceleração no ritmo de crescimento educacional. A Figura 2 abaixo mostra a evolução recente dos anos médios de escolaridade para os jovens (22 a 24 anos de idade) no Brasil separadamente para brancos e negros/mulatos. Podemos notar, em primeiro lugar, que existe uma grande desigualdade em termos de acesso à educação por cor, pois os brancos tinham em 1992 dois anos a mais de escolaridade média do que os negros. Essa diferença reflete-se no mercado de trabalho. Entre 1992 e 1999 tanto os brancos como os negros aumentaram em média um ano de estudo. Entre 1999 e 2006, o ritmo de crescimento na escolaridade média aumentou bastante, passando para quase dois anos para os negros e 1,7 ano para os brancos. Isso significa que não apenas o avanço educacional foi impressionante, como a desigualdade se reduziu na medida em que os negros avançaram mais do que os brancos.

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Entretanto, entre 2006 e 2013 o ritmo de avanço declinou para ambos os grupos, embora a desigualdade entre brancos e negros tenha continuado a reduzir-se. Essa redução recente no ritmo de crescimento no acesso à educação significa que dificilmente vamos alcançar a Coreia ou os Estados Unidos no curto prazo.

Uma notícia boa é que a frequência à pré-escola tem melhorado bastante no Brasil. As pesquisas recentes na área de economia da educação têm enfatizado a importância dos primeiros anos de vida para o desenvolvimento saudável das pessoas. Se a criança cresce em ambientes de pobreza extrema, em situações de estresse tóxico, ela pode sofrer atrasos no desenvolvimento de suas habilidades cognitivas e sócio emocionais, o que vai prejudicar seu desempenho ao longo da vida escolar. Assim, nessas situações é importante que a criança tenha acesso a uma pré-escola de qualidade, para que possa conviver e interagir com outras crianças e aumentar sua capacidade de aprendizado. A Figura 3 abaixo mostra que entre 1992 e 2013 a porcentagem de crianças brancas e negras que frequentam à pré-escola praticamente dobrou. Vale notar também que a diferença de acesso por cor é pequena quando comparada à diferença de anos médios de escolaridade. Com a diminuição do número de crianças que está ocorrendo hoje no Brasil (em virtude da transição demográfica), essa parcela deve aumentar ainda mais.

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Entretanto, a qualidade da educação tem melhorado pouco e muito lentamente no Brasil. A Figura 4 mostra a evolução do desempenho dos alunos brasileiros nos exames de proficiência realizados pelo INEP (ministério da educação) entre 1995 e 2013. Podemos notar que houve uma queda substancial de desempenho em todos os ciclos entre 1995 e 2003, consequência do maior acesso à escola das crianças nascidas em famílias mais pobres que foi documentado acima. Como as crianças nessas famílias geralmente tem menos investimentos nos primeiros anos de vida, seu desempenho na escola tende a ser pior do que a média.

Entre 2003 e 2013 o aprendizado aumentou significativamente no 5º ano. Vários fatores explicam esse fato. Em primeiro lugar, o aumento na taxa de frequência à pré-escola faz com que as crianças ingressem no ensino fundamental com maior capacidade de aprendizado. Além disso, o aumento educacional das mães e dos pais contribui para aumentar os estudos em casa e consequentemente também afetam a melhora do aprendizado. Estudos mostram que a ampliação do ensino fundamental de oito para nove anos também contribuiu para a melhora do aprendizado. Por fim, iniciativas de melhora de gestão em alguns municípios, tais como Sobral e Foz do Iguaçu, também obtiveram bons resultados.

Entretanto, a grande preocupação é com a estagnação da qualidade da educação no 9º ano do ensino fundamental e no 3º ano do ensino médio. Isso significa que os avanços obtidos no 5º ano não estão chegando até as series finais. Ou seja, apesar do aumento de acesso à educação ocorrido nas últimas décadas, o aprendizado médio dos alunos que concluem o ensino médio permanece abaixo do nível de 1995.

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Na comparação internacional, nosso desempenho educacional também é preocupante. A Figura 4, por exemplo, mostra a distribuição de proficiência dos alunos brasileiros no exame PISA de 2012 em comparação com os alunos da OECD. Podemos notar que apenas 33% dos alunos brasileiros tem desempenho acima do nível 1, que pode ser considerado sofrível e que 35% tem desempenho abaixo desse nível, ou seja, praticamente não entenderam nenhuma questão da prova. O pior é que a maioria dos nossos futuros professores encontra-se nesse nível. Na OECD, por outro lado, quase 80% dos alunos está acima do nível 1 e somente 5% está abaixo desse nível. Assim, o nosso foco tem que ser em melhorar a qualidade da educação. Como fazê-lo?

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Razões para a Baixa Qualidade da Educação

O aprendizado dos alunos nas escolas públicas é muito baixo por vários motivos. Em primeiro lugar, como vimos acima, os alunos muitas vezes já chegam à escola com sérias deficiências no seu desenvolvimento cognitivo e sócio emocional. O background familiar (nível socioeconômico das famílias) é muito importante para o desempenho dos alunos, explicando cerca de ¾ do seu desempenho em testes padronizados. Mas, melhorar o background familiar leva bastante tempo e nosso problema educacional é urgente.

Com relação aos professores, nosso principal problema é que o ensino de graduação em grande parte das faculdades de pedagogia é fraco, teórico e com pouca ênfase na prática em sala de aula. Não há um currículo mínimo mostrando o que cada professor deve ensinar em cada série. Os diretores das escolas muitas vezes são escolhidos por critérios políticos e costumam ficar pouco tempo nas escolas, especialmente nas piores escolas.

Os secretários de educação, de forma geral, não enfatizam a meritocracia no sistema educacional. Poucos utilizam avaliações externas para guiar políticas educacionais. Muitos resistem a apoiar políticas de ciclos (progressão continuada), por questões políticas. Finalmente, o tempo de aula efetivamente ministrado nas escolas públicas é mínimo. Alunos no ensino médio têm cerca de 2 horas de aula efetivas em média por dia, o que é claramente insuficiente para melhorar seu aprendizado. Assim, para melhorar o aprendizado dos nossos alunos faz-se necessário um pacote de medidas que ataquem as várias deficiências existentes em todos os elos da cadeia: aluno-família-faculdades de pedagogia-professor-diretor-secretários de educação.

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O Financiamento da Educação

Há uma série de distorções no financiamento para a educação que devem ser resolvidas independentemente da questão de aumento de gastos ou de melhora na gestão dos recursos atuais. A Constituição de 1988 vinculou os gastos com educação às receitas de certos impostos (18% para União e 25% para estados e municípios). Porém, havia grande disparidade de recursos aplicados à educação entre municípios, uma vez que suas receitas também são díspares. O FUNDEF foi instituído para amenizar tal problema. Através do FUNDEF, municípios e estados contribuíam para um fundo estadual com 20% das receitas de certos impostos (ver Tabela 1) e o montante desse fundo era redistribuído de acordo com o número de matrículas no EF. Assim, os municípios mais ricos com poucos alunos transferem recursos educacionais para os municípios mais pobres que atendem mais alunos. De acordo com as regras do FUNDEF, 60% dos recursos dos fundos deveriam ser usados com remuneração dos profissionais do magistério.

Em 2007 o FUNDEF foi transformado em FUNDEB. Enquanto no FUNDEF os recursos eram distribuídos na proporção dos alunos do ensino fundamental, os recursos do FUNDEB são distribuídos com base em uma medida que pondera os alunos de cada rede em diferentes níveis de ensino (infantil, fundamental e médio). Além desses recursos, sempre que um estado não atinge o valor mínimo por aluno, fixado todos os anos pelo governo federal para o Brasil todo, o governo federal faz a complementação. Os estados que recebem verbas da União para o FUNDEB são: Alagoas, Amazonas, Bahia, Ceará, Maranhão, Pará, Paraíba e Piauí.

A partir de 2010, o valor mínimo gasto por aluno em todo o Brasil passou a ser fixado de forma que o governo federal contribua com 10% do total arrecadado pelos demais entes federados para o ensino básico. Assim, sempre que a arrecadação total dos estados e municípios aumenta, o montante destinado ao FUNDEB também aumenta e o montante a ser gasto pelo governo com educação básica também. Ou seja, os gastos com ensino básico dependem do desempenho da economia, o que parece algo bastante lógico.

Desses 10% a serem gastos pelo governo federal, 90% deve ser distribuído com base no número de alunos em cada município para garantir o gasto mínimo por aluno estabelecido nacionalmente (ou seja faz parte do Fundeb). Além disso, até 10% (ou seja, 1% da complementação da união) pode ser distribuído para programas direcionados para melhoria da qualidade da educação básica. Esses recursos somam cerca de R$1 bilhão atualmente e podem ser livremente alocados pelo governo federal. A Tabela 2 apresenta as estimativas de arrecadação total do FUNDEB por ano, assim como o aporte de recursos do governo federal para o Fundo.

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Entretanto, há uma distorção no sistema de gastos com a educação que deve ser ressaltada. A Lei nº 11.738, de 16 de julho de 2008, estabeleceu um piso salarial nacional para o magistério de 950 reais para os professores com formação de nível médio, na modalidade “normal”, em uma jornada de 40 horas semanais. A lei também estabelece que o piso nacional deve ser reajustado anualmente, sendo acrescido o mesmo percentual do aumento do gasto mínimo por aluno previsto do ano anterior (que depende do montante arrecadado pelos estados e municípios). A Tabela 3 apresenta o gasto mínimo previsto no final do ano anterior (que é usado para definir o piso salarial do ano seguinte) e o consolidado (que só é definido durante o próprio ano vigente) nos últimos anos.

Como a maior parte dos gastos com educação são salários dos professores, essa lei tem grande importância para definição dos gastos. Mas, existem três problemas principais com essa lei. O primeiro é que em caso de uma situação de recessão econômica, como a que ocorre atualmente, o gasto mínimo consolidado tenderá a ser menor do que o gasto previsto, mas isso não muda o piso salarial dos professores, que foi definido com base no gasto previsto no final do ano anterior. A Tabela 3 mostra que isso ocorreu em 2012, quando o gasto mínimo previsto no final de 2011 (que reajustou o piso salarial de 2012) foi de 22%, enquanto o gasto mínimo consolidado aumentou somente 9,44%, em linha com o crescimento da arrecadação dos estados e municípios (ver Tabela 2). Assim, nesses casos, vários Estados e Municípios não têm condições de pagar o piso.

Além disso, mesmo no caso em que o gasto mínimo previsto diminua com relação ao ano anterior, não é possível diminuir o salário dos professores, o que também acarreta estrangulamento dos gastos municipais. Por fim, se a arrecadação de um município crescer menos do que a média nacional prevista no ano aterior, esse município terá que aumentar a parcela de recursos destinados ao pagamento de professores para que possa cumprir o piso salarial. Isso fará com que o município tenha que diminuir todas as outras despesas educacionais para poder cumprir a lei.

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Outra distorção ocorre com a distribuição dos gastos entre os níveis de ensino. O ensino superior apropria aproximadamente 15% dos gastos públicos em educação (R$ 39 bilhões em 2013) e aproximadamente 50% dos gastos federais (39 bilhões em 2013), mas tem apenas 3% do total de alunos. Assim, enquanto o ensino básico gasta 23% do PIB per capita por aluno, o ensino superior gasta 89%. Ou seja, cada aluno do ensino superior público recebeu investimentos de R$21000 em 2013, enquanto seu equivalente no ensino básico recebeu somente R$5500. Poderíamos argumentar que os gastos com educação superior incluem os gastos com pesquisas, mas em nenhum país do mundo essa discrepância de gastos entre o ensino básico e o superior é tão grande. Na média da OCDE, o gasto por aluno no ensino superior é somente duas vezes maior do que no ensino básico, na Coreia é pouco mais de uma vez e meia e nos EUA, maior gerador de pesquisas no planeta, chega a três vezes. Sem contar o fato de que muitos dos alunos que hoje frequentam o Ensino superior público teriam condições de pagar mensalidades, o que não ocorre no Ensino básico.

Com relação ao montante total de gastos, a principal concepção equivocada na área educacional é que bastaria aumentar os gastos com educação para atrair melhores professores que a qualidade melhorará automaticamente. Como o Plano Nacional de Educação prevê aumento de gastos com educação para 10% do PIB, com ajuda dos royalties do pré-sal, o problema educacional estaria resolvido. O equívoco desta visão é que não há relação automática entre gastos e proficiência. Países com desempenho excelente no PISA 2012, como Vietnam, por exemplo, gastam pouco como proporção do PIB. Os Estados Unidos é o país que mais gasta com educação e seu desempenho é mediano.

Atualmente o gasto público direto com educação no país equivale a 5,2% do PIB, ou seja, R$ 260 bilhões, em valores de 2013 (ver Tabela 4).1 Desse total, 85% são gastos com educação básica, o que significa que cada aluno do Ensino básico recebe um investimento médio de R$ 5,500mil, equivalente a 23% do nosso PIB per capita. Países da OCDE gastam em média 26% do seu PIB per capita com Educação básica. A Coreia gasta 30%, o Chile 18% e o México 15%.

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Em suma, como porcentagem do PIB per capita o Brasil gasta praticamente o mesmo que a OCDE, um pouco menos do que a Coreia e bem mais do que o Chile, que tem um desempenho melhor do que o brasileiro no PISA. O Brasil gasta menos por aluno do que grande parte dos países da OCDE porque seu PIB per capita é menor. Além disso, Brasil gasta muito com ensino superior e pouco com ensino básico. Finalmente, o Brasil perde muitos recursos com a alta taxa de repetência que persiste no nosso sistema educacional. Assim, se não mudarmos o modo como os recursos educacionais são gastos no sistema, mais recursos não levarão a um aumento de qualidade.

 

O Papel da Gestão

Enquanto nossos dirigentes fazem planos mirabolantes para melhorar a educação no Brasil, tais como o Plano Nacional de Educação, o aprendizado dos nossos alunos nas séries finais do ensino fundamental e no ensino médio continua estagnado, como vimos acima. O nosso principal problema está na gestão dos nossos sistemas municipais e estaduais de ensino. E para melhorar a gestão é preciso ter diretores e secretários de educação com capacidade gerencial e escolas mais autônomas, que tenham liberdade para implementar as políticas que julgarem adequadas para aumentar o aprendizado.

Várias pesquisas mostram que uma gestão mais eficiente pode melhorar muito o aprendizado. Uma pesquisa publicada recentemente em uma importante revista acadêmica de economia conseguiu mensurar e quantificar o impacto da gestão sobre o aprendizado dos alunos em escolas de vários países, incluindo o Brasil.2 Essa pesquisa mediu a qualidade das práticas gerenciais em 1800 escolas públicas e privadas de ensino médio em sete países: Reino Unido, Suécia, Canada, EUA, Alemanha, Itália, Brasil e Índia (ordenados em ordem decrescente de qualidade de gestão).

A pesquisa mostrou que a qualidade da gestão de cada escola está bastante relacionada com a nota dos seus alunos nos exames padronizados em cada país. Ou seja, nas escolas com melhores práticas gerenciais os alunos têm notas melhores. Além disso, escolas públicas com maior autonomia de gestão (como as “escolas charter” nos EUA, as “acadêmicas” no Reino Unido ou as “escolas de referência” em Pernambuco) adotam práticas gerenciais melhores e, consequentemente, têm melhores notas.

As escolas brasileiras apresentaram índices de gestão muito baixos, superando apenas as indianas. Elas são ruins principalmente no modo como os professores e funcionários são gerenciados, pois os professores muito bons, assíduos e efetivos ganham o mesmo salário que os demais, que não podem ser demitidos. As exceções são as escolas privadas e as escolas de referência de Pernambuco, que têm maior flexibilidade para adotar práticas gerenciais modernas e mais efetivas.

Essa pesquisa traz contribuições importantes que podem ser utilizadas para melhorar a qualidade da educação no Brasil. A primeira é que o nosso principal problema na área da educação parece ser a baixa capacidade gerencial daqueles que administram a maioria das nossas escolas e redes de ensino e a legislação extremamente restritiva adotada pelos estados e municípios. Se não modificarmos isso urgentemente, todos os outros programas idealizados para melhorar a educação, tais como a educação em tempo integral, a utilização de novas tecnologias, o currículo mínimo e os aumentos nos salários dos professores resultarão apenas em pequenas melhorias locais de aprendizado, sem resultados efetivos em larga escala. A falta de capacidade gerencial dos nossos gestores é um gargalo que impede que esses programas bem desenhados resultem em melhorias de proficiência em escala nacional.

Outra questão importante é que as nossas escolas precisam de maior autonomia para gerenciar seus professores e funcionários, monitorar o aprendizado de todos os alunos, implementar metas de aprendizado que devam atingidas por todos e cobrar resultados daqueles que falham persistentemente em atingir essas metas. Além disso, chegou a hora de permitir que os alunos da rede pública sejam atendidos em escolas gerenciadas privadamente, mais autônomas, sem as “amarras” da legislação educacional local. A experiência das “escolas acadêmicas”, introduzidas durante o governo trabalhista da Inglaterra para recuperar escolas que apresentavam desempenho abaixo do normal deve ser um exemplo a ser seguido no Brasil.

Um caso recente de sucesso na área de gestão na própria educação brasileira é o município de Sobral no Ceará. Apesar de estar localizado numa região relativamente pobre, Sobral conseguiu melhorar dramaticamente o aprendizado de seus alunos, através de sucessivas reformas educacionais que focaram principalmente a gestão.A Figura 6 abaixo mostra que em 2005 os alunos da rede pública de Sobral tinham um IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) de 4, igual à média brasileira, acima do estado do Ceará como um todo, e muito abaixo das escolas privadas do estado de São Paulo. Entre 2005 e 2013, o IDEB de Sobral praticamente dobrou, alcançando um nível educacional maior do que a média dos países da OCDE e acima da rede privada do estado de São Paulo.

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As reformas em Sobral começaram com a aceleração da municipalização do ensino, para que todas as escolas do primeiro ciclo ficassem sob a responsabilidade do município. Também houve fechamento das escolas menores, distantes e com pouca infraestrutura, concentrando os alunos nas escolas maiores. O foco inicial estava na alfabetização, com a instituição do Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC), introdução de um ano mais no ensino fundamental (bem antes dos outros estados e municípios) e um currículo de alfabetização bem definido. Foi aplicado o conceito de “autonomia com responsabilidade”, de forma que os diretores e professores tinham autonomia para atuar na escola, mas tinham que prestar contas para a secretaria de educação, para que ela pudesse avaliar e cobrar resultados.

Mesmo dando liberdade para os professores com relação à atuação dentro das salas de aula, Sobral desenvolveu um material próprio, distribuído para todos os docentes. Eles também passaram a receber formação continuada durante todo o ano letivo em cursos oferecidos pela Secretaria. A diferença da abordagem sobralense é que a formação dos professores tinha caráter pragmático. As aulas não giravam em torno de metodologias pedagógicas e discussões teóricas. Os professores recebiam instruções sobre como utilizar o material pedagógico dentro da sala de aula, de forma que se maximizasse o aprendizado do aluno. A formação era muito mais prática do que teórica.

Além disso, Sobral desenvolveu um sistema de avaliação externa às escolas, onde todos os alunos da rede municipal passavam por exames semestrais. Essas avaliações eram iguais para todas as turmas, e a Secretaria comparava o desempenho dos professores e das escolas.  Com base nessa avaliação externa, foi desenvolvido um projeto de gratificação por desempenho. A gratificação era dada tanto para diretores quanto para professores. Os professores ganhavam o bônus caso a nota média dos alunos na avaliação externa semestral atingisse as metas estabelecidas pela Secretaria. No caso dos diretores, suas gratificações eram baseadas no rendimento das escolas nas avaliações da prefeitura. A prefeitura instituiu um prêmio para as melhores escolas, que era redistribuído entre todos os funcionários.

O caso de Sobral ilustra claramente que é possível melhorar a qualidade da educação no Brasil, mesmo em municípios mais pobres, desde que os gestores estejam preparados para enfrentar os interesses corporativistas e adotar reformas com foco em melhorar a gestão para obtenção de resultados.

 

Propostas para melhorar a Educação

Em termos de financiamento à educação, seria necessário diminuir a parcela de recursos que vai para o ensino superior público e direcioná-los para o ensino infantil, que é a nossa prioridade. Além disso, o Piso Salarial dos professores deve ser definido localmente e vinculado às receitas reais de cada estado e seus municípios e não à receita média do país como um todo previsto no ano anterior. Esse piso salarial deve variar também de acordo com o custo de vida local.

Em termos de gestão, devemos estabelecer um “Programa de Incentivo à Efetividade (PIE)”. Segundo esse programa, devemos transferir parte dos recursos educacionais da união para os estados e municípios com base em um indicador de eficiência educacional de cada unidade da federação. As unidades que mais evoluíssem nesse indicador obteriam mais recursos desse programa. O governo federal daria apoio às unidades para que elas possam atingir as metas.O PIE seria composto dos seguintes itens:

  • Adesão à Base Nacional Comum da Educação, que estabelece padrões curriculares mínimos para cada série. Essa adesão é importante para que os professores em todo o país saibam o que os alunos devem saber em cada série. Além disso, com a Base, os diretores e professores de cada escola podem ser cobrados mais facilmente caso seus alunos não atinjam o nível de aprendizado mínimo.
  • Uso de avaliações externas anuais para acompanhar aprendizado de todos os alunos. O artigo de Bloom, Lemos, Sadun e Van Reenen (2015) mostra claramente que isso é uma boa prática gerencial que afeta sobremaneira o desempenho dos alunos nos exames de proficiência.
  • Porcentagem de escolas com pelo menos 6 horas efetivas de aula por dia. Um dos poucos fatos estilizados que aparecem em quase todas as pesquisas educacionais é que os alunos que passam mais tempo aprendendo português e matemática tem um desempenho melhor nos exames padronizados. Assim, a forma mais eficaz de aumentar os gastos com educação é expandindo o tempo de aula dessas matérias.
  • Valorização do bom professor com o uso do regime probatório para avaliação de professores efetivos e demissão de professores não efetivos. Essa é uma possibilidade que a legislação permite e que não é utilizada pela grande maioria das redes escolares. Existem hoje em dia vários métodos sofisticados para avaliar o desempenho dos professores em sala da aula. As pesquisas mais recentes mostram que não se deve basear essas avaliações somente em notas dos alunos, mas também no seu comportamento em sala.
  • Permissão para o funcionamento de escolas charter (O.S. educacionais), que atendem alunos da rede pública, mas que tem gerenciamento privado. Há evidencias na área de saúde de que os hospitais gerenciados por O.S. (Organizações Sociais) têm qualidade melhor do que os gerenciados pelo sistema público. Uma grande parcela das creches nas grandes cidades (inclusive na cidade de São Paulo) são geridas por O.S. Cada unidade da federação pode mudar a legislação permitindo o mesmo para o ensino básico.
  • Intervenção nas piores escolas com fechamento dessas escolas ou intervenção com objetivo de melhorar as notas na Prova Brasil. Existem escolas que apresentam desempenho pífio em termos de aprendizado por vários anos seguidos. Os munícipios devem interferir nessas escolas e passar seu gerenciamento para as O.S., como foi feito no caso da Inglaterra, com as “escolas acadêmicas”. Pesquisas econométricas mostram que essas escolas tiveram um desempenho melhor do que as escolas ruins que não viraram acadêmicas.

 

Conclusões

Temos que melhorar a educação no Brasil para que possamos crescer mais, com mais produtividade e justiça social. Para isso, precisamos nos afastar das concepções equivocadas e focar na melhora da gestão, como foi feito em alguns municípios brasileiros. É necessário que essas experiências bem sucedidas no campo da gestão sejam expandidas para os demais municípios. O Programa de Incentivo à Efetividade seria um caminho nessa direção, pois mostraria que o país acredita que as melhores práticas na área da educação devem ser aplicadas em todas as nossas redes de ensino, para que possamos melhorar rapidamente o aprendizado dos nossos alunos.

 

Este artigo foi originalmente publicado na revista Interesse Nacional, na edição de nº 31 (outubro- dezembro de 2015). A reprodução do artigo neste site foi expressamente autorizada pelo autor e pelo editor da revista.

__________

1 O gasto público total (que inclui estimação de complemento de aposentadoria futura para o pessoal ativo) é de 6,2%.

2Bloom, Lemos, Sadun e Van Reenen, “Does Management Matter in Schools?”, Economic Journal. 2015.

 

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Como o ambiente de negócios impacta os investimentos e a produtividade? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2626&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-o-ambiente-de-negocios-impacta-os-investimentos-e-a-produtividade https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2626#comments Mon, 05 Oct 2015 13:06:03 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2626 Ambiente de negócios é o nome genericamente atribuído às condições que circunscrevem, em um determinado país ou em uma determinada região, o ciclo de vida das empresas. De uma forma geral, o ambiente de negócios diz respeito aos níveis de complexidade associados, por exemplo, aos procedimentos de abertura e fechamento de empresas ou de recolhimento de tributos. A melhoria do ambiente de negócios está associada, portanto, a ações de simplificação e desburocratização desses procedimentos. Em virtude de sua própria natureza, o ambiente de negócios é uma variável de difícil mensuração. Ainda assim, o Banco Mundial procura capturar aspectos relativos ao ambiente de negócios com base em uma metodologia conhecida como Doing Business, que “mede, analisa e compara as regulamentações aplicáveis às empresas e o seu cumprimento em 189 economias e cidades selecionadas nos níveis subnacional e regional”.

Esses indicadores são amplamente empregados por formuladores de políticas para orientar ações de simplificação e desburocratização e por empresários para avaliar os países ou regiões onde pretendem investir. Por essa razão, é razoável assumir que há uma associação direta entre a qualidade do ambiente de negócios e os níveis de investimento. Ao contribuírem para a elevação do estoque de capital (total de máquinas, equipamentos e demais instrumentos de produção), os investimentos, por sua vez, estão diretamente associados à produtividade do trabalho (leia mais sobre produtividade neste blog clicando aqui, aqui ou aqui). Dessa forma, há uma associação entre a qualidade do ambiente de negócios, os níveis de investimento e a produtividade do trabalho.

Ainda que a associação proposta entre a qualidade do ambiente de negócios, os níveis de investimento e a produtividade do trabalho seja intuitiva e de difícil contestação, há escassas evidências quantitativas sobre o tema, especialmente quando se trata de um modelo sequencial dessa natureza. Neste trabalho, estimam-se os coeficientes que relacionam ambiente de negócios, investimentos e produtividade com base em um painel de dados referente a 81 países no período entre 2005 e 2011.

Um estudo estatístico (regressão) buscou identificar as seguintes relações:

  • Como o ambiente de negócios afeta o estoque de capital da economia; e
  • Como o estoque de capital afeta a produtividade.

Em ambos os casos, outros fatores podem contribuir para explicar o comportamento do estoque de capital e da produtividade. No primeiro caso, por exemplo, fatores como renúncias fiscais e créditos subsidiados podem contribuir para maiores níveis de investimentos e, portanto, para a elevação do estoque de capital por trabalhador. No segundo caso, aspectos como qualificação da mão de obra ou investimentos em P&D podem interferir no nível de produtividade alcançado. Para levar em consideração o efeito das variáveis omitidas, no exercício estatístico foram usadas técnicas que permitem a comparação dos países antes e depois das alterações no ambiente de negócios isolando-se o efeito de outras variáveis.1

A associação entre o ambiente de negócios e o estoque de capital por trabalhador pode ser facilmente percebida no gráfico 1 a seguir, para cuja elaboração se empregaram os dados referentes aos 81 países que compõem a amostra durante o período entre 2005 e 2011.

Gráfico 1: ambiente de negócios e estoque de capital por trabalhador, 2005-2011

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O gráfico evidencia que um melhor ambiente de negócios, ao estimular o investimento, tende a exibir uma correlação positiva com o estoque de capital por trabalhador. Em particular, o Brasil exibe um estoque de capital por trabalhador superior ao que seria predito por seu ambiente de negócios. Isso decorre de fatores idiossincráticos do país (por exemplo, a presença de incentivos ao investimento por meio de créditos subsidiados).

Com base no coeficiente estimado, pode-se simular o estoque de capital por trabalhador no Brasil para diferentes valores assumidos pela variável que mede a qualidade do ambiente de negócios. A título de ilustração, simulou-se o crescimento percentual do estoque de capital por trabalhador se o Brasil tivesse, em 2011, os níveis de Doing Business dos seguintes países: Estados Unidos e Canadá (países desenvolvidos de grandes dimensões); China, Índia, Rússia e África do Sul (que, juntamente com o Brasil, formam os BRICS) e Argentina, México e Chile (latino-americanos de referência para o Brasil). Ainda que esses resultados devam ser interpretados com cautela, os valores indicados sugerem incrementos significativos na maioria dos casos. Esses incrementos são da ordem de 80% se o Brasil alcançasse os níveis dos Estados Unidos e do Canadá, superiores a 40% na comparação com o Chile e o México e não desprezíveis na comparação com a maior parte dos BRICS e com a Argentina.

Esses dados não querem dizer que uma elevação súbita do Doing Business no Brasil poderia motivar um crescimento imediato do estoque de capital por trabalhador. De fato, um crescimento percentual de, por exemplo, 15% no estoque de capital por trabalhador (e, portanto, do estoque de capital para um número fixo de pessoas ocupadas) implicaria um nível de investimentos, em um único ano, de mais do que o dobro do que aquele efetivamente observado. Na verdade, um melhor ambiente de negócios permite uma elevação cumulativa dos investimentos. Para levar em conta esse aspecto, estimou-se a elevação percentual anual dos investimentos requerida para que, em um intervalo bastante longo (entre 1970 e 2011), o estoque de capital atingisse aquele estimado em diferentes ambientes de negócios.

Considerando os valores observados em 2011, estimam-se incrementos percentuais de cerca de 2% no investimento para cada ponto adicional de Doing Business no Brasil. Apenas como ilustração, incrementos dessa natureza podem ser comparados com a participação dos desembolsos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na formação bruta de capital fixo (FBCF), que alcançou, segundo estimativas do próprio banco, 15% em 2014. Um salto dessa magnitude seria alcançado, de acordo com os coeficientes estimados, caso a pontuação brasileira alcançasse, aproximadamente, 56,75 em 2011. Isso significaria, naquela ocasião, um salto de cerca de trinta posições no ranking do Doing Business, colocando o ambiente de negócios no país em um patamar semelhante ao da China (57,77), por exemplo. Um incremento de 30% no total dos investimentos requereria, por sua vez, que a pontuação brasileira alcançasse 63,41. Com isso, a posição relativa do país no ranking do Doing Business subiria cerca de 70 posições, colocando o país em uma posição inferior, porém próxima, à da Turquia (65,37) ou da Polônia (65,70), por exemplo. Finalmente, caso o ambiente de negócios no Brasil alcançasse 69,41, colocando o país em níveis próximos aos do México (71,03) ou do Chile (71,04), o incremento percentual dos investimentos alcançaria 45%, correspondentes a três vezes a participação dos desembolsos do BNDES nesse tipo de investimento em 2014. Para isso, entretanto, seria preciso que o país subisse, naquela ocasião, cerca de cem posições no ranking do Doing Business.2

Os resultados de uma regressão para a relação entre o estoque de capital por trabalhador e a produtividade do trabalho indicam que o coeficiente é significativo a mais de 99% de confiança. Assim, há uma forte relação estatística entre o estoque de capital e a produtividade do trabalho. Os resultados mostram que uma elevação de 1,0% no estoque de capital por trabalhador leva a um aumento de cerca de 0,5% na produtividade do trabalho. Especificamente nas condições indicadas acima (incrementos estimados de 15%, 30% e 45% nos investimentos, correspondentes a elevações no estoque de capital por trabalhador de 13,45%, 26,90% e 40,35%), estimam-se ganhos de produtividade de 6,58%, 12,78% e 18,67%, respectivamente.

Os resultados obtidos neste trabalho reafirmam que, ao lado de ações voltadas para o incentivo ao investimento através de renúncias fiscais e de créditos subsidiados, a melhoria do ambiente de negócios (que envolve custos fiscais reduzidos) exerce um impacto significativo no nível de investimentos e na produtividade do trabalho no país. Especialmente em um contexto de restrições ao uso de renúncias fiscais e de créditos subsidiados como forma de incentivar investimentos, será preciso identificar e remover as restrições políticas e institucionais que se colocam para a melhoria do ambiente de negócios no país. Preliminarmente, pode-se associar essas restrições aos seguintes fatores: i) ausência de coordenação entre órgãos de governo e entre entes federados (que colocam demandas muitas vezes repetitivas para as empresas e tornam excessivamente complexas tarefas associadas, por exemplo, à conformidade com a legislação tributária); ii) presença de eventuais grupos de interesses que podem obter vantagens da complexidade do ambiente de negócios no país; iii) incentivos para que os servidores públicos adotem precauções para autorizar ações do setor produtivo em virtude do risco de responsabilização; e iv) reduzido rule of law, que induz à imposição de uma excessiva e rigorosa fiscalização ex ante diante das escassas possibilidades de aplicação de sanções ex post mais severas em caso de descumprimento de algum normativo. As ações voltadas para a solução de problemas dessa natureza envolvem os poderes executivo, legislativo e judiciário e podem, indiscutivelmente, concorrer para a melhoria do ambiente de negócios no país.

1 As regressões foram feitas em painel com efeitos fixos. Essa opção faz com que aspectos idiossincráticos de cada país invariantes no tempo sejam capturados na regressão.

2 O salto de cerca de cem posições diz respeito ao ano de 2011 e aos valores da distância até a fronteira calculados para aquele ano. Em 2015, as posições do Brasil (120º) e do Chile (41º) são mais próximas.

 

Este texto corresponde a um extrato de CAVALCANTE, L. R. Ambiente de negócios, investimentos e produtividade. In: DE NEGRI, F.; CAVALCANTE, L. R. Produtividade no Brasil: desempenho e determinantes. Brasília: Ipea, 2015. v. 2 (determinantes). O autor agradece os comentários e sugestões de Bruno César Araújo, C. Alexandre A. Rocha, Fernanda De Negri, Lucas Ferreira Mation, Marcos Mendes e Simone Uderman. Agradece também à equipe do Ipea com quem teve a oportunidade de discutir uma versão preliminar deste trabalho. Erros e omissões são de responsabilidade do autor.

 

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Os desafios para sair da crise https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2614&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=os-desafios-para-sair-da-crise https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2614#comments Mon, 28 Sep 2015 12:07:29 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2614 O Brasil enfrenta uma grave crise econômica, refletida no recente rebaixamento de sua nota de crédito. A progressiva desaceleração da economia nos últimos quatro anos se transformou em uma profunda recessão. Desde 2011 interrompeu-se a redução na desigualdade de renda e a melhoria na qualidade de vida das famílias mais pobres, observados durante a década de 2000. A piora da economia ameaça reverter os avanços sociais dos últimos 20 anos.

A crise econômica tem como contraparte a crise política. Diversos projetos aprovados no Congresso minaram o ajuste fiscal. Os severos problemas financeiros e criminais nas  empresas estatais adicionam injúria ao grave momento do país.

Para além dos problemas fiscais de curto prazo, agravados pela gestão da política econômica nos últimos anos, o Brasil tem um problema estrutural de crescimento das despesas públicas e de estagnação da produtividade. Se estas questões não forem resolvidas, não haverá como retomar o crescimento em bases sustentáveis.

Os problemas que o Brasil enfrenta hoje decorrem da incapacidade do país de reconhecer seus limites e de fazer escolhas, buscando acomodar as demandas dos diferentes grupos sociais que, quando agregadas, ultrapassam os recursos públicos disponíveis. Agravando o quadro, as regras existentes conduzem a um crescimento das despesas públicas maior que o crescimento da renda nacional no longo prazo.

A questão central para o país não é um eventual ajuste fiscal de curto prazo. Se a trajetória de aumento das despesas não for revertida e a produtividade não aumentar, teremos uma economia com baixo crescimento, recorrente pressão inflacionária, juros elevados e a necessidade de aumento contínuo da carga tributária para evitar a insolvência no pagamento da dívida pública. Essa trajetória é insustentável.

Este artigo propõe medidas voltadas para a superação do impasse econômico, estando organizado em dois blocos: sustentabilidade fiscal e aumento da produtividade.

I – Sustentabilidade Fiscal

A crise fiscal não é recente nem passageira. Desde 1991, as despesas públicas têm crescido mais do que o PIB, passando de 11% para 19% do PIB em 2014, sendo que mais de dois terços deste crescimento deveu-se ao aumento das despesas da previdência e assistência social (ver Gráfico 1).

Gráfico 1. Despesas primárias da União (% do PIB)

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Essa trajetória é agravada pelo aumento, em períodos de crescimento econômico, de despesas vinculadas à receita, como saúde e educação, que não podem ser ajustadas em períodos de desaceleração. O mesmo ocorre com os gastos com pessoal: a contratação de funcionários e os aumentos de salários em períodos de expansão não têm como contrapartida a sua redução em momentos de crise. Atualmente cerca de 90% do orçamento federal não pode ser ajustado em decorrência de restrições legais (ver Tabela 1).

Tabela 1. Principais despesas rígidas do orçamento federal

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A situação é semelhante nos Estados e Municípios. De cada R$ 100,00 arrecadados de ICMS em um Estado típico, R$ 62,50 já estão vinculados a alguma despesa e, do que resta, a maior parte destina-se a despesas de pessoal.

O ajuste das contas públicas em períodos de retração econômica acaba inevitavelmente sendo feito por aumento de tributos e corte dos investimentos. De 1991 a 2014, a carga tributária brasileira passou de 24% para 34% do PIB (Gráfico 2), sendo entre 5 a 15 pontos percentuais superior à da maioria dos países emergentes.

Na década de 2000, a arrecadação tributária teve um crescimento excepcional sobretudo em decorrência da alta do preço das commodities e do processo de formalização do mercado de trabalho, o que permitiu acomodar a expansão das despesas. Esse ciclo, porém, encerrou-se.

Gráfico 2. Carga tributária (% do PIB)

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Parte do aumento das despesas nos últimos anos beneficiou a população de menor renda, como é o caso do Bolsa Família e da universalização do acesso à educação fundamental. Porém, muitos dos benefícios concedidos pelo setor público, e ampliados nos últimos anos, são destinados a grupos com renda entre os 10% mais ricos, agravando a desigualdade ao invés de reduzi-la, além de serem insustentáveis no longo prazo. Esse é o caso das aposentadorias precoces para pessoas com pouco mais de 50 anos de idade, que beneficia a classe média alta urbana, e do crédito subsidiado a empresas selecionadas. Gasta-se com benefícios individuais e relegam-se as políticas que geram benefício coletivo, como é o caso do investimento em infraestrutura, que não ultrapassa 2% do PIB.

O ajuste das contas públicas requer que a sua gestão seja compatível com o crescimento do país, com um nível aceitável para a carga tributária e a sustentabilidade da relação dívida/PIB, o que implica: (i) reduzir a rigidez e o caráter pró-cíclico das despesas públicas; (ii) rever as regras de concessão de benefícios previdenciários e assistenciais; (iii) reforçar as regras e instituições de responsabilidade fiscal.

Redução da rigidez e do caráter pró-cíclico do gasto

As regras de vinculação do gasto devem ser reformuladas de modo a permitir que parte das receitas auferidas em períodos de crescimento seja poupada para financiar as despesas nos momentos de retração. As vinculações de receita poderiam ser calculadas tendo por base a receita média de vários anos, permitindo diluir as flutuações cíclicas, ou, ainda, substituídas por um critério de valor mínimo, como o gasto do ano anterior, corrigido pela inflação. A meta de resultado primário para a União deveria ser ajustada pelo ciclo econômico, enquanto, para os Estados e Municípios, deveria ser exigida uma amortização maior da dívida na fase de crescimento, de forma a permitir o aumento da dívida em períodos de desaceleração.

Previdência e assistência

As despesas com benefícios previdenciários e assistenciais correspondem a mais da metade das despesas primárias federais, com uma trajetória de crescimento insustentável nos próximos anos, em decorrência do envelhecimento da população e do aumento real do salário mínimo.

Para reverter esta trajetória é preciso, em primeiro lugar, substituir progressivamente o atual regime de aposentadoria por tempo de contribuição (no qual os homens se aposentam em média com 55 anos e as mulheres com 52 anos) por um regime em que se exija uma idade mínima de aposentadoria, a exemplo do que fazem os demais países (ver Tabela 2).

Tabela 2. Idade de aposentadoria em países selecionados

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Em segundo lugar, é preciso completar a mudança do regime de pensões por morte, iniciada este ano, estabelecendo que as pensões devem ser reduzidas à medida que diminua o número de pessoas dependentes da pensão, seguindo o padrão internacional.

Por fim, deve-se estabelecer uma distinção entre os benefícios previdenciários – cujo valor deve ser proporcional às contribuições realizadas – e os assistenciais, que devem ser desvinculados do salário mínimo e concedidos para pessoas com idade mais elevada que a da aposentadoria por contribuição. Não se deve conceder benefícios assistenciais equivalentes ou melhores que os benefícios previdenciários, sob pena de desestimular a contribuição.

O Brasil pode garantir renda mínima aos idosos, incluindo quem não pode contribuir para a previdência, mas não deve conceder benefícios assistenciais cujo custo é insustentável no longo prazo. Não se trata de revogar direitos adquiridos nem de fazer uma transição precipitada, mas sim de corrigir distorções que têm um elevado custo fiscal.

Regras e instituições de responsabilidade fiscal

Depois de 15 anos da sua promulgação, ainda não foram regulamentados ou postos em prática dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), como, por exemplo, o art. 17, que estabelece a exigência de fontes de financiamento adequadas como pré-condição à criação de novas despesas obrigatórias de caráter continuado. Nos últimos anos, diversas medidas com impacto fiscal no longo prazo foram tomadas sem a contrapartida de recursos – como, por exemplo a aprovação pelo Congresso da regra 85/95 para a previdência ou a ampliação de créditos do BNDES, cujos subsídios deverão custar R$ 184 bilhões ao Tesouro nas próximas décadas.

Deve-se, igualmente, implantar o Conselho de Gestão Fiscal (CGF) com um número menor de conselheiros que o previsto na LRF, para torná-lo operacional. O CGF tem como objetivo padronizar os critérios de contabilidade pública para os diversos entes da Federação. Se já estivesse em funcionamento, teria evitado diversas manobras contábeis que distorceram a análise das contas públicas, tanto  da União (como no uso de bancos públicos para financiar o Tesouro), quanto dos Estados e Municípios (via ocultação de despesa de pessoal  ou cálculos criativos do resultado primário).

Cabe rever a legislação que regula o processo orçamentário, hoje consolidada na Lei nº 4.320/1964, aperfeiçoando, sobretudo, os métodos de estimação da receita, usualmente superestimada, e das regras de execução da despesa – geradora recorrente de crescentes restos a pagar. Adicionalmente, deve-se criar uma entidade fiscal independente – como existe em vários países – com a atribuição de fazer projeções de receitas, despesas e dívida pública, e avaliar tanto a consistência fiscal do orçamento, quanto das políticas públicas que exijam elevados gastos por muitos anos.

Os limites de despesa de pessoal e endividamento para Estados e Municípios deveriam ser revistos, de modo a torná-los mais compatíveis com a trajetória de longo prazo das contas públicas, e menos determinados pelo comportamento de curto prazo da arrecadação. Além disso, deveria ser instituído um limite para o endividamento da União.

Por fim, caberia regulamentar o direito de greve no setor público, previsto na Constituição. A estabilidade no emprego e a não responsabilização por greves abusivas ou pela interrupção inclusive de serviços essenciais tem resultado em longas e sucessivas paralisações, permitindo aumentos reais de remuneração incompatíveis com a realidade fiscal e com as remunerações praticadas no setor privado e em países com grau semelhante de desenvolvimento.

II – Aumento da produtividade

A produtividade da economia brasileira estagnou após 2010, depois de uma década com crescimento semelhante ao observado nas principais economias. O pior desempenho externo contribuiu para a nossa desaceleração. Entretanto, o retrocesso observado no Brasil, significativamente maior do que nos demais emergentes, decorre igualmente de causas domésticas.

A complexidade do sistema tributário – caracterizado pela multiplicidade de regras e benefícios concedidos discricionariamente – resulta em uma organização ineficiente da produção, em alto custo de cumprimento da lei para as empresas e em impressionante volume de litígio tributário.

O crescimento também vem sendo prejudicado por políticas de proteção setorial, favorecendo empresas ou setores selecionados, quase sempre sem metas de desempenho, e escassa avaliação do custo de oportunidade dos recursos alocados. Esses benefícios – como a concessão de empréstimos subsidiados, reserva de mercado, e incentivos tributários – destinam recursos a setores ineficientes ou que não precisam de proteção pública, prejudicando a produtividade dos setores à frente na cadeia produtiva. As regras de conteúdo nacional que protegem a indústria naval, por exemplo, implicam maiores custos para a produção de petróleo.

As políticas de proteção setorial podem ser eficazes em casos específicos, desde que resultem em ganhos sustentáveis de produtividade, e não apenas permitam a sobrevivência de empresas ineficientes.

O excesso de regulação e os elevados custos de contratação e demissão de trabalhadores induzem uma organização pouco eficiente das empresas e prejudicam a produtividade. Paradoxalmente, a legislação e o ativismo do judiciário, que intencionam proteger o trabalhador, terminam por prejudicar a geração de empregos de maior qualidade e estimular o comportamento oportunista, de empresas e trabalhadores, que resulta em informalidade, alta rotatividade e baixa produtividade.

A produtividade do trabalho é, adicionalmente, prejudicada pela baixa qualidade da educação. O gasto do Governo Federal em educação cresceu 285% acima da inflação entre 2004 e 2014, mas não foi acompanhado pelo aumento dos indicadores de aprendizado, o que sugere a necessidade de melhora na gestão e na disseminação das melhores práticas de ensino.

Por fim, o crescimento da produtividade é prejudicado pela infraestrutura deficiente e onerosa para seus usuários. Os problemas decorrem do baixo investimento público, da falta de planejamento adequado assim como da regulação ineficaz, caracterizada por agências reguladoras enfraquecidas e sem governança adequada que permita uma negociação mais eficaz dos conflitos e maior previsibilidade para a execução dos projetos.

A agenda para a melhora da produtividade é extensa. Neste artigo, concentramo-nos em três linhas de ação: (i) transparência e governança, (ii) competição, e (iii) simplificação e isonomia.

Transparência e governança

As deficiências de governança e a falta de transparência do poder público contribuem para a ineficiência do país, além de aumentar o custo das políticas públicas. Para superar estas deficiências, sugerimos um conjunto de iniciativas.

Em primeiro lugar, toda política pública deveria estar submetida à avaliação de resultados, que ampliaria o debate democrático sobre suas prioridades e seus custos, e deveria ser extensiva a todos os destinos de recursos públicos: programas previstos no orçamento, benefícios tributários, concessão de créditos subsidiados por bancos públicos e políticas de proteção setorial.

O debate democrático, fortalecido por análises sobre os custos envolvidos, os grupos beneficiados e o impacto social e econômico das políticas públicas, colaboraria para a escolha das políticas a serem mantidas e as que devem ser reformuladas. Essa análise deve incluir os impactos sobre os demais setores produtivos e o eventual uso alternativo dos recursos públicos. As políticas devem possuir metas claras de desempenho e avaliação de resultados transparentes, de preferência por instituições que sejam independentes do gestor público responsável pela sua execução.

No caso de políticas de proteção setorial, regras críveis devem garantir a progressiva redução da proteção, seja porque a política foi bem-sucedida, e a proteção não é mais necessária, seja pelo seu fracasso, o que significa que o país pode se tornar mais rico se deixar a livre alocação de mercado destinar os recursos para outros setores.

Em segundo lugar, é preciso rever a estrutura de governança das empresas estatais, que têm sido utilizadas como instrumentos de intervenção discricionária. A criação de um marco legal e a adoção de padrões de governança que explicitem o custo de ações específicas e os limites da atuação das empresas estatais seria uma importante contribuição para a melhoria do ambiente de negócios no país.   Além disso, devem ser definidos critérios mais restritos para a composição da diretoria e do conselho de administração. Não deveria ser permitida indicação de Ministros ou Secretários de governo como conselheiros, mesmo no caso de vagas cabíveis ao acionista controlador (Estado), em decorrência de possíveis conflitos de interesse.

Como princípio geral, a Lei das SA (Lei 6.404 de 1976) deveria ser fortalecida para as empresas controladas pelo Estado. No entanto, vários dos projetos de lei em discussão sobre o tema tentam criar um marco detalhado, sobrepondo-se à Lei das SA e gerando insegurança jurídica pelo eventual conflito de dispositivos das diferentes leis.

De modo semelhante, deve-se rever a governança dos fundos de previdência de servidores públicos e de funcionários de estatais, limitando-se a indicação de conselheiros e dirigentes por parte do governo. Deve-se ressaltar que, nesses casos, não se trata de recursos públicos, mas sim dos participantes, e que, portanto, não deveriam ser aplicados com outros objetivos que não o de garantir um retorno seguro para os beneficiários.

Em terceiro lugar, deve-se fortalecer a governança das agências reguladoras, reforçando a segurança jurídica e a adoção de políticas com objetivos de longo prazo, protegendo-as dos interesses oportunistas. Quanto maior a segurança sobre o ambiente regulatório, menor o prêmio de risco requerido e menor o custo do investimento para a sociedade. Os diretores das agências devem ser independentes e qualificados tecnicamente. Contratos de gestão, com metas de desempenho, que reflitam as prioridades da política pública, permitem a avaliação dos resultados e a substituição dos diretores em caso de fracasso.

Por fim, deve-se melhorar a transparência e a governança de entidades públicas e quase públicas, que operam com recursos compulsoriamente arrecadados da sociedade, como o FGTS, o FAT, e o Sistema S, além dos sindicatos de trabalhadores e patronais, que atualmente não são obrigados a publicar balanços sobre a utilização dos recursos recebidos. A abertura dos dados sobre o montante de recursos recebidos, os programas em que são alocados e os resultados obtidos colaborariam para o debate sobre a sua eficácia e a deliberação democrática sobre a utilização dos recursos da sociedade.

Competição

Existe uma vasta literatura acadêmica documentando a relevância de um ambiente favorável à competição para o crescimento da produtividade. No caso do Brasil, diversos trabalhos estimam o efeito positivo da abertura comercial dos anos 1990 sobre o aumento da produtividade, assim como o impacto negativo das políticas de proteção adotadas desde meados da década passada.

É preciso abrir mais a economia, se possível no âmbito de acordos bilaterais ou multilaterais. A redução de tarifas de importação pode ser feita de forma progressiva, permitindo-se o ajuste das empresas locais. Isso permitiria o maior acesso a insumos e bens de capital mais eficientes, aumentando a produtividade, estimulando o aumento do investimento e a expansão da produção.

Deve-se, igualmente, rever toda a estrutura de reservas de mercado, que prejudicam a concorrência e a expansão da produção. A não ser em situações excepcionais, e que precisam ser demonstradas, a proteção a empresas domésticas – como a obrigatoriedade de a Petrobras ser operadora única e ter participação mínima de 30% nos campos do pré-sal e a preferência concedida a empresas nacionais nas licitações públicas – tem impactos negativos sobre os preços e a produtividade, beneficiando apenas grupos específicos, em detrimento do interesse geral.

Simplificação e isonomia

A complexidade, ineficiência e ambiguidade do sistema tributário brasileiro têm consequências negativas sobre a produtividade e o crescimento. As regras existentes permitem que empresas ou produtos semelhantes sejam tributados desigualmente, induzindo uma organização ineficiente do setor produtivo. Além disso, a multiplicidade de regras coexiste com incerteza sobre as regras aplicáveis, resultando em imenso contencioso tributário e em elevado custo de observância da lei pelas empresas.

Daí a necessidade de se buscar simplificação e isonomia, sendo propostas três mudanças nesta direção.

A primeira diz respeito à tributação de bens e serviços. A maioria dos países adota um único imposto sobre o valor adicionado (IVA), com base ampla, uma ou poucas alíquotas e possibilidade de dedução do imposto incidente em todas as aquisições das empresas. Já o Brasil possui uma multiplicidade de tributos (ICMS, IPI, PIS/Cofins e ISS), com bases fragmentadas, legislação complexa, restrições ao crédito tributário e uma profusão de alíquotas e regimes especiais.

Deve-se ter como meta simplificar e aproximar os tributos sobre bens e serviços do modelo do IVA, substituindo os atuais por um ou, no máximo, dois tributos sobre o valor adicionado (um federal e outro subnacional, cobrado no destino), além de um tributo seletivo (sobre fumo, bebidas etc.). As propostas do Governo Federal de reforma do PIS/Cofins e de disciplinamento da guerra fiscal dos Estados apontam na direção correta, mas são tímidas frente aos desafios da melhora da tributação indireta no país.

Um segundo foco de atenção são os vários regimes simplificados de tributação, como o Lucro Presumido e o SIMPLES. Esses regimes geram distorções importantes, decorrentes da base inadequada de tributação (o faturamento), do alto limite de enquadramento (cerca de US$ 1 milhão por ano no SIMPLES, contra um valor entre US$ 50 mil e 150 mil nos demais países), e do enorme diferencial de tributação relativamente às grandes empresas. A consequência é um sistema que estimula a abertura de pequenos negócios, mas impede o seu crescimento.

É preciso rever completamente o modelo de tributação simplificada no Brasil, e não apenas fazer ajustes no SIMPLES. Não se trata de aumentar o custo tributário dos negócios efetivamente pequenos, mas sim de criar um modelo que trate de forma semelhante os semelhantes, que estimule a formalização do trabalho qualquer que seja o porte da empresa, e que favoreça o crescimento das empresas.

Por fim, deve-se rever a distorção na tributação da renda pessoal decorrente da forma como é recebida. Isto ocorre, por exemplo, na distribuição de lucros pelas empresas do SIMPLES e do Lucro Presumido, que são isentos na pessoa física. A Tabela 3 mostra como os regimes simplificados podem gerar enormes distorções na tributação da remuneração de um profissional, a qual pode variar de 40% do rendimento para um trabalhador formal a menos de 10% para o sócio de uma empresa do SIMPLES.

Tabela 3. Exemplo de incidência tributária para um advogado com renda bruta de R$ 30 mil/mês

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Medidas que estabeleçam a isonomia na tributação, além socialmente justas, contribuiriam para reduzir as distorções decorrentes da multiplicidade de regimes tributários. Deve-se, no entanto, evitar tributar duas vezes a mesma renda, deduzindo-se da base tributária dos rendimentos pessoais os impostos pagos pelas empresas.

A grave crise fiscal reflete o crescimento dos gastos públicos acima da geração de renda, fruto de um conflito entre diversos grupos sociais que buscam, via Estado, a apropriação de parcela maior da renda. A intervenção pública mal focada, a proteção de interesses privados específicos e um dos piores sistemas tributário do mundo prejudicaram a produtividade e o crescimento. Os indicadores sociais, depois de uma década de avanço, estagnaram ou retrocederam nos últimos anos.

A boa gestão pública requer disciplina fiscal, transparência e a avaliação dos resultados sobre os benefícios concedidos. Dessa forma, pode-se deliberar sobre as escolhas públicas, as políticas a serem preservadas e as que devem ser revistas. A proteção dos grupos sociais mais frágeis é importante, mas precisa caber nas possibilidades do país. A transferência de renda para os mais ricos é injustificável.

A crise atual impõe escolhas difíceis. Postergá-las apenas tornará ainda mais custoso o ajuste das contas públicas. A alternativa ao ajuste é o agravamento da crise e o retrocesso econômico.

Artigo publicado originalmente em O Estado de S. Paulo, edição de 13/9/2015

 

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Uma fábula de improdutividade https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2609&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=uma-fabula-de-improdutividade https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2609#comments Tue, 22 Sep 2015 16:09:24 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2609 João é inteligente e nasceu em uma família de classe alta. Estudou em boas escolas e entrou para uma universidade pública gratuita de engenharia. Formado, viu que os melhores salários iniciais de engenheiros estavam em R$ 5 mil. Fez concurso para um cargo de nível médio em um tribunal: salário de R$ 9 mil mais gratificações, aposentadoria integral, estabilidade, expediente de seis horas. O contribuinte custeou a formação de um engenheiro, e recebeu um arquivador de processos sobrerremunerado. Amanhã João estará em frente ao Congresso, com seus colegas, todos em greve por aumento salarial. Não terá o dia de trabalho descontado, nem se sente remotamente ameaçado de demissão.

Pedro não tem muito talento intelectual. Mas sua família pôde pagar uma boa escola, o que lhe garantiu uma vaga em um curso não muito concorrido em universidade pública. Carente de habilidades acadêmicas, Pedro não se adaptou e mudou de curso duas vezes, deixando para trás centenas de horas-aula desperdiçadas e duas vagas que poderiam ter sido ocupadas por outros estudantes que jamais terão acesso àquela universidade. Foi fácil desistir dos cursos, pois Pedro nada pagou por eles.

Após oito anos na universidade, Pedro finalmente se formou em biologia. Sonha em ter um emprego igual ao de João. Entrou em um cursinho preparatório para concursos públicos. Lá conheceu centenas de jovens formados em universidades públicas  que, em vez de irem para o mercado de trabalho aplicar seus conhecimentos, estão em sala de aula, decorando apostilas para conseguir um emprego público.

Jorge, o dono do cursinho, é um brilhante advogado, que poderia contribuir para a sociedade redigindo contratos empresariais. Mas descobriu que ganha mais dinheiro preparando candidatos ao serviço público.

Um dos professores do cursinho de Jorge é Manuel, que também abandonou sua formação universitária e mudou de ramo. Ao perceber que jamais exercerá a profissão original, ele pediu desfiliação do respectivo conselho profissional. Mas não consegue, porque Márcia, funcionária daquele conselho, tem como missão criar todo tipo de dificuldade às desfiliações e manter em dia a arrecadação compulsória. Manuel desistiu e vai pagar a contribuição pelo resto de sua vida profissional, ainda que não se beneficie em nada, e pouca satisfação seja dada pelo conselho profissional acerca do uso desse dinheiro.

As limitações acadêmicas de Pedro o impedem de ser aprovado em concurso público. Ele vai ser um medíocre professor, em uma escola de ensino fundamental de segunda linha (pública ou privada),  oferecendo ensino de baixa qualidade às novas gerações das famílias que não podem pagar por uma escola melhor. Pedro só conseguiu essa vaga porque há uma reserva de mercado: por lei, as escolas de ensino fundamental só podem contratar professores com diploma de nível superior. Fosse permitido contratar universitários, diversos graduandos em biologia mais talentosos e motivados que o diplomado Pedro estariam em sala de aula, oferecendo boas aulas às crianças.

Antônio é tão brilhante quanto João. Daria um excelente engenheiro, mas nasceu em família pobre e estudou em escola pública. Teve professores limitados, no padrão de  Pedro, e a desorganização administrativa da escola piorava as coisas: muitas vezes não havia professores em sala. Falta com atestado médico não dá demissão.

Antônio até conseguiu passar no vestibular de engenharia em universidade pública, pelo sistema de cotas, mas sua formação deficiente em matemática foi uma barreira intransponível. Abandou ou curso, deixando mais horas-aula perdidas e mais uma vaga ociosa na conta dos contribuintes.

Antônio, porém, é empreendedor. Não se abalou com o insucesso universitário, aprendeu a consertar eletrônicos através de vídeos no Youtube. Montou um pequeno negócio de manutenção de smartphones e computadores. Seu talento poderia torná-lo um grande empresário. Mas para crescer, ele precisa transferir sua empresa do regime de tributação SIMPLES para a tributação normal, pagando impostos muito mais altos, porque o governo precisa de muito dinheiro para pagar altos salários, para custear a universidade gratuita que desperdiça vagas e para sustentar escolas públicas que não dão aula, entre outras despesas. Mesmo assim, o governo permanece em déficit, e toma empréstimo para se financiar, aumentando a taxa de juros. Com impostos altos e crédito caro, Antônio prefere manter seu negócio pequeno. A grande empresa e seus empregos morreram antes de nascer.

Chico é um líder  talentoso. Dirige uma central sindical que congrega os sindicatos dos companheiros do judiciário e dos professores, entre outras categorias. Chico está em frente ao Congresso, apoiando a greve de Pedro por melhores salários. Faz um discurso contra os neoliberais, que só pensam em cortar gastos públicos e arrochar os trabalhadores. Chico não tem muito do que reclamar (embora, como líder sindical, a sua especialidade seja, justamente, reclamar): além da remuneração paga pelo sindicato (e custeada pelo imposto sindical, cobrado obrigatoriamente dos contribuintes), ele está aposentado pelo INSS desde os 52 anos de idade. Até o final da sua vida receberá muito mais do que contribuiu para a previdência.

Nenhum dos personagens citados tem comportamento ilegal. Eles jogam o jogo de acordo com as regras que estão postas. O erro está nas regras. Mudá-las requer superar as dificuldades das decisões coletivas. Não mudá-las implica continuar com talentos profissionais e dinheiro público mal alocados, empregos improdutivos, potenciais inexplorados, gasto público excessivo, oportunidades perdidas, incentivos errados. Uma fábula de improdutividade.

 

Este artigo foi publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo, edição de 10/9/2015.

 

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Quem tem medo da terceirização? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2527&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quem-tem-medo-da-terceirizacao https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2527#comments Mon, 25 May 2015 13:13:42 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2527 Para avaliar os impactos econômicos da regulamentação da terceirização, partiremos das críticas que são feitas ao projeto que ora tramita no Congresso, e as analisaremos ponto a ponto, verificando sua consistência.

Um resumo dessas críticas pode ser assim expresso:

“A terceirização vai ‘precarizar’ as relações de trabalho. Por ‘precarização’ entende-se: redução dos direitos dos trabalhadores (férias, décimo terceiro, assistência médica, etc) e redução da remuneração (trabalhadores terceirizados tendem a receber remuneração inferior à dos trabalhadores diretamente contratados). As empresas, sempre interessadas em reduzir custos, vão terceirizar o máximo possível as suas atividades. Por isso, a geração de empregos dentro das empresas será reduzida. Haverá, ainda, redução da segurança dos trabalhadores. Afinal, não sendo a contratante final do trabalhador, a empresa que terceirizar o serviço não se preocupará com as condições de segurança oferecidas. Também haverá redução na qualidade do serviço prestado e na segurança oferecida aos consumidores. Tome-se como exemplo o caso dos bancos. Se forem terceirizadas funções chave, como as de gerente de banco e de analista de crédito, as informações cadastrais dos correntistas passam a ficar vulneráveis. Há, por fim, o risco de perda de poder de negociação dos trabalhadores: a terceirização aumentará a divisão do trabalho e a especialização dos trabalhadores que, contratados de diversas firmas diferentes, não pertencerão a um sindicato unificado. O resultado seria a perda de poder de barganha sindical, com reflexo negativo na remuneração do trabalho e correspondente aumento da participação dos lucros na renda nacional. Se estendida ao serviço público, a terceirização será uma ameaça ao instituto do concurso público e um incentivo à distribuição demagógica e clientelista de empregos públicos”.

Quão próxima da realidade estaria essa avaliação? Como veremos, está bem distante!

 

  1. Aprovada a lei, não haverá uma corrida pela terceirização do máximo possível de atividades das empresas

É preciso, considerar, em primeiro lugar, os motivos pelos quais uma empresa toma a decisão de terceirizar uma atividade. Trata-se de decidir entre “fazer internamente” ou “comprar fora”. Em analogia com as decisões tomadas no âmbito de nossas casas, é algo similar a decidir entre contratar uma cozinheira ou preferir fazer as refeições cotidianas em restaurantes self-service. Diversas considerações são feitas para que se faça a escolha entre “fazer internamente” ou “comprar fora”. Além da comparação entre o custo de contratar a cozinheira (salários, impostos, direitos trabalhistas, etc.) e o custo da conta do restaurante, há outras considerações relevantes: qual a qualidade da comida de cada uma das opções; quão interessado eu estou em ter um cardápio preparado exatamente como eu gosto (em contraposição aos pratos padronizados do restaurante); quais os horários em que pretendo fazer a refeição (supondo que o restaurante não está sempre aberto e que posso negociar com a cozinheira os horários em que ela trabalhará); quais são as diferentes opções de preço e qualidade oferecidas pelos restaurantes das redondezas; quais os transtornos que terei se a cozinheira decidir deixar o emprego; quanto tempo e energia gastarei treinando e supervisionando o trabalho da cozinheira,  etc.

A escolha entre a cozinheira e o restaurante não é óbvia. Dizer que as empresas correrão em direção à terceirização é o mesmo que dizer que todas as famílias preferirão o self-service a ter uma cozinheira em casa. O fato de que milhares de lares do país têm empregadas domésticas que preparam as refeições diárias ilustra isso.

Após aprovada a regulamentação da terceirização, não necessariamente as empresas desencadearão intenso processo de terceirização, buscando reduzir custos. Deve-se lembrar, em primeiro lugar, que, embora as empresas sempre busquem reduzir custos (pois é da essência do capitalismo), o mercado impede que esses custos caiam arbitrariamente. Não é por menos que firmas pagam salários acima daqueles determinados em lei. Se, para reduzir custos, bastasse a empresa desejar fazê-lo, todos ganhariam salário mínimo (ou o mínimo da categoria). Não é isso que ocorre simplesmente porque, se oferecer salários incompatíveis com o mercado, a firma não conseguiria contratar a mão de obra na quantidade e com a qualificação de que necessita.

Voltando à análise da terceirização, há outros aspectos a serem considerados, além dos custos de produção. As empresas buscam decisões racionais, que permitam a sua sobrevivência e competitividade em um mercado concorrencial. Não raciocinam apenas na dimensão de redução de custos de produção. Precisam, também, cuidar da qualidade do produto, da preservação de suas informações estratégicas, dos incentivos para que os trabalhadores e fornecedores se esforcem o máximo possível, de se protegerem de uma posição de fragilidade nas negociações com fornecedores e consumidores, de evitarem a multiplicação de tarefas e a perda da especialização em seu negócio principal.

Tome-se o exemplo dos bancos, acima citado. É muito provável que as funções de gerente e de analista de crédito não venham a ser terceirizadas. Esses profissionais lidam com informações estratégicas para os bancos. Eles precisam pertencer à organização, estando vinculados a um código de ética e a um padrão de prestação de serviços (que pressupõe investimento prévio da empresa em treinamento). Logo, a empresa preferirá “fazer internamente” esses serviços em vez de “comprá-los fora”.

Outro exemplo interessante foi apresentado por Vinícius Carrasco, em artigo publicado na revista Exame1. Suponha uma empresa que explora minério em uma localidade isolada do território nacional. Não há portos por perto. Ela deve decidir se constrói o próprio porto (fazer internamente) ou se transporta suas mercadorias através de um porto construído e administrado por terceiros (comprar fora). Muito provavelmente a empresa optará por construir o próprio porto, por uma razão simples. Se ficar dependente de um porto gerido por outra empresa, essa empresa portuária poderá impor tarifas de transporte muito altas, pois não há outras opções de transporte para a mineradora, tendo em vista estar situada em local isolado no território nacional. Por outro lado, dificilmente haverá empresa interessada em construir e gerir o porto. Afinal, haverá somente um comprador para aquele serviço (a empresa de mineração) que, por isso, pode tentar pressionar para baixo o valor do frete. Haveria, portanto, nesse exemplo, dificuldade em prover o serviço de transporte de forma terceirizada.

Caso a mineração ocorresse em local próximo a instalações portuárias já existentes, havendo diversas possibilidades de escoamento, por diferentes portos, a firma de mineração teria a opção de terceirizar o transporte. Nesse caso, a terceirização  não a colocaria em uma posição fragilizada no mercado e, ao mesmo tempo, a permitiria se concentrar na sua função principal, que é a extração de minério.

Fica, então, estabelecido o primeiro ponto: a regulamentação da terceirização não desencadeará um intenso processo de terceirização em busca de redução de custos de produção. As empresas dependem de outros fatores na decisão entre “fazer internamente” ou “comprar fora”.

 

  1. Quando houver terceirização, ela ajudará a aumentar a produtividade da economia, o que é bom para todos, ainda que possa ser ruim para algumas categorias profissionais.

Em diversos casos em que a terceirização vier a ser adotada, ela poderá reduzir os custos de produção, elevar a qualidade dos produtos e, sobretudo, aumentar a produtividade da economia (o que significa produzir mais bens e serviços com uma mesma quantidade de trabalhadores, máquinas e insumos). Isso aumenta a produção e a renda do país, gerando mais empregos para todos. O custo disso, no entanto, pode ser a ocorrência de perdas para algumas categorias profissionais.

Tomemos como exemplo um marceneiro que trabalhe fazendo esquadrias de madeira para janelas e portais em uma empresa que constrói prédios de apartamentos. Sendo esta uma atividade fim no âmbito da empresa, a construtora não tem autorização legal para terceirizar o serviço de marceneiro.

Por isso, esse marceneiro tende a ficar ocioso em vários momentos da jornada de trabalho. Nem sempre está na hora de instalar as portas e janelas, e nem sempre a construtora tem obras suficientes para que esse profissional esteja em plena atividade. Isso significa que, nesses momentos de inatividade, ele representará um custo para a empresa sem, ao mesmo tempo, gerar produção. Diversas outras modalidades profissionais dentro do processo produtivo da empresa passarão por esses momentos de ociosidade. Esse custo será incorporado ao preço do apartamento, que por isso custará  mais caro. Menos pessoas terão condições de comprar o apartamento, devido ao preço alto.

Uma vez permitida a terceirização, a empresa tenderá a demitir o marceneiro e terceirizar a função. Esse profissional, que tinha um emprego fixo e uma rotina tranquila, com vários períodos de ociosidade, provavelmente se transformará em um autônomo, e prestará serviços a diversas empresas de construção. Acabarão seus períodos de ócio, e ele terá que ir de uma obra para outra, buscando serviço onde houver demanda.

Em um primeiro momento, a qualidade de vida desse marceneiro pode cair, pois passará a ter uma vida menos previsível, mudando de locais de trabalho com frequência, o que implica ter de se adaptar a novas rotas para o trabalho (com o risco de ter de ir trabalhar em locais mais distantes), novos colegas de profissão, etc. Por outro lado, sua renda tenderá a aumentar, pois a ociosidade que vivenciava no antigo emprego certamente era refletida em um salário mais baixo. Já para a sociedade como um todo, há uma melhora inequívoca: as empresas operarão com menor custo; os apartamentos custarão mais barato e serão mais acessíveis; a economia do país estará empregando os seus recursos produtivos (trabalho, insumos e capital) de forma mais eficiente e, portanto, gerando mais bens e serviços (sendo, pois, mais produtiva).

E não há nada que implique perda de qualidade na produção. Pelo contrário. A possibilidade de terceirização de diversas atividades que compõem o processo produtivo de um prédio de apartamentos induzirá a criação de empresas especializadas em cada aspecto desse processo. O nosso marceneiro, que em um primeiro momento perdeu o emprego fixo e virou autônomo pode, em breve, ser contratado por uma empresa especializada em fornecer os serviços de marcenaria para construtoras. Recuperará o seu emprego e, provavelmente, ganhará mais, pois será mais produtivo na nova função. Não só porque não terá mais períodos de ociosidade, como também porque estará dentro de uma organização especializada na produção de portas e janelas. Como se sabe, a especialização é a chave para o progresso tecnológico. Em breve essa empresa estará criando métodos mais modernos de produção e instalação de janelas e portas, estará experimentando novos materiais na confecção de seus produtos, otimizará a distribuição do material e profissionais entre as obras (possivelmente terceirizando o serviço de transportes para uma empresa especializada), etc.

Embora as empresas possam demitir alguns trabalhadores, substituindo-os por terceirizados, o nível total de emprego da economia não diminuirá. Pelo contrário. À medida que as empresas se tornem mais eficientes, em decorrência da terceirização, elas expandirão suas atividades, a economia crescerá e mais emprego será gerado em função dessa expansão.

É verdade que o nosso marceneiro passará por momentos de insegurança. Ninguém gosta de perder um emprego fixo e um salário certo ao final do mês. Porém, se a opção da sociedade brasileira for a de dar segurança ao marceneiro e aos demais profissionais que, no curto prazo, venham a ter sua estabilidade ameaçada pela terceirização, o nosso destino será a estagnação econômica. Imagine se, com o advento da iluminação elétrica, tivesse sido lançada uma legislação vedando as instalações de postes elétricos, com vistas a preservar a segurança do emprego do acendedor de lampiões!

Chega-se, então, a um segundo conjunto de conclusões: a curto prazo haverá, de fato, maior insegurança para algumas categorias de trabalhadores cujas atividades venham a ser terceirizadas, mas isso corresponderá a ganhos para a sociedade e a um rearranjo do mercado de trabalho que, no médio e longo prazo, poderão beneficiar até mesmo aqueles adversamente afetados em um primeiro momento.

 

  1. Haverá “precarização” das relações de trabalho?

Analisemos, agora, as diversas dimensões daquilo que tem sido chamado de “precarização” das relações de trabalho. A primeira dimensão já foi tratada na seção anterior. Diversas categorias de trabalhadores perderão o conforto do emprego fixo em uma determinada empresa, tendendo a se tornar empregados de empresas que prestam serviços terceirizados a outras empresas.

Ainda que isso tire esses trabalhadores da zona de conforto do emprego fixo ao qual estão acostumados, induzindo-os ao esforço adicional de buscar serviço como trabalhador autônomo ou a se encaixar em outra firma especializada em prestação de serviço terceirizado, não se pode dizer que esse trabalhador vai perder direitos legais.

O projeto em análise estende para os trabalhadores em regime terceirizado todas as garantias e vantagens dadas aos empregados das empresas contratantes dos serviços terceirizados. Também contém mecanismos que impedem as empresas de demitir seus empregados para, em seguida, contratá-los como terceirizados.

Tampouco é verdade que trabalhadores terceirizados recebem menos que os empregados diretamente pelas empresas. É importante aqui comentar sobre as conclusões de um estudo elaborado pela CUT intitulado “Terceirização e Desenvolvimento: uma conta que não fecha” e que se transformou nos debates e nas redes sociais em uma bíblia dos que criticam a terceirização. A Tabela 2 desse Estudo mostra que os trabalhadores em setores tipicamente terceirizados recebem 24,7% a menos do que aqueles que trabalham em setores tipicamente contratantes, trabalham 3 horas a mais por semana e possuem tempo médio de emprego 3,1 anos menor. Esses números seriam a prova cabal que a terceirização precariza o trabalho. Trata-se, entretanto, de uma interpretação absolutamente equivocada dos dados.

O que ocorre atualmente é que as áreas em que se permite a terceirização são aquelas que empregam trabalhadores de menor qualificação (vigilância e limpeza, por exemplo). Não faz sentido comparar a remuneração desse tipo de profissional, com a de empregados de outros setores de empresas que fazem tarefas mais sofisticadas (marketing, vendas, etc.). São profissionais diferentes, com nível de escolaridade diferente. O que determina a remuneração de cada um deles não é o tipo de contrato de trabalho (terceirizado ou direto), e sim suas qualificações e o tipo de trabalho que exercem.

É preciso lembrar, ainda, que a autorização para a terceirização de toda e qualquer atividade dentro de uma empresa levará à formação de empresas especializadas na provisão dos diversos aspectos do processo produtivo. Isso mudará completamente o perfil das empresas de terceirização hoje visto no país. As que hoje existem, concentradas nas áreas em que é permitida a terceirização, lidam com grandes contingentes de trabalhadores pouco qualificados e, portanto, pouco remunerados.

A tendência é que surjam empresas de provisão de serviços terceirizados de alta qualificação. E não haverá razões óbvias para se acreditar que a remuneração oferecida por elas venha a ser inferior ao que pagam as empresas diretamente contratantes.

Note-se, a esse respeito, que o país está encerrando o seu período de transição demográfica, o que significa dizer que a população em idade de trabalhar está encolhendo, e os indivíduos da terceira idade tornando-se mais numerosos. Em decorrência, a quantidade de pessoas ofertando trabalho diminuirá. Pela lei da oferta e da demanda, as remunerações no mercado de trabalho tendem a subir.

No que diz respeito à burla no pagamento e concessão de direitos trabalhistas, de fato existe, no atual quadro de empresas de terceirização de trabalho de baixa qualificação, abusos e empresas mal-intencionadas, que se aproveitam do baixo grau de informação de seus empregados para burlar a lei e lhes negar direitos trabalhistas. A nova legislação, contudo, cria mecanismos para coibir tais abusos. Há, por exemplo, o mecanismo em que a empresa contratante retém parte do pagamento à contratada para garantir o pagamento dos direitos trabalhistas dos empregados terceirizados. Além disso, caso se omita nesse processo de retenção de recursos e de fiscalização dos direitos trabalhistas dos terceirizados, a contratante passa a ser co-responsável pelas irregularidades, sendo obrigada a arcar com os custos de indenização dos trabalhadores.

Raciocínio similar pode ser feito em relação aos procedimentos de segurança no trabalho. Não há qualquer razão para que uma empresa contratante seja menos cuidadosa na proteção de um terceirizado do que o é em relação ao um contratado direto. Isso porque a Justiça do Trabalho brasileira é reconhecidamente enviesada a favor dos trabalhadores. Há, portanto, grande probabilidade de que uma empresa contratante seja condenada a pagar indenização a um terceirizado que venha a se acidentar durante a prestação de serviços.

A terceirização pode mesmo contribuir para aumentar a segurança do trabalho, ao reduzir os custos de prover essa segurança. Uma vez que cada empresa se especializará em um conjunto menor de atividades, será mais fácil implantar procedimentos de segurança adequados para aquele tipo de atividade. Ao mesmo tempo, os cursos de prevenção de acidentes, ao serem focados em atividades específicos, tornar-se-ão mais eficazes e mais baratos.

 

  1. O enfraquecimento dos sindicatos e a perda de poder de barganha dos trabalhadores

Se há perdedores certos com a regulamentação da terceirização, estes são os sindicatos de trabalhadores nos moldes hoje organizados. À medida que a terceirização permitirá ampla especialização das empresas, cada uma se concentrando em um aspecto específico do processo de produção, os trabalhadores serão igualmente fragmentados em diversas empresas. Ainda que trabalhem no mesmo espaço físico, não serão os mesmos trabalhadores atuando sempre nos mesmos lugares.

Daí decorrem diversas dificuldades para os sindicatos. Em primeiro lugar, tendem a surgir profissões mais especializadas e, consequentemente, um sindicato amplo se repartiria em diversos sindicatos específicos. Em vez de um sindicato geral dos metalúrgicos, haveria vários sindicatos dos trabalhadores em empresas de peças específicas que compõem os diversos processos produtivos dentro da metalurgia. Em segundo lugar, a mobilidade e rotatividade da mão de obra nos locais de trabalho dificultariam a organização da ação sindical.

Toda a renda e poder político auferidos pelos dirigentes sindicais fica ameaçada. Daí a forte reação à inovação legislativa.

O enfraquecimento dos sindicatos atuais não significa, contudo, o enfraquecimento da classe trabalhadora e do seu poder de barganha. Além do fato de que outros sindicatos surgirão, desafiando a hegemonia dos atuais; há a realidade inconteste de que outras profissões e vagas de trabalho surgirão. O aumento de produtividade viabilizado pela terceirização fará com que o poder da lei da oferta e da demanda por trabalho beneficie os trabalhadores muito mais do que conquistas sindicais. Uma economia mais produtiva pagará mais a empregados que geram mais valor agregado para as empresas.

Em suma: a estrutura sindical hoje existente certamente perderá, o que não significa que os trabalhadores em geral serão prejudicados; nem que a terceirização sancionará uma concentração de renda em favor do capital e em prejuízo do trabalho.

 

Haverá precarização dos serviços públicos, com desestruturação dos concursos públicos e politização nas contratações nos cargos públicos?

A esse respeito é preciso dizer, em primeiro lugar, que a versão do projeto aprovada na Câmara dos Deputados estipula que as regras ali inscritas não se aplicam à terceirização no âmbito da administração pública. O que na realidade é uma pena, pois o projeto ajudaria a resolver vários problemas hoje existentes nas terceirizações no setor público, como argumentado adiante.

Se o Senado vier a alterar esse dispositivo, permitindo que as regras valham para a administração pública, haverá mais ganhos do que perdas para o país.

Supondo que isso ocorra, como ficariam os concursos públicos? Não haveria uma generalizada terceirização de funções, com a contratação de apadrinhados políticos, em detrimento do mérito dos concursos?

Esse, de fato, é um problema. Se as empresas são forçadas a tomar decisões racionais para se manter vivas no mercado competitivo, o mesmo não é válido para os órgãos públicos. Estes não enfrentam nada similar a uma concorrência de mercado, não estão sob o risco de falência e, sobretudo, os seus dirigentes estão apenas de passagem, não tendo compromisso com a qualidade dos serviços prestados no longo prazo. Muitas vezes o interesse eleitoral de curto prazo induz a ações nocivas ao interesse público no âmbito da administração governamental.

Seria necessário, por isso, uma regulação específica para a terceirização no âmbito da administração pública. Tal regulamentação substituiria os limites que o mercado impõe às empresas privadas.

Por outro lado, vários ganhos poderiam ser obtidos na prestação de serviços terceirizados no âmbito da administração pública. Novas formas de gestão hospitalar e de escolas poderiam melhorar a qualidade do serviço prestado, criando-se, no âmbito da administração pública, um ambiente de concorrência e inovação entre prestadores e modos de gestão. Nem sempre a contratação por concurso público, associada à estabilidade no emprego, é a melhor forma de se ter mão de obra motivada e disposta a prestar bom serviço público. O espaço para terceirização poderia abrir espaço para inovações importantes.

Ademais, a administração pública sofre bastante com problemas nos serviços atualmente terceirizados em função da inexistência de mecanismos que estão sendo propostos no projeto em discussão. Por exemplo, é comum que prestadoras de serviço abandonem os contratos próximo ao final de sua vigência, deixando empregados sem pagamento. Também comum é o não recolhimento de contribuições à previdência, FGTS e outras. Quando isso ocorre, a administração pública torna-se imediatamente responsável por assumir tais encargos, em função de uma súmula editada pela Justiça do Trabalho. Por isso, os incentivos da legislação atual são para que as empresas ajam com desídia, pois sabem que os seus empregados não irão à Justiça contra elas, visto que os direitos serão imediatamente pagos pelo poder público.

A proposta em discussão cria vários mecanismos de depósitos prévios e de retenção de verbas que minoram esse incentivo incorreto. Ademais, deixa mais claros os limites da corresponsabilidade do contratante.

Assim, um eventual regramento em separado para a terceirização na administração pública deve aproveitar os mecanismos preventivos que venham a ser aprovados para o setor privado.

_______________

1 Vinícius Carrasco. “Terceirização e Natureza da Firma”. Exame.com. Publicado em 12/05/2015.

 

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O que é o Plano Brasil Maior? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2029&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-que-e-o-plano-brasil-maior Wed, 23 Oct 2013 12:11:58 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2029 I) Introdução

O governo atual já adotou três políticas industriais. O Plano Brasil Maior (PBM) do início do governo Dilma sucedeu a Política de Desenvolvimento Produtivo (a PDP), de 2008, e a Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), de 2004.

O objetivo deste artigo é fazer uma radiografia dos tipos de medidas do PBM.

II) Objetivos e Diretrizes do Plano Brasil Maior

O PBM está organizado de acordo com cinco “Diretrizes Estruturantes”(DEs).

1)    Fortalecimento das cadeias produtivas com “enfrentamento” do processo de substituição da produção nacional em setores industriais intensamente atingidos pela concorrência das importações.

2)    Ampliação e Criação de Novas Competências Tecnológicas.

3)    Desenvolvimento das Cadeias de Suprimento em Energias.

4)    Diversificação das Exportações e Internacionalização Corporativa.

5)    Promoção de produtos manufaturados de tecnologias intermediárias com consolidação de competências na economia do conhecimento natural.

A Diretriz Estruturante 1 (DE 1) indica uma postura mais reativa à concorrência de importados. As DEs “2” e “4” são as mais associadas a uma política industrial centrada na inovação, o que é considerado uma intervenção mais adequada. A DE 3 diz respeito às questões energéticas/ambientais, não sendo exatamente uma política industrial. A DE 5 é a mais confusa, pois é uma “consolidação de competência na economia do conhecimento natural”, com o objetivo de “ampliar o conteúdo científico e tecnológico dos setores intensivos em recursos naturais”.

Sugere-se que se aplicará ciência e tecnologia às áreas mais extrativas ou agrícolas. No entanto, os exemplos principais de setores citados são comércio e serviços, o que deixa dúvida sobre o seu real propósito.

O PBM também apresenta uma “dimensão sistêmica”, “de natureza horizontal e transversal”. Isto quer dizer medidas cujos benefícios valem para todos ou grande parte dos setores. Esta dimensão sistêmica orientaria ações para “reduzir custos, acelerar o aumento da produtividade e promover bases mínimas de isonomia para as empresas brasileiras em relação a seus concorrentes internacionais”. Aqui se misturam elementos de incremento da eficiência com uma linguagem que pode sugerir simplesmente mais protecionismo.

A “dimensão sistêmica”, por sua vez, estaria conectada à questão da inovação ao buscar “consolidar o sistema nacional de inovação por meio da ampliação das competências científicas e tecnológicas e sua inserção nas empresas”.

A conexão destas dimensões com cada medida concreta do PBM não é muito clara. Menos evidente ainda é como este conjunto de medidas respeita as DEs e se articula entre si de forma a compor esta última dimensão sistêmica. Ou seja, não se vislumbra no PBM um plano integrado de política industrial.

III) PBM Setorial

O PBM Setorial, assim como as medidas anteriores de política industrial, constitui um plano com ênfase em medidas setoriais, o que lhe dá um perfil de uma política industrial clássica. Foram “eleitos” dezenove setores a receber estímulos especiais. São um total de 287 medidas distribuídas conforme o quadro abaixo.

Quadro I – Distribuição do Quantitativo de Medidas segundo os Setores do PBM

Quase ¼ das medidas do PBM são direcionadas à agroindústria. Este foco justamente no setor com reconhecido sucesso exportador pode indicar que o PBM é mais “seguidor” do que “definidor” dos setores economicamente mais competitivos. Em seguida vêm os setores automotivo (10% das medidas) com 29 medidas, e o complexo da saúde (também 10%). Merece destaque também a ênfase no setor de defesa, aeronáutica e espacial, com 9,76% das medidas (28), muito na esteira do bom desempenho do cluster de São José dos Campos com proeminência da Embraer. Por fim, bens de capital com 8,36% das medidas (24) e o setor de tecnologia da informação e complexo eletrônico (TICs) com 8,01% (23) têm papel destacado, em linha com as políticas industriais clássicas.

O PBM, tal como a PDP, vai além de uma política industrial strictu sensu, abarcando comércio atacadista e varejista e serviços. No complexo da saúde, por exemplo, há medidas que dizem respeito ao serviço e não à atividade manufatureira. Os itens 15,17,18 e 19 da tabela acima não pertencem à indústria.

Naturalmente, a quantidade de medidas constitui indicador imperfeito da avaliação da ênfase do PBM, até porque não mede cifras envolvidas de investimento/gasto público ou renúncia fiscal. No entanto, estes números não parecem destoar do que se ouve do discurso oficial sobre a importância relativa dos setores.

IV) Os Tipos de “Medidas” do PBM

As medidas do PBM, em grande parte, integram a agenda natural do respectivo órgão responsável. Isso quer dizer que é possível que boa parte das medidas não tenha sido construída de cima para baixo, como sugere o governo, mas de baixo para cima. As “Diretrizes” do PBM, portanto, seriam mais uma consequência da agenda de trabalho existente dentro de cada ministério do que um farol da atual política industrial brasileira.

Classificamos dois tipos de “medidas” do PBM. Uma parte delas é, na verdade, declaração de intenções,  “objetivos” ou simples “agendas de trabalho” para se fazer algo. Por exemplo, no caso de serviços, há a medida que na verdade é um objetivo muito vago de “implementar projetos direcionados ao setor de serviços”. No caso de “bens de capital’ também há a “medida” de “identificar oportunidades nos segmentos que compõem a cadeia produtiva dos bens de capital”, que naturalmente é mais uma agenda de trabalho. A medida concreta pode decorrer deste trabalho de identificação, mas não se pode confundir com a própria medida.

Há inclusive a programação de estudos ou simplesmente organização de simpósios e seminários. Por exemplo, no caso do setor “serviços” há a “medida” de “elaborar atlas de serviços” e “realizar o II Simpósio de Políticas Públicas para Comércio e Serviços”. As mesmas se repetem para o setor “comércio”, sendo o Simpósio, inclusive, o mesmo (Comércio e Serviços).

Desta forma, separamos o que consideramos como “medidas” do que seriam objetivos, intenções ou agendas, definidos como “não-medidas”.

Quadro II – Medidas e Não Medidas do PBM

Das 287 “medidas” do PBM, 69 ou 24,04% seriam objetivos, estudos ou agendas. Em alguns setores, chega-se a ter mais “não-medidas” do que “medidas” como são os casos do comércio (60%) e serviços logísticos (57,14%). Na indústria de mineração (50%) e no complexo da saúde (48,28%) também há um percentual significativo de “não medidas”. Setores com intervenção mais objetiva por não se verificarem “não medidas” seriam papel e celulose, higiene pessoal, perfumaria e cosméticos e construção civil.

V) Novidades, Extensões e Ampliações nas Medidas do PBM

Nem todas as medidas são realmente novas. Há aquelas que apenas estendem para outros setores, regimes especiais ou benefícios que já existem ou simplesmente ampliam ou mantêm o que já existe no próprio setor. Assim, fizemos uma divisão das medidas em “novos”, “extensões” e “manutenção/ampliação”, gerando o quadro III.

Quadro III – Novidades, Extensões e Ampliações do PBM

Cumpre esclarecer que tudo que não se explicita constituir extensão ou ampliação, foi considerado como “novo”. Implementações de programas que já existem, regulamentações de leis ou decretos também pré-existentes, são todos considerados “novos”. Assim, uma definição mais restritiva do que se considera “novo” pode reduzir bastante o número de novidades.

São 60 medidas (21,51%) que correspondem a extensões para outros setores (8,96%) ou manutenções/ampliações do que já existe (12,54%). Papel e celulose é o setor com mais manutenções/ampliações do que já existe, e petróleo, gás e naval é o que tem percentualmente mais extensões (60%). As novidades, de qualquer forma, compreendem quase 80% do programa.

VI) Medidas com Viés Protecionista

Das 287 medidas setoriais do PBM, 40 (13,93% do total de medidas) contém viés protecionista. O setor de tecnologia da informação (TIC) é o que mais contém medidas protecionistas alcançando 22,5% do total deste tipo (9). Seguem os setores automotivo (8) e bens de capital (8) com 20% das medidas protecionistas cada, seguidos de defesa, aeronáutica, espacial (6) com 15% do total.

Quadro IV Quantitativo de Medidas com Viés Protecionista do PBM

VII) As Medidas de Fomento

O PBM inclui medidas de desoneração tributária e de crédito subsidiado, além do que chamamos de provisão de bens coletivos para um determinado setor como, por exemplo, a implantação de centro de treinamento e qualificação profissional em equipamentos médidos e hospitalares e produtos farmacêuticos. Sua distribuição setorial no PBM é apresentada abaixo.

Quadro V – Medidas do PBM de Desoneração Tributária, Crédito Subsidiado ou Provisão de Bens Coletivos

A grande parte das desonerações (pouco mais de ¼ com 12 medidas) do PBM está na agroindústria, seguida do setor automotivo (19,15% com 9 medidas) e TICs (17,02% com 8 medidas). No caso de crédito subsidiado, o setor com mais medidas é o de “energias renováveis” que representa 15,63% do total. O setor com maior percentual de medidas de provisão de bens coletivos, cujos efeitos tendem a ser apropriados de forma menos particularizada, é a agroindústria, que representa quase metade (48,05%) do total deste tipo de medida.

Uma grande parte das medidas do PBM está diretamente associada à inovação, investimento, produção, exportação ou emprego. Para efeito do esforço de classificação, colocamos o item “produção” de forma residual, ou seja, toda medida de fomento que não for para apoiar inovação, investimento, exportação e emprego/qualificação.

Quadro VI – Variável Fomentada no PBM

Dessas medidas de fomento, pouco mais de 1/3 (34,59% ou 55 medidas) são direcionadas às inovações, 15,09% para investimentos (24), 20,13% (32) para produção, 23,27% (37) para exportações e 6,92% para emprego e qualificação de mão de obra. Ou seja, há, de fato, alguma ênfase em inovação no PBM, mas que está longe de ser absoluta, pois restam 2/3 de medidas com outros objetivos de fomento.

Nos setores fomentados, em geral, não se constata um foco em uma única variável fomentada. Por exemplo, em petróleo, gás e naval são 20% das medidas para inovação, 20% para investimento, 40% para produção e 20% para exportação. No complexo da saúde há uma maior concentração de medidas (50%) destinadas à inovação, mas há também quase 30% em produção. Nos TICs há proeminência em inovação (50%) como esperado, secundado por medidas em favor do investimento (1/3). Não havendo um foco, torna-se mais difícil definir qual o objetivo principal da política industrial nestes setores. O objetivo genérico parece ser simplesmente o “crescimento” e “desenvolvimento” dos setores contemplados.

De outro lado, em energias renováveis em que se esperava mais inovação, não há nenhuma medida para tal objetivo, sendo metade em investimento e metade em exportações. Será mais relevante exportar do que inovar neste setor?

Curiosamente, todas as medidas de fomento na construção civil são na área de inovação. A maior parte das medidas de inovação vão para a agroindústria (15). Depois da construção civil, o setor com maior percentual de medidas de fomento baseados em inovação é o de defesa, aeronáutico, espacial seguido de, também curiosamente, couro, calçados, têxtil, confecções, gemas e joias e móveis.

VIII) Conclusões

As principais críticas ao PBM são comuns às duas políticas predecessoras. Não há exigência de contrapartida e nem desempenho dos beneficiários, com ausência de qualquer sinalização de que as vantagens serão removidas no caso de uma má performance. Na verdade, não está claro quais variáveis são relevantes em cada setor para o PBM dado, no mais das vezes, haver mais de uma variável sendo fomentada. É possível que o objetivo seja simplesmente “fazer crescer” o setor.

Há pelo menos ¼ das medidas que classificamos como “não medidas” por serem mais objetivos e estudos do que ações concretas. A grande maioria das medidas (80%) são “novas”. Outros critérios mais restritivos de “novidade” podem, no entanto, diminuir este percentual.

Quase 14% das medidas do PBM apresentam viés protecionista. Canedo-Pinheiro (2013) e Almeida (2013) realçam que um dos principais fatores explicativos para o fracasso das politicas industriais brasileiras anteriores teria sido a ênfase em proteção excessiva por tempo indeterminado. Menezes Filho e Kannebley Junior (2013) mostram que a produtividade total dos fatores no país aumentou em período de relativa abertura econômica (1990/97) e declinou no período de fechamento (1985/90). Assim, o conjunto de medidas protecionistas pode acabar tendo um efeito oposto ao esperado sobre o crescimento econômico.

A crítica fundamental parece ser o fato de que o PBM se baseia apenas em incentivos positivos (a cenoura), mas não em negativos (o chicote), originando uma estrutura assimétrica. A criança ganha o doce quando se comporta bem, mas não deixa de jogar vídeo game quando se comporta mal. Pior, a conexão dos incentivos positivos com a performance é fraca. Se a criança ganha sempre o doce, independente de seu comportamento, por que não prosseguir na malcriação?

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Referências

Almeida, M.: “Padroes de Politica Industrial: a velha, a nova e a brasileira”. In “ O Futuro da Industria no Brasil”. Eds. Bacha, E. e Bolle, M. B. Civilizacao Brasileira. Rio de Janeiro. Brasil. 2013.

Canedo-Pinheiro, M.: “Experiencias Comparadas de Politica Industrial no pos-guerra: licoes para o Brasil”. In “Desenvolvimento Economico: Uma Perspectiva Brasileira”. Orgs: Veloso, F.; Ferreira, P.C.; Giambiagi, F. e Pessoa, S. Editora Campus Elsevier, 2013.

Menezes Filho e Kannebley Junior, S. : “Abertura comercial, exportacoes e inovacoes no Brasil”. In “Desenvolvimento Economico: Uma Perspectiva Brasileira”. Orgs: Veloso, F.; Ferreira, P.C.; Giambiagi, F. e Pessoa, S. Editora Campus Elsevier, 2013.

Plano Brasil Maior: www.brasilmaior.mdic.gov.br

Politica de Desenvolvimento Produtivo: http://www.mdic.gov.br/pdp/index.php/sitio/inicial

Politica Industrial, de Comercio Exterior e Tecnologica: http://investimentos.mdic.gov.br/public/arquivo/arq1272980896.pdf

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A desigualdade de renda parou de cair? (Parte II) https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2021&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-desigualdade-de-renda-parou-de-cair-parte-ii https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2021#comments Mon, 21 Oct 2013 11:58:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2021 No texto publicado na semana passada chamou-se atenção para o fato de que o Índice de Gini de distribuição de renda no Brasil parou de cair em 2012, interrompendo uma trajetória descendente que vem desde meados dos anos 90. Pode ser que isso seja apenas um dado isolado, que não revele uma nova tendência de interrupção da queda da desigualdade. Mas também pode ser um sinal de que os fatores que levaram à queda da desigualdade estão se estagnando. Isso seria preocupante, pois a desigualdade no Brasil ainda é alta.

A literatura especializada já vem apontando há alguns anos que será cada vez mais difícil manter a redução da desigualdade1. Para sabermos o motivo, é preciso entender quais foram as causas da queda recente da desigualdade.

Esse texto vai se concentrar nos fatores que afetam a desigualdade no mercado de trabalho. Na próxima semana serão analisadas as políticas sociais do governo.

I – A mudança no perfil de demanda de mão-de-obra

A forte queda da desigualdade não ocorreu apenas no Brasil. Como mostram inúmeros estudos, entre eles o artigo Deconstructing the Decline of Inequality in Latin America2, houve generalizada queda de pobreza e desigualdade na maioria dos países da América Latina. O estudo mostra que, dos 17 países estudados, nada menos que 12 tiveram significativa queda de desigualdade.

Essa causa comum parece ser o boom no mercado internacional de commodities, que favoreceu todos os países da região, tipicamente exportadores desse tipo de mercadoria. Esse boom ocorreu exatamente a partir de 2002/2003, quando a desigualdade começou a cair de forma mais intensa. Mas qual seria o mecanismo que transformaria os ganhos no comércio internacional em redução da desigualdade?

Em primeiro lugar é preciso ficar claro que o aumento de preços no mercado internacional dos produtos exportados pela América Latina e a queda dos preços dos produtos de alta tecnologia por ela importados aumentou fortemente o poder de compra dos países da região. Para que se tenha ideia da dimensão desse fenômeno, basta notar quem em 2005 um navio carregado de minério de ferro tinha valor equivalente a 2.200 TVs de tela plana, em 2010 a mesma carga valia o equivalente a 22.000 TVs3.

Mas como esse maior poder de compra passou da mão dos exportadores para o restante da população? E como gerou redução da desigualdade de renda?

A maior renda obtida com exportações ativa a economia como um todo. Passa a haver, por exemplo, maior disponibilidade de divisas, a taxa de câmbio valoriza-se, e as empresas podem importar mais máquinas e equipamentos, enquanto os consumidores podem consumir bens importados a custo menor. As empresas exportadoras depositam seus superávits financeiros nos bancos, que emprestam os recursos para outros setores da economia, aumentando a taxa de investimento e crescimento. O maior investimento aumenta a taxa de crescimento e a demanda por trabalhadores.

Os ganhos nas relações de troca internacional são, portanto, uma bênção, e devem ser aproveitadas ao máximo pelo país. No entanto, embora aumentem a renda e a poupança disponível para financiar investimentos, eles não são suficientes para desencadear o desenvolvimento de todos os setores da economia.

Isso porque o Brasil (assim como boa parte dos países latino-americanos) tem diversos outros problemas que retiram competitividade da economia: a infraestrutura de transportes e comunicações é ruim; a energia é cara; a economia é fechada à concorrência internacional e à importação de insumos e serviços de qualidade; o grau de instrução da mão-de-obra é baixo; o sistema tributário é pesado e distorce os preços; a regulação econômica e a defesa da concorrência são frágeis. Por todos esses motivos o Brasil não consegue competir com outros países no mercado de bens e serviços mais sofisticados.

Quando vem um estímulo externo como o boom de commodities, os setores da economia brasileira que conseguem crescer são aqueles ligados aos serviços de menor conteúdo tecnológico. Esses setores tendem a contratar trabalhadores pouco qualificados. Com maior procura por trabalhadores pouco qualificados, os salários desse grupo cresceram em relação aos demais trabalhadores: daí a redução nas desigualdades salariais.

O raciocínio é o seguinte: o boom de commodities provocou a valorização das moedas dos países exportadores desses produtos, enquanto o aumento da renda se refletiu em maior consumo. Com um câmbio valorizado, o consumo de bens industrializados, disponíveis no mercado internacional (chamado de “bens comercializáveis”), passou a ser atendido por importações, como as TVs de tela plana do exemplo acima. Elas mais baratas e de melhor qualidade que os bens industriais produzidos nos países latino-americanos que, devido aos problemas de má infraestrutura e outros acima listados, não têm produtividade e competitividade para competir com os importados).

Já o aumento do consumo de bens não disponíveis no mercado internacional (serviços em geral, construção civil, produtos perecíveis) –  conhecido como “não-comercializáveis” – teve que ser atendido pelos produtores internos. Isso fez o preço dos serviços e demais bens não comercializáveis disparar em relação ao preço dos bens importados. O preço dos bens importados não subiu, pois o aumento de demanda pode ser atendido por importações crescentes. Já o preço dos bens e serviços não disponíveis para importação subiu, porque a oferta ficou limitada ao que é produzido dentro do país, não dando conta de atender a expansão da demanda.

Ocorre que o setor de serviços utiliza majoritariamente trabalhadores menos qualificados e de menor escolaridade que a indústria. Ou seja, subiu a demanda por trabalhadores menos qualificados no mercado de trabalho e caiu (ou cresceu mais lentamente) a demanda por trabalhadores mais qualificados. Adicionalmente, o próprio setor de commodities, em especial, das commodities agrícolas, é intensivo em mão de obra de menor qualificação. Em consequência, elevaram-se os salários dos menos qualificados em relação aos mais qualificados.

Os países latino-americanos, e o Brasil em particular, criaram mais empregos de balconista, cabeleireiro, trabalhador rural e atendente de call center, e menos vagas de operadores de equipamentos industriais robotizados, designers ou especialistas em telecomunicações.Isso explicaria a redução das desigualdades salariais no mercado de trabalho e a desigualdade de renda.

Note-se que tal distorção não é “culpa” do setor de commodities que, na verdade, é competitivo e gera grande benefício ao país. O problema está na má infraestrutura, no fechamento da economia à competição internacional, no sistema tributário caótico, na frágil regulação de setores oligopolizados, etc. Países como Canadá, Estados Unidos e Austrália, fortes exportadores de commodities, não sofrem o mesmo problema de competitividade do Brasil, pois têm políticas de comércio exterior mais aberta, melhor regulação, melhor infraestrutura, etc.

A história contada acima indica que a queda da desigualdade não é portadora apenas de boas notícias. Ela pode ser sintoma da incapacidade da economia de desenvolver setores de maior tecnologia e maior sofisticação. Com isso, o país perde empregos no segmento mais competitivo. Graças ao boom de renda vindo do exterior, esses empregos são substituídos por outros, menos produtivos, concentrados nos serviços de menor sofisticação. No curto prazo, observamos queda de desigualdade. Mas no longo prazo observaremos menor capacidade de crescimento econômico.

E o que é pior, como o ganho de renda vindo das commodities está fora do controle do governo, por ser determinado no mercado internacional, a reversão dessa tendência pode fazer murchar também o ímpeto do setor de serviços, o que fará com que o baixo crescimento passe a ser acompanhado, também, da interrupção da queda da desigualdade.

Esse pode ser um fator por trás da interrupção da queda da desigualdade em 2012 em relação a 2011. Ao decompor as fontes de variação desse índice, IPEA (2013) constata que no período 2011-2012 as rendas do trabalho deixaram de ser um fator de queda da desigualdade tendo, pelo contrário, levado a pequeno aumento do indicador.

Ou seja, a redução da desigualdade nas remunerações no mercado de trabalho, que foi o carro chefe da queda da desigualdade no período 2002-2011, não ocorreu em 2011-2012. Esse pode ser um indicador de que a dinâmica da expansão dos serviços esteja se esgotando. O fato de que os ganhos de renda vindo das commodities estão se estabilizando pode ser uma das causas dessa reversão.

Esse tipo de raciocínio ajuda a entender também porque a desigualdade não teria caído fortemente ao longo da década de 1990. Em primeiro lugar, porque naquele período, em vez de um choque favorável nos preços das commodities, o mercado internacional impunha ao Brasil e à América Latina um ambiente instável de crises financeiras internacionais e aumentos de juros, que reduziam a renda dos países da região.

Em segundo lugar, houve no Brasil uma série de reformas favoráveis ao crescimento econômico, tais como as privatizações e a abertura comercial com o exterior, que permitiram a entrada de tecnologias de ponta no país. Em um primeiro momento, essas reformas tendem a ter efeito concentrador de renda: elas aumentam a demanda por trabalho mais qualificado em áreas de maior tecnologia (basta imaginar a quantidade de novos engenheiros decorrente da expansão das telecomunicações nos anos 90). Porém, no longo prazo elas abrem caminho para a geração de empregos e o crescimento econômico, espalhando o benefício por toda a economia. Tome-se como exemplo os ganhos de renda que pequenos agricultores e profissionais autônomos tiveram a partir da disponibilidade de telefones celulares.

Em suma, parte significativa da queda da desigualdade a partir de 2002 “caiu do céu”: um presente para a América Latina, sob a forma de alta nos preços das commodities. Esse presente se converteu em queda da desigualdade devido, em parte, à incapacidade dos países da região, e do Brasil em particular, em oferecer às empresas condições de competitividade (infraestrutura, sistema tributário adequado, etc.), o que levou a expansão da economia a ser conduzida pelo setor de serviços de menor conteúdo tecnológico, menos produtivo e demandante de mão-de-obra menos qualificada. Nesse sentido, a queda da desigualdade seria um subproduto positivo gerado por uma fragilidade econômica do país.

II- A mudança no perfil de oferta da mão-de-obra

Outro fator de redução da desigualdade, que também parece ter atuado no sentido de reduzir as diferenças de remuneração no mercado de trabalho, foi o aumento da escolaridade da população. De fato, a média de anos de estudo da população brasileira subiu bastante desde meados da década de 1980. Entre 1950 e 1980 a média de anos de estudo no país cresceu apenas 1,07 anos, passando de 1,5 anos para 2,57 anos. Entre 1980 e 2010 houve crescimento contínuo e um salto de quase 5 anos na média, que passou a ser de 7,55.4

Essa maior quantidade de trabalhadores com mais escolaridade aumentou a oferta de trabalho qualificado e diminuiu a oferta de trabalho pouco qualificado (na suposição de que a escola pública agrega alguma qualificação efetiva ao trabalhador, apesar da sua baixa qualidade). Em consequência, aumentou o preço do trabalho menos qualificado (agora mais escasso) e caiu o preço do trabalho mais qualificado (agora mais abundante).

Note-se que o nível geral de educação (tanto em termos de anos de estudo quanto em termos da qualidade dessa educação) ainda é bastante baixo no país. Mas a evolução observada  teria sido suficiente para amenizar as fortes desigualdades de remuneração no mercado de trabalho.

Ocorre que os ganhos mais fáceis, obtidos pela simples inclusão das crianças na escola, já foi obtido. Daqui para frente, para que o aumento de escolaridade continue a pressionar para baixo a desigualdade e a pobreza, serão necessários avanços na melhoria da qualidade do ensino e aumento na taxa de escolarização de jovens, visto que o ensino fundamental já está universalizado desde meados da década de 1990.

Em especial, é preciso avançar em quantidade e qualidade no ensino médio. Como chama atenção Fernando Veloso em entrevista à Folha de S. Paulo5, ainda é baixo o percentual de jovens entre 15 e 17 anos frequentando a escola (84% segundo a PNAD 2012) e o currículo do ensino médio é ruim e divorciado da necessidade das empresas. Os jovens não chegam ao mercado de trabalho equipados para lidar com procedimentos intensivos em alta tecnologia. Isso significa que uma retomada do crescimento pode levar ao aumento da desigualdade, pois aumentará a demanda por trabalho mais qualificado, e os jovens mais pobres não têm tal qualificação, que não lhes é provida pela escola pública.

Lustig et al (2013) chegam a levantar a hipótese de que parte da queda do diferencial de salários entre pessoas com maior e menor escolaridade vem da deterioração da qualidade do ensino médio. Dado que o conteúdo aprendido pelos alunos desse nível de ensino não teria serventia para as empresas, elas se tornariam indiferentes entre contratar pessoas com ou sem ensino médio completo.

III – O papel do salário-mínimo

Um terceiro mecanismo que pode estar por trás da queda da desigualdade de salários no mercado de trabalho é a ativa política de elevação do valor real do salário-mínimo, perseguida pelo governo desde o segundo mandato de FHC, com intensidade acentuada a partir do primeiro governo Lula.

O salário-mínimo na década de 1990 era muito baixo e havia espaço para a sua elevação, sem prejudicar a rentabilidade das empresas. Porém, após seguidos anos de elevação acima da inflação, o salário-minimo real de 2013 é quase o dobro do seu valor em 1995.

É sabido que o salário-mínimo funciona como uma referência para a fixação de remunerações na base da pirâmide salarial. É comum tomá-lo como referência e reajustar remunerações superiores ao mínimo pelo mesmo índice de correção deste. O resultado é que variações no mínimo impactam fortemente salários maiores que o mínimo e, em cadeia, promovem aumentos das remunerações mais baixas.

Se por um lado isso reduz a desigualdade de remunerações (e faz a desigualdade no país cair), por outro lado acaba afetando o custo do trabalho para as empresas, que perdem lucratividade e competitividade.

A redução da desigualdade no curto prazo, por meio da elevação do salário-mínimo, se faz à custa de perdas de oportunidade de crescimento e geração de renda para todo o país no médio e longo prazos. Mais uma vez temos uma situação em que a queda da desigualdade não é apenas portadora de boas notícias. Há que se considerar, ainda, a possibilidade de os efeitos adversos do salário mínimo sobre a geração de emprego e estímulo ao investimento anularem o efeito redistributivo do aumento da remuneração daqueles que permanecerem empregados.

IV – A desigualdade parou de cair?

Tendo em vista os três fatores acima analisados (mudanças na demanda e na oferta de mão-de-obra e elevação real do salário-mínimo), cabe perguntar se eles continuarão a pressionar a desigualdade para baixo nos próximos anos.

Como já antecipado acima, o papel do boom de commodities sobre a demanda de mão-de-obra tende a arrefecer em função do esfriamento de tal mercado. Ademais, há que se levar em conta que esse não é o melhor caminho para se reduzir a desigualdade, afinal ele passa pela desindustrialização do país e pelo aumento de importância de setores de baixa produtividade, o que reduz o potencial de crescimento e geração de renda futura. Obviamente não se está sugerindo que o governo desestimule a exportação de commodities ou subsidie o setor industrial. O melhor a fazer é aproveitar o bom momento da economia internacional, porém consciente de que é preciso melhorar as condições de produção do Brasil, por meio de expansão da infraestrutura, melhoria na qualidade da educação, controle dos gastos públicos, racionalização do sistema tributário, entre outras medidas que aumentem a produtividade e viabilizem a diversificação da produção no Brasil, aumentando seu conteúdo tecnológico e diminuindo nossa dependência em relação ao comércio internacional de commodities.

Já do lado da oferta de trabalho, a maior escolaridade só continuará a reduzir a desigualdade se houver progressos na melhoria da qualidade da educação; em especial no ensino médio.

No que se refere ao papel do salário-mínimo, é preciso considerar que a política de elevação desse salário acima da inflação tem forte impacto sobre as despesas do governo. Em especial, sobre as contas da previdência social, cujos benefícios são indexados àquela remuneração básica. Assim, parece que em função de esgotamento fiscal não será possível manter tal política por muito tempo, a menos que se jogue para o alto qualquer intenção de manter o equilíbrio fiscal e a inflação sob controle. Mas se a inflação voltar, certamente o quadro distributivo se deteriorará, pois como todos sabem, a inflação é fortemente concentradora de renda.

Ainda que fosse possível aguentar por mais alguns anos o peso fiscal dos reajustes do salário-mínimo, seria preciso julgar se essa seria a melhor opção, tendo em vista as distorções introduzidas no mercado de trabalho, em especial o desestímulo à contratação de pessoal pouco qualificado, cuja produtividade tende a ser inferior ao salário-mínimo.

Em suma, não se pode dizer, ainda, que a parada na queda do Índice de Gini observada em 2012 é uma nova tendência de estabilidade da desigualdade, mesmo porque outros indicadores mantêm a tendência de queda. Mas não faltam motivos para se acreditar que isso seja possível. Ademais, o texto procurou deixar claro que a queda da desigualdade pode não ser portadora apenas de boas notícias. Ela pode ser resultado de fragilidades e desajustes econômicos que têm como custo a menor capacidade de crescimento e de geração de emprego no futuro.

____________

1 O presente texto está baseado nas seguintes referências bibliográficas:

Lustig, N., Lopez-Calva, L. e Ortiz-Juarez, E. (2013) Deconstructing the Decline of Inequality in Latin America. Banco Mundial. Policy Research Working Paper nº 6552, julho de 2013.

Banco Mundial (2012). The Labor Market Story behind Latin America’s Transformation.

Souza, P.H.G.F, Medeiros, M. (2013) The Decline in Inequality in Brazil in 2003-2009: the role of the State. Universidade de Brasilia. Economics and Politics Working Paper 14/2013.

Azevedo et all (2013) Fifteen Years of Inequality in Latin America. Banco Mundial, Policy Research Working Paper 6384.

Barros, R.P. et al (2009) Markets, the State and the Dynamics of Inequality: Brazil’s case study. UNDP. Research for Public Policy Inclusive Development 14-2009.

Ferreira, F.H.G. et al (2013) Economic Mobility and the Rise of Latin American Middle Class. Banco Mundial.

Lustig, N. et al (2011) The Decline in Inequality in Latin America: How Much, Since When and Why. Tulaine Economics Working Paper Series 1118.

Banco Mundial (2011) A Break of History: Fifteen Years of Inequality Reduction in Latin America.

IPEA (2012) A Década Inclusiva (2001-2011): desigualdade, pobreza e políticas de renda. Comunicado IPEA nº 155, de 2012.

IPEA (2013) “Duas décadas de desigualdade e pobreza no Brasil medidas pela Pnad/IBGE” – Comunicados do IPEA nº 159, de 2013.

2 Lustig, N., Lopez-Calva, L. e Ortiz-Juarez, E. (2013) Deconstructing the Decline of Inequality in Latin America. Banco Mundial. Policy Research Working Paper nº 6552, julho de 2013.

3 http://www.smh.com.au/business/world-business/heavenly-ironore-prices-bound-for-purgatory-as-china-reforms-20130730-2qvoz.html. Agradeço a Marcos Kohler pela indicação dessa estatística comparativa.

4 Fonte: Barro, R. e Lee, J-W (2010) A New Dataset of Educational Attainment in the World, 1950-2010. NBER Working Paper, nº 15.902.

5 “Desigualdade pode voltar a crescer, diz pesquisador” – Folha de S. Paulo, 12/10/2013.

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Quais as origens da desaceleração da indústria brasileira? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1966&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=quais-as-origens-da-desaceleracao-da-industria-brasileira https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1966#comments Mon, 26 Aug 2013 13:02:33 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1966 Desde o governo Lula foram lançadas três políticas industriais de grande relevância com objetivo central de alterar a dinâmica microeconômica entre os setores produtivos, de maneira a alcançar em seguida resultados no agregado da economia. Essas políticas industriais foram um importante instrumento de estímulo ao setor principalmente no que se refere ao desenvolvimento tecnológico e preparação do ambiente institucional. Entretanto, mesmo com várias medidas adotadas, nota-se no Brasil uma crescente desaceleração da indústria, a qual é frequentemente julgada maléfica à economia como um todo. As razões e os pontos que estrangulam a indústria são diversos e variam de acordo com o marco teórico adotado. O texto a seguir procura fazer uma análise crítica das políticas implantadas focando nos principais pontos de estrangulamento que não foram e não têm sido atacados pelo Governo.

A relevância da indústria para o crescimento econômico é amplamente reconhecida pelas mais diversas correntes da teoria econômica. Uma linha de raciocínio neste sentido seria o fato de o setor secundário ter um efeito positivo sobre todo o conjunto da economia, uma vez que permite dinamizar o sistema de produção através de encadeamentos produtivos forward e backward, potencializando efeitos multiplicadores em toda a produção da economia. Ainda, ressalta-se que este efeito de encadeamento não é observado com a mesma intensidade nos setores primário e terciário.

Também no contexto da relevância do setor secundário para o crescimento, a produção da indústria pode ser convertida em ganhos de produtividade superiores aos dos demais setores que se traduzem em aumentos da renda real. Neste sentido, a combinação entre os efeitos de encadeamento e a produtividade crescente no setor gera um ambiente propício para a difusão tecnológica e a inovação. Ou seja, a produtividade da indústria é uma função crescente da própria produção industrial. O resultado é um efeito cíclico em que o aumento do aprendizado e a inovação se traduzem em aumentos de produtividade que, por sua vez, em um efeito derrama, alcançam os demais setores da economia.

Há também de se reconhecer que o processo de inovação é a principal maneira pela qual um país ganha espaço no comércio internacional.

Se assumirmos que a indústria tem um papel crucial para o crescimento da economia, é motivo de preocupação a recente desindustrialização vivenciada pelos mais diversos países, em especial pelo Brasil.

Por um lado, a perda relativa da produção e do emprego industriais não constitui por si só um problema, dado que o processo de crescimento econômico naturalmente levaria todas as economias a convergir neste aspecto. Efetivamente, os EUA, Canadá e os países da Europa ocidental passaram e têm passado por um processo de perda relativa do setor sem que isso a princípio fosse encarado como um retrocesso. Por outro lado, em alguns casos esta desindustrialização pode representar um problema, principalmente quando referente aos países em desenvolvimento. Alguns teóricos diferenciam, então, a desindustrialização positiva da negativa utilizando como referência a balança comercial. Economias em que além do aumento de bens primários na pauta exportadora experimentam uma redução da participação de produtos com maior conteúdo tecnológico e de maior valor agregado, estariam passando por uma desindustrialização maléfica a economia.

Surgem destas considerações a necessidade e a grande relevância de se promover a indústria através de políticas industriais em países que possuem uma diminuição do valor agregado de suas exportações, como no caso brasileiro. Assim, com objetivo central de alterar a dinâmica microeconômica entre os setores produtivos de maneira a alcançar em seguida resultados no agregado da economia; as políticas industriais têm sido um importante instrumento de estímulo ao setor e, consequentemente, ao crescimento econômico.

No Brasil, as políticas industriais foram tradicionalmente direcionadas para a substituição de bens manufaturados, processo conhecido como Industrialização por Substituição de Importação (ISI). Já no segundo Governo Vargas instituiu-se modelo de proteção no qual se determinavam taxas de câmbio valorizadas para importação de bens de capitais e outros utilizados na produção industrial, concomitantemente, se determinava taxas desvalorizadas para importação de bens produzidos internamente. A Lei do Similar Nacional do período JK é outro exemplo bem ilustrativo de política de ISI na qual foi proibida a importação de bens que pudessem ser produzidos nacionalmente. O Governo Militar aprofundou esse modelo, protegendo um conjunto mais amplo de setores, desde a petroquímica até a informática.

Como lado positivo, tal modelo gerou um setor industrial dinâmico e bem integrado, com grande crescimento da década de 30 até 70. E assim foi durante todo o período, com exceção de algumas políticas industriais voltadas para exportação de manufaturas, como o II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND).

Contudo, tais estratégias também geraram sérios problemas para a indústria e desenvolvimento nacional. Elas implicaram baixa competitividade internacional, baixa produtividade e padrões tecnológicos relativamente atrasados. A existência de baixíssimos níveis de investimentos em P&D, de criação de patentes e de estratégias focadas para a inovação das empresas era nítido (e ainda é) no Brasil. Dado tais fatos, não é surpreendente o grande número de falências que se seguiu à abertura da economia na transição da década de 1980 para 1990, durante o Governo Collor.

A partir de meados dos anos 1990, a política que tomou conta da agenda econômica foi a estabilização macroeconômica, deixando de lado as políticas industriais, que apenas no Governo Lula voltaram a compor a agenda nacional. Assim, desde o Governo Lula até o atual Governo Dilma, foram lançadas três políticas industriais diferentes.

Uma vez que se iniciou um intenso processo de desaceleração da indústria, o Governo Lula lançou em março de 2004 o programa de Política Industrial, Tecnológica e de Comércio Exterior (PITCE), o qual se estendeu até 2008. Visando dar continuidade à PITCE, foi lançada a Política Desenvolvimento Produtivo (PDP), que durou de 2008 até 2010. Já no Governo Dilma, foi lançado em 2010 o Plano Brasil Maior, também focado para a Indústria e que durará até 2014.

A PITCE objetivou estimular a inovação e o desenvolvimento tecnológico com maior inserção externa e modernização do ambiente institucional e aumento da capacidade produtiva. Com este objetivo, diversas medidas foram tomadas. A Lei de Inovação (Lei nº 10973 de 2004), que estabelece um marco regulatório para incentivar a pesquisa científica no âmbito produtivo através de parceria entre institutos tecnológicos, universidades e empresas inovadoras, é um exemplo bem ilustrativo. Outras leis implantadas como a Lei do Bem (Lei nº11. 196 de 2005) e a Lei de Biossegurança (Lei 11.105 de 2005) também visavam estimular a inovação tecnológica através de incentivos à pesquisa científica e garantias de propriedade intelectual. Tais medidas revelam um claro foco da PITCE em relação ao marco regulatório e melhoria das instituições para a promoção de um ambiente favorável ao investimento em P&D e também de estímulo às inovações. Ademais, a PITCE desenvolveu linhas de financiamento  baixo custo para setores chaves como o Prosoft, que foca a indústria de software e serviços de tecnologia da informação (TI) e o Profarma, que foca o complexo industrial de saúde e de fármacos,  através de desembolsos do BNDES e também desonerações tributárias. Como resultado, houve um aumento dos desembolsos do BNDES, que atingiram um crescimento de 35,2% nos primeiros oito meses de 2007.

A Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) também focava no desenvolvimento tecnológico, mas com maior ênfase nas micro e pequenas empresas inovadoras. Para tanto, as principais medidas tomadas se referem à crescente expansão de linhas de financiamento a taxas reais nulas para capital de giro das médias e pequenas empresas e também para investimentos em P&D via FINEP (Fundo Nacional de Estudos e Projetos). Isenções fiscais para investimentos em bens de capital também foram amplamente utilizadas.

Com o intuito de dar continuidade à reinserção das políticas industriais na agenda nacional, o Plano Brasil Maior (PBM) foi lançado em agosto de 2011 já no Governo Dilma. O Plano, assim como seus antecessores, tem como foco o estímulo à inovação tecnológica para aumentar a produtividade da indústria nacional e promover o crescimento econômico. O PBM pode ser divido em duas grandes vertentes de ação: estímulos ao investimento e à inovação, e defesa da indústria e mercado interno. Como estímulo à inovação, muitas medidas de desoneração tributária foram adotadas, principalmente no que tange à folha de pagamentos, bens de capital e IPI. Como o Plano ainda está em implementação, seus instrumentos e resultados estão em contínua avaliação.

Mesmo com tantas medidas adotadas, os resultados da economia e da indústria não têm sido otimistas. Passados os efeitos mais severos da crise internacional sobre o Brasil, a economia cresceu 2,7% e 0,9% em 2011 e 2012, respectivamente. Fato que reflete uma contínua perda de dinamismo da economia brasileira. A exportação de bens manufaturados decresceu ao seu nível mais baixo no terceiro trimestre de 2012, atingindo uma queda de -9,4% neste período e -1,7% no ano inteiro. Enquanto a importação de bens de capital aumentou 1,5% por cento neste mesmo ano 1.

Partindo de participações da ordem de 20% do PIB na virada dos anos 1940 para 1950, a indústria aumentou seu peso quase continuamente até meados de 1980, atingindo 35% em 1985. Depois do pico, a perda de participação foi de tal ordem que a indústria respondia por apenas 15% do PIB em 2011, menos da metade do máximo observado.

São várias as explicações para tal perda de participação relativa da indústria. Uma pesquisa realizada pelo IPEA 2 responsabiliza principalmente a persistência de uma taxa de câmbio sobrevalorizada por um longo período de tempo, o que teria estimulado a importação de bens manufaturados desprotegendo a indústria nacional. Segundo o relatório, seriam as dificuldades com o manejo da política macroeconômica, as incertezas decorrentes do cenário externo e as mudanças na divisão internacional do

trabalho os responsáveis pela geração deste processo de retração da atividade industrial brasileira.

No entanto, várias críticas à política industrial brasileira mostram que, mais do que os fatores acima apontados, algumas falhas governamentais e o ambiente institucional no qual a indústria nacional opera tiveram impactos relevantes no que se refere à perda de participação deste setor na economia.

No Brasil, o protecionismo manteve-se ativo por um longo período de tempo e não se transmitiu às empresas nenhuma sinalização de redução da proteção. Conforme previsto pela teoria econômica, setores excessivamente protegidos e sem estímulos à competição tendem a se desenvolver utilizando tecnologias defasadas. Consequentemente, o País não conseguiu alcançar a produtividade necessária para competir internacionalmente.

Jones, um renomado teórico do crescimento econômico, aponta que o aumento da abertura da economia eleva o influxo de tecnologia no país, por meio da incorporação de bens de capital na economia, o que levaria a um aumento da renda e a uma maior proximidade da fronteira tecnológica, refletida na taxa de crescimento. A evidência empírica corrobora este argumento: um estudo realizado em 2008 pelo BID e o FUNDES, com mais de 400 pequenas, micro e médias empresas (PMMES) de países latino-americanos, aponta que as empresas exitosas são, em geral, as que aproveitam a experiência obtida ao operar em mercados estrangeiros, mais exigentes, para orientar e aumentar sua capacidade de inovação. A proteção excessiva e por tempo indeterminado, além de dificultar o processo de absorção de tecnologia, reduz os incentivos para investimento em P&D.

A Política de Desenvolvimento Produtivo (PDP) e a Política Industrial Tecnológica de Comércio Exterior (PITCE) foram muito importantes por indicarem o reconhecimento de que a estabilidade macroeconômica não é condição suficiente para a retomada do processo de desenvolvimento industrial e econômico como um todo, havendo a necessidade de outras medidas, particularmente as Políticas Industriais.

Ainda, a mudança de concepção sobre política econômica representada pela criação da PITCE não foi suficiente para retomar o processo de crescimento industrial sustentado no Brasil. O Plano Brasil Maior (PBM) é um avanço importante, dando continuidade às medidas da PDP. Apesar de vários pontos favoráveis, as políticas ainda carecem de maior agressividade, tendo em conta os enormes desafios impostos pelo ambiente de negócios.

As medidas de desoneração tributária implementadas nas três últimas políticas industriais, apesar de importantes para incentivar o investimento, representam redução pouco expressiva no custo total enfrentado pela indústria. Uma importante medida para redução do custo do investimento seria uma maior desoneração da folha de pagamentos do setor de bens de capital, cujos encargos representam 2,6% do faturamento, o que significa que sua desoneração poderia reduzir os custos das inversões no mesmo montante, estimulando o investimento e a produção local.

As medidas de financiamento do investimento, materializadas pelos programas do BNDES, são direcionadas especificamente para alguns setores e, portanto seu potencial dinamizador da economia é restrito. Mais ainda, há um elevado número de programas que, no entanto, apresentam objetivos semelhantes. Essa descentralização dificulta a adesão das empresas, que encontram empecilhos para identificar qual programa encaixa-se melhor às suas necessidades.

Apesar dos avanços dos últimos anos, ainda há muito que ser feito para que a indústria se consolide de forma autônoma e possa competir internacionalmente. O ambiente institucional em que as empresas operam é determinante na sua atuação, sendo seu aprimoramento fundamental para a criação de incentivos para o investimento em inovação e a consolidação de uma indústria com grande capacidade tecnológica, capaz de competir internacionalmente.

Observa-se a necessidade de coerência da política macroeconômica com a política industrial como um ponto fundamental a ser perseguido pelo governo. A política industrial não é condição suficiente para garantir a convergência para o nível de renda dos países mais ricos, pois por melhores que sejam, seus resultados serão frustrados na presença da elevada carga tributária concentrada de forma desproporcional no setor, dos grandes custos associados à infraestrutura sucateada, da ausência de mão de obra qualificada e da rigidez do mercado de trabalho, fatores que têm grande peso no chamado Custo Brasil.

Neste sentido, são necessárias políticas horizontais (políticas que afetam o agregado da economia) como provisão satisfatória de infraestrutura, investimentos em capital humano e inovação e um ambiente macroeconômico adequado. Mais ainda, o desenvolvimento do setor depende do compromisso dos atores envolvidos, tais como empresas comprometidas com a inovação.

Segundo sondagem realizada pela CNI 3, sete em cada dez empresas alegaram dificuldades com a escassez de trabalhadores qualificados e 62% delas afirmaram que essa escassez impacta diretamente a área de P&D, o que prejudica a eficiência de todo o processo produtivo.

O problema de qualificação profissional agrava-se pelo alto nível de segmentação do sistema educacional brasileiro, com grandes brechas nos resultados de alunos de diferentes grupos sociais, favorecendo a inserção produtiva de jovens provenientes de famílias ricas, o que reforça a transmissão de desigualdades para as gerações futuras. Os problemas pendentes do século XX se agregam, como desafio para o século XXI, à redução da brecha digital e melhoria da qualidade da educação pública em função de novos requisitos formativos. No entanto, dados do MEC mostram que o país investe 6,7 vezes mais nos universitários do que nos estudantes da educação básica, perpetuando as desigualdades.

Existe uma clara evidência da desintegração entre a política educacional e industrial brasileira ao observarmos dados de patentes e inovação no Brasil. Há um descolamento crescente entre essas variáveis, ao contrário do esperado e do que se observa em outros países. Entre 1985 a 2009, enquanto as publicações apresentaram crescimento médio de 9,5%, as patentes cresceram a um nível bastante inferior de 3,3% 4. O que reflete um isolamento das universidades em relação às necessidades industriais, dificultando ainda mais o alcance dos objetivos dos planos.

No que tange à infraestrutura, os serviços desta área podem ser definidos como um conjunto de ativos-base, essenciais para o desenvolvimento da atividade econômica, tais como: transportes, comunicações, energia e saneamento. Calderón e Sérven comparam o crescimento econômico latino americano com o do leste asiático entre 1980 e 1997, concluem que cerca 37,56% da diferença de crescimento entre o Brasil e os tigres asiáticos pode ser explicada pelo déficit em infraestrutura.

É evidente a insuficiência do investimento nele realizado para sustentar o crescimento econômico brasileiro de longo prazo, o percentual investido tem sido modesto mesmo para repor o capital fixo. Esta situação tem gerado uma brecha crescente de infraestrutura, resultado da evolução díspar entre o estoque disponível (oferta) em relação ao nível necessário de infraestrutura demandado pelas atividades produtivas.

O processo de privatização não foi capaz de expandir significativamente o nível de investimentos. Contudo, com um mercado em expansão, o espaço pra atuação pode ser rapidamente ampliado com a melhoria da qualidade das agências reguladoras, definição de uma estratégia clara de maior envolvimento do setor privado nos setores mais críticos e pela continuidade do processo de transferência de ativos e funções ao setor privado. Nos casos em que a concessão é incapaz de atrair o investimento, as parcerias público privadas parecem ser alternativas interessantes para garantir maior eficiência e minimizar os gastos do Estado.

A importância da indústria para o crescimento é reconhecida na literatura, embora o nível de importância e a relação de causalidade variem dentro das principais correntes. Isso se deve à capacidade do setor de dinamizar o sistema produtivo, à sua relação com a inovação e difusão tecnológica e ao seu papel preponderante em um contexto de restrição de divisas.

A análise das recentes políticas industriais brasileiras, feita a partir da construção de uma pequena síntese histórica das políticas industriais já implementadas no Brasil, permite uma avaliação crítica das medidas atuais e das consequências maléficas deixadas pelo elevado nível de protecionismo e por medidas imediatistas sem foco no longo prazo. O Plano Brasil Maior, ainda que este ainda esteja em andamento, carece de maior agressividade, levando em conta os desafios impostos pelo ambiente de negócios. As medidas de incentivo ao investimento, por exemplo, apesar de importantes, representam pouca redução do seu custo total e, assim, têm pouco impacto na prática.

Assim, há a necessidade de conciliar as políticas macroeconômicas, industriais, aquelas voltadas à inovação, à educação e à construção das condições básicas de operação das indústrias; devido à insuficiência da política industrial para garantir um crescimento sustentado de longo prazo. Ressalta-se a importância do ambiente institucional em que as empresas operam como determinante de sua atuação, sendo seu aprimoramento fundamental para a criação de incentivos para o investimento e a consolidação de uma indústria capaz de competir internacionalmente. Neste sentido, aponta-se o Custo Brasil (e suas várias dimensões constituintes) como ponto fundamental a ser solucionado pelo governo que busca tornar a indústria competitiva internacionalmente.

Finalmente, mais do que uma política industrial consistente, bem formulada e que implemente incentivos suficientes à consolidação do setor, são necessárias políticas horizontais como provisão satisfatória de infraestrutura, investimentos em capital humano e inovação e um ambiente macroeconômico adequado.

__________

1 IBGE. (2013). Banco Sidra. Retirado em 25 de Junho de 2013 de: http://www.sidra.ibge.gov.br/bda/acervo/acervo2.asp?e=c&p=PZ&v=28&z=t&o=22
2 IPEA. Conjuntura em foco, nº 18, março de 2012.
3 CONFEDERAÇÃO NACIONAL DA INDÚSTRIA. Sondagem industrial. 2011.
4 BANCO MUNDIAL. Dados sobre patentes e inovação no Brasil. Disponível em: http://data.worldbank.org/. Acessado em 19/06/2013.

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O crescimento de longo prazo da economia brasileira tem sido satisfatório? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1837&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-crescimento-de-longo-prazo-da-economia-brasileira-tem-sido-satisfatorio https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1837#comments Mon, 13 May 2013 14:42:22 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1837 A economia brasileira teve um mau desempenho em termos de crescimento econômico nos últimos 25 anos. O Gráfico 1 mostra a taxa anual de crescimento da renda per capita, cuja média foi de apenas 1,4% ao ano. O Gráfico também mostra quão volátil tem sido o crescimento: em 10 dos 26 anos ali mostrados o crescimento foi negativo ou nulo.

Para anos mais recentes o gráfico mostra uma taxa média de crescimento um pouco mais alta: 2,8% ao ano para o período 2004-2012. Essa pode ser considerada uma época de ouro para o comércio internacional brasileiro (2004-2008), pois os preços das commodities exportadas pelo país subiram bastante, o que abriu maior possibilidade de crescimento para o país, financiado por ganhos nos termos de troca internacionais. Em 2009 a crise econômica mundial teve impacto sobre o ritmo da economia nacional. Mas como o governo afrouxou as políticas monetária e fiscal, e o mercado internacional de commodities se recuperou rapidamente, houve forte recuperação em 2010. Porém, em 2011 e 2012, apesar da continuidade dos estímulos governamentais, houve um retorno para o padrão de baixo crescimento, apesar de o país ainda  poder contar com um cenário externo bastante favorável em termos de preços de commodities e disponibilidade de crédito.

Quão ruim é o desempenho brasileiro quando comparado com outros países? O Gráfico 2 apresenta a taxa média de crescimento da renda per capita brasileira no período 1985-2010, comparando-a com outros 27 países. Por abarcar um período de 26 anos, pode-se considerar essa taxa como sendo o crescimento de longo-prazo das economias consideradas.

O conjunto de países escolhidos para essa comparação é bastante representativo, pois inclui: vizinhos latino-americanos; alguns países asiáticos que são conhecidos casos de sucesso em termos de crescimento econômico; um país asiático que não tem sido tão bem sucedido

quanto seus vizinhos (Filipinas); membros do grupo conhecido como BRICs1; um país desenvolvido que, assim como o Brasil, é altamente dependente da exportação de commodities (Austrália); economias emergentes da Europa que foram afetadas pela crise iniciada em 2008 (Portugal, Espanha e Irlanda) e outros países de renda média relevantes (Turquia, Polônia e Egito).

É fácil verificar que o desempenho do Brasil não é satisfatório. Sua taxa de crescimento é bem inferior à média do grupo (representada pela linha horizontal). Se, por exemplo, o Brasil tivesse crescido no mesmo ritmo da Costa Rica (1,9% ao ano), durante os 26 anos considerados no gráfico, o PIB nacional seria hoje 17% maior.

Ainda que consideremos apenas o melhor período de crescimento do Brasil (2004-2010), o país não fica em uma posição de destaque. Esse exercício é feito no Gráfico 3.  Para o período 2004-2010, Espanha, Portugal e Irlanda, fortemente afetados pela crise do Euro, puxam para baixo o crescimento médio do grupo de países. Mas isso não é suficiente para que o Brasil fique acima da média. É importante frisar esse ponto: tomamos o período mais favorável para a economia brasileira, que é um período em que alguns países estavam sob forte crise; apesar dessa comparação enviesada, a taxa de crescimento do Brasil ainda continua abaixo da média.

Para criar um viés ainda mais forte a favor do Brasil, podemos tirar a China e a Índia do grupo de comparação, pois esses são os dois países de maior crescimento, e que puxam a média do grupo para cima. Mesmo nesse caso a média do grupo (3.0%) ainda é um pouco superior à média brasileira (2.9%).

Fica claro, portanto, que a taxa de crescimento de longo prazo da economia brasileira, desde meados dos anos 80, tem sido decepcionante. Não se pode responsabilizar a crise econômica internacional, iniciada em 2008, por esse desempenho medíocre. Como visto acima, desde muito antes da crise, o crescimento já deixava a desejar. As causas do baixo crescimento não são externas, mas sim inerentes à nossa própria economia. Entre elas podem-se citar: carga tributária excessiva, baixa poupança do setor público, infraestrutura precária, baixo nível educacional da população, alta proteção à indústria nacional, fragilidade de instituições capazes de garantir o cumprimento dos contratos comerciais e proteger a justa concorrência (judiciário, agências reguladoras) e legislação trabalhista ultrapassada.

__________________

1 A sigla BRIC refere-se a Brasil, Rússia, Índia e China. Mais recentemente a África do Sul tem sido incluída no grupo. O termo foi criado por Jim O’Neil, um executivo do grupo Goldman Sachs, para denominar um grupo de países considerado emergente nos cenários político e econômico.

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Gerar empregos é sempre uma boa ideia? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1628&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=gerar-empregos-e-sempre-uma-boa-ideia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1628#comments Mon, 26 Nov 2012 11:19:00 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1628 É comum vermos placas de obras públicas com mensagens do tipo: “esta obra gera 1.000 empregos diretos!”, ou vermos políticos em campanha dizendo que sua meta é gerar tantos milhões de vagas no mercado de trabalho. Na campanha eleitoral para a Presidência da República, no Brasil, em 2003, por exemplo, o mote principal da campanha do Presidente Lula  foi a criação de 10 milhões de empregos. O opositor, José Serra, não ficava atrás em propostas e números de empregos a serem criados.

Na recente campanha presidencial dos EUA, o fenômeno se repete, o Presidente-candidato Barack Obama afirmou que “o propósito do American Job Act é simples: colocar mais pessoas de volta ao trabalho e mais dinheiro no bolso de quem está trabalhando. Ele vai criar mais empregos na construção, mais empregos para professores, mais empregos para veteranos, e mais empregos para quem está desempregado há muito tempo”[1].  O candidato de oposição, Mitt Romney, não tinha discurso muito diferente: “não é complicado ou profundo saber o que o nosso país precisa (…). O que a América precisa é de emprego. Muitos empregos!”[2]

O desejo de criar empregos é forte o suficiente para que governantes defendam, por exemplo, a expansão da indústria de armamentos, com base na ideia de que ela cria empregos, como fez recentemente o Primeiro Ministro Inglês, David Cameron[3].

No Brasil, Governadores de Estado se digladiam para atrair empresas para seus territórios, por meio da guerra fiscal, para que seu eleitorado tenha mais empregos. Outros são mais pragmáticos e aumentam o emprego simplesmente contratando mais funcionários públicos que o necessário.

Mas afinal, o que será mais importante: gerar empregos ou gerar produtos e serviços que sejam úteis para a sociedade? Nem sempre as duas coisas andam juntas. Muitos avanços tecnológicos, capazes de gerar mais e melhores produtos e aumentar a prosperidade da sociedade, simplesmente resultam em cortes em vagas de trabalho. Pelo menos no curto prazo. Quando a revolução industrial introduziu teares mecânicos e máquinas a vapor, milhares de artesãos ficaram sem emprego. Quando a informática permitiu a criação de caixas eletrônicos nos bancos, reduziu-se o mercado de trabalho para bancários. A mecanização da agricultura ceifou inúmeras vagas de trabalho de colheita manual. A luz elétrica acabou com o romântico emprego de acendedor de lampiões!

Se a geração de emprego fosse sempre boa, em qualquer circunstância, então seria preciso barrar esses avanços tecnológicos, em diversos momentos da história, para preservar o emprego de artesão, bancários, trabalhadores do campo e tantas outras profissões que perderam espaço em decorrência de inovações. Mas nesse caso, você estaria até hoje entrando em fila de banco para sacar dinheiro, em vez de economizar seu tempo fazendo um rápido saque em um terminal eletrônico. Ou estaria pagando uma fortuna por um quilo de arroz ou feijão, porque a oferta de produtos agrícolas seria muito menor do que a que temos hoje.

É compreensível que os trabalhadores que estão ameaçados pela perda de renda ou de emprego reajam e tentem manter o status quo.  Todos nós tememos mudança que nos tragam prejuízos no curto prazo e incertezas. Isso explica porque os artesãos se mobilizaram para destruir máquinas durante a revolução industrial, porque bancários fizeram greves e resistiram à informatização dos serviços bancários, ou porque empregados de empresas estatais costumam resistir à privatização.

Também é compreensível que os políticos queiram atender à demanda de curto prazo de seus eleitores prometendo empregos. Em artigo publicado no Valor Econômico de 9 de agosto de 2007, Cláudio Haddad deu um exemplo bem humorado, contando a história de um economista que foi visitar a construção de uma represa na China e percebeu que, em vez de retroescavadeiras os operários estavam usando pás. Ao questionar o mestre de obras sobre esse fato, teve como resposta que o uso de equipamentos desempregaria muitos operários. Ao que o economista respondeu: “”Pensei que vocês estivessem construindo uma represa. Se estiverem querendo criar emprego, por que não lhes dar colheres?””. Certamente seria necessária uma parcela significativa da população chinesa para cavar um reservatório de hidrelétrica com colheres, e com isso qualquer político teria cumprido a sua promessa de gerar tantos milhões de empregos.

O fato é que os empregos que são perdidos quando ocorrem inovações tecnológicas, em um processo conhecido como “destruição criativa”, termo cunhado pelo economista Joseph Schumpeter, acabam por ser compensados pelo fato de que as inovações abrem novos mercados, que antes não existiam.

Por exemplo, as vagas de emprego de bancário, que foram fechadas pela informatização dos serviços financeiros, foram compensadas por outras vagas de programadores, designers, engenheiros de computação, etc., que passaram a ser necessários para a provisão de tal serviço. E note que a maioria dessas especialidades exige maior escolaridade e formação técnica que a exigida para o emprego de bancário, pagando salários mais elevados.

Muitos se lembram da resistência dos empregados de empresas estatais durante o processo de privatização, nos anos 90. Temerosos de perder seus empregos, ou de perder a estabilidade de que gozavam, fizeram ampla campanha política contra a privatização. Tivessem sido bem sucedidos, ainda estaríamos pagando US$ 5.000,00 por uma linha de telefone fixo, ou usando orelhões com fichas. Os empregos que foram perdidos, ou os salários que foram reduzidos, provavelmente foram mais do que compensados pelo gigantesco mercado de telefonia celular que se desenvolveu após a privatização (desde quiosques que vendem capas e baterias nos shopping centers, até a engenharia de sistemas e produção física de aparelhos celulares). Isso sem falar nos ganhos produtividade proporcionados a todos os setores da economia, que passaram a contar com diversificados meios de comunicação instantânea.

Mas não são apenas empregados e sindicatos que reagem à possibilidade de perder empregos. Empresas cuja lucratividade esteja sob ameaça de produtos importados costumam correr para o governo, pedindo proteção (em geral aumento de tarifas de importação), argumentando que a concorrência estrangeira irá ceifar empregos gerados pelas empresas nacionais. E o governo (seja ele qual for), que na campanha eleitoral prometeu gerar tantos mil empregos, corre para atender a demanda da indústria nacional. A consequência é que a intervenção governamental impede que os consumidores e empresas tenham acesso a produtos de maior qualidade e/ou menor preço. Essa interferência também permite que recursos econômicos (capital, trabalho, espaço físico, consumo de recursos naturais) sejam alocados para uma produção que gera produtos piores a preços maiores.

Nesse ponto do texto já dá para perceber que a resposta à pergunta do título (gerar emprego é sempre uma boa ideia?) é negativa. O que é relevante é gerar produtos e serviços que sejam úteis para a sociedade, ainda que isso se faça por meio de destruição criativa. Proteger empregos e empresas que já não são a melhor opção produtiva para o país significa barrar a entrada do novo, do mais produtivo. Se há interesse em proteger aqueles que foram negativamente afetados pelas mudanças, é mais barato, do ponto de vista social, utilizar políticas compensatórias (como seguro-desemprego ou bolsa-família) do que manter artificialmente o emprego.

Alguns economistas argumentam que a alocação ineficiente dos recursos de uma sociedade pode ser responsável por grande parte da diferença de produtividade entre as economias mais atrasadas e as mais desenvolvidas.

Pete Klenow, da Universidade de Stanford, por exemplo, apresenta evidências da existência de cinco tipos de problemas que podem ser fontes de má alocação de recursos em uma sociedade, gerando perda de produtividade e, consequentemente, menor capacidade de geração de produtos e serviços (sobre a definição de produtividade ver, neste site, o texto “O que é produtividade e como conseguir seu incremento?”, que é complementar ao presente texto)[4].

O primeiro desses fatores refere-se à dificuldade que as economias enfrentam para se adaptar às inovações que ocorrem cotidianamente. Como evidência desse fenômeno, ele mostra que a rotatividade no mercado de trabalho norte-americano (economia de alto nível de produtividade) é muito superior à dos países que impõem regulação distorciva ao mercado de trabalho (multas para empresas que demitem, estabilidade no emprego garantida em lei, etc.). Como o mercado de trabalho dos EUA é considerado um dos mais desregulamentados do mundo, esta é uma evidência de que o intuito governamental (em vários países) de garantir empregos de quem já está empregado pode estar sendo atingido às custas de menor criação de emprego para quem está desempregado.

Em segundo lugar está a presença de empresas estatais na economia. Tais empresas são, em geral, menos produtivas que as suas contrapartes privadas e, portanto, representam uso menos produtivo dos recursos escassos da sociedade. Klenow mostra evidências de que as privatizações na China são responsáveis por parte relevante da aceleração do crescimento daquele país.

Em terceiro lugar vem a soma de informalidade com tamanho médio de empresas. Nos Estados Unidos, assim como nas demais economias desenvolvidas, predominam as grandes e médias empresas, que aplicam métodos de trabalho de alta produtividade. Nos países menos desenvolvidos abundam as pequenas empresas, em geral informais.

Por que a informalidade predomina? Primeiro porque ser pequeno permite ao empresário escapar da tributação. Assim, mesmo sendo menos produtivo que uma empresa grande, a empresa pequena se mantém competitiva pois a grande empresa é mais visível para o fisco e tem  que pagar seus impostos. No Brasil, aliás, ser pequeno (ainda que formal) vale a pena, pois a empresa se beneficia da tributação pelo sistema SIMPLES. Quando começam a ficar lucrativas e têm a oportunidade de crescer, as empresas se dividem em duas (com todos os custos e complicações burocráticas que isso implica) para não perder o benefício tributário. Em vez de aproveitar os ganhos de escala do crescimento, para produzir mais e melhor, a empresa se escora nos benefícios fiscais para manter seu lucro.

Ser pequeno e improdutivo também compensa porque o empregador pode fugir às leis trabalhistas com menor probabilidade de ser apanhado pela fiscalização governamental. A informalidade é ainda recompensada por evitar todos os custos e burocracias envolvidos na criação de uma empresa 100% de acordo com a legislação. A consequência é uma só: a empresa pequena e informal consegue sobreviver no mercado, sendo menos eficiente que a grande e média empresa formal porque não incorre em diversos custos pagos por estas. E, com isso, a destruição criativa de empresas menos produtivas não ocorre. Coexistem no mercado empresas de alta e de baixa produtividade.

O quarto fator são as já comentadas barreiras tarifárias ao comércio, que protegem empresas e setores econômicos menos eficientes. E, finalmente, o quinto fator é a alocação de talentos. Se supusermos que inteligência e capacidade são distribuídos de acordo com uma distribuição normal entre os membros da sociedade, então se alguns grupos sociais são impedidos de assumir funções profissionais que requerem habilidade e inteligência, parte da capacidade intelectual desta sociedade estará sendo desperdiçada. Isso ocorre, por exemplo, em regimes racistas que impedem que negros tenham acesso à escolaridade e a profissões de alto nível técnico. Os talentosos que nasceram negros não poderão dar sua contribuição à sociedade, o mesmo acontecendo com mulheres ou indivíduos de castas inferiores, em sociedades que bloqueiam a ascensão de tais grupos.

Outra forma de má alocação de talentos se dá por meio do subdesenvolvimento do mercado financeiro e de capitais. Quando não se desenvolvem mecanismos capazes de oferecer às empresas a oportunidade de abrir seu capital e profissionalizar a gestão, a tendência é que as empresas sejam geridas por dinastias familiares, o que já se comprovou ser menos eficiente.

Em suma, em vez de se preocupar em gerar empregos no curto prazo, os governos deveriam se preocupar em incentivar as empresas e a mão-de-obra a serem mais produtivas. Isso significa evitar legislação que bloqueie a concorrência e evite a destruição criativa, a facilitar a realocação de capital e mão de obra entre os setores decadentes e os ascendentes, estimular o desenvolvimento do mercado financeiro e de capitais, democratizar o acesso ao ensino, controlar o tamanho do setor público e garantir serviços públicos que garantam a produção a baixo custo (estradas sem buracos, escolas que efetivamente ensinem, hospitais que atendam e curem os doentes, etc.). Além disso, é importante dar algum suporte a empregados e empresas que estejam em setores decadentes ou não competitivos. Políticas como garantia de emprego por um prazo determinado em empresas privatizadas, ou redução gradual e programada de barreiras comerciais são mecanismos que aliviam a tensão social e reduzem os custos de curto prazo da destruição criativa.

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[2]Tradução livre. Discurso obtido em http://www.guardian.co.uk/world/2011/sep/09/barack-obama-usa

[3]Tradução livre. Discurso obtido em http://www.foxnews.com/politics/2012/08/30/after-convention-warm-up-romney-to-make-his-case-in-nomination-speech/

[4] http://www.caat.org.uk/press/press-release.php?url=20121112prs

Ver apresentação e slides da argumentação de Klenow em http://www-2.iies.su.se/Nobel2012/page_nobel_slides_java.html#Klenow

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Produtividade para todos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1404&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=produtividade-para-todos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1404#comments Mon, 20 Aug 2012 12:20:45 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1404 O Governo Federal tem buscado proteger a indústria nacional. São isenções tributárias seletivas, barreiras à concorrência de importados, permissão legal para se pagar mais por produtos nacionais em licitações públicas, exigências de alto coeficiente de insumos nacionais em grandes empreendimentos, como o pré-sal e  a telefonia móvel 4G, além de crédito subsidiado do BNDES.

Ao adotar essas políticas o Governo está dizendo que vale a pena pagar mais caro por produtos nacionais de pior qualidade para preservar a indústria nacional. Os maiores beneficiários dessa política são parcelas específicas da população: empregados, proprietários e acionistas das empresas protegidas, sob a forma de salários e lucros mais altos. Temos, assim, claramente, benefícios privados e custos socializados.

Quando analisamos a política do Governo Federal em relação às concessões de infraestrutura o discurso governamental muda completamente. O argumento passa a ser o de que é preciso oferecer estradas, portos, aeroportos e ferrovias ao menor custo possível para toda a população. Nesses casos, não se está disposto a aceitar que a sociedade “pague mais caro”, para ter expansão rápida e de qualidade na infraestrutura.

Vimos isso no caso das concessões rodoviárias de 2007, em que as regras de leilão geraram pedágios baratíssimos. O fenômeno se repetiu no leilão dos aeroportos ao final de 2011 quando, em nome de estimular o máximo possível de concorrência, o Governo fixou normas muito brandas de qualificação técnica, o que resultou em forte concorrência e altos ágios pagos pelos vencedores.

A princípio, esses seriam resultados fantásticos. Os usuários seriam contemplados com pedágios rodoviários baratos e com maiores investimentos do governo nos aeroportos que continuam sob controle estatal, cujo financiamento se daria com o dinheiro dos ágios dos leilões dos aeroportos mais rentáveis.

Na prática, contudo, nas estradas de pedágio barato os investimentos realizados, após cinco anos de concessão, estão muito aquém do que fora inicialmente previsto, resultando em estradas ruins e acidentes em alta. As tarifas, que deveriam subir de acordo com a variação do IPCA, sofreram reajustes bem acima da inflação.

Nos leilões de aeroportos, os vencedores foram operadores aeroportuários sem experiência na gestão de grandes aeroportos e empresas com histórico não muito recomendável em outras concessões similares. Isso permite antever problemas futuros.

O que teria dado errado?

A questão é que a regulação de serviços públicos concedidos enfrenta um conhecido dilema entre: 1) estimular o empenho do concessionário, permitindo-lhe internalizar parte dos ganhos decorrentes de seus esforços, ou 2) oferecer serviços a baixos custos aos usuários finais, por meio de tarifas baratas ou extração de renda dos concessionários via ágio.

A opção pela primeira hipótese é fácil de justificar. Se os potenciais concessionários se deparam com regras que remuneram adequadamente tanto a qualidade do serviço prestado, como a ampliação da infraestrutura e os esforços de redução de custos, eles terão incentivos para serem mais produtivos e cumprirem as metas de investimento e qualidade. Se as regras da concessão não premiarem o esforço, o Governo, que não tem como medir o grau de empenho empreendido pelos concessionários, pouco pode fazer, e os concessionários tendem a se tornar mais relaxados.

Ao optar por pedágios baratos (nas rodovias) e por altos ágios (nos aeroportos), o governo sinalizou que não estava disposto a remunerar adequadamente os investimentos na ampliação dos serviços, ou a busca de qualidade e produtividade pelo concessionário.

Esse tipo de sinalização costuma atrair consórcios que já entram no leilão pensando em renegociar os termos do contrato após vencê-lo. Oferecem lances muito competitivos, ganham o certame e, depois, começam a atrasar os investimentos programados, a reduzir a qualidade do serviço e a pedir reajustes tarifários acima da inflação.

O Governo pode, a princípio, simplesmente cancelar o contrato e fazer outra licitação, buscando um melhor concessionário. Mas isso tem alto custo. Há um longo processo de preparação da nova licitação, demandas judiciais da empresa destituída por reparação de custos, e prejuízo eleitoral para o governante pela descontinuidade ou má qualidade do serviço prestado. Acaba sendo melhor para o governante – e não necessariamente para a população – renegociar os contratos e ceder às vantagens solicitadas pelo concessionário. O pedágio barato ou o ágio elevado acabam virando serviços de má qualidade, preços crescentes e insuficiente ampliação dos serviços.

Nossa infraestrutura é precária. Necessitamos urgentemente de gerar ganhos de produtividade, para acelerar o crescimento da economia, e o setor de infraestrutura é vital nesse esforço. Nossas agências reguladoras não são suficientemente independentes para impor a ferro e fogo o cumprimento dos contratos. Nosso judiciário não tem tradição de zelar pelo cumprimento de contratos.

Por isso, torna-se inevitável aceitar que os concessionários tenham uma margem de lucro maior. Forçar a mão em favor de tarifas mais baixas ou da geração de ágios para financiar outros investimentos públicos tende a afastar os concorrentes que se recusam a trabalhar com a hipótese de colocar a “faca no pescoço” do Governo após o leilão, exigindo renegociações. Aqueles que aparentemente aceitam as regras do jogo o fazem por acreditar que terão cacife político para renegociar o contrato a posteriori e mudar as regras a seu favor.

Ao contrário da política de proteção da indústria nacional, em que os custos são socializados e os benefícios apropriados por poucos, no caso da concessão de infraestrutura vale a pena pagar mais caro. Ou melhor: é imperioso pagar mais caro,  porque uma boa infraestrutura beneficiará a todos, mediante fortes externalidades, que aumentarão a produtividade de toda a economia, expandindo a renda e o crescimento. Entre os beneficiários da boa infraestrutura se inclui a própria indústria nacional, que ganhará competitividade de forma sustentável e não apenas artificial.

Texto publicado originalmente no jornal Valor Econômico em 21 de maio de 2012.

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Como o setor privado pode ajudar a melhorar os serviços públicos de infraestrutura? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1191&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=como-o-setor-privado-pode-ajudar-a-melhorar-os-servicos-publicos-de-infraestrutura https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1191#comments Thu, 26 Apr 2012 13:54:12 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1191 Há alguns fatos estilizados que caracterizam o setor público brasileiro: (a) os gastos correntes são elevados e não restam recursos para investimento em infraestrutura; (b) o governo tem baixa competência para prospectar e elaborar projetos de qualidade na área de infraestrutura, assim como para gerir portos, aeroportos, estradas e outros serviços de infraestrutura; (c) a participação privada no setor de infraestrutura pode ajudar a elevar a produtividade desses serviços, dando impulso ao crescimento mais acelerado da economia brasileira.

Isto posto, cabe analisar as principais modalidades de participação do setor privado como provedor de serviços associados a atividades públicas. Em texto recente publicado neste site (O que são parcerias público privadas (PPP)?) analisei uma dessas modalidades: a PPP. O objetivo do presente texto é analisar o amplo leque de relações contratuais entre os setores público e privado. Ao fazê-lo, aponto, em primeiro lugar, os potenciais ganhos de produtividade no setor público e na economia decorrentes dessa participação privada. Em segundo lugar, procura-se mostrar até que ponto a legislação brasileira admite cada uma das modalidades apresentadas, e quais dependem de inovação na legislação. Em terceiro lugar, elencam-se os problemas práticos observados no funcionamento cotidiano dessas modalidades no Brasil, com vistas a sugerir aperfeiçoamentos, legais e de gestão, que potencializem os ganhos decorrentes da participação privada. Especial ênfase é dada aos modelos aplicáveis aos serviços de infraestrutura.

1 – GESTÃO, FORNECIMENTO E SERVIÇOS

Esta é a modalidade de contratação mais simples. Nela, o setor privado é contratado para administrar uma infraestrutura pública já existente (construída pelo setor público) ou um serviço assessório necessário à prestação de serviço público (em geral não associado à área fim do governo).

Na modalidade prestação de serviços podem-se citar, como exemplos, empresas que são contratadas pelo setor público para atividades como a limpeza e a segurança de um órgão público ou os serviços de manutenção de equipamentos.

No setor de infraestrutura essa modalidade de contratação pode ser utilizada nas áreas-meio de gestão operacional. Assim, por exemplo, um aeroporto gerido pelo setor público pode contratar empresas privadas para as tarefas de bilhetagem, pesagem de carga, transporte de bagagem, armazenagem, serviços de comunicação.

Os ganhos de produtividade potenciais estão no fato de o setor público poder concentrar suas energias na realização das atividades-fim da organização, deixando que as atividades-meio fiquem a cargo de uma empresa contratada, que se responsabiliza pelo planejamento e realização do serviço, bem como pela contratação e gestão de pessoal e a compra de equipamentos e insumos.

Esses contratos permitem reduzir custos para o setor público (não é necessário, por exemplo, contratar pessoal de segurança e limpeza por meio de contratos de trabalho de servidor público, com garantia de estabilidade no emprego e outras vantagens) e melhorar a qualidade do serviço, uma vez que as empresas especializadas têm vantagem comparativa nos serviços que prestam, realizando-os melhor que o setor público.

O relacionamento entre o setor público e o privado é bastante simples. O setor público mantém a propriedade do equipamento público e o setor privado tem relacionamento exclusivamente com o setor público. O parceiro privado não presta serviços nem cobra tarifas da população, sendo remunerado exclusivamente pelo setor público.

O setor privado não assume riscos comerciais, pois o contrato já estabelece previamente o montante, as características e o valor do serviço a ser prestado. Por isso, não há o risco de variações na demanda pelo serviço, ao contrário do que ocorre, por exemplo, em uma concessão de serviço público, em que a empresa privada obtém sua remuneração de tarifas cobradas dos usuários. Dependendo do contrato, o setor privado sequer assume o risco de variações do custo da mão-de-obra e de outros insumos, que são integralmente repassados para o setor público.

Não há necessidade de agência reguladora para fiscalizar a prestação do serviço. O setor público é um consumidor no mercado de bens e serviços como qualquer outro, com eventuais desacordos sendo resolvidos por meio judicial. Os contatos são, normalmente, de curto-prazo, de dois a cinco anos.

Trata-se de uma modalidade que não ajuda a expandir a infraestrutura existente, mas potencialmente aumenta a produtividade daquela que já existe e é gerida pelo setor público.

A legislação brasileira que abarca esse tipo de contrato é a Lei de Licitações (Lei 8.666, de 1993), que se aplica não apenas à administração direta, mas também às autarquias, fundações e empresas estatais[1].

Embora seja o modelo mais simples de participação do setor privado em serviços públicos, e usado de forma generalizada na administração pública brasileira, esses contratos enfrentam muitos problemas de ordem legal e gerencial. É preciso resolver esses problemas para que essas parcerias sejam mais eficientes e se expandam, gerando ganhos efetivos de produtividade na gestão da infraestrutura pública.

O primeiro problema diz respeito ao fato de que esses contratos, muitas vezes, incluem um grande contingente de mão-de-obra (principalmente nas áreas de limpeza, segurança e informática). A prática de empreguismo, que foi cerceada no serviço público por meio da exigência legal de concurso público, acabou sendo transferida para os contratos de terceirização de serviços. Gestores públicos acabam por contratar serviços em proporções maiores que as necessárias para poder gerar empregos no âmbito de sua clientela política. Com isso, reduz-se a eficiência na prestação dos serviços, que passam a ter custos inflados.

Em segundo lugar, a legislação trabalhista brasileira transfere para o contratante de serviços terceirizados (no caso, o setor público) a responsabilidade subsidiária pelo cumprimento de obrigações trabalhistas. Isso acaba constituindo estímulo para que as empresas privadas contratadas fiquem inadimplentes com suas obrigações, como forma de repassá-las ao setor público. Este, para se defender dessa possibilidade, acaba instituindo controles sobre a folha de pagamento das empresas prestadoras de serviços que implicam custos administrativos ao erário. Assim, perde-se parte da vantagem da terceirização, que é justamente a de aliviar o setor público de gerir atividades-meio.

Ainda no campo da legislação trabalhista, a obrigatoriedade constitucional de obediência às decisões de convenções coletivas de trabalho[2] acaba elevando os custos dos contratos de serviços do setor público que sejam intensivos em mão-de-obra. Isso porque, em obediência à regra de que os acordos coletivos e dissídios são soberanos, o setor público não contesta reajustes salariais obtidos pelos empregados das empresas prestadoras de serviço; repassando os reajustes para os valores dos contratos.

Ocorre que, como as empresas prestadoras em geral se especializam em fornecer para o setor público, elas não têm incentivos a se contrapor aos pedidos de aumentos salariais de seus empregados, pois tais aumentos são absorvidos nos custos dos contratos pelo setor público. Mais do que isso: a maioria dos contratos é desenhada de forma a remunerar as empresas com um percentual do valor do serviço. Assim, os aumentos salariais redundam, também, em aumentos nas remunerações das empresas (sobre esse ponto ver, neste site, o texto Por que o governo gasta tanto com terceirização?)

Esse não seria um grande problema se os órgãos públicos pudessem, ao final de cada contrato (em geral com duração de um a dois anos), fazer nova licitação dos serviços, contratando empresas que oferecessem preços mais baixos. Tal possibilidade de contestação dos preços em vigor exerceria uma pressão de contenção de reajustes. Porém a burocracia associada a licitações gera alto custo de transação[3], induzindo os gestores públicos a renovarem os contratos vigentes (em vez de fazer novas licitações), ainda que por preços mais altos que os disponíveis no mercado, para evitar o risco de o atraso na licitação provocar interrupção nos serviços, ou para evitar os custos administrativos de uma nova licitação.

A esses problemas devem-se juntar as possibilidades de corrupção dos agentes públicos em sua relação com as empresas prestadoras de serviços e a formação de cartéis de fornecedores com vistas a fraudar licitações.

Outro problema relevante é o fato de que a Lei de Licitações confere prioridade máxima ao menor preço como critério de decisão de licitações. Isso significa que serviços e produtos de baixa qualidade (e menor custo) levem vantagem na disputa. A impossibilidade de se monitorar qualidade durante a execução do serviço, ou de se exigir padrões mínimos de qualidade antes da licitação, por restrições da Lei de Licitações, impõe perdas à eficiência e produtividade do serviço final.

É necessário, portanto, aperfeiçoar os processos de licitação, tornando-os menos morosos, o que dará à administração pública poder para evitar a renovação de contratos onerosos, substituindo-os por outros mais baratos. Diversos procedimentos burocráticos poderiam ser abolidos, inclusive mediante o uso mais intensivo dos leilões eletrônicos. O governo poderia, para tanto, criar um grupo de especialistas em licitação, tanto do Poder Executivo, quanto do TCU, para propor reformulações da legislação que agilizem os processos licitatórios, o que já garantiria ganhos de eficiência e produtividade.

Por outro lado, todos esses senões à contratação de serviços diretamente pelas empresas estatais gestoras de infraestrutura indicam que o processo de concessão de serviços públicos e privatização, quando possíveis, são um caminho para elevar a eficiência e a produtividade. Se um aeroporto, uma estrada ou um porto deixam de ser diretamente administrados pelo setor público, não há mais a necessidade de obediência à Lei de Licitações para a contratação de serviços. A negociação privada na aquisição desses serviços tende a reduzir seus custos e a elevar sua qualidade.

2 – PROJETO E CONSTRUÇÃO

Nessa modalidade de relacionamento contratual, o setor privado projeta e constrói infraestrutura, entregando-a para o setor público em um estágio em que esteja pronta para operar. O setor privado recebe um valor fixo para fazer a obra, normalmente definido em licitação pública.

É o caso típico de licitações de obras públicas, como construção de rodovias, prédios públicos, entre outros. É um contrato igualmente simples, que não requer o monitoramento por agência reguladora, uma vez que o parceiro privado encerra a sua participação no negócio logo após entregar a obra.

O grau de risco assumido pela empresa privada já é maior, pois qualquer aumento de custo ou imprevisto ocorridos durante as fases de projeto e construção tendem a ficar por conta da contratada.

O ganho potencial de eficiência está no fato de que as empresas de engenharia têm maior capacidade que o governo para elaborar e executar projetos de construção civil. Todavia, o fato de a empresa desligar-se do negócio tão logo a obra seja entregue significa que o contratado privado não terá incentivos a fazer uma obra de qualidade, sendo estimulado a, sempre que possível, economizar nos custos para aumentar seu lucro, em prejuízo da qualidade final. Essa tendência é exacerbada pelo fato, já exposto acima, de que a Lei de Licitações dá prioridade ao menor preço como fator de decisão de licitações.

Na legislação brasileira, essa modalidade de contratação está regulamentada pela Lei de Licitações (art. 6º, inciso VIII, alínea e)[4].

Também aqui há problemas de corrupção de agentes público, de baixa capacidade da Justiça para impor o cumprimento de contratos e punir comportamentos ilegais.

Três problemas específicos dessa modalidade de contrato (e de todas as modalidades que envolvem algum tipo de obra) são os complexos processos de licenciamento ambiental;  a baixa qualidade dos projetos básicos de engenharia; e a baixa capacidade de planejamento do setor público.

Os conflitos e ineficiências existentes no licenciamento ambiental levam ao licenciamento “à força”, por pressão política, de projetos que são potencialmente danosos, sem os estudos e compensações adequados e, por outro lado, ao embargo de projetos de baixo impacto.

A baixa qualidade dos projetos básicos, em geral elaborados pelo setor público, acaba sendo usada como mecanismo para elevação do custo das obras a cifras muito superiores ao valor resultante das licitações. Quando as empresas realizam os projetos executivos, mais detalhados, os custos reais dos projetos se elevam, e os contratos passam a ser aditados para abrigar os novos custos. Obviamente as possibilidades de superfaturamento e corrupção são elevadas.

Uma proposta usualmente veiculada para resolver esse problema tem sido a exigência de elaboração do projeto executivo antes da licitação. A ideia seria, justamente, evitar os aditamentos contratuais decorrentes da especificação do projeto executivo.

Contudo, essa opção não é isenta de custos. É possível que, por falta de recursos orçamentários para financiar os projetos executivos, importantes obras, que teriam avaliação positiva de viabilidade, sequer sejam avaliadas e deixem de ser licitadas. Há o risco de que o setor público seja  mais lento e gaste maisque o setor privado para elaborar projetos executivos. Ou, ainda, que sejam contratados projetos executivos igualmente deficientes, que serão rejeitados pelas empresas vencedoras da licitação para construção.

Por outro lado, podemos a elaboração prévia do projeto executivo como um seguro: o custo a mais que o governo pode ter para fazer os projetos executivos mais do que seriam compensados ao se evitar investimentos de baixo retorno econômico e social.

Uma opção alternativa seria tomar medidas para melhorar a capacidade de elaboração de projetos básicos pelo próprio setor público. Outra possibilidade é a licitação conjunta da construção e operação do serviço por uma mesma empresa (em vez de se licitar apenas a obra), o que gerará estímulo para o desenvolvimento de projetos eficientes, como será analisado mais adiante.

Algumas modificações pontuais na Lei de Licitações teriam o potencial de tornar mais eficientes as licitações de obras e aquisições de equipamentos, sem com isso fragilizar os necessários requisitos de segurança. Trata-se de retirar estímulos negativos, hoje existentes no texto legal, quais sejam: incentivos à litigância, oportunidades de colusão entre participantes e a participação de licitantes de má fé. Seriam procedimentos como a inversão de fases (em que a verificação de qualificação é feita após a definição do vencedor), desclassificação de propostas que estejam muito abaixo do custo estimado pelo setor público (para evitar propostas aventureiras) e intensificação do uso do pregão eletrônico, estendendo-o para obras de engenharia (para reduzir as possibilidades de colusão e corrupção).

3 – GESTÃO E PRESTAÇÃO DE SERVIÇO FINAL

Essa modalidade é similar ao contrato de GESTÃO, FORNECIMENTO E SERVIÇOS, mas aqui a empresa privada presta o serviço diretamente aos consumidores (e não ao governo) e cobra do consumidor final uma tarifa para prestar o serviço.

A infraestrutura pertence ao governo, o parceiro privado não faz nenhuma construção ou reforma de vulto. Apenas opera os serviços. Os investimentos necessários durante a vigência do contrato são feitos pelo governo (que assume os riscos inerentes a esse investimento: custos, acidentes, etc.), enquanto o operador privado fica com os riscos operacionais (frustração de demanda, flutuações na economia, etc.).

Seria o caso, por exemplo, da concessão de aeroportos, portos e estradas em que o contrato não preveja a realização de grandes investimentos ou reformas. Outro exemplo seria a concessão de estacionamentos e lojas de aeroportos e rodoviárias públicos.

O prestador privado pode repassar o valor arrecadado ao governo e ser remunerado por um valor fixo, ou pode ficar com o valor arrecadado e pagar uma taxa fixa ou percentual ao governo.

Esse modelo tem a vantagem de constituir uma relação contratual mais simples que a da concessão, em que se prevê a realização de investimentos e reformas pelo parceiro privado, mas resulta em baixo investimento privado. Tem mais efeito sobre a eficiência operacional da infraestrutura existente do que sobre a ampliação da infraestrutura.

Essa modalidade, ao contrário das apresentadas acima, passa a exigir uma entidade pública reguladora, que fiscalizará se o serviço está sendo prestado na quantidade e qualidade contratadas e definirá critérios de reajuste das tarifas.

A legislação brasileira que abriga esse tipo de contrato é a Lei das Concessões (Lei nº 8.987, de 1995). Toda concessão deve ser feita mediante licitação, nos termos da Lei nº 8.666, de 1993, acima comentada. Contudo, para as concessões , as licitações são mais flexíveis do que as previstas na Lei nº 8.666, de 1993, em que o critério decisório é praticamente limitado ao menor preço. Já nas licitações associadas a contratos de concessão, há um conjunto maior de possibilidades, tais como: o menor valor da tarifa a ser cobrada do usuário, o maior valor da outorga pago ao poder público, a melhor proposta técnica ou a combinação dos três critérios. Admite-se, também, a exigência de qualificação técnica prévia dos participantes.

Por um lado, ganha-se com a flexibilidade nos critérios de contratação, que permitem ao poder público criar regras para afastar os aventureiros e garantir a contratação de um prestador competente. Por outro lado surge a necessidade de uma agência reguladora.

Tal agência precisa ter isenção técnica e estar afastada dos interesses político-partidários do governo, e os órgãos de controle devem ser eficazes. Do contrário haverá espaço para corrupção nos processos de definição de tarifas, de exigência e fiscalização do cumprimento de metas de qualidade, das definições dos critérios técnicos para participar do processo licitatório, etc.

O Brasil ainda tem muito a avançar em termos de autonomia funcional, financeira e decisória de suas agências reguladoras. Atualmente seus dirigentes são, muitas vezes, selecionados com base em indicações político-partidárias, com a qualificação técnica e isenção ficando em segundo plano. Esta é, sem dúvida, uma forte restrição para se obter serviços concedidos de qualidade.

4 – CONSTRUÇÃO (OU REFORMA) E OPERAÇÃO

Dando um passo adiante em termos de complexidade contratual, passamos ao caso em que o parceiro privado não apenas opera a infraestrutura, mas também a constrói ou promove reformas em uma infraestrutura recebida no contrato de concessão. A infraestrutura pode pertencer tanto ao governo como ao parceiro  privado, sendo a definição feita em contrato.

A empresa privada pode pagar ao governo para ter o direito de assumir a construção/reforma e operação, nos casos em que o empreendimento tem retorno financeiro elevado; ou pode receber para fazê-lo, nos casos em que o serviço não é por si só lucrativo, e necessita de um subsídio governamental para se tornar financeiramente viável. (sobre esse ponto ver, neste site, o texto O que são parcerias público-privadas (PPP)?)

Em geral essa modalidade é usada na construção/reforma de equipamentos e prestação de serviços finais aos consumidores, com cobrança de tarifas (portos, aeroportos, hidrelétricas, linhas de transmissão de energia). Também pode ser usado na construção de infraestrutura de prestação de serviços que serão operados pelo governo (hospitais, escolas, prisões) em que o parceiro privado constrói, dá manutenção e presta alguns serviços não ligados à área fim (fornecimento de alimentação, reformas, manutenção, limpeza).  Esta modalidade difere do modelo de GESTÃO,  FORNECIMENTO E SERVIÇOS porque aqui há, também, a construção.

Outro exemplo é a construção de uma infraestrutura (rodovias, ferrovias) pelo parceiro privado, que também opera o serviço e é pago diretamente pelo governo (em vez de ser remunerado pelas tarifas).

Pode abrigar, também, contratos que, em vez de construção de instalações físicas, exijam que o parceiro privado adquira bens de capital, como no caso das concessões ou permissões de linhas de transporte coletivo urbano, em que o concessionário tem que adquirir ônibus dentro de um padrão previamente estabelecido pelo poder concedente e prestar o serviço dentro de padrões de regularidade, eficiência, etc.

Esses contratos de CONSTRUÇÃO (REFORMA) E OPERAÇÃO têm prazo mais longo que o das modalidades anteriores. Apresentam a grande vantagem de gerar ganhos de eficiência, pois o empreendedor privado vai se esforçar para construir/reformar com qualidade, pois será ele mesmo o usuário dessa infraestrutura ao longo de muitos anos, e terá interesse em minimizar os custos de reparos e as perdas decorrentes de má qualidade da construção/reforma.

Além disso, há menor probabilidade de que o projeto venha a ser abandonado, como muitas vezes ocorre com obras públicas que são interrompidas por falta de recursos orçamentários. No caso da concessões, o parceiro privado só começa a ter receitas quando inicia a operação do serviço, ao contrário das obras públicas, em que o empreiteiro recebe ao longo da construção. Por isso, ao interromper um contrato de obras públicas, não haveria mais dívidas a saldar com a empreiteira, pois ela recebe o pagamento ao longo da construção. Já no caso das concessionárias, a interrupção de obras levaria a uma quebra de contrato, porque a concessionária só começaria a auferir receitas após a operação do serviço. Adicionalmente, é de interesse do concessionário cuidar da manutenção da obra, uma vez concluída.

Outra vantagem da modalidade CONSTRUÇÃO (OU REFORMA) E OPERAÇÃO é que atrai significativo aporte de investimento privado para a infraestrutura. Assim, contribui não só para melhorar a qualidade, mas também para ampliar a  quantidade de infraestrutura disponível.

A amplitude de riscos assumida pelo parceiro privado já é maior que nas categorias anteriores: risco de demanda, de custo de construção, de financiamento, além dos riscos inerentes a um contrato de longo prazo (oscilações macroeconômicas, mudanças de governo, risco político).

O maior aporte de capital do parceiro privado passa a exigir complexas operações de financiamento junto ao mercado (emissão de ações, contratação de empréstimos, etc.).

O parceiro privado tende a operar por meio de uma “sociedade de propósito específico” (SPE) que tem as vantagens de: (1) reunir empresas diferentes para prestação de um serviço específico objeto de concessão, cada uma atuando em sua área de especialidade e, com isso, contribuindo para uma gestão eficiente e especializada (por exemplo, na construção e operação de um aeroporto forma-se um consórcio entre uma empreiteira, especializada na parte da construção, e uma operadora de aeroportos, especializada na prestação dos serviços) e ; (2) isolar ativos, passivos e direitos daquela concessão, facilitando a transferência para outro parceiro em caso de descumprimento de contrato e evitando que outros compromissos/dívidas dos participantes da SPE interfiram na saúde financeira ou gestão da concessão. O governo pode ser um dos participantes da SPE, de forma a alocar capital e garantias ao projeto (joint venture).

Há o possível envolvimento financeiro do governo por meio de empréstimos ou garantias ao parceiro privado, o que representa risco para o governo e para as finanças públicas, exigindo um contrato mais complexo, envolvendo contragarantias, cancelamento da concessão e troca do parceiro privado em caso de descumprimento contratual. Tendo em vista a já comentada dificuldade das instituições brasileiras para garantir o cumprimento dos contratos, os riscos de parte a parte são elevados.

Os contratos exigem uma ação mais completa da agência reguladora, que vai fiscalizar tanto os padrões quanto os prazos de reajuste tarifário. E, como já afirmado anteriormente, esse é um ponto fraco das instituições brasileiras.

Há também que definir e dar cumprimento à regra que estabelece com quem ficarão os ativos ao final da concessão (se com o setor público ou com o parceiro privado). Nos casos de serviços públicos concedidos de telefonia, internet (Lei Geral de Comunicações, Lei 9472\97),  televisão e rádio (CF art. 223), a maior parte dos ativos construídos é de propriedade do parceiro privado. Já nas concessões de infraestrutura de transportes a tendência é que haja reversão dos investimentos ao setor público ao final do contrato.

No Brasil todas essas modalidades estão previstas em lei. Quando se trata de concessão e permissão de serviços nos quais o prestador privado será remunerado por meio de tarifa cobrada junto ao usuário, o marco legal é a Lei de Concessões (Lei nº 8.987, de 1995). Quando há a necessidade de pagamento ou subsídio público, a concessão é regida pela chamada “Lei das PPP” (Lei nº 11.079, de 2004). Sobre as dificuldades para implantação de PPP no Brasil veja, neste site, o texto O que são parcerias público-privadas (PPP)?

5 – PROJETO, CONSTRUÇÃO (REFORMA) E OPERAÇÃO

Em relação à modalidade tratada no item anterior, esta agrega a participação do parceiro privado na fase de projeto, aumentando os potenciais ganhos de eficiência, pois agora o parceiro privado não só vai se esmerar na construção, mas também na busca de um projeto de qualidade, de forma a facilitar suas operações quando a infraestrutura estiver pronta. Nessa modalidade tira-se proveito da maior capacidade do setor privado para prospectar oportunidades de lucro em projetos financeira e/ou economicamente viáveis.

Há restrições na legislação brasileira para se conceder, conjuntamente, todo o pacote, desde o projeto até a operação. De acordo com o art. 7º, § 2º, inciso I  da Lei de Licitações só se pode licitar um projeto que disponha de “projeto básico” aprovado por autoridade competente. A ideia por trás dessa restrição é evitar a licitação de projetos sem adequada caracterização, o que daria ao parceiro privado excessiva liberdade para decidir o que e como construir. De acordo com os críticos de se licitar desde o projeto à operação, estar-se-ia licitando uma obra (e o respectivo serviço de operação da infraestrutura) no escuro[5].

A Lei nº 12.462, de 2011 (Lei do regime diferenciado de contratações), abriu exceção a essa regra, mas apenas para a construção da infraestrutura relacionada à realização da Copa do Mundo. É importante que essa regra seja generalizada para um conjunto maior de projetos de infraestrutura, depois que as obras da Copa sejam utilizadas como projeto piloto.

Se o governo investir na melhoria de sua capacidade de elaborar projetos, conforme já comentado acima, e puder contar nessa tarefa com a participação de sugestões do setor privado (antes da licitação do projeto), será possível fazer licitações a partir de anteprojetos de engenharia que sejam melhores do que os atuais (falhos) projetos básicos.

O fato de que quem planeja e constrói também ser o operador da infraestrutura já é, em si, um incentivo para que as obras de engenharia sejam feitas com economicidade e agilidade, pois disso depende a lucratividade e os baixos custos de manutenção do parceiro privado durante toda a vida da concessão. Obviamente, os resultados desse tipo de contratação, assim como das concessões comuns e PPPs depende dos detalhes de desenho dos contratos, em especial da alocação de riscos e obrigações entre os parceiros privado e público. E, com ainda mais motivos que nas modalidades anteriores, é essencial uma autoridade reguladora autônoma e técnica.

6 – CONCLUSÕES

A legislação brasileira já abriga a maior parte das modalidades de cooperação privada na provisão de infraestrutura pública, exceção feita à às licitações integradas desde o projeto básico até a execução do serviço. Mas mesmo essa possibilidade já vem sendo introduzida de forma exploratória para os investimentos relacionados à Copa do Mundo de 2014.

Não obstante haver possibilidades legais para a cooperação público-privada, diversos problemas políticos e operacionais travam a participação privada ou reduzem a sua eficiência:

  • a baixa independência política, técnica e financeira das agências reguladoras e dos órgãos de defesa da concorrência para coibir eventuais comportamentos ilegais dos parceiros privados durante a vigência dos contratos;
  • os percalços que a legislação trabalhista impõe à terceirização de serviços;
  • a dificuldade institucional do judiciário para impor o fiel cumprimento dos contratos;
  • a baixa accountability do setor público abre espaço para disfunções como: o uso da terceirização como mecanismo político de geração de emprego para clientelas políticas, formação de cartel de fornecedores ao setor público, corrupção de agentes públicos;
  • os altos custos de transação envolvidos no processo licitatório dificultam o uso de novas licitações para contestar os preços de contratos vigentes;
  • a falta de capacitação técnica e as amarras excessivas à contratação de PPPs;
  • prioridade excessiva conferida pela Lei de Licitações ao menor preço dificulta que o setor público imponha critérios de qualificação prévias que retirem da disputa concorrentes oportunistas;
  • baixa capacidade do setor público para prospectar e elaborar projetos representa perda de oportunidade de novos empreendimentos por falta de formatação adequada da relação entre os setores público e privado;
  • descoordenação e baixa capacidade técnica na elaboração de licenças ambientais travam investimentos de baixo impacto e/ou acabam na liberação “à força” de empreendimentos cujo impacto ambiental não é adequadamente mitigado.

A solução dos problemas acima listados representaria ganho de produtividade nos investimentos em infraestrutura, com a abertura de novos projetos viáveis para realização por meio de concessões. Em especial, permitiria que os investimentos em infraestrutura e a gestão dos serviços por eles prestados fossem de melhor qualidade.

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Para ler mais sobre o tema:

UNESCAP (2007) Public-private partnership in infrastructure development: an introduction to issue from different perspectives. Transport and Tourism Division UNESCAP. Bangkok, Thailand.


[1] Em seu art. 6º, inciso II, esta lei admite a contratação, pelo setor público, de serviços de: demolição, conserto, instalação, montagem, operação, conservação, reparação, adaptação, manutenção, transporte, locação de bens, publicidade, seguro ou trabalhos técnico-profissionais. O Capítulo III da mesma lei define as características desses contratos.

[2] Art. 7º, inciso XXVI da Constituição Federal.

[3] Custos de transação são aqueles incorridos por uma instituição para realizar uma determinada tarefa. No caso específico, os custos de transação para realizar uma licitação são todas as despesas financeiras e o tempo gasto com a preparação e realização do certame licitatório.

[4] Art. 6º, VIII, e) empreitada integral – quando se contrata um empreendimento em sua integralidade, compreendendo todas as etapas das obras, serviços e instalações necessárias, sob inteira responsabilidade da contratada até a sua entrega ao contratante em condições de entrada em operação, atendidos os requisitos técnicos e legais para sua utilização em condições de segurança estrutural e operacional e com as características adequadas às finalidades para que foi contratada;

[5] Para uma crítica a essa modalidade de contratação ver Resende, Renato M. (2011) O regime diferenciado de contratações públicas: comentários à Lei nº 12.462, de 2011. Disponível em http://www.senado.gov.br/senado/conleg/textos_discussao/TD100-RenatoRezende.pdf .

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https://www.brasil-economia-governo.com.br/?feed=rss2&p=1191 7
Por que é importante controlar o gasto público? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=634&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-e-importante-controlar-o-gasto-publico https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=634#comments Tue, 28 Jun 2011 14:17:10 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=634 Sempre que se fala em controlar o gasto público surge na cabeça de muitas pessoas uma reação automática: “trata-se de proposta neoliberal com o objetivo de cortar programas de governo, o que vai prejudicar a população, em especial os mais pobres”.

O senso comum é de que o gasto do governo gera benefícios sem custos. Na verdade, o que ocorre é que cada programa público gera benefícios bastante visíveis para um grupo específico de pessoas (aposentados são beneficiários do pagamento das aposentadorias, usuários do SUS são beneficiários dos gastos em saúde, credores do governo são beneficiários dos gastos com juros, etc.); ao passo que os custos são pagos por todos os contribuintes, de forma difusa.

O resultado é que os beneficiários diretos têm incentivos para lutar pela criação, expansão ou manutenção de gastos em seu favor. Quem não quer receber um serviço que será oferecido a uma parcela da sociedade, mas cujo pagamento será dividido entre toda a população? A mobilização lhes proporcionará ganhos elevados, o que estimula a criação de grupos de pressão em defesa de seus interesses.

Por outro lado, os contribuintes, que pagam a conta, terão menos incentivos a protestar contra o aumento dos gastos e consequente aumento da carga tributária. Primeiro porque o custo de um novo programa público a ser suportado individualmente por cada contribuinte é pequeno. Segundo, porque é difícil coordenar a formação de um grupo de pressão formado por todos os contribuintes do país.

Esse maior incentivo à mobilização dos beneficiários em relação aos que pagam a conta desequilibra a balança em favor da expansão dos gastos do governo. Não se está, aqui, fazendo juízo de valor sobre a importância ou não de cada programa de governo. Apenas se faz o registro de que há, em sociedades democráticas, um viés em favor da expansão dos gastos.

Outro argumento contrário ao controle do gasto público é o de que tal gasto estimula o crescimento da economia. Cortá-lo, portanto, provocaria menor crescimento do PIB, prejudicando toda a sociedade e não apenas os beneficiários diretos das despesas.

O presente texto tem por objetivo chamar atenção para o outro lado da questão: os custos diretos e indiretos da expansão do gasto público prejudicam o crescimento de longo-prazo do país. Ainda que no curto-prazo uma expansão dos gastos do governo estimule o crescimento; no longo prazo um governo que imponha alta carga tributária, e que tenha déficit e dívida elevados, acaba prejudicando importantes propulsores do crescimento econômico, quais sejam: o aumento da produtividade, a inovação, a concorrência, a flexibilidade do mercado de trabalho e a competitividade dos exportadores no mercado externo.

A redução e maior eficiência do gasto público como proporção do PIB são condições necessárias para que o Brasil possa obter mais crescimento econômico, mais renda, menor desigualdade, mais oportunidades de trabalho e uma vida mais longa e recompensadora para sua população.

O estado brasileiro cresceu fortemente nos últimos anos e parece estar excessivamente grande. A despesa do governo federal passou de 19% para 30% do PIB entre 1995 e 2009[1]. E a carga tributária imposta pela União, estados e municípios saltou de 27% do PIB, em 1995, para mais de 33,6% em 2009[2].

Isso significa que quase 34% daquilo que os trabalhadores e empresas produzem ao longo do ano é retirado das rendas privadas e, posteriormente, re-injetado na economia por meio dos gastos do governo. Isso significa que os dirigentes do setor público detêm grandepoder, pois podem decidir quem vai ficar com 34% da renda do país.

A princípio, a ação do governo tende a estimular o crescimento econômico e a igualdade social. Como mostra outro artigo deste site (Por que o governo deve interferir na economia?), o mercado privado está sujeito a várias falhas, que podem ser corrigidas pelo governo. Por exemplo, a construção de uma estrada ligando indústrias a um porto de exportações pode ser importante para o desenvolvimento do país, mas o retorno financeiro da empreitada, em si, pode não ser compensador para que um investidor privado decida construí-la. Nesse caso, a ação do governo, retirando dinheiro compulsoriamente da sociedade e investindo-o na estrada, permitirá que a sociedade atinja um nível mais elevado de renda.

Todavia, quando o governo cresce excessivamente, os custos de suas ações tendem a superar os benefícios, e surgem diversos motivos pelos quais ele passa a prejudicar o desenvolvimento econômico e social.

Para sustentar uma máquina pública grande e em expansão, é preciso impor crescente tributação à sociedade. Como as fontes tradicionais de tributação (renda, patrimônio e consumo) são limitadas, o governo, em busca de mais receitas do que essas bases tributárias podem oferecer, opta por criar também impostos de baixa qualidade, que incidem sobre o faturamento das empresas, a folha de pagamentos, os depósitos bancários; e que acabam por impor custos excessivos à sociedade.

Vale citar o caso da tributação sobre os investimentos em saneamento básico. Como é demonstrado pela literatura[3], a instalação de redes de água e esgoto, bem como o adequado tratamento dos resíduos, gera muitas externalidades positivas: redução de doenças infectocontagiosas, menor custo de assistência hospitalar, maior produtividade dos trabalhadores, valorização imobiliária, ampliação do setor turismo, etc. Por isso, é recomendável que o governo evite tributar tal setor e, além disso, o estimule mediante subsídios. No Brasil, as empresas de saneamento pagam mais de R$ 3 bilhões em impostos por ano, a maior parte incidente sobre seu faturamento. Uma recente tentativa de desonerar a tributação do setor, embutida na Lei nº 11.445, de 2007[4], foi vetada pelo Presidente da República, sob o argumento de que “permitir desoneração adicional de tributos significaria dificuldades para a manutenção das despesas sociais em níveis satisfatórios”. Ou seja, o alto nível de despesas impede que se conceda uma isenção tributária que, por si só, teria grande impacto socioeconômico e ambiental. E a justificativa para negar a desoneração é a necessidade de se fazer gastos em políticas sociais. Cabe perguntar o que seria melhor: garantir condições de melhoria de vida mediante expansão do saneamento ou ampliar o atendimento em hospitais públicos dos aproximadamente 500 mil[5] casos anuais de infecções gastrintestinais, gerados pelo saneamento deficiente?

Além da tributação excessiva, o governo tende a criar e ampliar mecanismos de poupança forçada (PIS/PASEP, FGTS), que obrigam empresas e empregados a depositar em fundos públicos, em troca de baixa remuneração, um dinheiro que poderia ser usado de forma mais produtiva no consumo ou poupança privados, sem que critérios políticos afetassem a alocação desses recursos.

Esse sistema tributário pesado e distorcido onera a criação de novos negócios, dificulta a ampliação das empresas, e prejudica as exportações, que são algumas das molas mestras do crescimento econômico. Um novo equipamento, que poderia duplicar a produção de uma empresa, fica muito mais caro devido ao aumento dos impostos, podendo deixar de ser uma opção lucrativa para a empresa (o impacto da tributação sobre as transações econômicas é tratado neste site no texto Como os impostos afetam o crescimento econômico).

Quando se tributa excessivamente a folha de salários, desestimula-se a contratação de novos empregados. Isso afeta não só o potencial de geração de empregos, mas também as possibilidades de crescimento das empresas.

Não se consegue exportar parte da produção porque as empresas dos países concorrentes têm custos tributários menores e, por isso, oferecem preços menores.

Outra importante fonte de crescimento – o aumento da produtividade – também é afetada pela tributação excessiva. Em um contexto de tributação elevada, pagar ou não todas as obrigações tributárias passa a ser, muitas vezes, uma decisão determinante para a sobrevivência das empresas. Muitas optam por não pagar impostos e, para não aparecer aos olhos do fisco, não podem crescer, mantendo-se pequenas e pouco produtivas, não podendo aproveitar os ganhos decorrentes do aumento da escala de produção e do acesso a técnicas mais eficientes.

Um mestre de obras e seus operários, por exemplo, terão dificuldade para crescer a ponto de se tornarem uma pequena empreiteira, formalmente registrada, com acesso a crédito na rede bancária e junto a fornecedores, com uma sede em endereço publicamente divulgado, onde poderão organizar a administração, receber clientes, etc.

Ao se tornar visível para o fisco, o empreendimento corre o risco de ser inviabilizado pelo peso da carga tributária. Com isso, multiplicam-se no país as feiras e camelôs, onde deveria haver lojas bem organizadas; os quebra-galhos e biscateiros, em lugar das pequenas empresas de serviços; as fabriquetas de fundo de quintal, os quiosques de comida sem higiene. Todos empreendimentos de baixa qualidade e impedidos, pela asfixiante carga fiscal, de crescerem e de se tornarem mais produtivos.

A concorrência, que estimula a eficiência e a produtividade, também é afetada. Devido à alta carga de tributos, são poucas as empresas de porte médio com capital disponível suficiente para crescer e tentar obter uma fatia de mercado atendida por grandes empresas. Estas, por falta de concorrência, não precisam se esforçar (aumentar qualidade e produtividade) para manterem suas fatias de mercado; basta confiar no fato de que somente as grandes empresas têm condições de atender as exigências burocráticas e o esforço financeiro requerido pelo fisco. A alta carga tributária acaba se transformando em barreira à entrada, protegendo as grandes empresas de terem seus mercados ameaçados por novas empresas de porte médio. O resultado é uma economia pouco dinâmica e pouco inovadora.

Uma característica dos governos grandes é que, mesmo com uma tributação elevada, eles dificilmente conseguem equilibrar suas contas. Para cada nova receita arrecadada, a burocracia, os políticos e sua clientela ou as demandas da população (muitas delas legítimas) já criaram uma despesa nova. A tendência, então, é que governos grandes acumulem dívidas igualmente grandes.

Um governo que deve muito representa risco para os emprestadores, que dele cobrarão altas taxas de juros. Pagando juros elevados e absorvendo parcela significativa dos recursos disponíveis na sociedade, o governo reduz o crédito disponível para o setor privado e eleva o custo dos financiamentos. Muitos empreendimentos se tornam inviáveis em função desse custo financeiro. A taxa de investimento do país cai, prejudicando o crescimento.

No governo, os incentivos para agir com eficiência são menores, afinal o burocrata ou governante gastam um dinheiro que não é seu (veja a esse respeito, neste site, o artigo Por que a intervenção do governo pode gerar prejuízos à sociedade?). Quando um percentual elevado da renda do país passa pelas mãos do governo, isso significa que um setor com baixo incentivo para ser produtivo tem prioridade na decisão de alocação dos recursos escassos da sociedade. O resultado é a baixa eficiência e produtividade e, mais uma vez, menos crescimento.

Já que é o governo quem decide a alocação de 34% da renda nacional, torna-se interessante, para cada indivíduo, ter acesso a essa parcela da renda. Isso significa que muitas pessoas vão investir tempo e dinheiro para se especializar em obter recursos públicos. Vão, por exemplo, buscar relacionamentos pessoais que facilitem o acesso a instâncias de decisão no governo. Ou, ainda, buscarão uma militância partidária ou em grupos de interesse que abram as portas para um cargo público comissionado ou para um patrocínio de uma empresa estatal.

Essa é a chamada atividade de “caçador de renda”, que não cria riqueza nova para a sociedade, mas apenas busca capturar recursos já existentes, produzidos por outros. É fácil perceber que será baixo o crescimento e a produtividade de longo prazo em um país onde valha mais fazer bons relacionamentos do que gastar horas estudando para se tornar um profissional produtivo; onde é mais lucrativo explorar brechas da lei para processar o estado do que desenvolver um novo produto.

Já que o governo está entre os maiores compradores de bens e serviços do país, o nível de lucro de muitas empresas depende de decisões tomadas pelo governo. Por outro lado, as decisões de governo tendem a ser fortemente influenciadas pelos objetivos dos governantes que, em geral, buscam, em primeiro lugar, a sobrevivência política e a vitória nas próximas eleições. Nesse contexto, muitas vezes será mais interessante para uma empresa investir no financiamento de campanhas eleitorais, que garantam a eleição de um governante amigo e mantenha o acesso a contratos públicos, a investir na busca de produtos mais eficientes e de menor custo.

Não podemos nos iludir, contudo, com a idéia do estado mínimo. Em uma sociedade tão desigual como a brasileira, é fundamental que sejam tomadas ações que busquem melhorar a distribuição da renda e das oportunidades. Isso, contudo, não é justificativa suficiente para a expansão ilimitada do gasto público. Tome-se o exemplo do setor de saneamento, citado acima, em que a necessidade de se financiar gastos sociais vem impedindo a redução da tributação em um setor fundamental à melhoria das condições de vida da população pobre. É preciso fazer escolhas racionais, ainda que difíceis e sujeitas a perda de popularidade.

Por mais meritório que seja um programa público, seus objetivos podem se perder devido a baixos incentivos para implementá-lo de forma eficiente, ou pela captura de seus benefícios por grupos outros que não o seu público alvo. Daí porque toda criação de um novo programa, projeto, subsídio ou contratação pública deve ser analisada com muito critério.

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Para ler mais sobre o tema:

Hausmann, R. (2009) Diagnóstico do Crescimento Econômico Brasileiro. CLP Papers nº 1. São Paulo. Centro de Liderança Pública.

Mendes, M. (2010) Controle do gasto público: reformas incrementais, crescimento e estabilidade macroeconômica. CLP Papers nº 4. São Paulo. Centro de Liderança Pública.

Schuknecht, L e Tanzi, V (2005) Reforming public expenditure in industrilised countries: are there trade-offs? European Central Bank. Working Paper Series nº 435

Zettelmeyer, J. (2006) Growth and reforms in Latin America: a survey of facts and arguments. IMF working paper nº 06/210. www.imf.org/external/pubs/ft/wp/2006/wp06210.pdf.


[1] Fonte: Secretaria do Tesouro Nacional.

[2] Fonte: Receita Federal do Brasil.

[3] Ver, por exemplo, FGV (2010) Benefícios econômicos da expansão do saneamento brasileiro. Mimeo,  Instituto Trata Brasil. Disponível em: www.tratabrasil.org.br.

[4] Vide art. 54 da Lei nº 11.445/2007.

[5] FGV(2010), op. cit.

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