Preços – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Wed, 29 Nov 2017 18:27:22 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.8.1 Análise alternativa de fusões: indicadores de preços x definição de mercado relevante https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3114&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=analise-alternativa-de-fusoes-indicadores-de-precos-x-definicao-de-mercado-relevante Wed, 29 Nov 2017 18:27:22 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3114 1. Introdução

A análise de fusões e aquisições representa uma grande parte do trabalho do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), autarquia responsável pela preservação da concorrência no país. Em 2016, 389 atos de concentração foram notificados, isto é, processos de fusão entre duas ou mais empresas ou de aquisição de controle de uma pela outra1. Entre todos os casos julgados pelo Conselho, 55% corresponderam aos atos de concentração.

Os números acima ressaltam a importância da utilização de métodos eficazes para a análise de tais casos. A Lei 12.529/11 inovou no sistema de concorrência brasileiro ao exigir que os atos de concentração sejam previamente notificados antes de consumados, ao contrário do que ocorria no passado2. Dessa forma, o Cade possui 240 dias para aprovar ou não as propostas de aquisição de empresas. Essa análise pode ser resolvida em até 30 dias se elas forem enquadradas como procedimento sumário, ou seja, com menor potencial ofensivo à concorrência. Entre as possíveis condições para esse enquadramento, a mais comum é a baixa participação de mercado (menor que 20%, nos casos das fusões horizontais3).

A hipótese de que a combinação entre empresas com baixa participação de mercado é menos lesiva à concorrência parte do paradigma estrutura-conduta-performance da economia industrial cujo pressuposto é que indústrias muito concentradas têm menor incentivo à inovação e maior probabilidade de aumento de preços4. Todavia, em uma indústria na qual há produtos diferenciados, isto é, com características específicas que tornem um produto preferível a um similar, essa hipótese não é necessariamente verdadeira. Mesmo que uma empresa detenha grande poder de mercado, é possível que sua participação em um nicho específico seja menor, não significando que a fusão irá resultar em aumentos de preços (e vice-versa).

Diante desse desafio, acadêmicos como Farrel e Shapiro (2010)5 e Salop e Moresi (2009)6 desenvolveram indicadores informativos que vêm sendo adotado por autoridades da concorrência da União Europeia e dos Estados Unidos. Estes visam estimar os possíveis efeitos unilaterais de aumentos de preços de uma fusão sem a necessidade de utilização de modelos econométricos sofisticados. Os autores, ambos antigos servidores do sistema de concorrência americano, ressaltam que a análise de um ato de concentração precisa considerar dois efeitos opostos: a perda de competição direta entre duas empresas, que cria uma pressão positiva sobre os preços; e as reduções de custo marginal que, por sua vez, geram eficiências e possível diminuição dos mesmos. Em alguns casos, a hipótese de que a fusão irá criar uma concentração requer uma definição de qual é o mercado em questão. A tarefa de encontrar esse mercado específico, não sendo trivial7, acaba por tomar muito tempo dos técnicos de concorrência, o que pode ser minimizado com o uso dos indicadores de pressão de preços (do inglês index of pricing pressure ou IPP).

Na revisão do Guia para análise de atos de concentração horizontal (o “Guia H”)8, o Cade incluiu conceitos como elasticidade de preços cruzadas e taxas de desvio, que fazem parte da ideia por trás desses índices. Grande parte dos operadores do direito e da economia da concorrência, no entanto, ainda desconhece esses indicadores. O objetivo deste artigo, portanto, é apresenta-los de forma resumida, de modo a facilitar a vida dos interessados em política da concorrência e promover um debate mais qualificado.

2. Primeiros conceitos: elasticidade-cruzada e taxa de desvio

A dificuldade em se analisar o efeito de uma fusão com base apenas nas suas participações de mercado (market share) pode ser vista com o seguinte problema: suponha que haja quatro redes de supermercados em um município, cada um com participação de 25%. A compra de uma rede pela outra automaticamente gera uma concentração de 50%, índice moderadamente preocupante sob a ótica da análise clássica da concorrência9.

Todavia, supomos que esses mercados estão espacialmente distribuídos na cidade, sendo que os supermercados A e B estão a menos de 1 quilômetro de distância; já entre os mercados B e C ou B e D (ou A e C e A e D) há uma distância maior a ser considerada pelo consumidor, cerca de 5 quilômetros.

Fica claro que, mesmo possuindo um market share de 25% cada, a fusão entre os supermercados A e B tem maior probabilidade de gerar prejuízos à concorrência que uma fusão entre os mercados B e C, por exemplo. Isso porque é necessário considerar a preferência do consumidor pelas quatro lojas. No caso acima, a chance de o cliente migrar para o mercado B no caso de um aumento de preços no supermercado A é maior que para o mercado C. Mas não se pode descartar a hipótese de que o mercado C esteja no caminho de um consumidor cativo de A, que pode aproveitar para comparar os preços entre as duas lojas. A essa preferência de um produto sobre o outro chamamos de elasticidade-preço cruzada. No caso, o efeito sobre a demanda na loja B quando a loja A aumenta seu preço é positivo quando elas são substitutas.

Portanto, um supermercado, ao planejar um aumento de preços, considera a clientela que irá perder para a loja concorrente, de modo que o incentivo que ele tem para aumentar os preços é denominado taxa de desvio. Ela representa a proporção de clientes da loja A que migrariam para a loja B caso a primeira promovesse um aumento os preços.

Em fórmula matemática, a taxa de desvio (do inglês, diversion ratio ou DR) é a razão entre a elasticidade cruzada do produto B em relação aos preços de A e a elasticidade-preço do produto A (ou a sensibilidade da demanda de A face um aumento de preços):

No exemplo acima, vamos assumir que, diante de um aumento de 10% nos preços de A, a taxa de desvio do supermercado A para o B é de 40%, de A para C de 10% e de A para D de 4%.

3. O índice positivo de pressão de preços (UPP)

No exemplo acima, caso os supermercados A e B sejam objetos de fusão, A vende apenas o produto 1 e B vende apenas o produto 2, sendo 1 e 2 muito semelhantes, mas diferenciados pelo custo que o consumidor tem de ir de uma loja para a outra. Cada loja, individualmente antes da fusão, uma possui uma função lucro (π) que depende das quantidades (q) e dos preços (p), deduzidas dos custos (c) de se obter cada produto:

A corporação que coordenará as duas empresas após a fusão pode controlar a quantidade vendida de A ou B para maximizar o lucro final colocando uma “taxa” interna em cada supermercado. Essa taxa, na verdade, é o custo de oportunidade de vender mais de um produto em detrimento do outro. Supondo a empresa A é a primeira a ter o lucro maximizado:

Logo, para maximizar o lucro da firma B, sendo que agora elas fazem parte da mesma corporação, ela será “taxada” ao equivalente à maximização de lucro da firma A:

O termo  (dq2/dq1) é a taxa de desvio da loja A para B, isto é, o quanto do produto 2 deixa de ser produzido quando existe a opção de aumentar a produção de 1. O termo (p2-c2 ) é a margem de lucro da firma 2. Da mesma forma:

Como explicam Farrel e Shapiro (2010), essas “taxas” são o efeito de canibalização de uma empresa pela outra, com vistas a reduzir o custo de produção da firma fusionada e manter os lucros elevados. Dessa forma, uma fusão pode gerar pressão sobre os preços se o termo de canibalização T1 for maior que as reduções de custo (ou ganhos de eficiência):

As fusões podem reduzir o custo da corporação final reduzindo essa “taxa interna”, isto é, com a criação de eficiências (equivalente ao termo E1C1 ). Essa expressão é a força contrária que pressiona os preços para baixo. Dessa forma, o índice de pressão de preços é equivalente à:

Considerando a taxa de desvio do supermercado A para o B de 40% e uma margem  (P2 – C2) de 20%, há uma pressão de preços positiva de 8%. Essa pressão pode ser compensada por uma redução de custos equivalente, ou seja, seria necessário um ganho de eficiência de, pelo menos, 8% para que essa fusão não gerasse aumento de preços. No caso de uma fusão entre A e C, cuja taxa de desvio é de 10%, a pressão de preços é seria bem menor (2%, considerando a mesma margem de 20%).

4. GUPPI

Diante das dificuldades em se definir ou calcular as eficiências oriundas de uma fusão, Salop e Moresi (2009) sugerem, seguindo o mesmo raciocínio teórico acima, um índice bruto de pressão positiva sobre os preços (GUPPI). O GUPPI tem como objetivo avaliar a pressão sobre os preços considerando apenas a proximidade de substituição entre os produtos das empresas fusionadas. Formalmente:

No exemplo dos supermercados, supondo que os preços antes da fusão são idênticos, vemos que o GUPPI equivale à primeira parte do UPP, gerando uma pressão bruta de preços de 8% na fusão de A e B; e de 2% na fusão de A e C, apesar de as participações de mercado serem idênticas (25%).

5. Exemplo recente: aquisição do HSBC pelo Bradesco

Em 2016, o Cade avaliou a compra do HSBC, então o sexto maior banco do Brasil em ativos totais, pelo Bradesco, o quarto colocado. A Superintendência-Geral do Cade, considerando os índices de concentração baseados em participação de mercado, concluiu que o percentual de market share representado pelo HSBC era relativamente baixo. Para se ter uma ideia, em depósitos totais10, o Bradesco possuía apenas 11,44% do mercado, e o HSBC, 3,11% (podendo mesmo ser enquadrado como rito sumário). Considerando apenas os precedentes do Conselho em análise de concentrações no setor bancário, o acréscimo de participação decorrente da operação estaria aquém daquele capaz de gerar uma piora do quadro geral do setor. Dito de outra forma, não foi encontrado nexo de causalidade entre a operação e os problemas concorrenciais identificados no setor bancário11.

O Departamento de Estudos Econômicos (DEE) do Cade, todavia, apontou que, a despeito da participação inferior a 20%, haveria uma pressão potencial por aumento de preços dos produtos ofertados pelo Bradesco e pelo HSBC. Essa conclusão foi obtida por meio da análise do UPP e do GUPPI para uma simulação de 7 cestas de serviços a serem oferecidas pelos bancos, na qual foram simulados cenários com margens (a fórmula  (P2 – C2) acima) de 25% e 50%. No primeiro cenário, apenas duas cestas indicaram a possibilidade de aumento de preços após a operação, visto que a operação ainda traria uma eficiência hipotética de 5%. No cenário com margem de 50%, todas as simulações apontaram para a possibilidade de aumento de preços, em até 6%, na cesta de produtos. Sem as eficiências de 5%, essa pressão seria ainda maior.

Diante da discussão metodológica entre o Departamento e as partes, o Conselheiro João Paulo Resende, relator do caso, repetiu o cálculo dos indicadores considerando os produtos bancários de forma individualizada12. Além disso, utilizou uma margem de 30%, obtida pela decomposição do spread bancário informado pelo Banco Central, para subsidiar parte das hipóteses do modelo e que foram objeto de questionamento pelos advogados. De maneira preocupante, o Conselheiro observou possíveis pressões de preço em 67% do total de produtos bancários.

Por fim, a operação foi aprovada com várias condicionantes, como o incentivo à portabilidade bancária e a obrigação de não adquirir o controle, por meio de fusões ou aquisições, de qualquer outra instituição financeira e/ou administradora de consórcio no Brasil.

6. Conclusão

Fica claro que o objetivo dos indicadores de pressão de preço não é o de dificultar a análise, mas sim o de promover, como instrumento adicional, a averiguação de casos com potenciais riscos lesivos à concorrência não captados por indicadores de concentração de mercado. Servem como indicadores preliminares para identificar, de forma rápida e com poucos dados, qual o risco de aumento de preços em uma fusão. As informações a serem obtidas para a análise também são poucas, como margem e taxa de desvio. Ressalta-se que esta última, para além da complexidade das elasticidades cruzadas, pode ser obtida por meio de pesquisas de mercado e do market share das empresas, como explicam Farrel e Shapiro (2010).

Por fim, no caso Bradesco/HSBC, argumentou-se que por trás dos indicadores haveria a hipótese de competição de Bertrand13 com produtos diferenciados, não sendo possível sua aplicação generalizada. Como apresentado nesse artigo, esse argumento é falacioso. O modelo teórico parte da maximização de lucros entre firmas que, de forma dinâmica, interagem no longo prazo, resultando na probabilidade de gerar pressão sobre os preços a depender do custo de oportunidade de se produzir mais em uma firma que em outra, o chamado efeito canibalização. Os próprios autores afirmam a mesma fórmula dos indicadores pode ser aplicada em situações onde há competição do tipo Cournot14, com uma adaptação da taxa de desvio, que é assumida como unitária. Ou seja, o fator a ser considerado como pressão de preços se torna apenas as diferenças entre as margens das duas firmas15.

 

_______________

1 A Lei 12.529/11, nos artigos 88 e 90, explica com maiores detalhes os tipos de acordo entre empresas que são objeto do escrutínio do Cade. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2011/Lei/L12529.htm

2 Um exemplo clássico de análise posterior de fusão reprovada foi a compra da Garoto pela Nestlé. A empresa chegou a investir US$250 milhões na Garoto em 2002; todavia, com a reprovação pelo Cade, o caso se arrastou até 2016, quando as empresas resolveram firmar um acordo com o Cade (vide https://exame.abril.com.br/negocios/os-15-anos-de-vaivem-entre-cade-garoto-e-nestle/).

3 De maneira geral, fusão que envolvem empresas concorrentes.

4 Vide LYRA, M. e PIRES-ALVES, C. Inovação e Efeitos de Fusões e Aquisições: contribuições da teoria econômica e da prática internacional. Anais do II Encontro Nacional de Economia Industrial e Inovação. Setembro de 2014. Disponível em < https://www.proceedings.blucher.com.br/article-details/inovao-e-efeitos-de-fuses-e-aquisies-contribuies-da-teoria-econmica-e-da-prtica-internacional-26635>.

5 Farrell, J. e Shapiro, C., Antitrust Evaluation of Horizontal Mergers: An Economic Alternative to Market Definition. Fevereiro de 2010. Disponível em:<https://ssrn.com/abstract=1313782>.

6 Salop, S.  e Moresi, S., Updating the Merger Guidelines: Comments. Georgetown Law Faculty Publications and Other Works. 1662. 2009. Disponível em: <http://scholarship.law.georgetown.edu/facpub/1662>.

 

7 No jargão da economia e direito da concorrência, requer-se a definição do mercado relevante

8 <http://www.cade.gov.br/acesso-a-informacao/publicacoes-institucionais/guias_do_Cade/guia-para-analise-de-atos-de-concentracao-horizontal.pdf>.

9 Para maiores detalhes sobre como as agências estrangeiras definem os limites para esses índices vide SCHMIDT, C. e LIMA, M. Índices de Concentração. SEAE/MF Documento de Trabalho nº 13. 2002. Disponível em <http://seae.fazenda.gov.br/central-de-documentos/documentos-de-trabalho/documentos-de-trabalho-2002/DocTrab13.pdf>.

10 Depósitos totais incluem os depósitos à vista, poupança, interfinanceiros, à prazos e outros, segundo metodologia do BACEN. O depósito à vista é um produto destinado a pessoas físicas e jurídicas que consiste na captação de recursos não remunerados, que podem permanecer no banco por tempo indeterminado e são de livre utilização pelo consumidor (conta corrente). Para mais referências vide

11 Anexo ao Parecer Técnico n.º 12/2016/CGAA02/SGA1/SG/CADE. Disponível em: <http://sei.cade.gov.br/sei/institucional/pesquisa/documento_consulta_externa.php?8b7ordf_KdjqNE7xXQyIT8ywVE20IstN0KvraVhk2Pdu0JmyScJG7yscsiknowgJxvnI3g2qMrUOm3H4HELqKw,,>.

12 RESENDE, J.P. Voto no Ato de Concentração nº 08700.010790/2015-41. Disponível em:

<http://sei.cade.gov.br/sei/institucional/pesquisa/documento_consulta_externa.php?sY3Y6Kk8PGKsGxQqCopAgPCCfsR0K5CR0wQwvPBHl-vSQ28xf6Zs_mcUQJu9WucVGtvF0d0wqbRqT8ZlqIQhQQ,,

13 Empresas que competem à la Bertrand adaptam seus preços em função dos preços das empresas rivais.

14 Nesse cenário, as empresas adaptam as quantidades a serem ofertadas a depender das quantidades a serem oferecidas pelas outras empresas.

15 Maiores informações vide a nota de rodapé na pág. 16 em Farrel e Shapiro (2010).

 

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Aperte os cintos: a passagem aérea subiu https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3091&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=aperte-os-cintos-a-passagem-aerea-subiu https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=3091#comments Wed, 08 Nov 2017 13:33:56 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=3091 Desde junho deste ano, as empresas de aviação estão cobrando pela primeira bagagem despachada nos voos nacionais, conforme autorização concedida pela Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Além disso, as passagens sem direito a bagagem despachada não dão direito a qualquer reembolso, em caso de não utilização. Assim, quem opta por não pagar a bagagem, abre mão de eventual restituição.

Considerando o modelo de cobrança da tarifa de despacho adotado pelas empresas aéreas e a extinção do reembolso, tudo indica que a medida resulta em aumento da receita média por passageiros e não, como alega a ANAC, a extinção do subsídio cruzado que existiria dos passageiros que não despacham bagagem em benefício dos que despacham.

Segundo a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (ABEAR), a média mensal de passageiros pagantes em 2017 está em 7,4 milhões, até setembro, e dois terços desses passageiros estão adquirindo bilhetes sem direito a bagagem despachada, após a vigência da cobrança. As empresas estão cobrando um valor fixo de R$ 30 por bagagem. A receita anual decorrente desta cobrança será, portanto, de aproximadamente R$ 900 milhões, valor pouco maior que o prejuízo operacional de R$ 700 milhões absorvido pelas companhias nacionais em 2016.

As empresas argumentam que a cobrança não significa um aumento de preços médios, mas apenas a eliminação do subsídio cruzado, em que os passageiros que não despachavam bagagem arcavam com parte dos custos dos que utilizavam o serviço. A ABEAR assim se pronunciou oficialmente: “Defendemos justiça tarifária. (…) A bagagem nunca foi gratuita – sempre esteve diluída no preço dos bilhetes. Não concordamos que esses custos tenham que ser divididos entre todos os passageiros”.

Os preços de passagens são voláteis. Há variações incríveis de preço de acordo com a data do voo, o período do dia, a antecedência da compra, os custos do combustível, a cotação do dólar e a intensidade da atividade econômica. É muito difícil, apenas 4 meses depois da mudança, estimar com grau aceitável de confiança se o valor médio das passagens sem direito a bagagem realmente teve queda suficiente para compensar a cobrança da tarifa nos demais bilhetes. Como alertou Maurício Schwartsman neste blog, o próprio aumento dos preços médios das passagens nacionais apurados nos índices do IBGE e da FGV (de 36% e 17%) entre junho e setembro não pode levar automaticamente à conclusão de que tenha havido elevação sistemática dos ganhos das empresas: o aumento da média pode ter ocorrido por variação sazonal, aumento da atividade econômica ou elevação do preço do combustível – ou uma combinação das três hipóteses.

Há ainda dúvidas sobre se as mudanças no critério de apuração do preço das passagens – que passou a incorporar o custo da remessa de bagagem – não estariam superestimando a elevação de preços médios.

De fato, estudos mais robustos e confiáveis só poderão ser feitos dentro de alguns meses, quando haverá dados suficientes para se avaliar se as variações nos preços das passagens não são decorrentes de outros fatores de oferta e demanda. A expectativa é que, isolados outros efeitos, seja possível estimar com precisão se a nova regra terá efetivamente baixado os preços das passagens sem direito à franquia de bagagem.

Por outro lado, já é possível julgar se o modelo de tarifação da bagagem despachada adotado pelas empresas é consistente com a argumentação de que a medida não tem por finalidade expandir seu lucro, mas apenas eliminar o subsídio cruzado do serviço, imputando os custos incorridos com o serviço apenas aos usuários que o utilizam.

Nessa perspectiva, o que se espera é que o modelo de cobrança de tarifas onere os usuários que despacham bagagens em montante equivalente ao custo do serviço. Isso não está ocorrendo. As maiores empresas estão cobrando uma tarifa fixa de R$ 30, que independe dos custos variáveis, como a distância do voo, o peso da bagagem e o número de conexões previstas. O passageiro que despacha uma mala de 10 quilos de Brasília a Goiânia em um voo direto está pagando o mesmo que um passageiro que despache 23 quilos de Manaus a Porto Alegre, em voo com uma conexão.

Talvez a explicação esteja então nos custos fixos? Também não. Os custos fixos são aqueles necessários à construção e à manutenção da estrutura física de despacho de bagagens (guichês de recepção, balanças, esteiras, espaço na aeronave, estrutura de desembarque e entrega no aeroporto de destino) e à manutenção de uma equipe mínima de funcionários.

Os custos fixos são decorrentes da escala prevista de operação. Se a escala adotada é suficiente para atender, digamos, 60% dos passageiros, o custo dessa infraestrutura irá se manter durante toda a sua vida útil, ainda que nem metade desse percentual demande o serviço após a cobrança. É como o caso do Estádio Mané Garrincha, em Brasília: ainda que não haja um só espectador, as despesas anuais de manutenção e de pagamento do custo financeiro da obra continuarão a ser pagos. Nem se o estádio fosse implodido, os custos do endividamento desapareceriam. Na verdade, é possível demonstrar que, para uma empresa, é racional, no curto prazo, não cobrar ou cobrar apenas parcialmente os custos fixos, se essa for a condição necessária para obter alguma receita líquida de custos variáveis.

Assim, ainda que haja redução imediata do número de bagagens, isso não reduzirá os custos fixos de operação e, portanto, não haverá benefícios para os que não despacham ou deixarem de despachar bagagens.

Se, segundo o modelo adotado, os custos variáveis não estão afetando a tarifa e se os custos fixos não podem afetá-la no curto e no médio prazo, pode-se afirmar com certeza que o modelo de cobrança adotado não se presta a eliminar o subsídio cruzado – o motivo alegado pela ANAC e pela ABEAR para introdução da cobrança.

Aperte os cintos: a passagem aérea subiu.

 

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Qual a consequência do ativismo judicial na fixação dos preços das passagens aéreas? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2048&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=qual-a-consequencia-do-ativismo-judicial-na-fixacao-dos-precos-das-passagens-aereas https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2048#comments Mon, 04 Nov 2013 11:04:43 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2048 O transporte aéreo é uma atividade econômica regulada pelo Governo Federal, que mediante concessão autoriza sua prestação a empresas privadas de aviação. Essa exploração pela iniciativa privada cria a necessidade de um sistema regulador estatal para dimensionar, formular e fiscalizar a prestação do serviço. No caso do transporte aéreo, esta competência é da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC). Uma de suas atribuições é realizar a regulação econômica do setor, fazendo o respectivo monitoramento e promovendo possíveis intervenções no mercado de modo a buscar a máxima eficiência.

Apesar de existir em funcionamento um mercado de transporte aéreo com preços oscilando conforme as regras de oferta e demanda e de haver uma agência reguladora controlando o setor, aconteceu recentemente uma intervenção do Poder Judiciário, decorrente de uma ação civil pública, que pode acarretar perda de bem-estar social. A nosso ver, tal intervenção gera distorção maior que aquela que o juiz se propõe a resolver.

Conforme o Ministro Luís Roberto Barroso, o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance1. É nesse sentido que se pretende discutir uma decisão recente da Justiça Federal2, em que foi adotada uma interpretação do ordenamento jurídico, cujo reflexo trará prejuízo ao consumidor, apesar de a base da decisão, segundo a magistrada, serem os princípios norteadores da atividade econômica previstos no art. 170 da Constituição Federal, entre eles a livre concorrência, a função social da propriedade e a defesa do consumidor.

Na referida decisão, a magistrada condenou a empresa TAM Linhas Aéreas a: a) ofertar aos usuários, nos voos com destino para e/ou origem em Imperatriz-MA, no

mínimo, 50% dos assentos com a tarifa denominada “básica”; b) nos meses de alta demanda, em especial dezembro/2013 e janeiro/2014, cobrar do usuário-consumidor o valor máximo de até 50% da tarifa máxima do plano “básico”.

A argumentação da magistrada para tabelar as passagens aéreas para Imperatriz-MA baseia-se no fato de que existe um bem jurídico imediato afetado na relação sub judice que é o direito do consumidor. Entende que o valor das passagens foi elevado abusivamente, uma vez que o trecho entre Imperatriz/MA e Brasília/DF custava R$ 289,00 e passou para R$ 1.529,00 em janeiro de 2014, caindo para R$ 429,00 em fevereiro de 2014. A magistrada argumenta que a TAM ao invés de ampliar a oferta para os meses de referência, devido à procura mais acentuada pelos usuários, limita-se a elevar de forma desarrazoada os preços das passagens aéreas, colocando o consumidor em desvantagem exagerada.

Argumenta ainda a magistrada que, diante da omissão da ANAC em efetivar os comandos insculpidos nos arts. 2° c/c 8° da Lei nº 11.182/05, acaba por deixar tal tarifação à álea e à deriva dos exclusivos interesses das concessionárias aéreas, em prol da política do regime de liberdade tarifária, como se o fornecimento de serviço de transporte aéreo de passageiros fosse, na sua gênese, atividade privada. Esquecendo-se que se trata de “prestação de serviço público”, e da peculiar circunstância de que a ré está a exercer a atividade empresária como longa manus da União, eis que se encontra na condição de concessionária de serviço público, nos termos do art. 21, XII, c, da Constituição Federal de 1988.

No texto disponível neste site, “Empresa aérea é concessionária de serviço público?”, foi explicado que a Lei nº 11.182, de 2005, instituiu o regime de liberdade tarifária, de forma que a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC) não pode tabelar os preços das passagens aéreas, como fez o antigo Departamento de Aviação Civil (DAC) ao longo de quase toda sua existência.

A mesma lei também assegura às empresas a exploração de quaisquer linhas aéreas, observada exclusivamente a capacidade operacional de cada aeroporto e as normas regulamentares de prestação de serviço adequado. Antes dessa legislação, as empresas estabelecidas eram protegidas contra novas entrantes, dificultando a concorrência.

Outro ponto a ser destacado é que concessão de serviços aéreos não confere à empresa o direito ou a obrigação de voar entre quaisquer localidades. O direito de voar somente existe após a outorga de uma autorização específica para cada linha a ser explorada. Essa autorização, denominada Horário de Transporte (HOTRAN), estabelece horários, frequências, tipos de aeronaves e oferta de assentos para cada linha.  As empresas aéreas não têm, nem nunca tiveram, portanto, qualquer obrigação de operar em condições deficitárias. Podem, a qualquer tempo, comunicar ao poder público que não mais operarão determinada linha e solicitar o cancelamento do respectivo HOTRAN.

Se o trecho Brasília-Imperatriz fosse extremamente lucrativo, outras empresas teriam interesse em oferecer voos entre essas cidades. Se não o fazem, é porque não há exageros na rentabilidade.

Por outro lado, se os preços praticados estivessem razoáveis, a partir do momento que houve o tabelamento, a empresa talvez não tenha mais interesse em manter essa linha, uma vez que ela não é obrigada a trabalhar de forma deficitária. Isso é o mais provável que aconteça caso o entendimento persevere no Judiciário: uma descontinuidade da linha, com efeitos negativos para os próprios consumidores de passagens entre Brasília e Imperatriz.

Outra possível consequência perversa da decisão é o aumento das tarifas dessa linha em períodos não tabelados. Para custear os passageiros de dezembro e janeiro, quem viajar nos restante do ano terá de pagar mais caro.

Além disso, como o tabelamento funciona para a primeira metade dos assentos vendidos, há um nítido favorecimento dos consumidores que comprarem primeiro, que conseguirem se planejar, em detrimento daqueles que precisarem voar esse trecho por conta de uma emergência, por exemplo, ou que não tiverem a oportunidade de comprar a passagem com muita antecedência.

Por fim, pode acontecer também que, para manter o voo a preços que não lhe garanta lucro, a TAM tenha de aumentar a tarifa de outros voos, de forma que os passageiros do país inteiro teriam que subsidiar aqueles que viajam entre Brasília e Imperatriz (o que na teoria econômica se chama de subsídio cruzado). Em regra geral, quando o preço pago é diferente do custo de produção, gera-se uma ineficiência na economia, com perda de bem-estar. Essa alternativa, no entanto, não é tão provável pela dificuldade de exportar custo extra para outros trechos.

Note-se como uma decisão judicial tem o poder de alterar completamente o equilíbrio do mercado e prejudicar um número muito maior de consumidores do que os supostamente beneficiados.

Conforme o Relatório elaborado pela ANAC, “Tarifas Aéreas Domésticas”3, relativo ao quarto trimestre de 2012, para atender a um maior número de passageiros, otimizar a ocupação das aeronaves e alcançar rentabilidade, as preferências dos usuários devem ser consideradas na prestação e na precificação dos serviços. Em qualquer atividade econômica, a rentabilidade é fator principal para que se tenha investimento e oferta de serviços. Nesse sentido, as tarifas aéreas são ajustadas a todo instante de acordo com a procura e conforme se aproxima a data do voo.

Isto propicia o atendimento a uma maior diversidade de usuários e uma taxa de ocupação da aeronave que sustente a prestação do serviço. Além das preferências dos usuários, os preços do transporte aéreo são afetados, direta ou indiretamente, por outros inúmeros fatores, tais como: evolução dos custos (estes fortemente influenciados pelo preço do barril de petróleo e pela taxa de câmbio do real em relação ao dólar); eficiência da empresa; distância da linha aérea; grau de concorrência do mercado; densidade de demanda; baixa e a alta temporada; ações promocionais de concorrentes; restrições de infraestrutura aeroportuária e de navegação aérea; organização da malha aérea da empresa; porte e eficiência das aeronaves; e taxa de ocupação das aeronaves.

Importante destacar que a distância é apenas um dos fatores que afetam os preços do transporte aéreo, mas não é o preponderante, pois o consumo de combustível é proporcionalmente maior na etapa de decolagem. Quando a aeronave atinge sua velocidade de cruzeiro, o consumo de combustível é menor.

A demanda de voos entre as localidades de origem e destino, por outro lado, é decisiva. Voos entre destinos com baixa densidade de tráfego podem não ser viáveis financeiramente e, quando viáveis, têm passagens mais caras.

Como se percebe, existem diversos fatores que influenciam o preço das passagens, por isso é comum haver passageiros de um mesmo voo pagando tarifas diferentes. É essa dinâmica que propicia a oferta de alguns assentos a baixo preço no transporte aéreo.

Sobre a evolução dos preços das tarifas, apesar de haver liberdade tarifária, alvo da decisão judicial em pauta, o gráfico abaixo ilustra como a tarifa aérea média doméstica real, em valores deflacionados pelo IPCA até dezembro/2011, e o valor médio pago por quilômetro voado (Yield Tarifa Aérea Médio Doméstico Real) sofreram redução entre 2002 e 2011. Isto é, os passageiros estão pagando bem menos para voar hoje, do que no início da década.

O cenário de livre concorrência atrai investimentos para o setor, estimula o crescimento do mercado e promove a ampliação da oferta. A decisão judicial comentada pode reverter esse quadro. Ao tabelar a rentabilidade da iniciativa privada, mesmo sendo esta uma concessionária de serviço público, não se leva em conta o risco específico da atividade nem os custos e características de sua prestação. As consequências negativas serão sentidas pelos consumidores, além de ser mais um agravante para a insegurança jurídica no país. Espera-se que as instâncias superiores do Judiciário tenham uma interpretação diferente acerca do tema.

_________

1 BARROSO, Luís R. “Ano do STF: Judicialização, ativismo e legitimidade democrática”. 2008. Disponível no site Conjur: http://www.conjur.com.br/2008-dez-22/judicializacao_ativismo_legitimidade_democratica. Acessado em 28/10/2013.

2 Processo 0009029-10.2013.4.01.3701 – TRF da 1ª Região

3 http://www2.anac.gov.br/estatistica/tarifasaereas

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O TCU atrapalha o bom desenvolvimento das obras de infraestrutura do Governo Federal? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=45&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-tcu-atrapalha-o-bom-desenvolvimento-das-obras-de-infraestrutura-do-governo-federal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=45#comments Sun, 20 Feb 2011 00:48:26 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=45 São comuns críticas de autoridades do Poder Executivo acerca da atividade de fiscalização do Tribunal de Contas da União (TCU). A alegação central dessas críticas seria o suposto fato de que “burocratas” do TCU, preocupados em seguir requisitos formais e de menor importância, estariam determinando a paralisação de uma grande quantidade de obras do Governo Federal, com elevado prejuízo para o País, devido ao atraso na conclusão de infraestrutura vital para acelerar o crescimento da economia.

Em setembro de 2009, por exemplo, a Folha On Line publicou a seguinte declaração do Ministro do Planejamento:

O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, criticou hoje (…)a atuação do TCU (Tribunal de Contas da União).

Disse que o órgão assume as funções de poder Judiciário, Legislativo e Executivo, em vez de se concentrar em seu papel de corte de fiscalização ligada ao Congresso.

Paulo Bernardo afirmou, em tom brincalhão, que se o tribunal continuar nesse passo, o Brasil não conseguirá realizar a Copa do Mundo em 2014, só em 2020.

É natural que altas autoridades empenhadas em acelerar o ritmo de investimentos sintam-se incomodadas com procedimentos que frustram a conclusão de obras. Mas será que, de fato, o TCU atrapalha?

1. Não é o TCU quem paralisa as obras. O TCU realiza auditorias. Quando encontra indícios de irregularidades, recomenda (não determina) ao Congresso Nacional que não aloque verbas no orçamento federal para aquela obra. Quem toma a decisão final é o Congresso Nacional, no âmbito da Comissão Mista de Orçamento.

A criação desse mecanismo ocorreu em 1994 quando do escândalo de corrupção na obra da sede do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo. Embora estivesse evidente que havia desvio de dinheiro naquela obra, não existiam mecanismos institucionais capazes de barrar a destinação e o desembolso de verbas orçamentárias. Por isso, o Congresso passou a incluir nas Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) um dispositivo prevendo que o TCU deveria recomendar a não alocação de verbas para obras com indícios de irregularidades, e que o Congresso deveria bloquear no orçamento a sua execução física e financeira, até a correção das irregularidades.

Trata-se, portanto, de um mecanismo preventivo, de “estancar a sangria” no momento em que ela é detectada. Procedimento muito mais eficaz do que nada fazer e aguardar que auditorias feitas posteriormente constatem formalmente as irregularidades e os prejuízos, abrindo-se um lento, custoso e quase sempre infrutífero processo de responsabilização criminal e de tentativa de recuperação do dinheiro perdido.

O mecanismo mostrou-se bastante eficaz em episódios marcantes como o da chamada “Operação Navalha” da Polícia Federal que, em 2007, detectou um esquema de corrupção em obras públicas centralizado na construtora Gautama. Antes mesmo da deflagração da operação policial, o TCU já havia apontado irregularidades graves nas obras e o Congresso já havia suspendido a alocação de recursos orçamentários.

2.Os parâmetros de preços são adequados. Uma crítica comum é a de que o TCU usaria preços de referência nacionais, sem levar em conta diferenças regionais e custos de frete. A afirmação não é correta. O TCU utiliza dois sistemas de preços:  o SICRO (elaborado pelo DNIT, existente há quase quarenta anos e submetido a permanente aperfeiçoamento) e o SINAPI (sistema de preços da construção civil elaborado em conjunto pela Caixa Econômica Federal e o IBGE). Ambos os sistemas apuram os custos por região, em bases mensais e são fontes de referência consistentes.

Ademais, a legislação permite que o TCU aceite valores superiores aos de referência, desde que haja justificativa técnica. Além disso, o grau de detalhamento desses sistemas é suficientemente amplo para que se possa compor custos a partir da quantidade de cada material individual utilizado, de modo que se pode diferenciar, por exemplo, o custo de pavimentação de uma rodovia de alto tráfego (que exige piso mais resistente) de uma estrada vicinal de baixo tráfego.

3.As apurações são detalhadas a ponto de detectar manipulações de planilhas. Uma reclamação comum é de que o TCU aponta irregularidades em obras devido a preços elevados em alguns itens da obra, mesmo quando o custo total está abaixo daquele indicado pelos parâmetros técnicos. Esse procedimento do TCU é correto, pois a apresentação, em licitação, de propostas que contêm itens muito caros e outros muito baratos constitui um artifício conhecido como “jogo de planilhas”.

Com o objetivo de ganhar a licitação, há empreiteiros que calculam um custo total competitivo, subfaturando alguns itens e superfaturando outros. No momento de execução da obra, ele executa apenas as partes nas quais os itens estão superfaturados. Quando chega o momento de fornecer os itens subfaturados, ele tem várias opções. A mais simples é abandonar a obra (depois de ter recebido pela parcela superfaturada). Mas ele também pode pressionar por um aditamento de contrato ou, simplesmente, usar uma quantidade menor dos itens subfaturados do que aquela prevista na licitação. Em todos os casos a obra acaba saindo mais cara para o contribuinte.

4.Não é qualquer pequena irregularidade que leva o TCU a recomendar a não alocação de recursos para uma obra. Somente obras com indícios de irregularidades graves recebem a recomendação de suspensão de recursos orçamentários. Faz-se uma avaliação dos benefícios (estancar procedimentos nocivos ao erário) e custos (perdas decorrentes da obra paralisada) antes de se recomendar a paralisação. As Leis de Diretrizes Orçamentárias (LDO) estabelecem claramente que as irregularidades devem alcançar valores relevantes em relação ao custo total da obra. A técnica de auditoria utilizada é de examinar a planilha de custos das obras, analisando os itens em ordem decrescente de valor e de impacto no custo total.

Não se trata, portanto, de recomendar a paralisação da construção de uma hidrelétrica “porque as vassouras compradas pelo departamento de limpeza estavam superfaturadas”. Os critérios para recomendação de paralisação são objetivos, e incluem principalmente :  superfaturamento, projeto básico deficiente ou desatualizado, edital (ou contrato ou aditivo contratual) incompleto ou inadequado e restrição à competição no processo licitatório.

Cabe chamar atenção para outra medida muito utilizada como alternativa à paralisação: a retenção parcial de valores. Nela opta-se pela anuência à continuidade da obra – mesmo com indícios de irregularidades – sempre que fique comprovado na fiscalização que o eventual prejuízo seja de natureza exclusivamente financeira e seja assegurado pelo gestor, sob diversas formas possíveis, um provisionamento de garantias suficientes à cobertura do risco envolvido[1]. Este procedimento permitiu que 20% das obras suscetíveis de paralisação em 2009 e 34,92 % em 2010 não fossem objeto de bloqueio da respectiva execução, sem risco de prejuízo aos cofres públicos.

5. O Congresso Nacional é quem tem a palavra final. O Gráfico abaixo mostra que o número de recomendações de bloqueio feitas pelo TCU difere bastante do número de obras efetivamente bloqueadas pelo Congresso. Em alguns anos o Congresso bloqueia mais obras que o recomendado pelo TCU e, em outros anos, bloqueia menos obras.

Gráfico 1 – Bloqueio de obras: número de obras apontadas pelo TCU e número de obras efetivamente bloqueadas pelo Congresso Nacional

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do TCU e do Congresso Nacional 2

6.O número e o porte das obras bloqueadas são ínfimos em relação ao total dos investimentos públicos. Em 2010 os bloqueios atingiram apenas 0,43% das obras incluídas na Lei Orçamentária Anual. Desde 2004 o maior percentual de obras atingidas por bloqueios foi de 1%, em 2005 . As obras bloqueadas em 2010 somavam R$ 5,45 bilhões, o que representa menos de 5% do investimento total de R$ 128 bilhões autorizado pelo orçamento[3].

7.Grande parte das obras representa problemas crônicos. O Gráfico 2 indica o percentual de obras com recomendação de paralisação em cada ano que já estavam na lista há mais de três anos. Fica evidente que, a cada ano que passa, é maior a concentração da recomendação de paralisação em obras com problemas crônicos. Em 2010 nada menos que 80% das recomendações encaixavam-se nessa categoria, o que leva a crer que as fiscalizações do TCU estão induzindo uma melhoria na gestão de novas obras, que agora estão sendo aprovadas na malha fina das auditorias: um inequívoco benefício para o país.

Gráfico 2 – Percentual de obras que acumulam recomendação de paralisação  há mais de três anos seguidos

Fonte: Elaboração própria a partir dos dados do TCU e do Congresso Nacional.

Assim, os dados demonstram que a atuação dos órgãos de controle externo – embora sujeita a eventuais erros e imprecisões como qualquer outra atividade governamental – não representa em si um obstáculo ao investimento público, nem a sua supressão implicaria em ganhos para o desenvolvimento.

Em vez de um problema em si mesmo, a detecção de irregularidades tem sido um termômetro que indica a existência de problemas de gestão mais sérios, e os bloqueios preventivos têm servido como forma de minimizar prejuízos ao Erário, induzindo uma gestão mais eficiente e reduzindo desperdícios e fraudes.


[1] Para uma descrição detalhada desse mecanismo, veja Nota Técnica Conjunta 09/2009 das Consultorias de Orçamento do Congresso Nacional (Saiba mais).

[2] “TCU” corresponde ao total de subtítulos para os quais o Tribunal recomendou o bloqueio da execução, e “Congresso” ao total de subtítulos constantes do Anexo específico de bloqueio de obras da mesma Lei.

[3] Fonte: sistema SIGA Brasil e leis orçamentárias de cada exercício, com os respectivos relatórios. Dados de execução até maio/2010.

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Para ler mais sobre o tema:

Brasil. Câmara dos Deputados – Consultoria de Orçamento e Fiscalização Financeira/Senado Federal – Consultoria de Orçamento, Fiscalização e Controle. Nota Técnica Conjunta 10/2009 – Mitos e fatos sobre o mecanismo de paralisação de obras com indícios de irregularidades graves. Brasília: Câmara dos Deputados/Senado Federal, 2009.  Saiba mais

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