pré-sal – Brasil, economia e governo https://www.brasil-economia-governo.com.br Fri, 16 Oct 2015 16:22:11 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=6.7.2 Devemos tirar a Petrobras da condição de operadora única no Pré-sal? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2632&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=devemos-tirar-a-petrobras-da-condicao-de-operadora-unica-no-pre-sal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2632#comments Tue, 06 Oct 2015 14:01:23 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2632 Encontra-se em discussão no Senado Federal o Projeto de Lei nº 131/15, do Senador José Serra, que busca retirar a obrigatoriedade de que a Petrobras seja a única empresa com a função de operar as atividades de exploração e produção de petróleo no pré-sal. Essa foi uma imposição da Lei de Partilha de Produção (Lei nº 12.351/10, art. 4º), instituída em 2010 para normatizar as explorações e a produção de petróleo no pré-sal. No regime de Partilha vence uma licitação a empresa ou o consórcio de empresas que oferecer a maior parcela de excedente em óleo (lucro) à União. Ao vencer um leilão de área exploratória, a empresa deve, necessariamente, formar um consórcio com a Petrobras e com a empresa estatal Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA), de acordo com o artigo 20 da Lei de Partilha. No consórcio, a Petrobras assume a função de operadora das explorações de petróleo e gás (a empresa operadora é a encarregada, em um campo de petróleo, de contratar e executar todas as atividades econômicas e tecnológicas relacionadas às explorações e à produção; as demais empresas que com ela participam do consórcio atuam como investidoras, detendo pouco poder de decisão).

Observe-se que a própria Petrobras nunca foi completamente favorável ao dispositivo da lei que a obriga a ser a operadora do campo, pois se uma determinada área petrolífera não estiver entre suas prioridades, ou apresentar menor interesse geológico, ainda assim ela será obrigada a assumir a operação da área, tendo de alocar recursos financeiros, equipamentos e pessoal especializado nas explorações, que poderiam ser mais produtivamente aplicados em outras áreas de seu maior interesse. Além disso, eventualmente, terá de trabalhar com sócios que não escolheu e honrar e operar uma proposta econômica vencedora de uma licitação em que ela não participou de seu planejamento.

A exigência de operador único já havia, antes mesmo da atual crise que envolve a Petrobras, diminuído a atratividade para a participação de outras empresas petroleiras na exploração do pré-sal, em razão das limitações que encontram para compartilhar, com maior capacidade de decisão, dos diversos aspectos envolvidos na condução das explorações de um campo de petróleo. Isso é bem ilustrado pelo leilão do campo de Libra, em outubro de 2013, em que não houve competição, pois apenas um consórcio de empresas participou da licitação. Assim, o modelo de operador único, além de não atender aos interesses da própria Petrobras, não atrai número expressivo de empresas petroleiras para os leilões, situação que não potencializa maiores excedentes em óleo oferecido à União. Se for eliminada a obrigatoriedade de que a Petrobras atue como operadora única, como pretende o PLS nº 131/2015, maior número de petroleiras nacionais e estrangeiras, privadas ou estatais, serão incentivadas a participar das licitações, trazendo também suas tecnologias, recursos físicos e financeiros e novo impulso na produção de petróleo e na arrecadação de impostos. E a Petrobras poderá decidir, segundo seus próprios interesses, se participa ou não de uma determinada licitação.

A Lei de Partilha determina ainda que a Petrobras deve participar do consórcio vencedor de cada licitação com recursos financeiros equivalentes a, no mínimo, 30% do capital do consórcio. Sabendo-se das atuais dificuldades financeiras da Companhia – que em razão do alto grau de endividamento foi obrigada a reduzir seus investimentos, nos próximos cinco anos, de US$ 206,8 bilhões para US$ 130,3 bilhões, e diminuir seus campos de petróleo que receberão investimentos, de 30 campos inicialmente planejados para 22, entre 2015 e 2020 – dificilmente terá fôlego financeiro para assumir mais compromissos além dos que ela já tem no pré-sal e em outras áreas. Isso é mais verdadeiro depois que sua nota de crédito foi rebaixada pela Standard & Poor’s, ocasionando a perda do grau de investimento e dificultando o levantamento de novos empréstimos no mercado financeiro. Em razão das limitações financeiras e da necessidade de diminuir o elevado endividamento, a Petrobras decidiu concentrar seus investimentos no desenvolvimento de campos de petróleo já descobertos, visando ao aumento da produção, e reduzindo, ao mesmo tempo, os investimentos em explorações. Essa decisão da Petrobras é bastante coerente, uma vez que suas reservas de petróleo e gás, provadas ou estimadas, já alcançam o expressivo montante de cerca de 45 bilhões de barris, localizadas nos campos antigos e nos novos campos que descobriu no pré-sal. Esse volume de reservas é suficiente para a Petrobras produzir combustíveis e demais derivados em suas refinarias por mais de 40 anos.

Assim, novas licitações no pré-sal, no regime de operador único, ficam completamente dependentes da capacidade da Petrobras de mobilizar recursos para participar e arcar com todos os volumosos investimentos envolvidos nas explorações. Exceto pela crescente produção que já vem sendo obtida no pré-sal pela Petrobras e empresas a ela consorciadas, as demais reservas potenciais brasileiras permanecem ociosas, inexploradas, sem gerar renda e empregos. Isso ocorre num momento em que o Brasil precisa criar fatos novos na área econômica, para incentivar o aumento dos investimentos e colocar em produção novas reservas do pré-sal para a geração de impostos, a serem aplicados na educação e na saúde, como determinam as novas normas de aplicação dos royalties do petróleo (Lei nº 12.858/2013).

Enquanto isso, no mundo, as explorações avançam em novas fronteiras petrolíferas, pois as empresas petroleiras realizam seu planejamento olhando muitos anos à frente, na expectativa de que os preços do petróleo já terão se elevado quando novos campos descobertos estiveram em produção, daqui a cinco ou mais anos. Exemplos do prosseguimento das explorações mundiais, mesmo com os preços internacionais do petróleo abaixo de US$ 60, encontram-se no Golfo do México, onde foram realizadas ofertas, em agosto deste ano, para 33 blocos exploratórios localizados em águas profundas de até 3.340 metros na parte norte-americana do Golfo.

Também na seção do Golfo pertencente ao México foram realizadas este ano duas licitações de áreas exploratórias, após o recente processo de abertura da indústria do petróleo do país aos investidores privados, depois de 75 anos de monopólio da empresa estatal Pemex.

Na Inglaterra, a autoridade de petróleo do país anunciou, em julho, a concessão de 41 novas licenças de exploração no Mar do Norte, em um programa de explorações com gastos no valor total de 4 bilhões de euros para revitalizar a produção de petróleo naquela região. Outros países que realizaram licitações de áreas exploratórias este ano foram a Bulgária, para procurar gás natural no Mar Negro, como forma de se livrar da dependência do gás fornecido pela Rússia, e a Irlanda, entre muitos outros.

O Brasil, que somente descobriu petróleo em 1939 (em Lobato, na Bahia), com atraso de 80 anos após o início das explorações comerciais no mundo (na Pensilvânia, em 1859), deveria refletir sobre esta experiência da história: em 1871, o governo imperial de dom Pedro II, para incentivar as explorações de petróleo e outros minerais, expediu o Aviso nº 53, do Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, definindo que os depósitos minerais localizados em terras particulares constituíam propriedade do Estado e, portanto, podiam ser explorados por aqueles que recebessem licenças de exploração do governo “uma vez que não era de conveniência pública que as riquezas do mencionado solo jazam sepultadas nas entranhas da terra, quando empreendedores ativos e capitais suficientes aparecem para as aproveitar eficazmente” (Mattos Dias e Quaglino, A Questão do Petróleo no Brasil – Uma História da Petrobras, 1993).

Da mesma forma, atualmente, segundo a Constituição Federal, e de acordo com a Lei de Partilha, as reservas de petróleo são de propriedade da União, e mesmo depois que jazidas de petróleo ou gás são descobertas pelas empresas, as reservas continuam de propriedade da União. As empresas exploradoras têm o direito de receber uma parte do petróleo que produzirem, correspondente aos custos incorridos, aos royalties pagos e a uma parcela dos lucros. Para garantir informações seguras sobre os volumes produzidos pelas empresas, as operações de produção de petróleo são supervisionadas pela estatal PPSA, encarregada da gestão dos contratos de exploração firmados pelas empresas com a União, e com poder de veto sobre as decisões das empresas relativas às explorações e à produção. Ou seja, os instrumentos regulatórios e o monitoramento da produção por órgãos do governo já atendem aos interesses do Brasil no pré-sal.

A alteração proposta pelo PLS 131/2015 pode contribuir para dinamizar o setor de petróleo, desde que haja continuidade nos leilões de áreas no pré-sal, e aumentar a participação de empresas de capital nacional nas explorações, em associação com empresas estrangeiras ou com a própria Petrobras, que poderia participar das licitações como uma decisão livre, sem a imposição de que atue como operador único. Novas áreas exploratórias elevam a demanda para os equipamentos submarinos e os diversos serviços de instalações submarinas que passaram a ser oferecidos no Brasil para atender à Política de Conteúdo Local, além dos novos estaleiros implantados para a construção de navios e plataformas de petróleo. Novas áreas em exploração aumentam ainda a procura pelos serviços de pesquisa fornecidos pelo grande número de centros de pesquisa e tecnologia que se instalaram na Ilha do Fundão, Rio de Janeiro, e em outros estados, especificamente para atender aos desafios tecnológicos do pré-sal.

Numa visão de longo prazo da indústria de petróleo no Brasil, observa-se que desde o primeiro leilão de áreas exploratórias, em 1999, empresas brasileiras e de vários países vêm investindo no setor, sejam como operadoras ou como investidoras. No período 1999/2013, nos 12 leilões realizados, as petroleiras estrangeiras venceram 129 vezes, e  as nacionais, 88 vezes. Como resultado, entre as atuais 10 maiores empresas produtoras operadoras de petróleo encontram-se a Petrobras, 6 empresas estrangeiras e 3 brasileiras de capital privado. Entre os motivos para a menor presença das empresas de capital nacional encontra-se o longo período do monopólio, que impediu o surgimento de petroleiras nacionais, pois somente após a abertura do setor de petróleo, em 1995, começaram a ser organizadas para atuar no setor. A própria Petrobras desenvolve parcerias com dezenas de empresas nacionais e estrangeiras e nem sempre ela é a operadora: de um total de 82 acordos de parceria que ela detém nas explorações, em 24 parcerias ela não é a operadora, participando apenas como investidora nos campos de petróleo; porém, sua hegemonia na indústria do petróleo é um fato inconteste, pois ela produz atualmente 92% de todo o petróleo extraído e 99% de todos os derivados de petróleo produzidos no País.

 

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O Plano de Produção da Petrobras é exequível? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2598&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=o-plano-de-producao-da-petrobras-e-exequivel https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=2598#comments Wed, 09 Sep 2015 14:25:01 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=2598 Introdução

A Petrobras divulgou seu Plano de Negócios e Gestão (PNG) 2015-20191 no final de junho deste ano. Na tentativa de superar a crise na qual mergulhou no último ano, o novo PNG traz alterações importantes em relação à versão anterior, o PNG 2014-20182, que apontam para o encolhimento da companhia.

A modificação mais significativa é a redução dos investimentos programados, que passaram de US$ 220,6 bilhões, no período 2014-2018, para US$ 130,3 bilhões no período 2015-2019,queda de US$ 90,3 bilhões. O investimento anual médio foi cortado em 41%, de US$ 44,12 bilhões para US$ 26,06 bilhões.

A comparação entre os investimentos programados nos PNGs 2014-2018 e 2015-2019 para as grandes áreas de negócio da Petrobras é mostrada na Figura 1.

O maior corte proporcional, de 69%, ocorreu nas áreas de Abastecimento e de Distribuição. A primeira engloba as atividades de refino.Os projetos das refinarias Premium I, no Maranhão, e Premium II, no Ceará, foram definitivamente cancelados; a construção da refinaria do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) foi suspensa, sem data definida para seu reinício; apenas a conclusão da Refinaria Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco, foi contemplada no PNG 2015-2019. O impacto desses cortes na capacidade futura de refino da Petrobras é de 765 mil barris por dia (bbl/d)3,4. Sendo assim, o déficit da produção brasileira de derivados de petróleo, que foi de 299 mil bbl/dem 20145, deverá crescer para mais de 500 mil bbl/d na década de 20206, o que, a preços atuais, representaria importações acima de US$ 13 bilhões por ano.

Figura 1 – Comparação entre os investimentos programados nos PNGs 2014-2018 e 2015-2019, por grandes áreas de negócios: Exploração & Produção e Internacional; Abastecimento e Distribuição; Gás & Energia; e demais áreas, que incluem Biocombustíveis e Engenharia.

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Nas áreas de Exploração & Produção7 e Internacional8, o corte nos investimentos foi de 34%, proporcionalmente menor que nas áreas de Abastecimento e de Distribuição, mas o impacto sobre a produção projetada de petróleo e gás natural foi substancial. De 5,3 milhões de barris de óleo equivalente por dia (boe/d)9, a meta de produção de 2020 foi reduzida em 30%, para 3,7 milhões de boe/d, dos quais 2,8 milhões de bbl/d de petróleo e o restante de gás natural. A queda da produção projetada atinge 1,6 milhão boe/d, uma vez e meia a produção que se espera obter no campo de Libra10, ou mais da metade da produção atual do Brasil11.

A comparação entre as curvas de produção projetadas nos PNGs 2014-2018 e 2015-2019 é apresentada na Figura 2.

Figura 2 – Comparação entre as curvas de produção de petróleo e gás natural projetadas até 2020 nos PNGs 2014-2018 e 2015-2019.

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Apenas no período 2015-2020,essa revisão na curva de crescimento da produção implicará deixar de produzir o total de 1,8 bilhão de boe, quase o dobro da produção brasileira de petróleo e gás natural em 201412. Mantida a cotação atual do petróleo, de US$ 50/bbl,a nova curva de produção até 2020 provocará perda de faturamento de US$ 90 bilhões para a Petrobras.

Tal perda se distribuirá entre a Petrobras, que terá sua capacidade de gerar receita reduzida; os acionistas, que receberão menos dividendos; e a União, estados e municípios, que recolherão menos tributos e receberão menor montante de participações governamentais13.

Como, em decorrência da Lei nº 12.858, de 9 de setembro de 2013, a maior parcela das participações governamentais na renda petrolífera é destinada às áreas de educação e saúde, no fim, serão os brasileiros de renda mais baixa os mais prejudicados, por dependerem exclusivamente do Estado para a prestação desses serviços.

Avaliação do PNG 2010-2014

Embora o corte de produção incluído no PNG 2015-2019, de 30%, seja muito significativo,ainda assim, não é garantido que a Petrobras será capaz de atingir as novas metas estabelecidas. Afinal, a companhia tem tradição de não cumprir suas metas de produção, e o ambiente econômico que a Petrobras enfrentará nos próximos anos será um dos mais desfavoráveis das últimas décadas.

Um indicativo da exequibilidade das metas de produção do PNG 2015-2019 pode ser depreendido da análise dos resultados alcançados pelo PNG 2010-2014. Esse último previa investimentos totais de US$ 224 bilhões, dos quais US$ 118,8 bilhões, ou US$ 23,76 bilhões por ano, seriam destinados à área de Exploração & Produção14. Como resultado dos investimentos, a Petrobras estimava que sua produção de hidrocarbonetos saltaria de 2,5 milhões de boe/d, alcançados em 2009, para 3,9 milhões de boe/d em 201415.

O PNG 2010-2014 atingiu a meta de desembolso financeiro, mas ficou longe da meta de produção. Ou seja, os investimentos foram muito menos eficientes do que se previa. Na Figura 3, é comparado o investimento em Exploração & Produção planejado com o realizado entre 2010 e 2014. Nesse período16, os investimentos da Petrobras na área de Exploração& Produção totalizaram US$ 123,2 bilhões, ou seja, alcançaram 104% do planejado pela companhia.

Figura 3 – Comparação do investimento em Exploração & Produção planejado com o realizado entre 2010 e 2014, assumindo-se distribuição anual uniforme dos investimentos planejados.

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Contudo, o aumento esperado da produção de petróleo e gás natural não se verificou, como mostra a Figura 4. Em 2014, a produção real foi de 2,7 milhões de boe/d, enquanto o planejado era de 3,9 milhões de boe/d. Entre 2009 e 2014, em vez do crescimento robusto de 1,4 milhão de boe/d,houve a quase estagnação, e apenas 143 mil boe/d foram adicionados à produção, configurando a realização de parcos 10,4% da meta física.

Figura 4 – Comparação da produção, planejada e realizada, entre 2010 e 2014.

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É absolutamente surpreendente e deveras intrigante tamanha discrepância entre a realização financeira e o cumprimento das metas físicas. Embora seja bem sabido que os investimentos em Exploração & Produção demoram cerca de dez anos para resultar em produção – e, portanto, nem todos os investimentos realizados foram direcionados para projetos que começariam a produzir no período considerado – a Petrobras, ao realizar seu planejamento em 2009 e estabelecer as metas de produção para 2010-2014, deveria possuir as informações necessárias para estimar com bom grau de acerto quais projetos em estágio de desenvolvimento mais avançado alcançariam a fase de produçãono decorrer desse quinquênio, em se concretizando os investimentos programados.

Entretanto, essa expectativa, baseada na lógica do que deve ser o planejamento empresarial, não se confirmou, e a consequência foi que a companhia investiu a quantia de US$ 861 mil para cada boe/d adicionado à produção. Considerando o lucro líquido por boe alcançado em 2011, de US$ 29,6817, o maior dos últimos anos, a capacidade de produção adicionada deveria se manter produtiva por mais de 79 anos para a Petrobras recuperar o equivalente ao investimento nominal realizado!

Contexto econômico do PNG 2010-2014

Diante do precedente negativo do PNG 2010-2014, a questão que se coloca é se a Petrobras conseguirá cumprir a meta anunciada no PNG 2015-2019 e adicionará à produção mais 831 mil boe/d entre 2014 e 2019,com investimentos em Exploração & Produção de US$ 108,6 bilhões, soma 12% inferior em termos nominais ao investimento realizado no período 2010-2014.

E as dúvidas quanto ao cumprimento das metas de produção da companhia aumentam ainda mais quando se compara o contexto econômico vivido no período 2010-2014 com o contexto que vai se delineando para o período 2015-2019.

Em 2009, a Petrobras recobrava-se rapidamente dos efeitos da crise global de 2008.A necessidade de realizar pesados investimentos para aproveitamento das reservas do pré-sal, descoberto em 2006, levou à realização de processo de capitalização em setembro de 2010. Na ocasião, foram vendidos 4,2 bilhões de ações e arrecadados R$ 120,2 bilhões (US$ 69,9 bilhões)18.Embora R$ 74,8 bilhões tenham sido destinados ao pagamento do petróleo dos campos da cessão onerosa e, por conseguinte, não ficaram disponíveis para investimentos, a companhia mostrou ser capaz de levantar recursos consideráveis junto aos acionistas para realizar sua expansão.

Além disso, as políticas econômicas adotadas pelos países desenvolvidos, principalmente os Estados Unidos, para superar a crise global de 2008, como juros reais negativos e quantitative easing19,inundaram o mercado financeiro internacional com dinheiro ávido por oportunidades de investimento nos países emergentes. Isso facilitou sobremaneira a captação de recursos pela companhia.

Após a capitalização, noticiou-se que a Petrobras chegou a ser a quarta maior empresa de capital aberto do mundo em valor de mercado, US$ 216,7 bilhões, à frente inclusive da Microsoft20. Em 2011, a companhia atingiu seu rating máximo junto à agência classificadora de riscos Moody’s: A3, quatro degraus acima do grau especulativo21.

Já quanto ao petróleo, a sua cotação no mercado internacional, ao longo de 2009 e 2010, recuperou-se do mínimo alcançado com a eclosão da crise global de 2008. O barril do petróleo manteve-se quase sempre na faixa de US$ 100 / US$ 120 entre 2011 e o primeiro semestre de 2014, e só após esse período passaram a prevalecer as condições de excesso de oferta que levaram à atual depressão das cotações.

Tudo parecia contribuir para o sucesso da Petrobras: a descoberta de gigantescas reservas de petróleo no pré-sal, a farta disponibilidade de recursos, próprios e de terceiros,para realização dos investimentos necessários para aproveitá-las, e a cotação elevada do petróleo. Todavia,decisões políticas equivocadas desperdiçaram a oportunidade que se apresentou e provocaram a crise que engolfa a companhia.

Curiosamente, o anúncio da capitalização da Petrobras inverteu a tendência de subida no valor das ações da companhia, que, após a baixa ocorrida em razão da crise global de 2008, recuperou-se ao longo de 2009 até o 1º trimestre de 2010. A insegurança dos investidores com relação às regras da capitalização penalizou o valor das ações, porque ficaram nítidas as intenções do Governo de aumentar sua participação acionária em detrimento dos acionistas minoritários, bem como a de retomar políticas de caráter monopolista para o aproveitamento do pré-sal, cristalizada na mudança do regime regulatório no final de 2010.

Adicionalmente, a política de controle artificial do preço dos combustíveis, com o intuito de diminuir a inflação, associada à cotação elevada do petróleo no mercado internacional, obrigou a Petrobras a vender derivados no mercado brasileiro por preços menores que o de compra no mercado externo. O preço barato dos combustíveis e o aumento de renda da população levaram à explosão do consumo e, consequentemente, ao agravamento do déficit da companhia na área de Abastecimento, que, entre 2011 e 2014, apresentou prejuízo líquido acumulado de US$ 41 bilhões.Ou seja, 58% dos US$ 69,9 bilhões obtidos na capitalização escorreram pelo ralo do prejuízo decorrente do congelamento do preço dos combustíveis.

Em paralelo, a trajetória do endividamento da companhia se mostrava insustentável, embora a mencionada liquidez excessiva do mercado internacional tenha permitido a manutenção do fluxo de recursos para a Petrobras. Infelizmente, parcela considerável desses recursos foi enterrada em investimentos com baixa perspectiva de retorno ou foi desviada em práticas sistemáticas de corrupção. No balanço anual de 2014, a Petrobras reduziu o valor recuperável dos ativos (impairment) em US$ 16,8 bilhões e deu baixa contábil de perdas com corrupção de US$ 2,5 bilhões22.

O escândalo de corrupção, descoberto em 2014 no âmbito da operação Lava-Jato, foi o golpe de misericórdia no valor da Petrobras e de suas ações, que hoje valem menos que 10% do valor máximo, alcançado em meados de 200823.

Como se viu, as condições de realização do PNG 2010-2014, que começaram alvissareiras, foram se deteriorando gradualmente. Em outubro de 2013, a Petrobras desceu um degrau na escala de avaliação de risco da Moody’s.Masa crise agudizou-se somente no final de 2014 e no início de 2015, nesses poucos meses o rating da companhia foi rebaixado pela Moody’s para o grau especulativo. A Tabela 1 retrata em números a deterioração econômica da Petrobras ocorrida nos últimos anos.

Tabela 1 – Situação econômica da Petrobras nos anos de 2009 a 201424.

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Apesar das dificuldades crescentes,o contexto econômico, no geral, foi favorável para a Petrobras para realizar seu plano de investimentos na maior parte do período 2010-2014. Se os resultados não foram os esperados, as causas foram a má seleção de projetos e os erros de governança na sua execução, e não a falta de recursos.

Riscos enfrentados pelo PNG 2015-2019

O contexto econômico em que será desenvolvido o PNG 2015-2019, porém, é totalmente diverso daquele do PNG 2010-2014. As condições em que a Petrobras se encontra hoje são muito mais débeis do que em 2010. Além de a companhia estar hoje em pior situação financeira que em 2010, conforme mostra a Tabela 1, a cotação do petróleo caiu e o mercado internacional de crédito será mais seletivo e cobrará juros mais altos25.

A própria companhia reconhece que as metas do PNG 2015-2019 podem não ser cumpridas como o planejado e aponta três riscos principais26:

    1. Mudanças de condições de mercado, como preço do petróleo e taxa de câmbio;
    2. Operações de desinvestimentos e outras reestruturações de negócios, sujeitas a condições de mercado vigentes à época das transações; e
    3. Alcance das metas de produção de petróleo e gás natural, em um cenário de dificuldades com fornecedores no Brasil.

Desafortunadamente, os riscos temidos pela Petrobras estão se tornando realidade e já corroem as bases do PNG 2015-2019, no qual se assumiu que a cotação do barril do petróleo seria US$ 60, em 2015, e US$ 70 entre 2016 e 2019; e a cotação do dólar seria de R$ 3,10, em 2015, e subiria gradualmente até R$ 3,56 em 2020.

A projeção da Petrobras sobre a evolução dos preços do petróleo não se mostra totalmente desfocada da realidade atual do mercado, mas parece um pouco otimista.

O excesso de oferta de petróleo no mercado internacional, resultado do forte crescimento da produção norte-americana originada da exploração de fontes não convencionais, frente a uma fraca demanda, provocada pela desaceleração da economia chinesa, foi deprimindo a cotação do petróleo ao longo do segundo semestre de 2014. No último trimestre desse ano, os membros da OPEP, principalmente a Arábia Saudita, decidiram manter ou elevar a produção para não perder fatias de mercado e pressionar os produtores americanos, cujo custo de produção é mais elevado.

Como resultado da superoferta gerada pela queda de braço entre os produtores, o preço do barril de petróleo despencou dos mais de US$ 100, em junho de 2014, para US$ 50/bblem agosto de 2015.Entretanto, o Banco Mundial projeta que a cotação do petróleo poderá se recuperar e aproximar-se lentamente dos US$ 70/bbl até 202027.

Mas o que não se avistaé a volta da cotação do petróleo à casa dos US$ 100/bbl, que prevaleceu em 2011-2014.As perspectivas são de que nos próximos anos a oferta continuará asuperar a demanda, tendo em vistaque, entre outras razões, o Irã brevemente aumentará sua oferta no mercado internacional, após o acordo para controle de suas atividades nucleares, e a economia da China, maior importadora de petróleo do mundo, parece entrar em fase duradoura de menor crescimento.

Com a depressão da cotação do petróleo, a rentabilidade dos projetos de Exploração & Produção é reduzida, e, consequentemente, aumenta a dificuldade para o pagamento da dívida da Petrobras.Até a produção no pré-sal, que a companhia informa possuir breakeven point28 de US$ 54/boe29, pode tornar-se desvantajosa.

O câmbio, contudo, parece ser um problema mais grave para a Petrobras. Empurrado pela crise política e econômica, o dólar atinge R$ 3,80 e pode chegar a R$ 4,50 se o Brasil perder o grau de investimento30. Como mais de 80% da dívida da empresa está denominada em dólar, a valorização da moeda americana tem sido um fardo pesado para a companhia. Calcula-se que para cada R$ 0,10 que o dólar se valoriza, a dívida da Petrobras cresce R$ 10 bilhões31.

Com relação ao crédito, aPetrobras também não terá a mesma facilidade de anos recentes para captar recursos no mercado externo, principalmente se o banco central americano aumentar os juros, e o Brasil e a companhia perderem o grau de investimento32, acontecimentos que a cada dia parecem estar mais próximos.

A captação de novos recursos e/ou a rolagem da dívida atual é fundamental para a concretização dos investimentos de US$ 130,3 bilhões,previstos no PNG 2015-2019. Nesse período, vencerão dívidas no valor de US$ 73,15 bilhões33, que somadas aos investimentos programados resultarão em necessidade de capital de US$ 203,45 bilhões ou US$ 40,7 bilhões por ano, quantia 63% maior que o EBITDA de 2014.

Alerta para as dificuldades de implementação de tal esforço financeiro, a Petrobras inseriu no PNG 2015-2019 a meta de venda de ativos de US$ 15,1 bilhões, em 2015-2016, e US$ 42,6 bilhões em 2017-2018, totalizando US$ 57,7 bilhões no quadriênio.

Os números apresentados nos parágrafos anteriores mostram o quanto essa venda de ativos é importante para o sucesso do PNG 2015-2019. Entretanto, diante das baixas cotações do petróleo e da crise que abate a economia brasileira, é pouco provável que se amealhe o valor esperado34, a não ser que os ativos colocados à venda sejam realmente excepcionais, como os grandes campos do pré-sal35 ou o controle da BR Distribuidora36.

Por fim, o cenário dos fornecedores da Petrobras não é nada animador. As maiores empreiteiras brasileiras estão sendo investigadas por corrupção em contratos com a petroleira na operação Lava-Jato, e sofrem bloqueio cautelar de seus contratos por parte da petroleira37. Algumas delas,como a OAS e a Galvão Engenharia, tiveram que pedir recuperação judicial38.

O arranjo industrial do parque fornecedor de sondas de perfuração offshore, constituído em torno da Sete Brasil, que deveria ser responsável pelo fornecimento de vinte e oito unidades, se desarticulou quando a empresa foi citada na operação Lava-Jato39. E só recentemente, a duras penas, a Petrobras e os sócios controladores da Sete Brasil chegaram a um acordo, no qual o número de sondas foi reduzido para dezenove40.No decorrer desse processo, estaleiros41, fornecedores de equipamentos42,43 e prestadores de serviço foram atingidos – seja pela retração das fontes de financiamento44, devido aos temores dos desdobramentos da operação Lava-Jato, seja pelo atraso de pagamento, cancelamento e/ou redução de encomendas45,46 –, e buscam alternativas à redução de investimentos da Petrobras47.

As opções incluem a consolidação do setor naval brasileiro48, o que demandará tempo e deverá provocar atrasos nas entregas de navios, plataformas e sondas de perfuração para a Petrobras. Além disso, o cumprimento dos compromissos de conteúdo local, que já é bastante desafiador, pode tornar-se ainda mais difícil49.

Conclusão

O PNG 2015-2019, ao propor cortes profundos nos investimentos anteriormente programados no PNG 2014-2018, causou a impressão de que a nova direção da Petrobras arquitetava seu planejamento com os pés solidamente apoiados no chão. Porém, no curto período decorrido desde seu anúncio no final de junho, diante dos desdobramentos das crises que assolam a companhia e o Brasil, a impressão que se tem é que o PNG 2015-2019 é mais um apanhado de desejos otimistas, como foram seus antecessores, que um plano realmente possível de ser concretizado.

Particularmente, as metas de aumento da produção de petróleo e de gás natural do PNG 2015-2019 mostram-se cada vez menos exequíveis, não pela falta de reservas, pois a Petrobras as tem em quantidade acima de sua capacidade de aproveitá-las, mas pela falta de recursos para realizar os investimentos necessários.

Diante desse quadro, é imperativo que o regime de exploração e produção de petróleo no Brasil seja revisto, com o intuito de torná-lo mais atrativo às empresas privadas, nacionais e estrangeiras, para que elas façam os investimentos que a Petrobras não poderá fazer por muitos anos.

__________________
1Disponível em:<http://www.investidorpetrobras.com.br/download/3013>. Acesso em 2 set. 2015.

2Disponível em: <http://www.investidorpetrobras.com.br/download/522>. Acesso em 2 set. 2015.

3Comperj: 165 mil bbl/d. Disponível em: <http://www.petrobras.com.br/pt/nossas-atividades/principais-operacoes/refinarias/complexo-petroquimico-do-rio-de-janeiro.htm>. Acesso em: 2 set. 2015.

4Premium I: 300 mil bbl/d; Premium II: 300 mil bbl/d. Disponível em: <http://www.petrobras.com.br/fatos-e-dados/nordeste-respondera-por-83-da-nova-capacidade-de-refino.htm>. Acesso em: 2 set. 2015.

5Cálculo do autor a partir das Tabelas 2.52 e 2.54 do Anuário Estatístico Brasileiro do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis 2015, publicado pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Disponível em: <http://www.anp.gov.br/?pg=76798>. Acesso em 2 set. 2015.

6A capacidade instalada de refino da Petrobras, chamada de carga de referência, é de 2,176 milhões de bbl/d. Se forem acrescentados mais 115 mil bbl/d, referentes ao 2º trem da Rnest, a capacidade de refino da Petrobras sobe para cerca 2,3 milhões de bbl/d. Como no PNG 2015-2019, a Petrobras estima que o consumo de derivados de petróleo no Brasil será de 2,85 milhões de bbl/d em 2020, o déficit na produção de derivados deverá superar 500 mil bbl/dnesse ano.

7Área responsável pela descoberta e desenvolvimento de campos petrolíferos bem como pela produção de petróleo e gás natural no Brasil.

8Na área Internacional, a quase totalidade dos investimentos concentra-se nas atividades de exploração e produção dos campos petrolíferos que a Petrobras possui no exterior.

9Essa unidade é utilizada para agregar a produção de petróleo e gás natural. É feita a equivalência energética entre o petróleo e o gás natural segundo a seguinte relação: 1.000 m3 de gás natural correspondem a 6,29 barris de petróleo. Alertamos que não se trata de uma equivalência econômica, pois a unidade de energia contida no petróleo alcança preço de mercado superior à unidade de energia contida no gás natural. De acordo com o balanço da Petrobras do segundo trimestre de 2015, essa diferença, para o mercado brasileiro, foi de US$ 7,73 por boe no primeiro semestre de 2015.  Esse aspecto será desconsiderado neste trabalho, porque não afetará significativamente as conclusões, já que a produção de gás natural representa menos de 20% da produção total de hidrocarbonetos da Petrobras. Disponível em: <http://www.investidorpetrobras.com.br/download/3220>. Acesso em 2 set. 2015.

10Segundo a Diretora-geral da ANP, o pico da produção do campo de Libra poderá atingir 1 milhão de bbl/d. Disponível em <http://www.valor.com.br/brasil/3196432/campo-do-pre-sal-tera-primeiro-oleo-apos-5>.  Acesso em 5 set. 2015.

11Em julho de 2015, foram produzidos 3,07 milhões de boe/d no Brasil. Disponível em <http://www.anp.gov.br/?dw=77430>. Acesso em 5 set. 2015.

12Em 2014, o Brasil produziu 822,9 milhões bbl de petróleo e 31,9 bilhões de m3 de gás natural, o que perfaz 1,02 bilhões de boe. Disponível em: <http://www.anp.gov.br/?dw=76545>. Acesso em 4 set. 2015.

13Royalties e participação especial, no regime de concessão; e royalties e excedente em óleo no regime de partilha.

14Disponível em<http://www.investidorpetrobras.com.br/download/1391>. Acesso em 2 set. 2015.

15Note-se que esse total é superior à produção projetada para 2020 no PNG 2015-2019, de 3,7 milhões de boe/d.

16Os dados para o período 201-2014 foram obtidos nas publicações de Resultados Financeiros disponibilizados pela Petrobras. Disponível em <http://www.investidorpetrobras.com.br/pt/resultados-financeiros#topo>.  Acesso em 2 set. 2015.

17Disponível em<www.investidorpetrobras.com.br/download/2972>. Acesso em 7 set. 2015.

18Disponível em <http://www.investidorpetrobras.com.br/download/1218>. Acesso em 2 set. 2015.

19Trata-se de uma política monetária para estimular a economia e combater a deflação, na qual o banco central compra títulos soberanos e outros papéis no mercado financeiro com intuito de aumentar a liquidez.

20Disponível em <http://economia.uol.com.br/ultimas-noticias/redacao/2010/09/24/petrobras-deve-ficar-entre-as-cinco-maiores-empresas-do-mundo.jhtm>. Acesso em 3 set. de 2015.

21Para maiores informações sobre o rating da Petrobras, ver: <http://www.brasil-economia-governo.org.br/2015/03/03/por-que-a-moodys-rebaixou-a-nota-de-credito-da-petrobras/>.

22Disponível em <http://www.investidorpetrobras.com.br/download/2914>. Acesso em 5 set. 2015.

23Disponível em <http://charting.nasdaq.com/ext/charts.dll?2-1-14-0-0-5120-03NA000000PBR-&SF:1|5-BG=FFFFFF-BT=0-WD=635-HT=395–XTBL->. Acesso em 6 set. 2015.

24Resultados financeiros da Petrobras. Disponíveis em <http://www.investidorpetrobras.com.br/pt/resultados-financeiros#topo>. Acesso em 5 set. 2015.

25Analistas calcularam que, entre outubro e dezembro de 2014, que o custo de captação para a Petrobras subiu 60%. Disponível em <http://www.valor.com.br/financas/3826354/custo-de-captacao-da-petrobras-sobe-60>. Acesso em 6 set. 2015.

26Disponível em <http://www.investidorpetrobras.com.br/download/3013>. Acesso em 3 set. 2015.

27Disponível em: <http://www.worldbank.org/content/dam/Worldbank/GEP/GEPcommodities/Price_Forecast_20150722.pdf>. Acesso em 6 set. 2015.

28Ponto no qual não há prejuízo nem lucro. A partir do breakevenpoint, a empresa passa a ter lucro.

29Disponível em <http://pt.slideshare.net/fullscreen/petrobrasri/visao-geral-da-petrobras/12>. Acesso em 7 set. 2015.

30Disponível em <http://www.financista.com.br/noticias/brasil-esta-proximo-de-viver-um-grande-estresse-economico>. Acesso em 5 set. 2015.

31Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2015/09/1678204-alta-do-dolar-faz-divida-da-petrobras-aumentar-em-r-748-bilhoes.shtml>. Acesso em 5 set. 2015.

32A Petrobras ainda mantém o grau de investimento segundo a avaliação das agências de risco Fitch e Standard and Poor’s.

33Disponível em <http://www.investidorpetrobras.com.br/download/3220>.  Acesso em 5 set. 2015.

34A Petrobras não é a única petroleira que busca vender ativos para reforçar seu caixa. Estudo recente indica que as petroleiras colocaram a venda ativos avaliados em mais de US$ 110 bilhões. Essa oferta internacional de campos de petróleo coloca dificuldade adicional no plano de desinvestimentos da Petrobras. Disponível em <http://www.reuters.com/article/2015/01/30/us-oil-m-a-idUSKBN0L31MN20150130>. Acesso em 5 set. 2015.

35Na hipótese de a Petrobras decidir vender uma parcela de sua participação de 40% no campo de Libra, essa parcela não poderia ser superior a 10%, para manter a participação mínima de 30%, prevista na Lei nº 12.351, de 2010.

36 A venda da BR Distribuidora, independentemente da forma, deverá aguardar a melhora do mercado para conseguir maiores ofertas. Disponível em: <http://www.valor.com.br/empresas/4199730/cenario-ruim-e-divergencias-internas-adiam-oferta-da-br>. Acesso em 5 set. 2015.

37Disponível em <http://www.valor.com.br/empresas/3975960/menor-preco-do-petroleo-e-lava-jato-podem-impactar-pre-sal-diz-ppsa>. Acesso em 6 set. 2015.

38Disponível em <http://www.valor.com.br/brasil/3990160/sobem-pedidos-de-recuperacao-judicial-de-grandes-empresas>. Acesso em 6 set. 2015.

39Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/07/1657828-em-carta-ex-presidente-da-sete-brasil-admite-ter-recebido-propina.shtml>. Acesso em 6 set. 2015.

40Disponível em <http://www1.folha.uol.com.br/poder/2015/07/1657828-em-carta-ex-presidente-da-sete-brasil-admite-ter-recebido-propina.shtml>. Acesso em 6 set. 2015.

41Disponível em <http://www.valor.com.br/empresas/4057418/construcao-de-plataformas-em-xeque-no-rs>. Acesso em 6 set. 2015.

42Disponível em <http://www.valor.com.br/empresas/4114214/polo-do-vale-do-aco-vive-sua-maior-crise>. Acesso em 6 set. 2015.

43Disponível em <http://www.valor.com.br/empresas/4007506/fornecedores-de-petrobras-tem-contratos-ameacados>. Acesso em 6 set. 2015.

44Disponível em <http://www.valor.com.br/empresas/4122070/crise-no-eisa-petro-um-opoe-estaleiros-e-bancos-estatais>. Acesso em 6 set. 2015.

45Disponível em <http://www.valor.com.br/empresas/4038798/socios-aportam-capital-para-dar-folego-ao-estaleiro-atlantico-sul>. Acesso em 6 set. 2015.

46Disponível em <http://www.valor.com.br/empresas/4026650/estaleiros-demitem-10-mil-desde-dezembro-e-crise-pode-se-agravar>. Acesso em 6 set. 2015.

47Disponível em <http://www.valor.com.br/empresas/4107866/fornecedor-busca-eficiencia-para-enfrentar-crise-no-setor-petrolifero>. Acesso em 6 set. 2015.

48 Disponível em <http://www.valor.com.br/empresas/4166886/arrendamento-de-estaleiro-japoneses-vira-alternativa>. Acesso em 6 set. 2015.

49 Disponível em <http://www.valor.com.br/empresas/4028724/repsol-sinopec-se-prepara-para-desenvolver-projeto-gigante-de-gas>. Acesso em 6 set. 2015.

 

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A Petrobras conseguirá explorar plenamente o pré-sal? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1920&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=a-petrobras-conseguira-explorar-plenamente-o-pre-sal https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=1920#comments Mon, 01 Jul 2013 14:12:03 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=1920 Em dezembro de 2010, com a publicação da Lei nº 12.351, a Petrobras tornou-se protagonista na exploração do petróleo situado na camada do pré-sal. Aquela Lei, além de instituir o regime de partilha, conferiu várias prerrogativas para a empresa, onde se pode destacar ter-se tornado operadora única de todos os campos licitados, com participação mínima de 30% nos consórcios, e a possibilidade de receber o direito de exploração de áreas sem necessitar passar por processos de licitação.

Também em 2010, a Lei nº 12.276 cedeu onerosamente à Petrobras o direito de explorar 5 bilhões de barris de óleo equivalente (boe), no âmbito do processo de capitalização da empresa.

Não se sabe ao certo o tamanho do pré-sal. As reservas provadas já atingem 15 bilhões de boe, mas as estimativas mais pessimistas apontam para um mínimo de 30 bilhões de boe, e as mais otimistas dizem que pode chegar a 100 bilhões de boe. Em qualquer cenário, trata-se de uma imensa riqueza, que, para ser explorada, exige muito investimento.

A Petrobras, operadora única de todo o pré-sal, terá fôlego para tanto? É difícil responder a essa pergunta, mas, mantido o quadro atual, o mais provável é que não.

Alguns indicadores de rentabilidade da Petrobras mostram uma deterioração de sua situação financeira. A margem operacional, medida pela relação entre o resultado operacional (que desconsidera o resultado financeiro e o pagamento de imposto de renda) e a receita líquida, era de 29,6% no início de 2006. Depois caiu para 21,3% no final de 2007, recuperou-se para 24,9% no final de 2009 e, a partir daí, vem caindo continuamente, chegando a 10,3% no 1° trimestre deste ano.

Outro indicador de rentabilidade, o retorno sobre o capital investido (ROIC, na sigla em inglês), que consiste da relação percentual entre o resultado operacional e o valor do capital investido na empresa, caiu de 29,2%, no início de 2006, para 18%, no início de 2009, 10,5%, no início de 2011, e 4,8%, no 1° trimestre deste ano. O ROIC de 4,8% é preocupante, pois indica que o retorno dos investimentos feitos na empresa está menor que seu custo de captação.

Gráfico 1 – Indicadores de rentabilidade da Petrobras

Outro indicador financeiro que piorou nos últimos anos foi o nível de endividamento. Entre 2008 e 2012, a dívida líquida triplicou, apesar de a empresa ter levantado dezenas de bilhões de reais na sua operação de capitalização em 2010. Ou seja, mesmo tendo feito uma venda bilionária de ações, a empresa ainda teve que ampliar seu endividamento.

Quando se compara o nível de endividamento com o EBITDA1 (que é o resultado antes do pagamento de impostos, depreciação e custos financeiros), a dívida líquida passou de 0,8 vezes o EBITDA do ano, em 2008, para 2,8 vezes, em 2012. A própria Petrobras considera que um nível confortável de endividamento seria de 2,5 vezes o EBITDA.

A perda de rentabilidade da empresa nos últimos anos refletiu-se no preço de suas ações. A Tabela 1 mostra que, desde 2008, as ações da Petrobras vêm rendendo menos que o Ibovespa. Já em relação a seus pares, medido pelo Amex Oil Index, a Petrobras somente teve desempenho melhor em 2009. Destaque-se que, desde 2010, enquanto o preço médio das ações das empresas petrolíferas vem aumentando, o valor das ações da Petrobras só tem caído. Em junho de 2013, a cotação da ação da Petrobras encontra–se nos níveis mínimos verificados desde a crise de 2008, cerca de 53% abaixo da cotação do final de 2009.

Tabela 1: Evolução da cotação das ações da Petrobras, do Ibovespa e do Amex Oil Index (variação %)

Identificamos quatro motivos que explicam essa deterioração das finanças da empresa:

i)  Capitalização da empresa que gerou novas obrigações de exploração;

ii) Defasagem dos preços internos e externos de derivados de petróleo;

iii) Obrigatoriedade de investimentos em refinarias;

iv) Políticas de conteúdo local mínimo.

A seguir, descreveremos sucintamente cada um desses problemas.

I – A capitalização da Petrobras

Em 2009, o Poder Executivo enviou ao Congresso Nacional o Projeto de Lei nº 5.941, que tinha por objetivo autorizar a capitalização da Petrobras. Tal capitalização era necessária dentro da lógica de estatização da exploração do pré-sal. Afinal, como a Petrobras passava a ser responsável por, no mínimo, 30% da exploração do pré-sal, teria de ser capaz de obter recursos para os investimentos necessários. Para tanto, a capitalização traria dois benefícios: i) aumentaria de imediato o caixa da Petrobras; e ii) reduziria a relação endividamento/patrimônio líquido, o que facilitaria a contratação de novos empréstimos pela estatal.

Ocorre que, em vez de a União simplesmente aportar capital na empresa, o que aumentaria o endividamento do setor público, optou-se pelo mecanismo de cessão onerosa. A União, proprietária de todas as riquezas do subsolo, cederia onerosamente o direito de exploração de cinco bilhões de barris e receberia, em troca, ações da empresa.

O contrato de cessão onerosa foi firmado em 3 de setembro de 2010. A Petrobras pagou R$ 74,8 bilhões pelo direito de explorar os cinco bilhões de barris, sendo o pagamento feito por meio de ações. No total, a Petrobras emitiu 2.369 milhões de ações ordinárias e 1.901 milhões de ações preferenciais, o que lhe rendeu R$ 120,25 bilhões e se transformou na maior capitalização que já houve em todo o mundo. Tendo em vista que quase R$ 75 bilhões foram gastos para a compra do direito de exploração, a capitalização rendeu, em caixa para a empresa, um total de R$ 45,5 bilhões.

Há motivos para questionar se a capitalização cumpriu o objetivo de aumentar a capacidade de investimento da Petrobras. Isso porque, em primeiro lugar, somente R$ 45 bilhões dos R$ 120 bilhões de aumento de capital social se transformaram em caixa da empresa. Em segundo lugar, porque, na operação a Petrobras adquiriu o direito/obrigação de explorar cinco bilhões de boe. Assim, parte significativa do caixa gerado pode ser suficiente apenas para explorar essas novas áreas, não acrescentando recursos novos para explorar os campos para os quais já haviam sido firmados contratos de concessão e, principalmente, para novos campos na área do pré-sal.

De fato, considerando somente o caixa, a operação de capitalização foi inútil: de acordo com o Plano de Investimentos para o período 2013-2017, a área de cessão onerosa irá requerer investimentos de US$ 27,6 bilhões, ou R$ 60,7 bilhões, utilizando a cotação de R$ 2,20 por dólar. Se fossem corrigidos pela Selic, os R$ 45 bilhões arrecadados em 2010 valeriam, atualmente, R$ 58,6 bilhões. Ou seja, todo o caixa gerado pelo processo de capitalização da Petrobras sequer seria suficiente para financiar os investimentos na área de cessão onerosa durante o período 2013-2017.

Mas a capitalização, ao aumentar o capital social, também permite maior contratação de empréstimos, tendo em vista que os credores tendem a emprestar mais para empresas com maior patrimônio líquido. Nesse sentido, a capitalização gerou folga adicional de cerca de R$ 35 bilhões na capacidade de financiamento da estatal. Apesar de ser um número elevadíssimo, é bem abaixo de suas necessidades de recursos. O Plano de Negócios e Gestão (PNG) da empresa prevê investimentos de US$ 236,5 bilhões para o quadriênio 2012-2016, ou US$ 47,3 bilhões por ano.

Tendo em vista o grau de endividamento e o caixa da empresa, pode-se concluir que a capacidade de investimento da Petrobras na área do pré-sal encontra-se severamente limitada.

É importante esclarecer que o processo de capitalização da empresa poderia ser feito de outra forma, o que liberaria mais recursos para a Petrobras investir nas áreas já contratadas e em futuras áreas de partilha. Como o governo não pretendia lançar títulos públicos, o que aumentaria seu endividamento, os recursos necessários para capitalizar a empresa poderiam ser obtidos via leilão da área da cessão onerosa. Esse mecanismo, inclusive, reduziria a probabilidade de o direito de exploração ser vendido abaixo do preço justo, o que é algo a não ser descartado, tendo em vista a divergência de cálculos apresentados entre as empresas certificadoras.

II – A defasagem de preços internos e externos de derivados do petróleo

A principal causa da queda de rentabilidade da Petrobras foi a defasagem entre os preços dos derivados de petróleo no Brasil e no exterior, que levou ao prejuízo da atividade de refino de petróleo e venda de derivados.

Segundo estimativas da própria Petrobras, desde 2010, os preços dos derivados do petróleo no Brasil têm se situado entre 10% e 20% abaixo dos cobrados no mercado internacional. Os números mais recentes, referentes a março deste ano, mostram defasagem de cerca de 10%, após os reajustes de preço da gasolina e do diesel ocorridos no início deste ano. Como desde então a cotação do dólar subiu cerca de 12% e a do petróleo caiu aproximadamente 4%, a defasagem estaria agora (junho de 2013) em cerca de 18%, ou seja, a cotação média dos derivados no Brasil é cerca de 82% da cotação no exterior. Assim, o reajuste necessário para equalizar os preços seria de aproximadamente 22%.

O resultado dessa política de contenção de preços é uma queda substancial na lucratividade da Petrobras. Em 2011, a área de abastecimento da empresa (responsável pelo refino) gerou prejuízo de R$ 10 bilhões. Em 2012, o prejuízo aumentou para R$ 23 bilhões. O mau desempenho da área de abastecimento foi o principal fator explicativo da queda de R$ 12 bilhões no lucro líquido e de R$ 8 bilhões no EBITDA da Petrobras entre os dois anos.

As consequências do controle de preços dos derivados não podem ser menosprezadas. O governo, ao fixar preços muito baixos para os derivados, estimula o consumo, o que exige da Petrobras aumentar as importações de petróleo. Isso aumenta o prejuízo da empresa, reduzindo o lucro e o EBITDA. A redução do lucro, por sua vez, reduz o interesse dos acionistas em fazer futuros aportes de capital na empresa. Já o menor EBITDA reduz o acesso a novos financiamentos ou os torna mais caros. Devido à política de fixação do preço dos derivados abaixo do preço internacional, quanto maior for a importância do setor de abastecimento na Petrobras, menor será a capacidade de investimento em outras áreas, com destaque para a exploração do pré-sal.

É interessante avaliar por que o governo intervém no preço dos derivados que saem da refinaria, mas não intervém no preço da bomba de gasolina, que é o que afeta diretamente o bolso do consumidor e, portanto, a inflação. A razão provavelmente está na estrutura de mercado.

Ao contrário da extração e comercialização, em que há vários participantes, a Petrobras detém praticamente o monopólio de refino do petróleo no Brasil, respondendo por cerca de 98% da produção. Gera-se então um círculo vicioso: a União, controladora da empresa, pode determinar o preço que bem entender para o derivado, ainda que esse preço não seja lucrativo. Isso gera incerteza para os investidores privados, que, dessa forma, não irão investir em refinarias. Com a ausência de investidores privados, o monopólio da Petrobras se reforça e o governo se sente mais à vontade para controlar o preço no refino.

É interessante comparar a situação do refino com a comercialização final, um mercado bem mais competitivo, em que a Petrobras detém participação de 38%. Nesse caso, o controle sobre o preço final da gasolina ao consumidor, fixando-o abaixo do custo de produção, além de gerar inevitáveis questionamentos judiciais por parte das empresas privadas que atuam no setor, levaria também ao desabastecimento no médio e longo prazos. Isso porque, com o setor privado saindo da atividade de comercialização, a Petrobras (ou outra empresa estatal) teria de providenciar a oferta dos 62% de mercado que o setor privado atualmente provê, o que pode ser inviável.

III – Obrigatoriedade de investimentos em refinarias

Vimos anteriormente que, em decorrência de uma política governamental de fixação de preços, a atividade de refino vem sendo deficitária. Entretanto, mesmo na ausência de intervenção do governo, seria de se esperar que a atividade de refino tivesse menor lucratividade do que a de extração.

De acordo com a teoria econômica, quando há barreiras à entrada, reduz-se a competição no setor e surge oportunidade de se auferirem lucros extraordinários, acima daqueles que normalmente se obtém. Aplicando esses conceitos à indústria do petróleo, a barreira à entrada é a licença de exploração. Não basta uma empresa querer extrair petróleo do fundo do mar, é necessário, antes, obter uma licença para explorá-lo. Como essa licença não é concedida para todos os que a desejarem2, cria-se uma barreira à entrada de novos concorrentes. Já para o refino, qualquer empresa com capacidade técnica e financeira, pode ser autorizada a atuar no setor, tornando-o mais competitivo que a extração.

Os números parecem confirmar a teoria. Nos Estados Unidos, de janeiro a maio de 2013, a margem bruta3 média das refinarias foi de 18%4. Registre-se que, em 2013, as refinarias têm obtido maior margem do que em anos anteriores devido ao aumento da demanda, via exportações. De acordo com a Petrobras5, a margem líquida das principais companhias de petróleo na atividade de exploração era em torno de 25%. Para a Petrobras, a margem era ainda maior, acima de 40%!

Dos resultados acima, pode-se inferir que, se a Petrobras fosse uma empresa privada, provavelmente iria dirigir todos os seus esforços para as atividades de exploração e produção. Ocorre que seu controlador, a União, impõe investimentos também em refinarias, que vêm gerando déficits em função do controle de preços. De qualquer maneira, mesmo na melhor das hipóteses, se o mercado de gasolina fosse livre, o retorno das refinarias tenderia a ser mais baixo do que o da atividade de exploração e produção.

O plano de investimentos da Petrobras para o período 2013-2017 prevê que, dos US$ 236,7 bilhões a serem investidos, 27,4% (ou seja, US$ 64,8 bilhões) serão direcionados para as atividades chamadas de downstream. Desse total, US$ 33,2 bilhões serão aplicados diretamente na expansão da capacidade de refino. Obviamente, todos esses recursos a serem investidos nas atividades dowstream poderiam ser aplicados nas atividades de exploração e produção, mais lucrativas.

Da forma como o mercado se encontra estruturado, não resta opção para o controlador exceto a de impor a construção de refinarias para a Petrobras. O ideal, entretanto, seria viabilizar maior participação do capital privado no refino, mas, para tanto, seria necessário que o governo desse garantias para potenciais interessados de que não regularará o preço da gasolina ou de que permitirá às empresas exportar livremente os derivados. Se o governo entender que é necessário baratear o preço da gasolina ou de outros derivados, deve fazê-lo por meio de subsídios. É a forma mais transparente de regular preços, fazendo com que toda a sociedade, por meio do Congresso Nacional quando da discussão do orçamento, possa avaliar o melhor uso dos recursos públicos, comparando as vantagens de reduzir o preço da gasolina e de outros derivados do petróleo frente a outros gastos públicos, como educação, saúde, infraestrutura ou gastos sociais.

IV – Exigência de conteúdo local mínimo

Desde a abertura da atividade de exploração do petróleo ao setor privado em 1997, tem havido uma preocupação em garantir um conteúdo local (CL) mínimo. Essa preocupação é usualmente justificada de duas formas. Em primeiro lugar, existe o argumento no nível macroeconômico, de que a demanda por insumos e equipamentos produzidos no Brasil sustenta a demanda agregada doméstica, além de evitar que a riqueza do petróleo se esvaia para outros países. Do ponto de vista microeconômico, as políticas de CL seriam essenciais para o desenvolvimento de uma indústria nacional tecnologicamente avançada, o que, no médio prazo, em decorrência das externalidades positivas geradas, repercutiria favoravelmente sobre a produtividade da indústria como um todo.

Não cabe aqui discutir a pertinência dos argumentos pela defesa de CL mínimo. Vale, contudo, alertar que estão longe de serem consensuais. Do ponto de vista macroeconômico, o que sustenta a demanda agregada são as políticas monetária e fiscal. Os recursos alocados na produção de equipamentos para a indústria petroleira, na ausência de políticas protecionistas, estariam empregados em outros setores, sustentando a demanda agregada da mesma forma. Em relação ao desenvolvimento tecnológico, cabe questionar nossas vantagens comparativas em produzir itens com alto conteúdo tecnológico e, principalmente, qual a melhor política. Muito provavelmente, uma política de subsídios (que poderiam ser financiados com o aumento da arrecadação governamental, conforme argumentaremos à frente) seria mais eficiente.

Mesmo que a exigência de CL mínimo seja defensável, não podem ser ignorados seus impactos negativos sobre a Petrobras, pelo menos no curto e médio prazos, que se traduzem em maior custo de aquisição de insumos e equipamentos. Esse custo parece ser ignorado pela própria empresa, talvez refletindo mais os interesses de seu controlador (a União).

Por exemplo, em maio de 2012, o blog da Petrobras “Fatos e Dados” publicou matéria enaltecendo a entrega do navio João Cândido – o primeiro construído no Nordeste para o Programa de Modernização e Expansão da Frota (PROMEF) – para a Transpetro, subsidiária da Petrobras responsável pelo transporte do petróleo. Na reportagem, destaca-se o investimento de R$ 10,8 bilhões do Promef, o elevado índice de conteúdo local do navio (70%, ante uma meta inicial de 65%) e a geração de 60 mil empregos nos estaleiros6. Não houve qualquer menção ao custo que a Petrobras incorreria se tivesse adquirido o navio de um fornecedor estrangeiro.

Mas há fortes evidências de que a política de CL mínimo impõe custos não desprezíveis para o setor. Em fevereiro deste ano, a Petrobras solicitou à Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) o relaxamento dos rígidos critérios de conteúdo local. Em seu pedido, argumentou que em 34 itens relacionados à exploração onshore e offshore não havia oferta local disponível.

O maior risco é de não haver fornecedor nacional capaz de oferecer o equipamento ou serviço demandado pela empresa petroleira com preço, prazo e qualidade adequados. Esse risco torna-se maior diante do forte aumento da demanda. Em 2005, por exemplo, o investimento da Petrobras foi de US$ 6 bilhões. Para 2016, a demanda estimada, considerando CL de 55%, é de US$ 18 bilhões.

A Organização Nacional da Indústria do Petróleo (Onip) contratou a empresa de consultoria Booz & Co. para avaliar a competitividade dos fornecedores nacionais para a indústria de petróleo. As conclusões do estudo mostram que a competitividade da indústria nacional é muito baixa, elevando o custo da política de CL. Em relação aos países em desenvolvimento, temos desvantagens no que diz respeito ao custo da matéria-prima e componentes básicos, ao custo de mão de obra e aos impostos. Já em relação aos países desenvolvidos, perdemos na produtividade do processo de

manufatura (incluindo tecnologia e capacitação de mão de obra), no custo de capital, nos impostos e na escala.

Em consequência de nossa baixa competitividade, o fornecedor nacional tem um custo mais elevado. Por exemplo, uma caldeira naval brasileira custa 48% a mais que uma chinesa e uma bomba sea water lift nacional é 49% mais cara do que a equivalente norte-americana. Ao fazerem cotações de jaqueta, módulo deck e esteiras e condutores, observou-se que o produtor nacional pedia preços 80%, 20% e 200% maior que do concorrente estrangeiro! Adicionalmente, enquanto as cotações de fornecedores estrangeiros apresentaram dispersão de 8%, as dos fornecedores nacionais tiveram dispersão de 110%! De acordo com o estudo, o custo adicional de contratar um fornecedor nacional variou de 188% a 456%.

Não encontramos qualquer avaliação que explicitasse os custos, mas há fortes evidências de que eles não são nada desprezíveis. Se considerarmos que as compras de fornecedores locais por parte da Petrobras atingirão US$ 18 bilhões a partir de 2016, e que tais compras custam 50% a mais do que as realizadas no exterior, estamos falando em um custo adicional de US$ 6 bilhões anuais. Ou seja, a Petrobras poderia despender US$ 12 bilhões, em vez dos US$ 18 bilhões programados. Essa diferença de US$ 6 bilhões poderia ser utilizada para expandir mais rapidamente a produção. Poderia também ser distribuída na forma de lucros, o que renderia ao governo e ao BNDES algo em torno de US$ 2,8 bilhões anuais (correspondente à participação de 46% que detêm no capital social da empresa). Esses recursos, por sua vez, poderiam ser empregados em programas que tivessem maior retorno social ou financeiro, inclusive em subsídios para as empresas aplicarem em ciência e tecnologia.

Conclusão

Em síntese, as diversas intromissões que vêm sendo impostas pelo governo têm criado sérias dificuldades para a Petrobras manter lucratividade adequada e, com isso, dispor de recursos para investir no pré-sal na velocidade que seria desejável. Destaque-se, entretanto, que, independentemente dos problemas que enfrenta, dificilmente a Petrobras – como, de resto, qualquer empresa – teria musculatura suficiente para se responsabilizar por, pelo menos, 30% do pré-sal, conforme previsto em Lei. As constantes intervenções nos negócios da Petrobras constituem-se, dessa forma, em um problema adicional para outro que já estava criado: a Petrobras ter se tornado operadora única de todas as áreas do pré-sal a serem partilhadas.

________________

1 Sigla para “Earnings Before Interest, Taxes, Depreciation, and Amortization”.
2 A exigência de uma licença, per si, não implica barreiras à entrada. Por exemplo, para se abrir um restaurante, é necessário obter uma licença das autoridades sanitárias. Nesse caso, qualquer empresa que satisfaça os requisitos impostos pela autoridade sanitária obterá o direito de abrir o restaurante. No caso do petróleo, a licença não está condicionada somente ao preenchimento de determinados pré-requisitos, mas a uma limitação no número de empresas que podem operar em determinada área. Por exemplo, em cada bloco licitado, somente poderá atuar um operador.
3 A margem bruta corresponde à diferença entre o preço de venda da refinaria e o custo do óleo bruto. Assim, a margem bruta incorpora os custos de processamento do petróleo.
4 Os valores podem ser acessados no seguinte site: http://energyalmanac.ca.gov/gasoline/margins/.
5 Ver apresentação “Petrobras at a Glance”, disponível em: http://www.investidorpetrobras.com.br/en/presentations/petrobras-at-a-glance.htm.
6 A reportagem está disponível em: http://fatosedados.blogspetrobras.com.br/2012/05/25/primeiro-navio-petroleiro-construido-no-nordeste-inicia-operacoes/.

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Por que o governo tributa cada vez menos a produção de petróleo enquanto tributa cada vez mais os demais setores da economia? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=879&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=por-que-o-governo-tributa-cada-vez-menos-a-producao-de-petroleo-enquanto-tributa-cada-vez-mais-os-demais-setores-da-economia https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=879#comments Wed, 30 Nov 2011 13:02:52 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=879 As mudanças na cobrança de tributos federais e das participações governamentais sobre a produção de  petróleo implicaram redução da carga tributária incidente sobre o setor. Esse fato se verifica desde meados da década passada, em uma tendência flagrantemente contraditória com o crescimento da carga tributária incidente sobre os demais setores da economia, inclusive famílias.

Por que motivos o governo estaria tributando cada vez mais a produção e consumo da maioria dos bens e serviços e, ao mesmo tempo, aliviando a carga tributária sobre o setor de petróleo?

É curioso como um setor fundamental para a geração de receita tributária não tem sido objeto de análises mais criteriosas, de maior debate público e, em especial, objeto de mais atenção e prudência na formulação e execução da política tributária, em especial no âmbito do governo federal. E isso apesar de toda atenção que despertou o recente conflito federativo em torno da divisão da receita de royalties de petróleo e gás.

Razões para o Relaxamento

Uma primeira explicação para  esse  relaxamento na tributação do petróleo seria o esforço do governo para tentar controlar a taxa de inflação ao segurar indiretamente o preço dos derivados de petróleo, que muito pesam no cálculo do custo de vida. O governo resiste a deixar que a estatal que domina o setor repassar os aumentos nos preços internacionais dos combustíveis para os preços internos, o que inevitavelmente impõe prejuízos à Petrobras. Possivelmente,  como uma compensação, se deixou a carga tributária do setor seguir ladeira abaixo – bem, ao menos, coincidiram as evoluções, de um lado do desalinhamento dos preços internos com os internacionais, de outro da diminuição da razão arrecadação/PIB do setor. No caso específico da CIDE, o governo federal nem esconde que joga com a sua alíquota para segurar preços ao consumidor – inclusive, na última decisão recente, declarou abertamente que a reduziu para melhorar a rentabilidade das empresas do setor.

Esse tipo de política gera vários problemas alocativos e distributivos. Em primeiro lugar, quando o preço do petróleo sobe, o preço dos seus derivados deve subir e, com isso, estimular os consumidores a comprar menos desse bem, de modo que a economia passe a usar com mais parcimônia um insumo mais caro (ou o substitua por fontes alternativas de energia). Manter o preço artificialmente baixo estimula a atitude ineficiente de se consumir mais de um insumo mais caro.

Em segundo lugar, a decisão tem efeitos sobre a distribuição de renda da economia: as petroleiras perdem com o não reajuste de preços e seriam  parcialmente compensadas pela redução tributária. Os demais contribuintes perdem porque o governo eleva outros impostos para compensar a menor tributação do petróleo. Os setores da economia que fazem uso intensivo de combustíveis podem ganhar com o congelamento de preços mas isso se passa às custas dos contribuintes.

Ademais, sabe-se que a melhor política para o controle da inflação, no longo prazo, é manter as contas públicas em equilíbrio. Tentar manter a inflação mediante retenção do reajuste de alguns bens é ineficiente (como deixaram claro os planos econômicos que congelaram preços). Fazê-lo em conjunto com a redução da receita pública é ainda mais sujeito a crítica.

A defasagem de preços do petróleo no Brasil pode ser medida de várias formas. Vale citar apenas os dois combustíveis mais relevantes e em relação ao preço interno: conforme Pires (2011), “… o aumento acumulado do preço da gasolina permanece abaixo do IPCA desde julho de 2009, enquanto o aumento do preço do óleo diesel está abaixo do índice de inflação desde junho de 2009.” [1] Essa defasagem impôs, obviamente, inegáveis e pesadas perdas às empresas que atuam no setor. Pires estimou as perdas da PETROBRAS na casa de R$ 10 bilhões em meados de 2011,[2] antes da desvalorização do Real. Tal prejuízo já foi até maior, como na virada de 2008 para 2009 – ver gráfico a seguir em que o referido especialista calcula o impacto dos preços depreciados.

Neste contexto, na origem das questões tributárias eventualmente pode estar uma visão imediatista de governo – isto é, priorizar acima de tudo o controle da inflação. Para tanto, foram congelados os preços internos de combustíveis, provavelmente por imposição do controlador da sociedade de economia mista (o Governo Federal), que, apesar de ser regida pelo direito privado e ter acionistas privados, parece que acabou transformada ou reduzida a um instrumento de política anti-inflacionária.

A essa razão de corte conjuntural se soma outra de natureza estrutural:  um  viés estatizante que passou a predominar nas decisões estratégicas do Governo Federal em relação ao setor, especialmente depois da descoberta das riquezas do pré-sal e que culminou na mudança do regime para sua exploração da concessão para a partilha da produção (a respeito das diferenças nos dois regimes ver, neste site, o artigo Qual a diferença entre regime de partilha e regime de concessão na exploração do petróleo?.

No novo regime de partilha a PETROBRAS foi definida como sócia obrigatória de qualquer campo que vier a ser explorado. Mais simbólico ainda do que seria uma intervenção direta e total do governo na produção seria a proposta que chegou a ser aventada, mas depois abandonada no Senado, durante a votação da proposta de redistribuição da receita de royalties, que permitiria a União se tornar diretamente sócia na exploração dos campos de petróleo que ela própria partilha no novo regime, ou seja, sem passar pela empresa estatal que controla. [3]

Não há a menor dúvida de que será monumental o esforço de investimento exigido da PETROBRAS para se extrair as riquezas recém-descobertas do pré-sal, seja qual for o regime, sejam quais forem as parceiras. A imperiosidade de gerar cada vez mais recursos próprios para inversões tão enormes só agrava o problema decorrente da defasagem de preços e induz a demanda da empresa por facilidades tributárias.

Por ambas óticas, controle conjuntural de preços e maior estatização da exploração do petróleo, podem ser apontadas razões para a flexibilização na tributação do setor, ou mesmo um eventual relaxamento na sua fiscalização.

No regime de partilha o óleo é de propriedade do Estado, ao contrário do regime de concessão, em que o petróleo é de propriedade da empresa concessionária. Essa diferença jurídica tende a reduzir ainda mais a base de incidência tributária no setor petróleo. Isso porque quando o petróleo se torna propriedade estatal ele deixa de ficar sujeito à tributação. O óleo que constituir um bem governamental deve se beneficiar da imunidade tributária recíproca, garantida pela Constituição e que o STF já julgou com clasula pétrea (de modo que nem mesmo emenda constitucional pode a mudar), como será discutido a seguir.

Evidências da Tributação

Poucos estudos tratam da tributação do petróleo, e costumam focar mais nas participações governamentais na extração.[4] Notícias recentes até mencionaram a redução ou a má tributação do setor.[5] Para uma avaliação mais acurada, aqui foram reunidos dados de 3 fontes: i) a receita administrada federal (RAD),[6] excluídas contribuições previdenciárias; ii) a arrecadação do Imposto Estadual sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS);[7] e iii) as chamadas rendas de exploração – royalties e participações especiais na extração.[8] Entre 2000 a 2010, conforme tabela a seguir, a razão receita/PIB apresenta duas fases bem distintas –aumento da carga conjunta até 2006; decréscimo desde então. A oscilação foi mais explicada pela RAD e participações, enquanto o ICMS oscilou um pouco menos.

Ao confrontar essa evolução com a carga tributária global ao longo do mesmo período (mesmo excluída a CPMF), se observa que no ciclo de alta a carga tributária sobre o  petróleo cresceu mais que a nacional, de modo que o setor aumentou seu peso relativo, de 7,6% para 10,7% entre 2000 e 2006. Depois, o movimento foi inverso e muito rápido, recuando essa proporção para 7,5% em 2010. A carga de petróleo decresceu em 0.9 ponto do PIB entre 2007 e 2010 enquanto a do resto da economia cresceu em 2,7 pontos do PIB no mesmo período.

Não se pode falar que a queda da carga resultaria de má performance do setor. Ora, a tendência decrescente da carga se processou exatamente quando disparou a produção nacional de petróleo. De acordo com dados da PETROBRAS, a produção total de óleo e gás passou de 1.637 mil barris equivalentes de petróleo (boed)  em 2001 para 2.600 mil boed em 2011, um crescimento acumulado de pouco mais de 58,83% no período ou um crescimento médio de aproximadamente 4,74 % ao ano. É possível identificar ao menos dois fatos relevantes que conspiraram para reduzir a RAD de petróleo: primeiro, o intenso recurso a mecanismos de compensação tributária em 2009, muitas vezes no limite das regras tributárias; segundo, as mudanças na aplicação das contribuições sobre vendas (que passaram a ser cobradas na forma de um valor fixo por unidade de combustível; isso não seria uma distorção se o fixado para a COFINS e o PIS em abril de 2004 nunca mais tivesse sido alterado).

Tal leitura é reforçada ao examinar a evolução dos tributos pagos pela PETROBRAS, conforme ela informa aos investidores.[9] Convertidos em proporção do PIB, no longo prazo exposto na tabela seguinte, se destaca que entre 2003 e 2010 a sua carga total diminuiu em 0.64 ponto do PIB enquanto a carga nacional medida pelo Ministério da Fazenda aumentou em 2,15 pontos, o que significa que, para os demais contribuintes, o incremento foi ainda maior, de 2.78 pontos do produto.

No caso das participações governamentais (participação especial mais royalties), a carga paga em 2010 foi inferior à registrada em 2003: como a produção de óleo no País foi crescente, batendo recorde depois da crise global, se pode inferir que o desenho atual das participações governamentais não acompanhou a expansão da  produção física, das receitas e, sobretudo, de rentabilidade do setor. Já no caso das contribuições econômicas (os tributos clássicos), dados mais detalhados revelam que o pico da carga foi no já distante ano de 2003.

No que diz respeito às participações governamentais na receita de petróleo, é fato que  a  a chamada “participação especial”, incidente sobre os poços de alta produtividade, tem falhado em tributar a grande produção e a grande rentabilidade, até porque a sua atual fórmula não considera os preços na hora de definir as alíquotas progressivas.

No caso dos tributos em geral,  a legislação (não se pode acreditar em falha na fiscalização da maior empresa do País) parece ser inadequada pois não transformou o bom desempenho da produção, das vendas e dos lucros da citada empresa estatal em aumento de carga, como fez com os demais contribuintes do País nos últimos anos.

Subtributação do Pré-Sal

A discrepância recente na evolução da carga tributária, setor versus nacional,  será potencializada com o novo regime de partilha de produção, além de aprofundar a centralização de sua receita na divisão federativa. [10] O óleo será propriedade de um governo (União), e não mais de uma empresa (estatal ou privada), sendo que a administração pública não é contribuinte de muitos tributos (não gera lucro para pagar IR ou CSSL e nem fatura para pagar COFINS ou PIS) e nem pode um governo tributar o outro (caso do ICMS).[11]

Assim, a nova modelagem para explorar a maioria das riquezas do pré-sal reduzirá, por princípio, a incidência tributária sobre essa receita futura e, ao mesmo tempo, centralizará tal renda pública nas mãos do governo federal, em claro detrimento dos governos estaduais e municipais (sem lucro empresarial, por exemplo, não será gerado imposto de renda das empresas e nem ganhos para os fundos de participação – FPE e FPM), e também da aplicação compulsória na seguridade social, no amparo ao trabalhador e mesmo na educação e saúde (sem faturamento e lucro, não cabe cobrar contribuições sociais, como COFINS, PIS/PASEP e CSLL; se não houver incidência do ICMS e sem aumento do FPE/FPM, também os governos locais deixarão de aplicar mais recursos vinculados ao ensino e para a saúde).

Não é de se estranhar que as propostas do pré-sal escondam medidas e detalhes operacionais na tributação e no fisco que configuram a constituição de um paraíso fiscal no país. A proposta fiscal implícita para o futuro do pré-sal é só reedição escondida do desempenho tributário passado recente do pós-sal. O resto das empresas e todas as famílias brasileiras já pagam e devem continuar pagando mais impostos para subsidiar o setor de petróleo.

Conclusões

A atual política e prática tributária têm beneficiado indiretamente os consumidores de combustíveis e/ou os acionistas das empresas de petróleo  por conta da redução inegável da carga tributária do setor. Tais incentivos não são explícitos, e a perda de receita setorial não tem sido comentada nem mesmo pelos especialistas em tributação.

Se a leitura das estatísticas revela uma incontestável redução da carga tributária de petróleo no Brasil, puxada pela maior empresa do setor, e se as indicações são de que a tributação decrescente será ainda mais acentuada no novo regime de exploração por partilha de produção, cabe abstrair do debate localizado para uma posição geral de política econômica e mesmo de políticas públicas.

Controlar inflação manipulando preços de uma empresa estatal e, ainda, estatizar investimentos e produção de um insumo estratégico da economia pode ser uma opção da política econômica (talvez até mesmo de um suposto projeto de Estado Brasileiro), mas tal escolha deve ser feitas de forma aberta e assumida à sociedade. A democracia moderna cobra cada vez mais transparência na formulação e na execução das políticas públicas, especialmente das econômicas.

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PIRES, Adriano. Preço do Petróleo e Defasagem dos Preços dos Combustíveis. Mimeo. Outubro de 2011.


[1] Segundo Pires (2011), “… considerando 2005 como ano base, os preços da gasolina e do diesel, praticados nas refinarias nacionais, registram um aumento acumulado até agosto de 2011 de 23,06% e 18,60%, respectivamente, enquanto o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), utilizado pelo Banco Central para fixar a meta de inflação no Brasil, registra aumento acumulado de 38,31% no período.”

[2] Explicando a conta de Pires (2011): “O custo de oportunidade da Petrobras se refere ao saldo líquido acumulado decorrente da diferença entre os preços praticados pela empresa no mercado interno e os preços internacionais da gasolina e do diesel. … desde janeiro de 2003, a Petrobras acumula um saldo líquido negativo de aproximadamente R$ 9,6 bilhões. A partir de janeiro de 2011, os preços internacionais do diesel e da gasolina ultrapassaram os praticados pela Petrobras, acarretando o acumulo de perdas mensais, conjuntura semelhante ao período anterior à crise econômica. Análises preliminares indicam que a manutenção da política de convergência de preços no longo prazo pela Petrobras resulta em um acumulo de perdas na ordem de R$ 4,2 bilhões até julho de 2011, sendo que a gasolina representou perda de R$ 1,7 bilhão e o diesel R$ 2,5 bilhões.”

[3] A proposta foi incluída pelo Relator, Senador Vital do Rêgo, em seu parecer original no projeto de lei nº 448/2011 (disponível em: http://bit.ly/tlqBfT ) , que pretendia até criar uma seção específica para joint venture a ser formada com (sic) recursos orçamentários da União. A justificativa era: “… o engajamento do Estado como sócio do contratante na assunção de custos e partilha de lucros na exploração e no desenvolvimento do projeto e, também, embora raro, na fase de produção. Apesar de não ser tão comum na experiência internacional, a maioria dos países resguarda para si o direito de iniciar uma joint venture por cláusula expressa no contrato de partilha de produção.”

[4] Vale citar Afonso e Castro (2010); Ramos (2004); Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (2008); Springer (2009); Gobetti e Orair (2009); Delloitte (2010); e Goldsworthy e Zakharova (2010) – este uma comparação internacional que trata do Brasil.

[5] Em 18/9/2011, O Globo publicou “Carga tributária cresce no país, mas fatia da PETROBRAS é cada vez menor”, e o Estado de S.Paulo, “Petroleiras usam brechas da legislação e importam até biquínis sem imposto” – ver http://bit.ly/pcnSMD e http://bit.ly/ratE4N .

[6] A RAD considerada contempla apenas a chamada receita administrada pela antiga Receita Federal, tais como tributos sobre lucros das empresas (Imposto de Renda de Pessoa Jurídica (IRPJ) e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido – CSLL), vendas (Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (COFINS), Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico – CIDE), importações e retenções na fonte (Imposto de Renda (IR) dos empregados). Não são computadas as receitas de Simples, previdência social e compensações financeiras

[7] A arrecadação de ICMS proveniente de combustíveis é informada, mensalmente e por unidade federada, pelo CONFAZ, no portal do Ministério da Fazenda. Para uma análise específica sobre sua estruturação, inclusive importância regional, ver Afonso (2010).

[8] A fonte primária dessa informação é a ANP, que divulga relatórios periódicos e com máxima discriminação (inclusive de beneficiários) em seu portal na internet.

[9] Ver página sobre Tributos no portal da empresa – em: http://bit.ly/n4NURB Uma evolução histórica constou da exposição do seu Presidente no Senado em: http://bit.ly/o4VC6e .

[10] Como a tributação do petróleo se confunde com os ciclos de centralização e descentralização fiscal na Federação foi objeto da análise de Afonso e Almeida (2011).

[11] A Constituição da República sempre previu a imunidade recíproca de impostos, já a jurisprudência recente a expandiu para as contribuições.

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Os estados e municípios devem receber royalties de petróleo? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=577&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=os-estados-e-municipios-devem-receber-royalties-de-petroleo https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=577#comments Mon, 06 Jun 2011 12:36:58 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=577 Ao final de 2010 o Congresso Nacional aprovou um conjunto de leis conhecido como “novo marco regulatório do petróleo”, que é um conjunto de regras a serem seguidas na exploração do petróleo recém-descoberto na camada pré-sal[1]. O único ponto que restou pendente foi o critério de divisão dos royalties recebidos pelo setor público entre estados e municípios. Há uma disputa em que, de um lado estão os estados e municípios que se situam em frente aos campos marítimos de petróleo e que se julgam no direito de receber a maior parte dos recursos, e de outro lado estão os demais estados e municípios, que pleiteiam uma distribuição equitativa entre todos. Para entender essa disputa, é importante responder, primeiro, à pergunta que dá título ao texto: por que os estados e municípios deveriam receber rendas derivadas da exploração de petróleo?

Vejamos o que são os royalties. Eles são um pagamento mensal feito ao governo pelas empresas que exploram petróleo. No Brasil cobra-se, também, a chamada “participação especial”, que é uma espécie de tributação sobre o lucro, incidente no caso dos poços de alta produtividade. A primeira justificativa para o pagamento de royalties e participação especial  (doravante chamaremos os dois tipos de pagamento apenas de royalties, para simplificar) é que o petróleo é uma riqueza de propriedade do Estado, que deve ser remunerado pela sua extração. Colabora o fato de que é grande a diferença entre o custo de extração do petróleo e o seu preço no mercado internacional. A alta margem de lucro permite que o governo se aproprie de parte dos ganhos sem que a atividade deixe de ser atrativa para as empresas exploradoras.

O segundo ponto é que esses recursos são finitos: o petróleo que se extrai da terra hoje não estará disponível para as gerações futuras. Por isso, a cobrança de royalties e outras compensações financeiras pagas pelos extratores de recursos naturais ao governo (existem compensações similares na extração mineral e no uso de recursos hídricos) têm o papel fundamental de equilibrar os interesses da geração presente e das gerações futuras. Trata-se de impor um custo adicional à extração dos recursos hoje, para dosar o ritmo de seu consumo e permitir que as gerações futuras também disponham de recursos naturais.

Em geral, são apontadas três justificativas para que os estados e municípios participem das receitas de royalties. A primeira está associada à exploração de um recurso que pertence ao ente federativo. Como no Brasil os recursos do subsolo pertencem à União, essa justificativa não se aplica.

A segunda justificativa é que os royalties pagos a municípios e estados servem para compensá-los pelos danos ambientais e sociais (atração excessiva de mão-de-obra para a região, com os associados problemas de criminalidade, desemprego, etc), além de garantir condições à expansão da urbanização necessária para receber mais população e mais empresas ligadas à exploração de petróleo.

A terceira é que os estados e municípios produtores poderiam utilizar os royalties para construir uma base econômica que preparasse a localidade para quando as jazidas se esgotarem, evitando o esvaziamento econômico da região após o fim da exploração.

Porém esses argumentos não parecem fortes para o caso brasileiro. Primeiro porque, pelas regras atualmente vigentes (que valem para os poços de petróleo que não estão no pré-sal), há um descasamento entre os municípios beneficiados e a efetiva localização e impacto da extração de petróleo. Parte relevante do royalty é atribuída aos municípios que estejam mais próximo do poço situado na plataforma continental, sem que, necessariamente, o petróleo extraído daquele poço seja processado, embarcado ou gere qualquer impacto adverso de ordem econômica ou ambiental no município. Esse critério, conforme registra (Serra 2006, p. 213) “não tem associação com o impacto local da atividade de exploração de petróleo e acaba por tornar alguns municípios privilegiados recebedores de um ‘maná”: recebem dinheiro sem ter o correspondente impacto negativo. Ainda segundo Serra (2006, p. 217), no caso dos municípios, apenas 26% do total dos royalties referentes à produção terrestre de petróleo guardam alguma relação com a intensidade do impacto local da atividade de exploração, com esse percentual caindo para 8,75% no caso da exploração em plataforma continental.

Adicionalmente, a própria atividade petrolífera já estimula bastante a atividade local, aumentando substancialmente a base de arrecadação tributária. No que diz respeito aos impactos ecológicos, a distância entre os campos do pré-sal e a costa, de centenas de quilômetros, torna praticamente impossível associar qualquer dano ecológico ao município confrontante: o município efetivamente afetado dependerá muito mais das correntes marítimas e de outros fatores geológicos do que da proximidade do plataforma de exploração.

Outro problema fundamental é que os critérios de partilha atuais geram grande concentração dos recursos em alguns poucos municípios. De fato, de acordo com Serra (2006, p. 228), 24,3% das rendas petrolíferas devidas a municípios são pagos a um único município: Campos de Goytacazes-RJ e os dez maiores beneficiários dessas rendas detêm 64% do total distribuído.

Some-se a isso o fato de que os valores transferidos são muito elevados: a participação dos estados e municípios produtores, dependendo do tipo de poço explorado, fica entre 50% e 90% do total dos royalties. Mesmo antes de os poços do pré-sal começarem a produzir, já ocorre, hoje, com a imposição de royalties sobre os campos em atividade, uma transferência a estados e municípios da ordem de R$ 12,1 bilhões anuais[2].

Municípios que recebem muito dinheiro de royalties sem ter que, ao mesmo tempo, usar esse dinheiro para mitigar os problemas gerados pela exploração do petróleo, acabam atraindo população, que vem em busca de se beneficiar desse dinheiro. O argumento de que o dinheiro do royalty é para compensar o aumento de população tem que ser virado de ponta-cabeça: é o dinheiro do royalty que atrai população.

Estudo recente[3] mostra que, no caso brasileiro, não se detecta um impacto positivo e significativo da exploração de petróleo nas demais atividades econômicas municipais. Logo, a população não teria sido atraída por novos empregos no setor privado, decorrentes da atividade petrolífera. Os autores mostram que o principal impacto econômico ocorre via orçamento público, com a entrada dos royalties nos cofres locais. Seria, então, de se esperar uma expansão dos serviços públicos municipais. Mas os pesquisadores não encontram tal efeito. Aparentemente o dinheiro é gasto, mas não produz efeitos em termos de aumento de serviços públicos prestados ou de qualidade de vida local. Pode-se concluir que boa parte do dinheiro é aplicada de forma improdutiva ou é desviada.

Existem evidências a esse respeito na literatura. Sousa e Stosic (2003)[4], em um estudo que compara a eficiência dos municípios brasileiros, mostram que há grande concentração de municípios que são beneficiários de royalties no grupo dos menos eficientes. Mendes (2005)[5] mostra que os principais beneficiários de compensações financeiras relacionadas ao petróleo gastam entre 20% e 50% a mais que a média dos municípios brasileiros com a manutenção de suas câmaras de vereadores.

O que parece ocorrer é que, ainda que mal gasto, parte do dinheiro dos royalties continua circulando na área de influência econômica dos municípios beneficiados. Salários públicos elevados, despesas públicas improdutivas e desvios geram uma dinâmica econômica com baixo potencial de geração de riqueza futura, mas que é capaz de fomentar a demanda local por bens e serviços, como construção de residências, despesas no comércio, contratação de empregados domésticos, etc.

Em vez de os royalties representarem uma indenização aos municípios pela futura decadência econômica, quando não houver mais petróleo na região, eles criam uma dependência do município em relação a esses recursos no presente. Quando acabar a exploração do petróleo e os royalties secarem, esses municípios não terão construído nenhuma base sustentável para sua atividade econômica e irão, efetivamente, entrar em depressão econômica.

Manter esse modelo distorcido de distribuição de royalties, em um contexto em que os valores se multiplicarão devido à exploração do pré-sal, não parece ser uma boa idéia.

Por outro lado, também não nos parece aconselhável simplesmente dividir os recursos igualmente entre todos os municípios e estados. Se isso for feito, tal receita será mais um recurso a ser aplicado nos gastos correntes, sem perspectiva de que venham a ser adequadamente investidos em favor das gerações futuras.

Para ter uma aplicação eficaz dos recursos dos royalties é preciso fazê-lo pensando nas gerações futuras, que não terão a oportunidade de consumir o petróleo que se extrai no presente. Por isso, é recomendável que a receita financeira obtida com os royalties seja investida para gerar ativos capazes de impulsionar o crescimento econômico hoje e no futuro: infra-estrutura econômica, conhecimento científico, preservação ambiental.

Parte significativa das políticas geradoras de ativos em favor das gerações futuras diz respeito a ações típicas do Governo Federal. É a esse nível de governo que cabem as principais ações de investimentos em ciência e tecnologia, proteção ambiental e ampliação da infraestrutura (estradas, portos, aeroportos, etc.). É pequeno o papel que os municipais podem fazer nessas áreas; com os governos estaduais tendo algum espaço para atuar em tais áreas.

Há uma outra área de investimento nas gerações futuras, a educação, para a qual estados e municípios podem contribuir bastante. No entanto, seria importante criar mecanismos que garantissem a efetiva aplicação dos royalties nas escolas públicas estaduais e municipais.

Pelo exposto, seria interessante redesenhar a partilha dos royalties do pré-sal com base nos seguintes princípios:

  • reduzir significativamente a participação de estados e municípios na partilha, passando a utilizar tais recursos em programas federais de pesquisa e desenvolvimento de fontes alternativas de energia (lembrando que a liderança brasileira em biocombustível depende de investimento maciço em pesquisa no setor), programas de preservação ambiental e reforço das verbas para a educação pública;
  • os estados devem receber parcela superior à dos municípios, visto que têm maiores atribuições em áreas como preservação ambiental, ciência e tecnologia e infraestrutura;
  • a União, por sua vez, deve receber parcela superior à dos estados, tendo em vista o impacto relevante que as receitas do petróleo trazem sobre variáveis macroeconômicas, como demanda agregada e câmbio, e pela maior capacidade técnica de criar e gerenciar fundos que consigam preservar para as gerações futuras a riqueza do petróleo;
  • o eventual uso dos recursos no financiamento da educação provida pelos estados e municípios deve se dar por meio da elevação da dotação do Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB), para garantir que o dinheiro venha a ser efetivamente canalizado para a educação;
  • participação adicional de estados e municípios nesses recursos, além das citadas acima, deve restringir-se ao suporte financeiro necessário para que eles expandam sua rede de serviços públicos em função do aumento de demanda decorrente das atividades de exploração; o que significa valores, por cidade, muito inferiores ao que se paga aos atuais principais beneficiários do sistema;
  • impor um teto para a participação percentual de cada município na partilha, para evitar o fenômeno dos “municípios milionários”, como é o caso de Campos de Goytacazes-RJ e outros municípios da Bacia de Campos;
  • utilizar parte dos recursos atribuídos a estados e municípios para formar um fundo de estabilização, cujos recursos seriam utilizados em períodos de menor arrecadação ou para financiar investimentos em infraestrutura por meio de empréstimos aos próprios estados e municípios para financiamento de obras de infraestrutura.

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Para ler mais sobre o tema:

Postali, F. (2002) Renda Mineral, divisão dos riscos e benefícios governamentais na exploração de petróleo no Brasil. Rio de Janeiro: BNDES, 120 p.

Serra, R.V. “Rendas Petrolíferas no Brasil: critérios de distribuição distorcidos induzem ineficiência do gasto”. In Gasto Público Eficiente: 91 Propostas para o Desenvolvimento do Brasil. M. Mendes (Org.). Instituto Fernand Braudel/Topbooks, São Paulo, Brasil, 2006.

[1] Para uma discussão dessas leis ver, neste site, o texto “Qual a diferença entre regime de partilha e regime de concessão na exploração do petróleo?”, de Paulo Springer de Freitas.

[2] Fonte:  ANP http://www.anp.gov.br/?id=522

[3] Francesco Caselli e Guy Michaels Do oil windfalls improve living Standards? Evidence from Brazil . NBER Working Paper nº 15550. Disponível em http://www.nber.org/papers/w15550

[4] Sousa,M.C.S. e B. Stosic. “Technical Efficiency of the Brazilian Municipalities: Correcting Non-Parametric Frontier Measurements for Outliers. Working Paper nº 293. Departamento de Economia. Universidade de Brasília, 2003.

[5] Mendes, M. (2005) Capture of fiscal transfers: a study of Brazilian local governments. Economia Aplicada, v. 9, nº 3, p. 427-444.

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Será o pré-sal um bilhete premiado, sem riscos ou custos? https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=528&utm_source=rss&utm_medium=rss&utm_campaign=sera-o-pre-sal-um-bilhete-premiado-sem-riscos-ou-custos https://www.brasil-economia-governo.com.br/?p=528#comments Tue, 17 May 2011 17:08:36 +0000 http://www.brasil-economia-governo.org.br/?p=528 Em visita a Brasília, em 1976, Takeo Fukuda, que logo se tornaria primeiro-ministro do Japão, disse a seus anfitriões: “após a crise do petróleo, tornou-se claro que os recursos são limitados. Este é um grande evento na história da humanidade. Seu país é uma potência no século 21, uma potência de recursos”[1]. Esse tipo de discurso tornou-se corriqueiro, passando a ser um protocolo da diplomacia de outros países em relação ao Brasil. Agora o discurso está se tornando realidade.

A expansão das exportações de commodities trouxe uma abundância de recursos ao Brasil, uma vez que é líder mundial nas exportações de minério de ferro, soja, carne bovina, aves, celulose e muitos outros. Guiado pela Embrapa, instituto de pesquisa agrícola do governo, o país passou a utilizar novas técnicas, transformando o cerrado em uma das regiões agrícolas mais produtivas do mundo.

No entanto, o mais rico dos recursos brasileiros deve ser a água. O Brasil é dotado de 13% do abastecimento mundial de água doce. Um membro do Instituto Fernand Braudel, residente em Pequim, Arthur Kroeber, editor do China Economic Quarterly, disse, em um de nossos seminários no mês passado, que a maior limitação no desenvolvimento a longo prazo da China é a água. Ele acrescentou que a China espera importar água do Brasil, sob a forma de produtos agrícolas. Enquanto isso, o Brasil terá que superar a escassez iminente de abastecimento de água para suas próprias cidades, devido à má gestão e falta de investimento público[2].

A idéia do Brasil como “potência de recursos” foi reforçada por uma nova fronteira na exploração petrolífera. Possivelmente uma das últimas fronteiras desse tipo de recurso natural. Em 2006, a Petrobras, em parceria com empresas privadas, começou a perfurar a cerca de 7.000 metros abaixo da superfície do Atlântico Sul, penetrando sedimentos antigos que se encontram abaixo de uma cama de sal de mais de 2.000 metros de espessura, para encontrar os restos de micróbios fossilizados que viveram 130 milhões anos atrás, quando dinossauros ainda vagueavam pelo interior do continente brasileiro. Presos sob estrutura maciça de sal, estes micróbios foram transformados pelo calor, pressão e tempo no hoje conhecido campo de Tupi. Já rebatizado de “Lula”, esse é um dos maiores campos do mundo em petróleo e gás, também considerado a maior descoberta das últimas décadas. Ao todo, dez campos gigantes foram anunciados até agora nas águas profundas da Bacia de Santos.

O Brasil é hoje o maior mercado do mundo para bens e serviços do setor petrolífero em alto mar. A Petrobras é a maior compradora individual. Alguns consultores acreditam que a Petrobrás poderá gastar US$ 1 trilhão nos próximos anos, em investimentos e custos operacionais do projeto em águas profundas[3], valor equivalente à metade do Produto Interno Bruto (PIB) de 2010, no maior empreendimento industrial da história do Brasil. Os gastos anuais de capital da Petrobrás nesta década já acumulam mais de US$ 45 bilhões. São muito mais do que o orçamento anual da Nasa nos anos 60, em dólares atualizados, quando os Estados Unidos se preparavam para enviar um homem à Lua[4]. Em cinco anos a estatal receberia 224 bilhões de dólares em investimento: o maior investimento do setor petrolífero nos dias atuais, que corresponde a 10% do investimento bruto em capital fixo do Brasil.

Riscos sempre foram inerentes à indústria petrolífera, tanto em termos físicos quanto financeiros. No entanto, isso pode ser mitigado quando as companhias conseguem a integração vertical, controlando o fluxo da produção, transportes, refino e comercialização. A Standard Oil Trust, de John D. Rockefeller, conseguiu a integração nos primeiros anos de existência do setor, assim como as maiores companhias – Exxon, Shell e algumas outras – até que a revolução da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), nos anos 70, reduziu o controle delas sobre as reservas.

Desde a sua criação em 1954, a Petrobras desenvolveu-se espetacularmente. Com suas descobertas desde a década de 70, a Petrobras agora se posiciona como uma das empresas petrolífera mais importantes e integradas do mundo, dominando seu grande mercado nacional, com apoio do governo e com acesso privilegiado às enormes reservas em águas profundas das bacias de Campos e Santos. No entanto, o sucesso comercial da exploração do pré-sal depende da superação de desafios relacionados à geologia, tecnologia, logística, segurança, finanças, política, recursos humanos e governança corporativa. Descrevo alguns desses desafios a seguir.

Desafio Político

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou essas descobertas de um “bilhete premiado”. A euforia do pré-sal produziu na classe política a ilusão de recursos ilimitados no horizonte. Ao propor uma legislação para criar um novo conjunto de leis para regular a exploração dessa riqueza, os ministros do governo Lula declararam que os riscos da exploração são extremamente baixos, com grande rentabilidade esperada. A sucessora de Lula, Dilma Rousseff, coordenou a elaboração da nova legislação enquanto presidia o conselho da Petrobras, antes de entrar na campanha eleitoral de 2010.

O intenso debate dessa nova proposta legal no Congresso centrou-se quase exclusivamente na distribuição de royalties entre estados e municípios, negligenciando a governança e as questões técnicas decorrentes da exploração e produção em águas profundas. Tudo se passava como se os recursos já estivessem disponíveis, e restasse apenas a tarefa de dividir o dinheiro.

Em seu discurso de posse como presidente, Dilma declarou que as descobertas do pré-sal seriam “o nosso passaporte para o futuro”, mas advertiu que “recusaremos o gasto apressado que reserva às futuras gerações apenas as dívidas e o desespero“. No entanto, o novo regime de partilha de produção fortifica um regime de capitalismo de Estado, sujeito a amplo poder discricionário do governo e pouca transparência. Reforçou-se o monopólio da Petrobras, reduzindo-se a concorrência de mercado e a diversificação de risco entre várias empresas. A nova legislação obriga a Petrobras a se tornar a operadora, com uma participação de 30%, no mínimo, de todas as fases de exploração na “estratégica” zona de águas profundas, abrangendo 149.000 km2. Tal obrigação pode ser um peso grande para uma empresa que já se encontra sobrecarregada em relação a recursos humanos e capacidade técnico-financeira.

Todas as decisões operacionais da Petrobras e das empresas privadas, incluindo contratação de pessoal, fornecedores e prestadores de serviços, serão decididas pelo comitê operacional, que terá metade de seus integrantes, incluindo o presidente, com direito a veto, indicado por uma nova empresa estatal, Petróleo Pré-Sal S/A, criada para fiscalizar as empresas da área do pré-sal. O espaço para intervenção política nas decisões técnicas é, portanto, muito grande.

Desafio Geológico

As camadas de sal na Bacia de Santos são muito espessas, chegando em alguns lugares a cinco mil metros. São plásticas, móveis e heterogêneas, contendo tipos diferentes de sal. Elas mudam de posição à medida que as perfurações são realizadas. Essas formações geológicas, com potencial de petróleo, se estendem mar adentro no Atlântico Sul em profundidades ainda maiores.

Estas formações não seriam acessíveis hoje sem os recentes desenvolvimentos das sondas de sísmica e no processamento de dados sísmicos. “Perfurar esses reservatórios de pré-sal implica desafios gigantescos”, observaram os engenheiros da Petrobrás durante a Offshore Technology Conference (OTC), em Houston[5]. “De todos esses desafios, o deslizamento do sal é o mais comum e mais difícil de administrar”. As camadas de sal são tão instáveis que podem engolir as brocas de perfuração e derrubar a carcaça que envolve o tubo de perfuração. “Os reservatórios de microcarbonatos ainda são pouco conhecidos”, disse um engenheiro veterano. “O petróleo sai do reservatório muito quente para chegar a um ambiente frio, com apenas 4º centígrados, e congela, virando uma cera, bloqueando o tubo, a menos que produtos químicos especiais sejam adicionados e esse tubo seja continuamente lubrificado.” A instabilidade das camadas de sal impede a perfuração horizontal para aumentar a recuperação dos reservatórios imediatamente abaixo do sal. Este é apenas um dos problemas envolvidos no desenvolvimento desses recursos.

Desafio de Engenharia e Logística

“Nas descobertas de pré-sal, temos dois tipos de problemas logísticos”, disse o presidente da Petrobrás, José Sérgio Gabrielli, numa entrevista: “O primeiro tem a ver com pessoas, e é um problema de distância. Na Bacia de Campos, atualmente nossa principal área de produção, transportamos em helicópteros mais de 60 mil pessoas entre a costa e as plataformas, que se situam a 150 km de distância. Mas os blocos de pré-sal na Bacia de Santos podem estar a uma distância de 300 quilômetros, longe demais para transportarmos tanta gente por helicóptero. Assim, precisamos, em primeiro lugar, reduzir o número de pessoas trabalhando nas plataformas, por meio de maior automação. Precisamos colocar plataformas a meio caminho entre a costa e as descobertas de pré-sal para servirem como centros logísticos e também como dormitórios, de modo que os trabalhadores que chegam por barcos possam ser distribuídos por helicópteros para as plataformas de produção, depois de passarem a noite no centro logística. O segundo problema é o suprimento de equipamentos para as operações em alto-mar. É preciso transportar produtos químicos, máquinas, eletricidade. Provavelmente teremos plataformas especiais para geração de eletricidade e outras para a mistura de substâncias química para os fluidos de perfuração.”[6]

Uma dificuldade para criar essas plataformas logísticas é garantir a estabilidade em mar agitado para permitir a atracação segura, como também a chegada e saída de navios e helicópteros. “Todo mundo acha que é óbvio, mas não é”, disse José Formigli, diretor de operações do pré-sal da Petrobrás. “E o preço? Já foi oferecido até um porta-aviões. Só que um porta-aviões se ficar parado tem o péssimo hábito de ficar virando de um lado para outro. Tem casco fininho porque precisa ter velocidade, e quando para, rola. E aí o helicóptero não pousa”.[7]

A estratégia da Petrobras pode ser a automação de operações sempre que isso for possível, reduzindo o número de trabalhadores no mar. Na Bacia de Santos, base para grandes frotas de helicópteros e navios de apoio, devem ocorrer mudanças na ecologia do litoral, com o porto de Santos se tornando um novo centro de gerenciamento das explorações em alto-mar. Guilherme Estrella, diretor de exploração e produção da Petrobrás, imagina 50 plataformas operando na área das descobertas iniciais, cada uma consumindo 100 megawatts de eletricidade. Isso totaliza 5 mil megawatts de capacidade gerada por 200 turbinas movidas a gás, o equivalente ao consumo de energia na região da Grande São Paulo, que tem aproximadamente 20 milhões de habitantes.

Desafio no suprimento industrial

Em 2009, a Petrobrás dominava o mercado mundial em sistemas de produção flutuantes em águas profundas (FPSOs), na maior parte superpetroleiros adaptados para receber, armazenar e descarregar petróleo e gás extraídos do leito marinho. A Petrobras opera 23 dos 49 FPSOs em uso no mundo atualmente, e 10 das 17 plataformas de produção semi-submersíveis usadas globalmente[8]. Em 2020, as operações da Petrobrás absorverão mais 58 plataformas de perfuração (que custam mais de US$ 600 milhões cada uma), 45 plataformas de produção adicionais e 300 superpetroleiros e barcos de apoio.

Nos próximos anos, a Petrobrás deverá encomendar 330 geradores à turbina, 610 mil válvulas, 10 mil quilômetros de cabos elétricos submarinos, 17 mil quilômetros de tubos flexíveis, 4,8 milhões de toneladas de aço, milhares de peças de complexos equipamentos submarinos. Tudo isso envolverá 68 milhões de homens-hora de engenharia e um bilhão de horas de trabalho para a construção e montagem[9].

Gabrielli alertou para “áreas críticas” ou “estrangulamento” na cadeia de abastecimento. “Uma delas é a de sondas. Uma sonda leva de três a quatro meses para perfurar poços a mais de 2 mil metros de profundidade da lâmina d’água. Uma FSPCO (sigla em inglês de plataforma de produção de petróleo) usa de 15 a 20 poços. Portanto, com uma sonda você leva quatro anos para montar um sistema de produção. É um elemento crítico e o Brasil não fabrica”. Também faltam “sistemas submersos, tubulações que ligam o fundo do mar à superfície (…). Hoje, temos a capacidade mundial praticamente contratada e vamos precisar de mais. Empresas inglesas e francesas estão vindo para o Brasil porque aqui é onde está a demanda. Precisamos avançar na área de grandes turbo-compressores, que são geradores flutuantes de eletricidade. É uma área que precisa crescer para atender à nossa demanda. Estamos falando de uma quantidade gigantesca de equipamentos (…)Cada sistema de produção produz entre 100 e 180 mil barris por dia. Então, se vamos produzir 4,5 milhões de barris por dia em 2020, precisamos ter 40, 41 sistemas desse. Cada sistema custa algo em torno de US$ 3 bilhões. Para funcionar, cada um precisa, em média, de cinco barcos de apoio. Estamos falando, portanto, de 200 barcos de apoio de todo tipo (rebocadores, chata, ‘anchor handling’, navio-bombeiro etc.). Para produzir 4 milhões de barris, vamos precisar de muitos petroleiros para transportar tudo isso. Se pensarmos em termos de Suezmax [petroleiro com capacidade de carga de 1,1 milhão de barris], vamos precisar diariamente em torno de 20 a 30 navios.”[10]

Desafio Financeiro

Em setembro de 2010, a Petrobras captou 70 bilhões de dólares com lançamento de ações. Deste, US$ 45 bilhões foram em dinheiro do governo, incluindo US$ 16 bilhões do seu fundo soberano e do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social), elevando a participação federal na Petrobras de 40% para 48%. O Ministério da Fazenda emitiu R$ 30 bilhões em títulos e os repassou ao BNDES, e este usou os recursos para comprar ações da Petrobras. Dos US$ 70 bilhões recebidos pela Petrobras, a título de capitalização, US$ 45 bilhões foram devolvidos ao Tesouro para pagar os direitos de exploração de um reservatório que, supostamente, contém 5 bilhões de barris de óleo. Estas transferências representam uma operação circular, que eleva o grau de estatização e de dependência da Petrobras em relação ao Tesouro. Alguns analistas dizem que a Petrobras pode ter de levantar ainda mais capital em poucos anos.

Conclusões

A Petrobras e o governo podem vencer todos esses desafios? Políticos, gestores e técnicos se deparam com esses riscos com uma coragem beirando a temeridade. As descobertas do pré-sal criaram o mito dos recursos ilimitados, que acabam gerando incentivos a gastos sem comedimento. O Brasil realmente precisa investir no desenvolvimento do pré-sal a esta velocidade e escala? Será que esses investimentos acelerados não criarão distorções na economia do país? Serão os investimentos em petróleo os mais importantes para o futuro do Brasil? Ou seriam preferíveis investimentos para corrigir enormes deficiências como no ensino público, portos, aeroportos, geração e transmissão de eletricidade, comunicações, saneamento básico e infra-estrutura de transporte?

Embora os recursos de petróleo do Brasil em águas profundas sejam um dos principais alvos na busca mundial por novas reservas, a Petrobras pode ter de trabalhar com mais cautela e tempo para superar as limitações na capacidade financeira, técnica e de recursos humanos. Terá sido correto estabelecer em lei a obrigatoriedade de participação da Petrobras em pelo menos 30% de todos os campos de exploração de petróleo? Isso não levará a empresa a uma exaustão financeira?

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Para ler mais sobre o tema:

Gall, N. (2011) O risco do petróleo em águas profundas. O Estado de S. Paulo, 30 de janeiro de 2011. Disponível em:  http://pt.braudel.org.br/noticias/arquivos/downloads/tecnologia-e-logistica-em-aguas-profundas.pdf

Gall, N. (2011) Tecnologia e logística em águas profundas. O Estado de S. Paulo, 27 de fevereiro de 2011. Disponível em:  http://pt.braudel.org.br/noticias/arquivos/downloads/tecnologia-e-logistica-em-aguas-profundas.pdf

Gall, N. (2011) O desafio industrial do pré-sal. O Estado de S. Paulo, 27 de março de 2011. Disponível em:  http://pt.braudel.org.br/noticias/arquivos/downloads/o-desafio-industrial-do-pre-sal.pdf


[1] Citado em Gall, Norman, “The rise of Brazil”, Commentary, Janeiro de 1977, p. 45.

[2] Roberto Rockmann, “Especial Água: segurança na fonte”, Valor Econômico, 22 de março de 2011.

[3] Veja, por exemplo: Steve Robertson e Thom Payne, Global Offshore Prospects. Londres; Douglas-Westwood, apresentação em 17 de fevereiro de 2011, p. 29; Joe Leahy, Brazil, plataform for growth, Financial Times, 15 de março de 2011.

[4] Wikipedia, NASA Budget. Consultado em 20 de fevereiro de 2011.

[5] Alves, I. et all. Pre-salt Santos basin: well construction learning curve aceleration. OTC 20177, maio de 2009.

[6] Entrevista gravada com Sérgio Gabrielli em 30 de outubro de 2009.

[7] Cláudia Schuffner, Petrobras já planeja novo gasoduto e dez plataformas no pré-sal. Valor Econômico, 27 de dezembro de 2010.

[8] Douglas-Westwood, The world deepwater market report 2010-2014. pp. 91 e 97.

[9] Booz & Co., Agenda de competitividade da cadeia produtiva de óleo e gás offshore no Brasil. Agosto de 2011, p. 82-86.

[10] Cristiano Romero, Licitação acelerada do pré-sal pode levar a desindustrialização, Valor Econômico de 6 de dezembro de 2010.

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